quinta-feira, 24 de março de 2011

Pena de morte e Igreja Católica

O direito penal brasileiro não conhece penas de morte, por ordem constitucional. Está no art. 5º da Constituição Federal no inciso XLVII, letra “a”. A única exceção, em nosso país, para que se admita a pena de morte é quando o Brasil está em guerra declarada. Assim, quando o Brasil declara oficialmente guerra a outro país, a pena de morte pode ser aplicada aos que traírem o país, por exemplo, prestando serviço nas forças armadas das nações em guerra contra o Brasil (art. 355 do Código Penal Militar) ou praticar sabotagem (art. 356) ou espionagem (art. 359). Felizmente, há muito tempo o Brasil não declara guerra a ninguém, e esperamos, com a graça de Deus, que jamais o faça.
A doutrina constitucional lembra que a Constituição brasileira, “no inciso XLVII, consagra que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, da Constituição, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou penas cruéis”. ( Mendes, Gilmar Ferreira et alli, Curso de Direito Constitucional. 4ª Edição atualizada até a EC 57/2008. São Paulo, Saraiva, 2009. Pág. 648).
No mundo jurídico, a publicação "A Constituição No Atual Entendimento Dos Tribunais Federais" ( VVAA, Brasília, Diedi/TFR1, Agosto de 2009, pag.99) transcreve uma decisão do Supremo Tribunal Federal que chama a atenção para o fato de que o repúdio à pena de morte pelo Estado brasileiro é tão forte que se estende aos estrangeiros cuja extradição venha a ser solicitada por qualquer Estado estrangeiro. A extradição somente é concedida pelo Brasil se o Estado estrangeiro se comprometer a não aplicar a pena de morte ao extraditando. O Supremo Tribunal Federal, diante do pedido de um país estrangeiro para que o Brasil extraditasse um súdito estrangeiro, a fim de que ele sofresse pena de morte em outro país, assim decidiu:

E M E N T A: EXTRADIÇÃO - REPÚBLICA POPULAR DA CHINA - CRIME DE ESTELIONATO PUNÍVEL COM A PENA DE MORTE - TIPIFICAÇÃO PENAL PRECÁRIA E INSUFICIENTE QUE INVIABILIZA O EXAME DO REQUISITO CONCERNENTE À DUPLA INCRIMINAÇÃO - PEDIDO INDEFERIDO. PROCESSO EXTRADICIONAL E FUNÇÃO DE GARANTIA DO TIPO PENAL. - (...). EXTRADIÇÃO, PENA DE MORTE E COMPROMISSO DE COMUTAÇÃO. - O ordenamento positivo brasileiro, nas hipóteses em que se delineia a possibilidade de imposição do supplicium extremum, impede a entrega do extraditando ao Estado requerente, a menos que este, previamente, assuma o compromisso formal de comutar, em pena privativa de liberdade, a pena de morte, ressalvadas, quanto a esta, as situações em que a lei brasileira - fundada na Constituição Federal (art. 5º, XLVII, a) - permitir a sua aplicação, caso em que se tornará dispensável a exigência de comutação. O Chefe da Missão Diplomática pode assumir, em nome de seu Governo, o compromisso oficial de comutar a pena de morte em pena privativa de liberdade, não necessitando comprovar, para esse efeito específico, que se acha formalmente autorizado pelo Ministério das Relações Exteriores de seu País. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas - Artigo 3º, n. 1, "a" - outorga à Missão Diplomática o poder de representar o Estado acreditante ("État d'envoi") perante o Estado acreditado ou Estado receptor (o Brasil, no caso), derivando, dessa eminente função política, um complexo de atribuições e de poderes reconhecidos ao agente diplomático que exerce a atividade de representação institucional de seu País. (...) (STF, Ext. 633/CH. Rel Min. Celso de Mello. DJ 06-04-2001 PP-00067 EMENT VOL-02026-01 PP-00088)


E quanto à questão moral e religiosa, o catecismo da Igreja Católica admite a pena de morte em situações extremas, não como um fim em si mesma, mas como um meio para salvaguardar a vida dos outros. Ou seja, trata-se de um caso extremo de legítima defesa social, que só é moralmente admissível se presentes diversos requisitos: 1. A comprovação cabal da identidade do agressor injusto; 2. A determinação plena da sua responsabilidade. 3. Que esta seja a única via praticável para defender a vida humana contra o agressor injusto.
Mas, diz o Catecismo, se os meios incruentos (quer dizer, aqueles que não envolvem o derramamentto de sangue do agressor) bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana.
Na prática, a Igreja ensina que, com o desenvolvimento da tecnologia e o fortalecimento das instituições estatais, há raríssimos casos nos quais a pena de morte seria justa, hoje em dia. O Vaticano está empenhado numa campanha mundial pela moratória às penas de morte.
Diz o Catecismo a esse respeito:

2263 A legítima defesa das pessoas e das sociedades não é uma exceção à proibição de matar o inocente, que constitui o ho­micídio voluntário. "A ação de defender-se pode acarretar um duplo efeito: um é a conservação da própria vida, o outro é a morte do agressor. Só se quer o primeiro; o outro, não."
2264 O amor a si mesmo permanece um princípio fundamental da moralidade. Portanto, é legítimo fazer respeitar seu próprio direito à vida. Quem defende sua vida não é culpável de ho­micídio, mesmo se for obrigado a matar o agressor: Se alguém, para se defender, usar de violência mais do que o necessário, seu ato será ilícito. Mas, se a violência for repelida com medida, será lícito... E não é necessário para a salvação omitir este ato de comedida proteção para evitar matar o outro, porque, antes da de outrem, se está obrigado a cuidar da própria vida.
2265 A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um dever grave, para aquele que é responsável pela vida de outros. Preservar o bem comum da sociedade exige que o agressor seja impossibilitado de prejudicar a outrem. A este título os legítimos detentores da autoridade têm o direito de repelir pelas armas os agressores da comunidade civil pela qual são responsáveis.
2266 Corresponde a uma exigência de tutela do bem comum c esforço do Estado destinado a conter a difusão de comportamentos lesivos aos direitos humanos e às regras fundamentais de convi­vência civil. A legítima autoridade pública tem o direito e o dever de infligir penas proporcionais à gravidade do delito. A pena tem como primeiro objetivo reparar a desordem introduzida pela culpa, Quando essa pena é voluntariamente aceita pelo culpado tem valor de expiação. Assim, a pena, além de defender a ordem pública c de tutelar a segurança das pessoas, tem um objetivo medicinal: na medida do possível, deve contribuir à correção do culpado.
2267 O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de com provadas cabalmente a identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto. Se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana.

A Igreja Católica «vê com grande esperança a mobilização internacional que tem como objetivo final cancelar a pena capital de todos os ordenamentos jurídicos e estatutários». Dando uma entrevista sobre o assunto, Dom Agostino Marchetto, secretário do Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, esclareceu que "Para a Igreja, acrescentou o prelado, a vida humana é «sagrada» desde a concepção até a morte natural, segundo o «projeto divino de uma civilização do amor e da vida». Frente a isso, «a pena de morte aparece cada vez mais como um instrumento inaceitável, além de inútil e daninho», explicou. «Por isso, o magistério católico, que ilustrou o valor da vida como fundamento de toda a sociedade, condena de forma aberta e humilde, porém com firmeza, a pena capital». Contudo, diz ele, a Igreja «é consciente da complexidade desta questão e da necessidade de proceder com decisão e gradualidade». (Permalink: http://www.zenit.org/article-19604?l=portuguese "Santa Sé é contra pena de morte, recorda Dom Marchetto", consulta em 24/03/2011).

Não há razão, portanto, para se imaginar que um bom cristão deve defender a pena de morte. Ela não é uma maneira eficaz de combater o crime, nem uma solução moral ou jurídica (salvo em casos extremos) para defender socialmente a vida humana.

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