Eu estava assistindo, estes dias, o canal fechado History, que tem uns programas interessantes. Ali, vi uma vinheta com o historiador Eduardo Bueno, em que ele conta algum “caso” escabroso do nosso passado, envolvendo algum homem público da nossa história e seus erros, e termina dizendo: “o povo que não conhece o seu passado fica condenado a cometer sempre os mesmos erros”.
Este é, sem dúvida, um chavão que contém verdade, mas também que mistifica. Se a nossa história consiste apenas numa série de erros a serem evitados no futuro, não há razão para estarmos juntos, ou para formarmos uma comunidade. Não há raízes para o nosso presente.
Não estou defendendo aqui uma visão ufanista da história, mas uma visão justa. Há erros no nosso passado, e precisamos evitar a sua repetição. Mas também há acertos que precisam ser cultivados. Não podemos ser um povo que recomeça tudo a cada momento, eis o maior erro que nunca aprenderemos a evitar.
O passado é a história da luta pela liberdade das gerações anteriores. Elas erraram muito – como hoje erramos nós. Mas não há porque imaginar que elas deliberaram dolosamente destruir a sua própria liberdade tomando sempre decisões imbecis, corruptas ou deliberadamente destrutivas. Elas buscavam construir sua própria felicidade, e o fato de que hoje estejamos lutando para construir a nossa é sinal de que nem todas as decisões que eles tomaram foram equivocadas. Não repetiremos os erros do passado aviltando a sua memória, mas respeitando as suas limitações. Não construiremos um futuro melhor promovendo o aviltamento dos nossos antecessores, mas descobrindo o valor do seu legado. Não há nenhuma evidência de que estejamos tomando, agora,decisões melhores, ou construindo um mundo irrevogavelmente melhor para os nossos descendentes do que eles construíram. Lembro de uma passagem muito bela da Encíclica “Spe Savi”, de Bento XVI, em que ele alerta:
“Visto que o homem permanece sempre livre e dado que a sua liberdade é também sempre frágil, não existirá jamais neste mundo o reino do bem definitivamente consolidado. Quem prometesse o mundo melhor que duraria irrevocavelmente para sempre, faria uma promessa falsa; ignora a liberdade humana. A liberdade deve ser incessantemente conquistada para o bem. A livre adesão ao bem nunca acontece simplesmente por si mesma. Se houvesse estruturas que fixassem de modo irrevogável uma determinada – boa – condição do mundo, ficaria negada a liberdade do homem e, por este motivo, não seriam de modo algum, em definitivo, boas estruturas.”
Quanto ao justo valor a ser dado à busca feita por nossos antepassados, à busca honesta pela herança que eles nos deixaram com suas boas e más decisões, cabe-nos abaixar a postura da arrogância contemporânea e julgá-los com justiça. Como diz Bento XVI, ainda na encíclica citada, “a busca sempre nova e trabalhosa de retos ordenamentos para as realidades humanas é tarefa de cada geração: nunca é uma tarefa que se possa simplesmente dar por concluída. Mas, cada geração deve dar a própria contribuição para estabelecer razoáveis ordenamentos de liberdade e de bem, que ajudem a geração seguinte na sua orientação para o reto uso da liberdade humana, dando assim – sempre dentro dos limites humanos – uma certa garantia para o futuro também.”
Não somos melhores que nossos pais. Mas eles são, afinal, os nossos pais. Queremos conhecer os seus erros, para que não os cometamos, mas também queremos conhecer os seus acertos, para que os herdemos. Como diz Jesus (Lc 11, 47-54):
“Ai de vós, porque construís os túmulos dos profetas! No entanto, foram vossos pais que os mataram. Com isso, sois testemunhas e aprovais as ações de vossos pais, pois eles mataram os profetas e vós construís os túmulos.”
Não podemos continuar, na nossa historiografia, a nos declarar apenas filhos dos matadores de profetas, para construir os túmulos dos profetas que nossos pais mataram. Queremos ser também filhos dos profetas. Queremos a nossa herança, e queremos que os historiadores nos ajudem a transmiti-las aos nossos filhos.