sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Acusações genéricas à Igreja Católica

Um colega de outro Estado, aqui no órgão onde eu trabalho, vem colocando na lista eletrônica de discussão, sistematicamente, emails com destino a todos os membros do órgão, agredindo com inverdades a Igreja Católica.

Quero deixar registrado aqui a última resposta que encaminhei à discussão, sem identificar os interlocutores, mas porque pode ser útil a quantos cristãos se vejam na mesma posição. Respondi assim:

Criticar é sempre bom, desde que respeitadas a verdade, a lealdade e a pluralidade da sociedade brasileira, bem como a pertença de fé do outro.

Assim, atacar a Igreja Católica com inverdades e imprecisões, contra sua Santa Sé, no Vaticano, é atacar os católicos, e foi isto que esta notícia distorcida que você divulgou fez, sejam quais sejam os motivos por trás dela.

Quanto à informação de que a visita do Papa foi "custeada pelo Estado espanhol, com arrocho dos Trabalhadores daquele país", tampouco é verdadeira. A visita do Papa, que é chefe de Estado com o qual a Espanha mantém boas relações diplomáticas, deu tanta despesa quanto a visita de qualquer chefe de Estado estrangeiro, contra os quais eu nunca vi ninguém se levantar em protestos. As atividades do Papa na Jornada Mundial da Juventude em Madri, que tinham cunho estritamente religioso, foram integralmente custeadas pelo Povo de Deus, e os dois milhões de peregrinos que para lá se dirigiram hospedaram-se, comeram e beberam e renderam muitos milhões de euros à estagnada economia espanhola. Não houve um centavo de prejuízo a nenhum "pobre trabalhador oprimido", ao contrário, a injeção de 160 milhões de euros numa economia espanhola à beira da falência, quantia que superou infinitamente qualquer gasto estatal espanhol, além da divulgação turística de Madri nos quatro cantos do mundo e a criação de inúmeros empregos, temporários e definitivos. O balanço oficial católico está divulgado jornalisticamente no seguinte endereço: http://agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=87073. Mas claro que isso irritou os inimigos da Igreja, e, diante dos fatos inatacáveis, só resta inventar versões. A responsabilidade pela invenção certamente é de quem inventa, mas cabe-nos o cuidado de checar sua veracidade antes de divulgá-las publicamente em rede estatal como esta.

Quanto à organização estatal argentina, estou certo de que a sua preocupação é sincera, mas também creio que este é um problema que envolve dois grupos interessados, os argentinos, que moram e custeiam aquele país democrático, e os católicos, que pertencem à Santa Madre Igreja que se relaciona deste ou daquele modo com o Estado argentino. Ambos são grupos formados por gente grandinha e que sabe se cuidar.

Essa história de "erros históricos do Vaticano", assim no genérico, me desculpe, é cantilena velha. Propaganda antieclesial e ofensiva. Por isso, é sempre bom que apontemos concretamente: 1) de quais "erros " estamos acusando a Igreja, e 2) com qual objetivo, e 3) como ela deveria ter se comportado num determinado caso histórico, bem como 4) qual o padrão de julgamento que estamos usando para comparar. Porque atacar o Vaticano genericamente é atacar a fé alheia, e atacar a fé alheia é sempre complicado - muito mais quando eventuais acusações são abstratas ou gratuitas, ou envolvem distorções ou inverdades. Assim, apenas peço que você cheque adequadamente a fonte das informações antes de colocar na rede, porque esta "missão" de "desmistificar o Vaticano" que você se atribui pode ofender a quem tem a fé católica, se não for feita com muito cuidado e responsabilidade. Pode soar como mero preconceito gratuito contra os católicos, veiculado em lista eletrônica de Estado brasileira.

Quanto ao tamanho de Deus e a relação d'Ele com a Santa Madre Igreja, estou certo de que isto é um problema de fé de cada um. Você é livre para crer no que quiser. Eu também. E a fé deve respeitar-se mutuamente, por isso deixo de entrar em tal discussão.

Tenho você nas minhas orações. Mas não vou entrar em debates sobre o particular.
Abraços do amigo,

terça-feira, 6 de setembro de 2011

O indiculus - resumo livre



Alguns, autodeclarando-se católicos, alegam concordar com a Santa Sé quanto à condenação dos pelagianos, mas censuram alguns mestres (em especial Santo Agostinho) como se houvessem exagerado em suas posições, no que diz respeito à Graça.
Daí a necessidade que teve a Santa Sé de publicar o indiculus (breve índice) sobre as questões pertinentes à Graça, para que se saiba qual é a verdadeira doutrina católica no particular.
O indiculus (cerca do século VI) foi atribuído inicialmente ao Papa Celestino I, mas hoje a tendência da historiografia é de atribuí-lo a São Próspero de Aquitânia. No entanto, quem quer que tenha sido o seu redator, o indiculus foi aprovado por sucessivos Papas como expressão autêntica da fé da Igreja, inclusive – e expressamente – numa carta do Papa Hormisdas ao Bispo africano Possessor, de 13.08.520.
Em apertadíssima suma, eis o que trata o indiculus:
1. Ninguém é bom por si mesmo, senão na medida em que Aquele que é o único Bom lhe der a participação de si (Mt 19. 17; Mc 10, 18; Lc 18, 19) Os que pensam que podem, por mérito próprio, ser justos, sem levar em consideração Aquele de quem recebem diariamente a Graça, e confiam poder conseguir grandes coisas sem Deus, desses certamente não podemos esperar algo de bom daqui para a frente.
2. Ninguém é capaz de resistir às concupiscências da carne ou às tentações do Diabo se não receber de Deus a ajuda diária na perseverança para a boa conduta.
3. Mesmo depois do batismo, o Senhor sabe que poderemos pecar de novo, reservou muitos meios para reerguer-nos, oferecendo-nos diariamente remédios sem cujo auxílio e sustentação jamais poderemos vencer os erros humanos. É de fato inevitável que, se vencemos com seu auxílio, sejamos irremediavelmente vencidos sem ele (Inocêncio I).
4. Só se faz bom uso do livre arbítrio pela graça de Cristo. Inocêncio I diz: “foi precisamente a liberdade que enganou o primeiro homem, que caiu no pecado por presunção, após ter afrouxado com excessiva indulgência os freios. E do estado de pecado não se poderia sair sem que a Providência o tivesse restituído ao primitivo estado de liberdade, com a regeneração proveniente do advento de Cristo.
5. Todo o empenho, todas as obras e méritos dos santos devem ser referidas à glória e louvor de Deus. Ninguém pode agradar a Deus senão por aquilo que Ele mesmo lhes dá. Papa Zózimo: “Não se deve exaltar a liberdade do arbítrio humano. A vontade para o bem é preparada pelo Senhor. Ele move os corações dos Seus filhos com paternais inspirações, para que façam algum bem. Em cada bem movimento da vontade humana, tem mais força o Seu auxílio.
6. De tal modo Deus age no coração dos homens e no próprio livre arbítrio que um santo pensamento, um piedoso propósito e todo movimento de boa vontade vêm de Deus, porque por Ele podemos algum bem, mas sem Ele nada podemos, Jo 15, 5. Diz o Papa Zózimo: “Não há tempo em que não necessitamos da ajuda de Deus. Em todos os nossos atos, dúvidas, pensamentos e sentimentos devem ser invocado nosso auxiliador e protetor. É soberba presumir algo de si.
7. A Santa Sé reconhece o Concílio de Cartago.
8. Os Padres ensinaram-nos a repelir a nefasta novidade pelagiana, ensinando-nos a atribuir à Graça de Cristo tanto o início da boa vontade quanto o aumento dos louváveis esforços e a perseverança neles até o fim. Consideremos o mistério das orações sacerdotais, sob a luz do princípio lex orandi, lex credendi. Quando se pede a clemência divina (para os hereges, cismáticos, infiéis, judeus, pecadores e catecúmenos) estas graças não são pedidas por mera formalidade, nem inutilmente. Deus se digna atrair a si muitíssimos homens, arrancando-os do poder das trevas para o Reino de Amor. Isto é de tal modo obra divina que se dá louvor e ação de graças a Deus por elas.
9. É assim que a Igreja age com os jovens e crianças que serão batizados. Não chegam à fonte da vida sem primeiro passar por um exorcismo, para liberar-se do “Príncipe deste mundo”, entregando-se a alma assim resgatada às mãos daquele que “venceu o homem forte”.
Professamos que Deus é o autor de todas as boas obras e disposições da alma e de todos os esforços e virtudes com que, desde o início da fé, tendemos para Deus, e não duvidamos que todos os méritos do homem são precedidos pela Graça daquele por quem começamos a querer e a fazer algum bem.
Por este auxílio o livre arbítrio não é tirado, mas libertado da cegueira, do desvio, das patologias e da imprudência. Deus, na sua infinita bondade, quer que sejam méritos nossos o que são dons seus. Dar-nos-á recompensas eternas por aquilo que ele mesmo nos deu praticar.
Deus não quer que em nós fique inativo aquilo que Ele nos deu para ser posto em ato, e não negligenciarmos. Se fraquejamos, recorramos a Ele, que salva a ruína de nossas vidas. Peçamos a Ele que nos livre do mal!
Para confessar a Graça de Deus, cremos, pois, ser suficiente o que nos ensinam os escritos da Santa Sé, e quem sustenta no contrário não pode se declarar católico. (Indiculus, resumo livre).

domingo, 4 de setembro de 2011

Três suicidas, a cultura da morte e um pouco de Chesterton

Há assuntos que nos interessam intelectualmente; outros nos deleitam. Outros assuntos nos atingem como raios na chuva. Falo especificamente do suicídio.
Por este assunto eu não tenho nenhum tipo de atração intelectual, muito menos deleite. Mas o fato de que três pessoas próximas a mim tenham se envolvido com o suicídio – duas delas com sucesso – faz com que este tema tenha entrado na minha vida assim, atingindo-me existencialmente.
Três pessoas, duas bem jovens. Um mundo envolvido por aquilo que o Papa João Paulo II chamou de “cultura da morte”.
O suicídio, me parece, está sendo bem romantizado, nos dias que correm. O suicida, em alguns casos, parece ver a si mesmo como um mártir da sua religião exclusiva. E às vezes é louvado e exaltado. É curioso que num mundo profundamente individualista como o nosso, o suicídio exerça esta certa fascinação, esta aura de ato extremo, de coerência e coragem. Porque, na verdade, é exatamente o contrário.
A cultura da morte é a cultura dos fracos. É a cultura dos que não têm forças para criar os filhos que geram, e por isso abortam. Dos que não conseguem sustentar seus velhos e moribundos, e por isso os assassinam e chamam de “eutanásia”. Dos que não suportam a vida e se matam. São os mártires do individualismo, mártires da própria heresia solitária.
Neste sentido, o suicida não é um mártir, por mais que o vejam assim os nossos individualistas contemporâneos, cultores do niilismo, do voluntarismo,do relativismo, do cinismo e da cultura da morte. É exatamente o contrário. O mártir é alguém que ama tanto a Deus, ama tanto a Vida, que é capaz de entregar esta vida terrena, que ele reconhece como um dom magnífico, em testemunho da verdade. O suicida é, de regra, alguém que odeia tanto os outros, nega tanto que exista alguma consistência no mundo que está fora da sua própria cabeça que, impossibilitado de matar todas as outras pessoas de uma só vez, mata a si mesmo para rejeitar simultaneamente todos os outros. É, sem dúvida, de regra, o ato mais desprovido de humildade que um ser humano pode cometer.
Abro um parêntese para comentar a questão do suicida que sobrevive; um dos três casos que mencionei acima foi exatamente um destes.
Neste caso, há um ganho adicional: o suicida tentado pode dizer a todos os outros: nada do que vocês fizeram até hoje foi suficiente para que eu os amasse. E mais, tratem-me bem, porque senão eu cometerei suicídio, e desta vez para valer. Estabelece-se então uma relação doentia de dominação, entre o suicida “tentado” e os que, mais próximos dele, estão paralisados pelo medo de que ele tente de novo e, desta vez, consiga. Vivem bajulando-o, verdadeiros lacaios desta divindade semivivente, repletos de culpa e de medo de que qualquer palavra errada, qualquer gesto de correção ou de repreensão cause uma nova tentativa de suicídio da qual eles (os parentes, não o suicida) carregarão eternamente a culpa.
Suicidas não são mártires. Claro que há causas patológicas para o suicídio, mas não é disso que trato aqui. Estou falando da deliberação suicida, do culto à melancolia, à morbidez, ao individualismo, ao niilismo, que parece ser a tônica do pensamento dominante em nossos dias. O suicida, neste sentido, é o ateu mais profundo: ele nega, em última instância, o direito do outro a existir.
Sobre este assunto, lembro as palavras de Chesterton, no livro “Ortodoxia”, capítulo V. Tratando do suicida, ele diz que “Não existe nenhuma criatura no cosmos, por mínima que seja, para quem a sua morte não é um escárnio. Quando alguém se enforca numa árvore, as folhas poderiam cair de raiva e os pássaros fugir em fúria, pois cada um deles recebeu uma afronta direta. (...)”. E prossegue:

“Mais ou menos na mesma época li uma solene bobagem de algum livre-pensador. Dizia ele que um suicida era simplesmente o mesmo que um mártir. A patente falácia desse texto ajudou-me a esclarecer a questão. Obviamente um suicida é o oposto de um mártir. Um mártir é um homem que se preocupa tanto com alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal. Um suicida é um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora dele que ele quer ver o fim de tudo. Um quer que alguma coisa comece; o outro, que tudo acabe.”

Estou indo para a missa, em intenção dessas três pessoas que cruzaram e ainda cruzam a minha vida. Espero sinceramente que o Espírito Santo possa ter entrado em suas vidas, ainda que nos instantes finais de sua existência, devolvendo-lhes a possibilidade de salvação. Porque não há suicídio na vida eterna, nem tampouco possibilidade de sair do inferno se matando.