domingo, 4 de setembro de 2011

Três suicidas, a cultura da morte e um pouco de Chesterton

Há assuntos que nos interessam intelectualmente; outros nos deleitam. Outros assuntos nos atingem como raios na chuva. Falo especificamente do suicídio.
Por este assunto eu não tenho nenhum tipo de atração intelectual, muito menos deleite. Mas o fato de que três pessoas próximas a mim tenham se envolvido com o suicídio – duas delas com sucesso – faz com que este tema tenha entrado na minha vida assim, atingindo-me existencialmente.
Três pessoas, duas bem jovens. Um mundo envolvido por aquilo que o Papa João Paulo II chamou de “cultura da morte”.
O suicídio, me parece, está sendo bem romantizado, nos dias que correm. O suicida, em alguns casos, parece ver a si mesmo como um mártir da sua religião exclusiva. E às vezes é louvado e exaltado. É curioso que num mundo profundamente individualista como o nosso, o suicídio exerça esta certa fascinação, esta aura de ato extremo, de coerência e coragem. Porque, na verdade, é exatamente o contrário.
A cultura da morte é a cultura dos fracos. É a cultura dos que não têm forças para criar os filhos que geram, e por isso abortam. Dos que não conseguem sustentar seus velhos e moribundos, e por isso os assassinam e chamam de “eutanásia”. Dos que não suportam a vida e se matam. São os mártires do individualismo, mártires da própria heresia solitária.
Neste sentido, o suicida não é um mártir, por mais que o vejam assim os nossos individualistas contemporâneos, cultores do niilismo, do voluntarismo,do relativismo, do cinismo e da cultura da morte. É exatamente o contrário. O mártir é alguém que ama tanto a Deus, ama tanto a Vida, que é capaz de entregar esta vida terrena, que ele reconhece como um dom magnífico, em testemunho da verdade. O suicida é, de regra, alguém que odeia tanto os outros, nega tanto que exista alguma consistência no mundo que está fora da sua própria cabeça que, impossibilitado de matar todas as outras pessoas de uma só vez, mata a si mesmo para rejeitar simultaneamente todos os outros. É, sem dúvida, de regra, o ato mais desprovido de humildade que um ser humano pode cometer.
Abro um parêntese para comentar a questão do suicida que sobrevive; um dos três casos que mencionei acima foi exatamente um destes.
Neste caso, há um ganho adicional: o suicida tentado pode dizer a todos os outros: nada do que vocês fizeram até hoje foi suficiente para que eu os amasse. E mais, tratem-me bem, porque senão eu cometerei suicídio, e desta vez para valer. Estabelece-se então uma relação doentia de dominação, entre o suicida “tentado” e os que, mais próximos dele, estão paralisados pelo medo de que ele tente de novo e, desta vez, consiga. Vivem bajulando-o, verdadeiros lacaios desta divindade semivivente, repletos de culpa e de medo de que qualquer palavra errada, qualquer gesto de correção ou de repreensão cause uma nova tentativa de suicídio da qual eles (os parentes, não o suicida) carregarão eternamente a culpa.
Suicidas não são mártires. Claro que há causas patológicas para o suicídio, mas não é disso que trato aqui. Estou falando da deliberação suicida, do culto à melancolia, à morbidez, ao individualismo, ao niilismo, que parece ser a tônica do pensamento dominante em nossos dias. O suicida, neste sentido, é o ateu mais profundo: ele nega, em última instância, o direito do outro a existir.
Sobre este assunto, lembro as palavras de Chesterton, no livro “Ortodoxia”, capítulo V. Tratando do suicida, ele diz que “Não existe nenhuma criatura no cosmos, por mínima que seja, para quem a sua morte não é um escárnio. Quando alguém se enforca numa árvore, as folhas poderiam cair de raiva e os pássaros fugir em fúria, pois cada um deles recebeu uma afronta direta. (...)”. E prossegue:

“Mais ou menos na mesma época li uma solene bobagem de algum livre-pensador. Dizia ele que um suicida era simplesmente o mesmo que um mártir. A patente falácia desse texto ajudou-me a esclarecer a questão. Obviamente um suicida é o oposto de um mártir. Um mártir é um homem que se preocupa tanto com alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal. Um suicida é um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora dele que ele quer ver o fim de tudo. Um quer que alguma coisa comece; o outro, que tudo acabe.”

Estou indo para a missa, em intenção dessas três pessoas que cruzaram e ainda cruzam a minha vida. Espero sinceramente que o Espírito Santo possa ter entrado em suas vidas, ainda que nos instantes finais de sua existência, devolvendo-lhes a possibilidade de salvação. Porque não há suicídio na vida eterna, nem tampouco possibilidade de sair do inferno se matando.

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