sábado, 30 de julho de 2011

Acampanha pública da Associação de Ateus

Conversar com o meu colega ateu é sempre interessante. Para mim, ao menos. Não sei se para ele. Na verdade, algumas vezes ele se irrita quando eu o ponho no canto, ou aponto uma contradição em seu pensamento, que ele não quer admitir, e se irrita comigo pelo simples fato de que eu aponto tal contradição. Depois, ele fica achando que eu sou preconceituoso, que não aceito o ateísmo dele, e ele se sente discriminado ou combatido por ser ateu.
Isso não é verdade. Sinceramente, eu sempre converso com ele querendo aprender, querendo chegar à verdade, não querendo vencer. Não se trata de vencer ou perder a discussão, mas de uma busca honesta pela verdade, que ele nem sempre está aberto para seguir até o fim.
Na verdade, algumas vezes eu tenho a sensação de que o ateísmo dele envolve a deliberação de viver sem ter que ser responsável perante nenhum deus. Trata-se de não reconhecer nenhum poder capaz de exigir-lhe responsabilidade, fora de si próprio. E isto é uma das coisas em que eu acho que ele se engana. Pode ser que eu tenha a sensação de que ele está em guerra com a ideia de deus, mas não com o próprio Deus. Aliás, eu tenho a impressão de que ele não faz a menor ideia de quem é Deus de verdade. Deus é amor, Deus não é despotismo.
É claro que dizer que Deus é amor não torna a nossa relação com ele mais simples. Não se pode deixar de anotar que o verdadeiro amor é exigente, e há quem prefira viver longe do amor do que atender às suas exigências. Em todo caso, o problema é que a discussão sobre ateísmo sempre começa com uma certa sensação de que ele, o meu amigo, começa sentindo-se intelectualmente superior a mim, que sou crente, e sempre acaba se impacientando porque, usando apenas argumentos racionais, eu o pego em contradição, mas ele nunca quer admitir que eu o apanhei em contradição. É neste momento que ele se refugia no argumento de que há premissas religiosas escondidas em minha argumentação – que ele nunca consegue apontar objetivamente- e me acusa de visão estreita e intolerância, e acaba a discussão.
Ontem isso aconteceu de novo. A Associação de Ateus a qual ele é filiado (filiou-se recentemente e fez muito alarde disso) começou uma campanha pelo ateísmo. Um dos cartazes mostra imagens de Buda, Jesus, Shiva e outros “deuses” e uma frase que diz: “somos todos ateus do deus de alguém”. Ele me ligou:
- E agora? Você viu esse cartaz? Você não pode ter resposta a este argumento, porque você, outro dia mesmo, citou aquele pensador francês católico, Jean Guitton, que escreveu a mesma coisa! Todo teísta também é ateu do deus de alguém.
- Não, não é verdade, não foi isso que Jean Guitton disse. Ele disse apenas que ele era ateu dos falos deuses dos outros. Mas não é verdade o que o cartaz da sua campanha diz.
- Como assim?
- Na verdade, somente um monoteísta, como Jean Guitton, pode alardear-se ateu dos deuses dos outros. E ele o faz, é claro, como um recurso de retórica. A rigor, o que ele estava dizendo era: uma vez que creio apenas no único Deus verdadeiro, afirmo categoricamente que todos os outros deuses são falsos, e que adorá-los é idolatria. Mas um politeísta, como por exemplo um seguidor da umbanda ou mesmo desse hinduísmo de boutique que se propaga dentre os frequentadores de aulas de ioga jamais iria dizer ou sustentar ser ateu do deus de alguém. E a rigor eles não são: eles creem simultaneamente em todos os deuses. Portanto, seu cartaz não está certo nem sequer quanto ao pressuposto.
- Qual pressuposto?
- De que todos somos ateus do deus de alguém. Isso não é verdade. Veja, por exemplo, o discurso de São Paulo aos atenienses, em Atos 17. O texto descreve os atenientes como “muito religiosos”, e eles tinham um altar até “ao deus desconhecido”, ou seja, eles louvavam os deuses que conheciam e, por via das dúvidas, louvavam até os que desconheciam. Certamente os atenienses de então não eram ateus do deus de ninguém. E este é o mal de muitos dos nossos cristãos de hoje: são crédulos demais, acabam na idolatria.
- Ainda assim – prosseguiu o meu amigo ateu – a existência e a proliferação de religiões mostra claramente que cada um acredita que o seu próprio deus é verdadeiro, o que me impede de acreditar que qualquer um deles exista de fato. Você só crê no deus cristão porque é cristão, se você fosse árabe acreditaria em Allah, ou se fosse indiano, em Brahman. Eu, que sou mais racional, considero todos falsos.
- Mas tampouco há fundamento racional para isso. O texto do seu cartaz, ademais de estatuir uma falsidade, como eu já expliquei, ele não permite de forma nenhuma chegar à conclusão que você está chegando.
- Como assim?
- Bom, da multiplicidade de cultos e religiões excludentes entre si não se pode concluir pelo falsidade de todos.
- Bom, mas cada um acha que o outro é falso, portanto eles não podem ser simultaneamente verdadeiros.
- Sim, é verdade. Mas do fato de que eles não possam ser simultaneamente verdadeiros não decorre que eles sejam simultaneamente falsos. Isso é má lógica. Seu ateísmo, se estiver fundado nessa conclusão, está fundado em péssima lógica, desculpe-me.
- Você é mesmo preconceituoso, não dá para discutir com você - o meu amigo sempre diz isso quando não tem mais argumentos.
- Mas não sou eu quem está fazendo uma campanha publicitária grandiosa e falaciosa. Veja quanta gente simples vai perder a fé por causa de um argumento torto e falso, simplesmente por não ter formação filosófica. Aí é o problema: não sou eu o mistificador.

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