sábado, 27 de março de 2010

Ainda o ateísmo de Richard Dawkins

A pessoa lê Dawkins e vira um ateu. Fica encantado com a forma hipnótica com que ele usa a linguagem científica para convencer que o ateísmo é racional e inteligente,mas o teísmo é supersticioso e atrasado.
Engraçado, a pessoa fica se sentindo intelectual e superior por ter sido convencido por Dawkins que o ateísmo é uma forma mais elevada de existência. Insinuando que a ciência está restes a descobrir todos os mistérios da mente, Dawkins insinua que, no homem, nada há que ultrapasse o próprio homem. Chega a propor que quem, tem crenças religiosas deveria até ser proibido de criar os próprios filhos. Bom, há precedentes: os sistemas totalitários, como o nazismo e o comunismo soviético, pensavam o mesmo.
Temos a obrigação de desconfiar de todo fervor relativo à religião, que não se declara religioso. Não há fervor, contra o a favor de Deus, que não seja, em si mesmo, religioso.
Vou propor um paradoxo:
Se a nossa mente fosse tão simples a ponto de poder ser totalmente compreendida, certamente não seria complexa o suficiente para ter a capacidade de autocompreensão.
O troco eu deixo para quem leu Richard Dawkins e está se achando, simultaneamente, intelectual e ateu.
Para ser intelectual, tem que ler e compreender Kant. Mas ninguém lê Kant e sai ateu.
Para ser ateu, tem que ler e compreender Nietsche. Mas ninguém lê Nietsche sem virar e permanecer antiintelectualista.
O sujeito, impressionado com o cientificismo de Dawkins, que “traduz” com um verniz de sofisticação realidades que ele se surpreende em conseguir compreender – e fica se sentindo mais inteligente que os outros por fazê-lo - tem a exata sensação de ter superado a crença ingênua e delirante dos que ainda creem em Deus, pobres irracionais, e ter se elevado à visão racional onde a ciência já revelou tudo, já descobriu tudo de um modo que lhe é exposto naquela linguagem repleta de simplificações absurdas e jargão técnico em doses homeopáticas. Ao terminar o livro, o leitor já olha com desprezo o pai e a mãe que ainda se apegam a crenças religiosas “supersticiosas e ultrapassadas”, enquanto ele já sabe que os genes, os memes e o acaso explicam tudo, e o resto é engano para simplórios. Hipnose perfeita. Mas ninguém lhe explicou que ele está substituindo uma relação multimilenar dos homens com Deus por uma mistificação constituída de pequenos e falsos deuses, o acaso, os genes e os “memes”. É que esses deuses não lhe soam como deuses, mas como conceitos científicos, e a hipnose não lhe permite questionar o valor epistemológico de tais conceitos, que não são nem podem ser científicos. Está fisgado, transformado num ateu fechado e intransigente.
Darwinismo de botequim é só empáfia intelectual travestida de cientificismo. Não é levada a sério nem nos meios científicos decentes. Na verdade, é apenas uma religião materialista, que tende a divinizar os genes como seres suprahumanos. Como dizia Jean Guitton, O homem é ao mesmo tempo um animal religioso e um animal materialista. Ele é naturalmente religioso e naturalmente materialista. Igualmente, tem ele a tendência a fabricar materialismos religiosos e religiões materialistas.
Quero transcrever um trecho de um “diálogo” entre Jean Guitton e Pascal, sobre a questão religiosa, que acho bastante interessante. É assim:
"-O ateu é um teísta que deixou de crer em Deus e pensa que não
mais acredita no Absoluto. Se ele refletisse, compreenderia que, ao deixar de crer
em Deus, ele se pôs automaticamente a crer em uma das formas do Absoluto não
Pessoal. Nesse sentido, ele não é ateu em sentido amplo, porque ele não é ateu de
Deus no sentido amplo, ou seja, ateu do Absoluto. Ele é apenas ateu em sentido
estrito, ou seja, ateu de Deus no sentido estrito.
— Mas ele continua ateu.
— Sim, mas não mais do que aquilo que isso seja. Eu também sou ateu, e você
também é ateu, Pascal. Você é ateu do Deus dos estóicos, do Deus de Giordano
Bruno e do Deus de Pomponazzi, como eu mesmo sou ateu do Deus de Spinoza,
do Deus de Hegel, do Deus de Taine e de Renan.
— Temos que nos resignar. Somos sempre ateus de algum Deus.
— E também o incréu de alguém. Mas somos sempre demasiadamente crédulos;
daí, não nos damos conta. Aquilo que mais falta a nossos cristãos, Pascal, é ser
ateus. De minha parte, sou ateu do Deus de Nietzsche, do Deus de Marx, do Deus
de Freud. Um ateu jubilante, um ateu ímpio.
— O Vir-a-ser, a História, o Inconsciente — esses são também Absolutos.
— E até mesmo o Nada é também Absoluto. Tal qual você me vê, Pascal, sou
arqui-ateu do Nada. E Bergson era como eu.
— Guitton, você distingue o Absoluto-que-é-Deus e o Absoluto-que-não-seria-
Deus. É seu primeiro passo. Qual será o segundo?
— Este, Pascal: afirmo que todo mundo admite o Absoluto.
— Isso é uma coisa certa?
— Isso se demonstra por uma indução perfeita. Tome sucessivamente as escolas
de pensadores que alguém pudesse julgar ateias e você verá que elas admitem
o Absoluto. Os materialistas concebem a matéria como um Absoluto incriado e
imperecível, ou como um Vir-a-ser eterno, ou como uma Morte imortal, ou ainda
como uma Vida universal, ou uma Natureza infinita, mas sempre como um princípio
primeiro, radical e irredutível a nada mais que isto: o Absoluto. Quanto aos
idealistas, ele reduzem a matéria a apenas um correlato do espírito, e, para eles, o
Espírito, ou o Eu, ou a Razão é que é como o Absoluto.
— E para concluir, Guitton, o que você diz dos céticos?
— Eles oscilam entre várias idéias do Absoluto. Isso demonstra muito bem que
eles não duvidam do Absoluto como tal.
— Existem outras espécies de candidatos ao ateísmo?
- Não, Pascal. Trata-se de escolher entre o Absoluto não-Deus e o
Absoluto Deus. Ora, quando eu observo o mundo, parece-me encontrar aí características
de contingência: por exemplo, as grandes constantes físicas universais. Por
que estes números aqui e não outros? Acho mais plausível que um tal mundo seja
efeito de uma escolha, e não o resultado de um desdobramento necessário.
— Alguém diria que é o acaso.
— Todas essas “decisões” contribuem para tornar possível a existência da vida
e da vida pessoal. Bastaria uma variação mínima, por exemplo, da constante de
gravitação, e a vida não existiria. Por que é assim? Parece-me racional pensar simplesmente que a matéria é regida em função da vida futura.
— Alguém dirá ainda que essa regulamentação da matéria é o fruto do acaso,
como a vida.
— Pessoalmente, não creio nisso de modo algum. O conceito de acaso envolve
a ideia de uma não-coordenação de diversas causas. Ora, o mundo vivo manifesta,
sem nenhuma dúvida possível, uma coordenação entre as evoluções e os fatos
que a admissão do acaso obrigaria a crer independentes. Observe, por exemplo,
os instintos dos animais, sobretudo daqueles que são os mais mecânicos, como os
insetos. Considere o exemplo do Esfex, dado por Bergson, em L’Evolution créatrice
[A evolução criadora], que dá três picadas paralisantes exatamente nos três centros
nervosos do grilo em que ele vai deitar seus ovos e que ele jamais vira antes. Isso
quer dizer que, de uma maneira ou de outra, a anatomia da espécie parasitada
taria codificada com uma grande precisão nos genes do inseto parasita. Como você
pode deixar de perceber a coordenação aí?
— Alguém dirá, Guitton, que é sempre e ainda o acaso.
— Mas toda a natureza é assim. Os instintos dos pássaros migratórios, a estrutura
do córtex, do código genético... Tudo isso é espantoso. Você ganha uma vez na
loteria, e alguém diz: foi por acaso. Você ganha duas ou três vezes, e alguém diz
que você é um sortudo. Se você ganha todos os domingos, ninguém mais acredita:
você está trapaceando e acabará na prisão.
— Como você explica que haja pessoas que continuam a acreditar nisso?
— Eu mesmo não sei de nada. Pergunte-lhes, portanto.
— É a você que estou perguntando, Guitton.
— Eu lhe diria que elas são como os velhos Gauleses. Têm medo de que o céu
lhes caia sobre a cabeça.
— Você quer dizer: que Deus entre em suas vidas.

É um belo diálogo, a íntegra pode ser encontrada na internet. Permito-me transcrever um pequeno texto onde Jean Guitton discorre sobre aqueles que negam a existência do absoluto, e declaram-se niilistas - e, portanto, ateis, sem perceber que renunciam, com isso, à próp´ria possibilidade da razão:
"Ou eles estão revoltados contra o Absoluto, e, portanto,
admitem-no como real, sem no entanto querer amá-lo ou obedecer-lhe (primeiro
caso); ou eles imaginam que sua recusa poderia impedir o Absoluto de ser e,
nesse caso, pensam que sua vontade é um Absoluto que seria Vontade, com letra
maiúscula. Portanto, eles admitem ainda como real um Absoluto: a Vontade (segundo
caso); ou ainda (terceiro caso), eles pretendem que simplesmente não haja
Absoluto, mas, então, seja este um desejo ineficaz e voltamos ao primeiro caso,
seja algo mais que isso e voltamos ao segundo caso."

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