segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Banheiros públicos e a ideologia de gênero

Queria comentar brevemente o incidente envolvendo um artista travestido e uma mãe de família num banheiro público em São Paulo. O artista, nascido do sexo masculino, declara-se adepto da prática de vestir roupas do sexo oposto, e adentrou o banheiro feminino de um restaurante, chocando as mulheres e crianças do sexo feminino que lá estavam satisfazendo as próprias necessidades fisiológicas. O assunto transformou-se numa discussão profunda sobre os banheiros públicos e a questão de gênero. Não se poderia imaginar a chegada de um tempo em que soasse ultrapassado e conservador dizer que os banheiros públicos deveriam continuar a ser divididos em "banheiros para quem nasceu com órgão sexual masculino" e "banheiros para quem nasceu com órgão sexual feminino", por razões óbvias de adaptação anatômica dos vasos (e por respeito a um "pudor", sempre existente na maioria esmagadora da população, com relação à exposição de genitálias em espaços públicos compartilhados por adultos e crianças, no âmbito da evacuação). Quem diria que chegaria um tempo em que veríamos a transformação dos banheiros públicos em espaços para militância sexual ou “de gênero”, ou seja, indivíduos levando seus problemas sexuais para serem resolvidos nos espaços destinados à evacuação de detritos corporais de adultos e crianças. Por outro lado, a tal confusão com os banheiros públicos tem levado alguns a argumentar que a distinção dos sexos não é assim tão natural, já que existem pessoas com hermafroditismo, ou seja, que nascem com a genitália dos dois sexos. É certo que há pessoas que, por absoluta exceção, nascem assim, com hermafroditismo verdadeiro, não pode alterar o fato de que as exceções, mormente tão numericamente pequenas, não determinam as regras, mas resolvem-se mesmo como exceções. E que não há notícias de que seriam estas pessoas tão raras, os hermafroditas, que têm problemas na hora de escolher banheiros públicos: esta confusão tem sido causada por aqueles que, tendo nascido claramente com um ou outro aparelho excretor, têm uma visão alternativa quanto ao uso sexual deles. Fatos não se alteram, nem por cirurgia. Os desconfortos pessoais com o próprio aparelho excretor não podem ser resolvidos impondo ao resto da humanidade que supere o próprio desconforto com quem desconecta genitália e sexualidade, uma vez que há razões igualmente válidas e ponderáveis, creio eu, para acreditar que esta conexão existe, e portanto, razões válidas e ponderáveis para sentir desconforto com quem milita publicamente pela hostilidade aos que a reconhecem e defendem. Há boas razões, filosóficas e de bom senso, para afirmar que toda pessoa tem uma dimensão social, não como uma imposição de um "contrato" repugnante a um hipotético estado natural de absoluto individualismo, mas como parte da própria dimensão de ser humano. Relacionar-se é parte da própria noção de pessoa. Assim, os códigos de relacionamento, conquanto construídos, respondem a uma dimensão absolutamente dada, absolutamente natural do ser humano. Eis porque é possível, por exemplo, traduzir textos ou aprender línguas. Portanto, alguém que quisesse arbitrariamente chocar as convenções sociais quanto ao modo de vestir associado a determinado sexo, vestindo-se aberta e publicamente na forma do que se espera de quem tem o aparelho excretor oposto, estaria numa situação semelhante ao que quisesse alterar arbitrária e individualmente as convenções linguísticas - falando em público uma língua solitária e desconexa, não poderia reclamar quando os outros não o compreendessem, muito menos processá-los ou queixar-se deles por isso. Existe, é claro, muita gente que não se adapta com o uso sexual dos próprios aparelhos excretores. Mas este não é uma assunto que se possa resolver negando a existência congênita de dois tipos distintos de aparelhos excretores para o fim de uso de banheiros públicos. Por um lado, parece estar tornando-se comum a conduta de romper abertamente com os códigos sociais e desejar o seu desrespeito. Mas, por outro, é necessário, na convivência social, que se afirme o igual direito alheio, muito mais difundido no tempo e no espaço, de viver conforme estes mesmos códigos . E vê-los observados, mormente em espaços públicos que envolvem a exposição pessoal. É perfeitamente racional dizer que os códigos sociais são criados para atender um anseio natural das pessoas, e não pelo desejo de deliberadamente fazer sofrer quem não se conforma com sua própria genitália congênita. Não se pode confundir o momento da excreção no banheiro público com o da satisfação sexual – esta última deve estar restrita ao âmbito privado, ou seja, à própria alcova.