domingo, 16 de outubro de 2011

A tradução da Apologética de Peter Kreeft

Este é um comentário sobre o livro "Manual de Apologética Cristã", de Peter Kreeft. Foi traduzido para o português por uma editora ligada a uma "igreja" evangélica, o que é de ser anotar, porque o autor, Peter Kreeft, é um excelente católico e profundo filósofo.
No entanto, a tradução em português possui alterações graves, que mudam o pensamento original de Peter Kreeft e fazem o livro atacar os católicos, o que seria contraditório para quem, como Peter Kreeft, é católico. Mas o editor brasileiro não hesita em publicar uma tradução falsa, infiel ao original, agressiva aos católicos.
Por exemplo, na página 25 da edição americana há o seguinte parágrafo:

"They also have a strong case in the press because the Church still
smells from the smoke of the Inquisition, when it made the very same
mistake contemporary liberals make: confusing heresy with heretics.
The spanish Inquisition wrongly destroyed heretics in order rightly to
destroy heresies; modern "liberals" wrongly loves heresies in order
rightly to love heretics.
Traduzido fielmente, ele ficaria assim:
"Eles também têm uma forte resistência na imprensa, porque a igreja ainda se ressente fortemente da fumaça da Inquisição, quando foi cometido o mesmo engano que os protestantes liberais de hoje fazem: confundir a heresia com os hereges. A inquisição espanhola erradamente destruiu hereges pela razão correta de combater as heresias. Os liberais de hoje amam equivocadamente as heresias pela razão correta de amar os hereges."
Bom, não se duvida que este texto é controverso, mesmo em inglês, já que, ao menos no caso da inquisição espanhola, a influência política foi bastante determinante nas condenações, muito mais do que as posturas propriamente eclesiais. Além disso, a propaganda protestante foi responsável pela deturpação da história, e valeu-se da mentira para tanto. É o que prova este excelente vídeo da BBC (insuspeita de catolicismo), no qual a pesquisa mais séria sobre a inquisição é muito bem explicada, que está disponível no seguinte link: http://gloria.tv/?media=177578
Mas este é apenas um comentário que eu quis fazer. O ponto fulcral é a deliberada alteração do texto na tradução brasileira. Aqui, ele foi deliberadamente traduzido de modo adulterado, assim:
"Precisamos ter cuidado com rótulos e posturas radicais e agressivas,
pois o cristianismo ainda exala o cheiro da fumaça da Inquisição, numa
época em que a Igreja Católica cometeu o mesmo erro dos liberais
contemporâneos: o erro de confundir as heresias com os hereges. A
Inquisição espanhola erroneamente queimou os hereges para destruir as
heresias. Os liberais modernos erroneamente amam as heresias com o
intuito correto de amar os hereges."

Como se pode ver, todo o sentido foi profundamente adulterado. Explico por pontos:

1. No texto original, dr. Peter menciona o "mistake of the
church" , incluindo, obviamente todos os cristãos. Como se sabe, enquanto a inquisição espanhola foi um órgão eclesial e político, com cuidados jurídicos, os protestantes costumavam levar seus próprios dissidentes à fogueira apenas por serem hereges, sem mais. Mas o tradutor pegou a referência que o dr. Peter fez sobre "a igreja" e traduziu como "a Igreja Católica". Para ter a redação que o texto tem em português, ele teria que ter a seguinte redação em inglês:
"we need to be careful with labels and radical attitudes, because CHRISTIANITY
still smells from the smoke of the inquisition, in a time when the CATHOLIC CHURCH made the very same mistake confusing heresy with heretics. The spanish Inquisition wrongly destroyed heretics in order rightly to destroy heresies; modern "liberals" wrongly loves heresies in order rightly to love heretics."
Mas a redação em inglês, das mãos do dr. Peter, é bem diferente desta,como vimos acima.
2. Assim, quando alguém lê o texto da edição brasileira, é induzido a pensar duas coisas que o texto do prof. Peter Kreeft jamais disse, acreditando, no entanto, que ele as tenha dito, já que não tem os orginais disponíveis para comparação. Ele é levado a crer que a Inquisição é um problema estritamente católico, e que a Igreja Católica esteve errada no particular. Bem, não só a Igreja não pode ser julgada, neste ponto específico, de uma forma tão desconectada do contexto (pois seria impossível dizer que a Igreja Católica errou quando julgou e entregou às mãos seculares os que espalhavam heresias, como uma maneira historicamente condicionada de proteger as almas dos seus filhos)como não há padrão para julgar senão dentro da própria doutrina da Igreja. Para os protestantes de então, a situação era muito mais grave: muitas pessoas foram liminarmente queimadas somente porque líderes protestantes discordavam delas e não queriam que elas pensassem como pensavam, como foi o caso dos calvinistas em Genebra e de Sir Thomas More na Inglaterra. Assim, a distorção na tradução é evidente, e feita, ao que paece, para atingir diretamente a Igreja Católica.
Há mais erros de tradução. Por exemplo, na página 29, a versão original em inglês diz:
"The object of faith means all things believed. For the Christian,
this means everything God reveals in the Bible; catholics include all
the creeds and universal binding teachings of the Church as well."

Quando traduzido, o texto em português maliciosamente ficou com a seguinte redação:
"O objeto da fé é tudo aquilo em que cremos. Para os cristãos
evangélicos, isso engloba tudo que Deus revelou na Bíblia".

Não se menciona a fé católica na tradução, alterando o texto original, que a menciona expressamente. E, em acréscimo, no lugar em que o texto original diz "para os Cristãos", o texto traduzido diz "para os cristãos 'evangélicos'".Isto tampouco está no texto original, é uma deturpação deliberada para atingir a fé católica.

É preciso, portanto, estar atento a estes ataques sutis à nossa fé. Neste caso específico, aplica-se o velho adágio italiano: "traduttore, traditore", quer dizer, o tradutor é um traidor.
A minha alegria por ver um livro tão consistentemente cristão, tão defensor da fé, ser traduzido por uma editora "evangélica" durou pouco. Cheguei a acreditar que o bom senso prevaleceria, que a verdadeira fé atrairia os corações sinceros. Mas adulterar deste jeito não pode ser acidental. Lamentável.

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