A Igreja, desde os tempos apostólicos, reuniu-se no domingo (primeiro dia da semana) para celebrar o Senhor. Há alguns membros de seitas que acusam a Igreja de paganismo e antibiblicismo por guardar o domingo, e não o sábado. Mas a Igreja, desde os tempos de Jesus ressuscitado e ainda não elevado aos céus, celebra a eucaristia no domingo, e isso não tinha nada a ver com nenhum culto pagão. Este fato está muito bem documentado ao longo da história. Os cristãos sempre reuniram-se no domingo para celebrar a Ressurreição (Lc 24, 1) e o partir do pão. Sempre entendemos, nós cristãos, que o descanso do Senhor no sábado, mencionado em Genesis 2,2, era a profecia do dia em que Jesus passaria no túmulo. Um tipo, uma sombra do que seria depois consumado em Jesus. Houve quem quisesse insistir nesse judaísmo desde os tempos de São Paulo. Mas ele sempre lutou contra a infiltração de idéias judaizantes, sobretudo quando escreve "que ninguém vos critique por questões de alimentos ou bebidas ou de festas, luas novas e sábados. Tudo isto não é mais do que a sombra do que devia vir. A realidade é Cristo." (Cl 2,16-17; v.tb. 2Cor 5,17).
De fato, Cristo é o repouso do cristão, Mt 11, 28-30, e o sábado era apenas a figura, a sombra do repouso que empalidece diante dele ,que é o Senhor do sábado. (Mc 2, 27). Adoramos, portanto, a Jesus, nosso Deus, e não ao sábado.
Jesus colocou a si mesmo e à caridade acima da observância do sábado (Mt 12,10-14; Lc 13,10-17; 14,1-6; Jo 5,8-18), usando o conhecidíssimo bordão: "O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc 2,27). Com estas palavras, o Senhor quis afirmar que o sábado era um meio para o homem alcançar a união com Deus e não um fim em si mesmo. Por isso, declarou que era o Senhor do Sábado (Mc 2,28) e foi incriminado pelos doutores da Lei (Jo 5,9), ao que respondeu que nada mais fazia senão imitar o Pai que, mesmo entrando em repouso após ter criado o mundo, continuou a governá-lo e também os homens (Jo 5,17).
Se, no princípio, os discípulos observaram o sábado para pregar o evangelho nas sinagogas (At 13,14; 16,13; 17,2; 18,4) logo se deram conta que a Nova Lei havia superado a Antiga. Os cristãos, então, passaram a realizar seus cultos no dia seguinte ao sábado, isto é, no domingo, dia em que o Senhor Jesus ressuscitou (alias "domingo" vem de "domini dies", isto é, "Dia do Senhor"). Diversas são as provas bíblicas da observância do domingo: Jo 20,22-23.26; At 2,2; At 20,7-16; 1Cor 16,1-2; Ap 1,10. Registre-se, portanto, que o domingo era o dia em que os cristãos se reuniam, para partir o Pão e encontrar-se com o Senhor ressuscitado. Dessa forma, a perspectiva cristã sempre enxergou o antigo sábado dos judeus como uma figura, da mesma forma que outras instituições do AT.
Quanto aos documentos históricos dos primeiros séculos, inúmeros são os testemunhos que comprovam a santificação do domingo pelos primeiros cristãos: Didaqué [~96 dC] (Did. 14,1), Plínio [séc.II dC] (governador da Bitínia - Ad Traj. X,96,7), Sto. Inácio de Antioquia [~100 dC] (Magn. 9,1), S. Justino Mártir [153 dC] (1Apol. 67,3,7), Constituições Apostólicas [séc. III]. Todos documentos perfeitamente conservados e ainda existentes. Todos anteriores a Constantino, para desmentir aqueles que afirmam que foi Constantino que introduziu na cristandade o hábito de guardar o domingo, advindo do paganismo. Todos os documentos patrísticos, no entanto, até aqueles subscritos por cristãos que preferiram morrer no martírio a aceitar qualquer paganismo, registram o costume cristão de reunir-se no domingo para a celebração eucarística.
Tertuliano, por exemplo, escritor eclesiástico, deu testemunho de que no século II os cristãos já observavam o Domingo:
"Outros, de novo, certamente com mais informação e maior veracidade, acreditam que o sol é nosso deus. Somos confundidos com os persas, talvez, embora não adoremos o astro do dia pintado numa peça de linho, tendo-o sempre em sua própria órbita. A ideia, não há dúvidas, originou-se de nosso conhecido costume de nos virarmos para o nascente em nossas preces. Mas, vós, muitos de vós, no propósito às vezes de adorar os corpos celestes moveis vossos lábios em direção ao oriente. Da mesma maneira, se dedicamos o dia do sol para nossas celebrações, é por uma razão muito diferente da dos adoradores do sol. Temos alguma semelhança convosco que dedicais o dia de Saturno (Sábado) para repouso e prazer, embora também estejais muito distantes dos costumes judeus, os quais certamente ignorais" (Tertuliano 197 d.C. Apologia part.IV cap. 16).
Antes mesmo de Tertuliano, S. Justino de Roma, mártir da fé, já dava testemunho do culto cristão aos domingos:
"Depois dessa primeira iniciação, recordamos constantemente entre nós essas coisas e aqueles de nós que possuem alguma coisa socorrem todos os necessitados e sempre nos ajudamos mutuamente. Por tudo o que comemos, bendizemos sempre ao Criador de todas as coisas, por meio de seu Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo. No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se leem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclama, dizendo: ‘Amém’. Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos. Os que possuem alguma coisa e queiram, cada um conforme sua livre vontade, dá o que bem lhe parece, e o que foi recolhido se entrega ao presidente. Ele o distribui a órfãos e viúvas, aos que por necessidade ou outra causa estão necessitados, aos que estão nas prisões, aos forasteiros de passagem, numa palavra, ele se torna o provedor de todos os que se encontram em necessidade. Celebramos essa reunião geral no dia do sol, porque foi o primeiro dia em que Deus, transformando as trevas e a matéria, fez o mundo, e também o dia em que Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Com efeito, sabe-se que o crucificaram um dia antes do dia de Saturno e no dia seguinte ao de Saturno, que é o dia do Sol, ele apareceu a seus apóstolos e discípulos, e nos ensinou essas mesmas doutrinas que estamos expondo para vosso exame" (Justino de Roma 155 d.C, I Apologia cap 67) (grifos meus).
S. Inácio de Antioquia, anterior mesmo a Tertuliano e a Justino, e também mártir da fé, igualmente confirmava o antigo costume de observar o domingo entre os cristãos:
"9. Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado, mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre. Como podemos viver sem aquele que até os profetas, seus discípulos no espírito, esperavam como Mestre? Foi precisamente aquele que justamente esperavam, que ao chegar, os ressuscitou dos mortos. 10. Portanto, não sejamos insensíveis à sua bondade. Se ele nos imitasse na maneira como agimos, já não existiríamos. Contudo, tornando-nos seus discípulos, abraçamos a vida segundo o cristianismo. Quem é chamado com o nome diferente desse, não é de Deus. Jogai fora o mau fermento, velho e ácido, e transformai-vos no fermento novo, que é Jesus Cristo. Deixai-vos salgar por ele, a fim de que nenhum de vós se corrompa, pois é pelo odor que sereis julgados. É absurdo falar de Jesus Cristo e, ao mesmo tempo judaizar. Não foi o cristianismo que acreditou no judaísmo, e sim o judaísmo no cristianismo, pois nele se reuniu toda língua que acredita em Deus " (Santo Inácio de Antioquia, aos Magnésios. 101 d.C.) (grifos meus).
Mas urge dizer que há registros bem mais primitivos do culto cristão no domingo. O primeiro Catecismo Católico testifica a antiga guarda do domingo: "Reúnam-se no dia do Senhor [= dominica dies = domingo] para partir o pão e agradecer, depois de ter confessado os pecados, para que o sacrifício de vocês seja puro" (Didaqué 14,1, cerca de 96 dC) (este documento foi escrito quando ainda viviam alguns dos apóstolos, sendo anterior mesmo a alguns documentos bíblicos).
Respeito os que creem diferente. A liberdade de crença inclui a liberdade de recusar a verdade histórica. Mas deve incluir também o respeito por aqueles que, como os católicos, prezam-na. Guardar o domingo é observar a Bíblia e a santa Tradição cristã.
Leituras, opiniões e ideias de um católico. Contatos no email paulovjacobina@gmail.com
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Jesus e o repouso no sábado
Jesus é nosso sábado. Foi a frase bonita que Ratzinger colocou em seu livro “Jesus de Nazaré”, sobre a seguinte perícope bíblica(Mt 12, 1-8):
“Por esse tempo, Jesus passou, num sábado, pelas plantações. Os seus discípulos, que estavam com fome, puseram-se a arrancar espigas e comê-las. Os fariseus, vendo isso, disseram: 'Olha só! Os teus discípulos a fazerem o que não é lícito fazer num sábado!' Mas ele respondeu-lhes: 'não lestes o que fez Davi e seus companheiros quando tiveram fome? Como entrou na Casa de Deus e como eles comeram os pães da proposição, que não era lícito comer, nem a ele, nem aos que estavam com ele, mas exclusivamente aos sacerdotes? Ou não lestes na Lei que com os seus deveres sabáticos os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? Digo-vos que aqui está algo maior do que o templo. Se soubesses o que significa 'misericórdia é o que eu quero e não sacrifício', não condenaríeis os que não têm culpa. Pois o Filho do Homem é senhor do sábado”.
Como toda perícope, esta também é repleta de sentidos, e qualquer abordagem pode levar a uma digressão interminável. Tomaremos, como rumo, a discussão sobre a divindade de Jesus, como proposta por Bento XVI no seu livro “Jesus de Nazaré”, pág. 104 e seguintes.
Introduzindo essa discussão, Bento XVI nos apresenta o livro do estudioso judeu Jacob Neusner, entitulado “ A Rabbi talks with Jesus. An intermillenial interfaith exchange”, e passa a participar desse “diálogo” com o rabino Neusner, em especial a partir da relação de Jesus com o sábado - ponto central da perícope escolhida.
O Papa anota que a observação do sábado “é para Israel expressão central da sua existência como vida em aliança com Deus”. Ora, diz o Papa, a “crítica liberal” reduz o conflito de Jesus com as autoridades judaicas a respeito do sábado ao simples confronto entre um rabi liberal, generoso e livre que teve a coragem de romper com uma mesquinha prática legalista do judaísmo do seu tempo. Assim, diz ele, dessa “interpretação liberal da Bíblia” surgem duas consequências inevitáveis - uma para o judaísmo, visto como um “ramo estéril”, mesquinho, representando um “legalismo ossificado”, e outra para a fé da Igreja, ao representar Jesus reduzido à condição de um “rabino liberal”, precursor do liberalismo cristão. Assim, o Cristo da fé, e portanto, toda a fé da Igreja, não passariam de um enorme erro. Vale dizer, errados estariam todo o judaísmo e todo o catolicismo, para tais intérpretes.
O Papa Bento XVI mostra, então, como o Rabino contemporâneo Neusner vai ao ponto fulcral, nessa discussão, que não é meramente disciplinar, mas profundamente religiosa; Deus descansara no sábado, e portanto o sábado não é uma questão de “piedade pessoal”, mas o núcleo de uma ordem social: “'este dia faz do eterno Israel o que ele é, o povo repousa tal como Deus depois da criação no sétimo dia de sua criação' (pág. 77)”.
Então, diz o Papa, os judeus de então, assim como o rabino Neusner, compreenderam exatamente do que é que Jesus tratava, na perícope em questão. Deus repousara no sábado, Deus instituíra o sábado como descanso de Israel, marca da pertença a Si como povo escolhido. Mas Jesus vem e se oferece como o verdadeiro repouso (Mt. 11, 28-30), fazendo-se, assim, igual a Deus. Para Neusner, diz o Papa, o inaceitável não é a quebra do legalismo formal, mas a presunção de Jesus de apresentar-se como o “novo sábado” e agir como Deus! Ao contrário do que pretende a corrente “desmitologizante” contemporânea, o escândalo não é jurídico, mas estritamente religioso - Jesus apresenta-se como a “nova Torah”, a Palavra de Deus em pessoa. E conclui o Papa, na avaliação dessa perícope:
“Assim, o núcleo autêntico do debate torna-se manifesto. Jesus compreende-se a si mesmo como a Torah - como a Palavra de Deus em pessoa. O prólogo imponente do Evangelho de São João - “No princípio era a Palavra e a Palavra estava junto de Deus e a Palavra era Deus” - não diz outra coisa senão o que o Jesus do sermão da Montanha e o Jesus dos Evangelhos Sinópticos diz. O Jesus dos quatro Evangelhos é um e o mesmo: o verdadeiro Jesus “histórico”.
Além disso, acrescento, apenas Jesus, dentre todos os homens, repousou perfeitamente no sábado, enquanto esteve na tumba: no preciso dia entre a sexta da paixão e o domingo de páscoa. Ele cumpriu plenamente as Escrituras, também neste aspecto: “e no sétimo dia, Deus descansou” (Gênesis 2, 2). Também nisso resgatou-nos, tornando-nos livres dessa “escravidão do homem ao sábado”. Isso permitiria a São Paulo dizer, mais tarde (Colossenses 2, 16): ninguém vos julgue por questões de sábados!
Uma vez que o sábado se consumou em Jesus, temos agora o domingo, dia da ressurreição, como o dia cristão por excelência. Desenvolverei mais o tema em outra oportunidade.
“Por esse tempo, Jesus passou, num sábado, pelas plantações. Os seus discípulos, que estavam com fome, puseram-se a arrancar espigas e comê-las. Os fariseus, vendo isso, disseram: 'Olha só! Os teus discípulos a fazerem o que não é lícito fazer num sábado!' Mas ele respondeu-lhes: 'não lestes o que fez Davi e seus companheiros quando tiveram fome? Como entrou na Casa de Deus e como eles comeram os pães da proposição, que não era lícito comer, nem a ele, nem aos que estavam com ele, mas exclusivamente aos sacerdotes? Ou não lestes na Lei que com os seus deveres sabáticos os sacerdotes no templo violam o sábado e ficam sem culpa? Digo-vos que aqui está algo maior do que o templo. Se soubesses o que significa 'misericórdia é o que eu quero e não sacrifício', não condenaríeis os que não têm culpa. Pois o Filho do Homem é senhor do sábado”.
Como toda perícope, esta também é repleta de sentidos, e qualquer abordagem pode levar a uma digressão interminável. Tomaremos, como rumo, a discussão sobre a divindade de Jesus, como proposta por Bento XVI no seu livro “Jesus de Nazaré”, pág. 104 e seguintes.
Introduzindo essa discussão, Bento XVI nos apresenta o livro do estudioso judeu Jacob Neusner, entitulado “ A Rabbi talks with Jesus. An intermillenial interfaith exchange”, e passa a participar desse “diálogo” com o rabino Neusner, em especial a partir da relação de Jesus com o sábado - ponto central da perícope escolhida.
O Papa anota que a observação do sábado “é para Israel expressão central da sua existência como vida em aliança com Deus”. Ora, diz o Papa, a “crítica liberal” reduz o conflito de Jesus com as autoridades judaicas a respeito do sábado ao simples confronto entre um rabi liberal, generoso e livre que teve a coragem de romper com uma mesquinha prática legalista do judaísmo do seu tempo. Assim, diz ele, dessa “interpretação liberal da Bíblia” surgem duas consequências inevitáveis - uma para o judaísmo, visto como um “ramo estéril”, mesquinho, representando um “legalismo ossificado”, e outra para a fé da Igreja, ao representar Jesus reduzido à condição de um “rabino liberal”, precursor do liberalismo cristão. Assim, o Cristo da fé, e portanto, toda a fé da Igreja, não passariam de um enorme erro. Vale dizer, errados estariam todo o judaísmo e todo o catolicismo, para tais intérpretes.
O Papa Bento XVI mostra, então, como o Rabino contemporâneo Neusner vai ao ponto fulcral, nessa discussão, que não é meramente disciplinar, mas profundamente religiosa; Deus descansara no sábado, e portanto o sábado não é uma questão de “piedade pessoal”, mas o núcleo de uma ordem social: “'este dia faz do eterno Israel o que ele é, o povo repousa tal como Deus depois da criação no sétimo dia de sua criação' (pág. 77)”.
Então, diz o Papa, os judeus de então, assim como o rabino Neusner, compreenderam exatamente do que é que Jesus tratava, na perícope em questão. Deus repousara no sábado, Deus instituíra o sábado como descanso de Israel, marca da pertença a Si como povo escolhido. Mas Jesus vem e se oferece como o verdadeiro repouso (Mt. 11, 28-30), fazendo-se, assim, igual a Deus. Para Neusner, diz o Papa, o inaceitável não é a quebra do legalismo formal, mas a presunção de Jesus de apresentar-se como o “novo sábado” e agir como Deus! Ao contrário do que pretende a corrente “desmitologizante” contemporânea, o escândalo não é jurídico, mas estritamente religioso - Jesus apresenta-se como a “nova Torah”, a Palavra de Deus em pessoa. E conclui o Papa, na avaliação dessa perícope:
“Assim, o núcleo autêntico do debate torna-se manifesto. Jesus compreende-se a si mesmo como a Torah - como a Palavra de Deus em pessoa. O prólogo imponente do Evangelho de São João - “No princípio era a Palavra e a Palavra estava junto de Deus e a Palavra era Deus” - não diz outra coisa senão o que o Jesus do sermão da Montanha e o Jesus dos Evangelhos Sinópticos diz. O Jesus dos quatro Evangelhos é um e o mesmo: o verdadeiro Jesus “histórico”.
Além disso, acrescento, apenas Jesus, dentre todos os homens, repousou perfeitamente no sábado, enquanto esteve na tumba: no preciso dia entre a sexta da paixão e o domingo de páscoa. Ele cumpriu plenamente as Escrituras, também neste aspecto: “e no sétimo dia, Deus descansou” (Gênesis 2, 2). Também nisso resgatou-nos, tornando-nos livres dessa “escravidão do homem ao sábado”. Isso permitiria a São Paulo dizer, mais tarde (Colossenses 2, 16): ninguém vos julgue por questões de sábados!
Uma vez que o sábado se consumou em Jesus, temos agora o domingo, dia da ressurreição, como o dia cristão por excelência. Desenvolverei mais o tema em outra oportunidade.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
A teologia “liberal”, o clero “avançado” e o leigo indefeso
Conversei algumas vezes aqui sobre os meus pontos de vista a respeito de Queiruga, sobre opções doutrinárias em cursos de teologia dirigidos a leigos e sobre distorções políticas marxistas em determinadas teologias muito adotadas no Brasil, sob o fundamento de que somente o marxismo seria capaz de fazer discernir a questão social brasileira e somente o pensamento marxista seria capaz de conceder uma visão social correta aos teólogos. Tenho impressão de que essa é uma ideia bastante difundida, ainda hoje, em meios eclesiais e teológicos brasileiros – quem não admite a avaliação social de cunho marxista é um individualista, um “cristão alienado”.
Por outro lado, também tenho a sensação de que, nos meios eclesiais, vige a ideia de que o magistério é apenas a ideologia do grupo que está hoje no poder, na Igreja, e que, tendo acesso à estrutura eclesial, vale-se do papado para impor sua própria mundividência ao restante dos cristãos. Assim, o Papa, no fundo, fala a ideologia do grupo que está no poder, e as teologias não hegemônicas seriam a expressão dos grupos oprimidos dentro da Igreja, e, portanto, mais cristãs do que o próprio Magistério (já que este último reflete apenas a teologia do grupo hegemônico, contaminada por sua própria ideologia). Neste sentido, o Papa, sendo apenas um bispo com mania de grandeza, exerce seu poder repressor de modo ilegítimo, suprimindo vozes mais afinadas com o povo de Deus, e portanto, mais legítimas. Ele, sob o falso pretexto de ser assistido pelo espírito Santo, apenas abafa esse mesmo Espírito quando Ele “sopra onde quer”, e atualmente ele parece só ser reconhecido por aqui quando alguém defende que Ele “sopra” heterodoxamente.
Assim, o fato, por exemplo, de que o teólogo e escritor adotado em tantos dos nossos seminários e faculdades de teologia, Andrés torres-Queiruga, tenha uma doutrina tão profundamente gnóstica e anti-católica não importa – importa que ele está em harmonia com as posições dissonantes, e portanto teologicamente legítimas – que valorizam o social por cima de uma “espiritualidade individualista” burguesa, representada pelo papismo.
Quaisquer cristãos que resistam a essa interpretação teológica “social” legitimada pela “preocupação popular” e pela “resistência à ideologia teológica dominante” talvez estejam sendo movidos por “interesses conservadores”, e logo não devem ser ouvidos ou levados em conta. De certa forma, há um galicanismo remanescente que faz taxar de ultramontanista toda crítica a um teólogo com base no correto magistério da Igreja. Desautoriza-se o crítico, o que torna desnecessário responder à crítica em si. Uma vez que o Magistério, para alguns, é apenas a ideologia dominante num dado momento, a estratégia é ir minando, gramscianamente, as estruturas eclesiais de poder papista, para que o grupo “mais legítimo” possa um dia apossar-se do Vaticano e usar legitimamente das estruturas eclesiais para atender às questões sociais, únicas eclesialmente legítimas, tornando-se a verdadeira Igreja dos Oprimidos.
Nessa estratégia gramsciana, a desinformação é um expediente usado amiúde. Por exemplo, usar o livro do Queiruga para ensinar a mesma teologia que já foi reiteradamente condenada em outros autores, uma vez que o Queiruga nunca foi explicitamente condenado pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. E ele é obscuramente erudito e pedante o suficiente para falar absurdos de um modo que parece quase imperceptível à média dos leitores, despreparados teológica e filosoficamente, como são nossos seminaristas e leigos que o lerão por força de recomendação docente. Mas os erros vão entrando. Ele mina sutilmente. Normalmente as críticas a ele só poderão vir de quem tivesse erudição suficientemente desenvolvida e conhecimento magisterial agudo para fazê-lo, mas esses são logo identificados como conservadores e desqualificados. Quem mais, no Brasil, além dos expoentes da teologia da libertação e dos remanescentes da “tradição, família e propriedade” teria condição de perceber as verdadeiras implicações do pensamento do Queiruga? Certamente, se o percebem (concluem os defensores da teologia “liberal”), devem, portanto, pertencer a um desses grupos... Com o primeiro, não se discute, são a expressão da autenticidade popular. Quem não pertence a esses primeiros e discute Queiruga, então, fica suspeito de pertencer aos segundos, e nem sequer tem direito a voz. Bom, não pertenço nem aos primeiros, nem aos segundos, acredito que quero pertencer somente à Igreja, a Santa, Católica e Apostólica Mãe e Mestra.
O fato é que quando um padre se irrita, com toda a justeza, com a pouca atenção dos fiéis leigos para com a Igreja (atrasos à missa, infidelidade com o dízimo, pouco respeito para com a liturgia, defecção para “igrejas” evangélicas e seitas) pode levar em conta que os leigos apenas espelham a desatenção que alguns padres (e não poucos bispos) têm, eles mesmos, para com essa mesmíssima Igreja. Como querer das ovelhas mais fidelidade para com os pastores do que aquela que muitos pastores parecem ter para com o dono do rebanho?
Enfim, perdoem-me o alongar, é só um desabafo de leigo que se angustia, talvez crise de quarentão: a Igreja me ensina a castidade, a fidelidade à minha família, ao meu trabalho, ao meu país, aos pobres, aos pastores, a pontualidade, o respeito, a continência, a doação, quer meu dinheiro para manter a paróquia, para construir templos, para projetos sociais, para a Campanha da Fraternidade, para comprar um carro último modelo para o padre, mas por outro lado a igreja brasileira não parece dirigir-se pelo mesmo rigor que cobra do leigo: tudo que é teológico é discutível, tudo o que vem de Roma é imposição, já não se obedece ao Código Canônico nem quanto à decência de vestir para um sacerdote ou um religioso, nem quanto ao que se ensina nos seminários ou cursos de teologia, enfim, a sensação que eu tenho é que, em termos de igreja brasileira, de padres ou de bispos, o pobre do fiel só tem deveres, nenhuma possibilidade de ser ouvido nem quando clama que aquilo que a Igreja lhe ensina durante os séculos está sendo contraditado por teólogos heterodoxos que viraram moda em meios teológicos, editoras católicas e livrarias nem tanto. Ou seja, por que eu preciso, na minha vida familiar e paroquial, manter fidelidade aos ensinamentos da CNBB ou do meu padre, se na maioria das vezes os membros da CNBB ou o meu padre parecem estar bem pouco preocupados com a fidelidade ao Magistério eclesial como um todo? Quer dizer, eu, como fiel, devo ser fiel aos mandamentos da Igreja, mas as editoras católicas estão dispensadas de sê-lo também? O professor do Seminário está dispensado do seu juramento de fidelidade, mas eu, como aluno, tenho que ser fiel a ele a ponto de ser obrigado a estudar por um livro abertamente anti-católico? O padre e o religioso estão dispensado até do artigo do Código Canônico que exige uma vestimenta adequada, mas eu tenho que usar aliança de casado no dedo? Meus sábados de catequistas num bairro pobre são assistencialistas, mas a utilização das CEB's como escada política para que o PT defenda publicamente o aborto não é?
A mim parece, algumas vezes, que a teologia da libertação, hoje travestida numa teologia liberal socialóide, visa, de fato, no fundo, uma teocracia socialista cujos expoentes mais visíveis são quase caricaturalmente expressados por Betto e Lugo, por Chávez, Evo e as Farc, Boff, Fidel, Che Guevara e afins. Que têm, todos, o seu valor. Mas que parecem, em alguns momentos, constituir “lugares teológicos” (talvez os mais válidos) para interpretar Jesus, a Bíblia e o Magistério. Sei que, graças a Deus, a maior parte dos clérigos não pensa assim, mas alguns outros parecem simplesmente não estar nem aí. Ou estão fazendo “missas de cura” na televisão ou estão vivendo a vida confortável de solteirão intelectual, abonado e descompromissado, malhando em academias, navegando na pornografia internética e viajando pelo mundo. Padres de meia idade não têm que suportar filhos adolescentes ou esposas de meia idade, sogras adoentadas e viúvas, empregadas e patrões. Nem, muitas vezes, a vida pastoral, que delegam para os leigos e estão livres. O celibato, vivido assim, é muito mais uma vantagem do que um voto. É o celibato-descompromisso.
Desculpem o desabafo. Já tratei em outras oportunidades a respeito de Andrés Torres-Queiruga, teólogo que está sendo adotado em cursos de teologia e seminários com o beneplácito de todos os que deveriam zelar pelo Magistério. Por certo, para os “liberais”, as críticas a ele devem provir de meios ultrapassados, conservadores e dominados pela ideologia opressora atualmente no poder em Roma. Nem valeria a pena lê-las (pensam os “progressistas”), mesmo quando surgem da própria Conferência Episcopal espanhola, decerto dominada pelo “retrógrado” Opus Dei, tanto que a CEE já teve sua “condenação” pública proferida pela Asociación de Teologos Juán XXIII, essa sim composta de arautos da “boa” teologia como Hans Küng, Leonardo Boff, Andrés Torres-Queiruga, ou Schillebeeckx (escrevi certo?), todos, esses sim, dignos de serem ouvidos e considerados, porque insuspeitos de compromisso com conservadorismos.
Bom, não sou nem de longe um sedevacante destrambelhado, nem um adepto do antivaticano II, nem sequer um leigo consagrado de algum instituto mais conservador, apenas um fiel em crise pessoal, que escreve demais. Procurarei a confissão e rezarei mais. Louvo a Deus que a Igreja ainda conte com sacerdotes com o seu valor e preparo. Noto, por exemplo, quantos fiéis ficam profundamente felizes apenas com o pequeno gesto sacerdotal de descer paramentado ao fim da missa para ouvi-los: é uma das poucas, talvez única, oportunidade que eles têm para ter contato, num mundo laicizado, com alguém que tem a coragem de se apresentar publicamente como sacerdote de Jesus, e não sai correndo para vestir-se indistinguivelmente como leigo, para camuflar-se no meio do mundo secularizado.
Por outro lado, também tenho a sensação de que, nos meios eclesiais, vige a ideia de que o magistério é apenas a ideologia do grupo que está hoje no poder, na Igreja, e que, tendo acesso à estrutura eclesial, vale-se do papado para impor sua própria mundividência ao restante dos cristãos. Assim, o Papa, no fundo, fala a ideologia do grupo que está no poder, e as teologias não hegemônicas seriam a expressão dos grupos oprimidos dentro da Igreja, e, portanto, mais cristãs do que o próprio Magistério (já que este último reflete apenas a teologia do grupo hegemônico, contaminada por sua própria ideologia). Neste sentido, o Papa, sendo apenas um bispo com mania de grandeza, exerce seu poder repressor de modo ilegítimo, suprimindo vozes mais afinadas com o povo de Deus, e portanto, mais legítimas. Ele, sob o falso pretexto de ser assistido pelo espírito Santo, apenas abafa esse mesmo Espírito quando Ele “sopra onde quer”, e atualmente ele parece só ser reconhecido por aqui quando alguém defende que Ele “sopra” heterodoxamente.
Assim, o fato, por exemplo, de que o teólogo e escritor adotado em tantos dos nossos seminários e faculdades de teologia, Andrés torres-Queiruga, tenha uma doutrina tão profundamente gnóstica e anti-católica não importa – importa que ele está em harmonia com as posições dissonantes, e portanto teologicamente legítimas – que valorizam o social por cima de uma “espiritualidade individualista” burguesa, representada pelo papismo.
Quaisquer cristãos que resistam a essa interpretação teológica “social” legitimada pela “preocupação popular” e pela “resistência à ideologia teológica dominante” talvez estejam sendo movidos por “interesses conservadores”, e logo não devem ser ouvidos ou levados em conta. De certa forma, há um galicanismo remanescente que faz taxar de ultramontanista toda crítica a um teólogo com base no correto magistério da Igreja. Desautoriza-se o crítico, o que torna desnecessário responder à crítica em si. Uma vez que o Magistério, para alguns, é apenas a ideologia dominante num dado momento, a estratégia é ir minando, gramscianamente, as estruturas eclesiais de poder papista, para que o grupo “mais legítimo” possa um dia apossar-se do Vaticano e usar legitimamente das estruturas eclesiais para atender às questões sociais, únicas eclesialmente legítimas, tornando-se a verdadeira Igreja dos Oprimidos.
Nessa estratégia gramsciana, a desinformação é um expediente usado amiúde. Por exemplo, usar o livro do Queiruga para ensinar a mesma teologia que já foi reiteradamente condenada em outros autores, uma vez que o Queiruga nunca foi explicitamente condenado pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano. E ele é obscuramente erudito e pedante o suficiente para falar absurdos de um modo que parece quase imperceptível à média dos leitores, despreparados teológica e filosoficamente, como são nossos seminaristas e leigos que o lerão por força de recomendação docente. Mas os erros vão entrando. Ele mina sutilmente. Normalmente as críticas a ele só poderão vir de quem tivesse erudição suficientemente desenvolvida e conhecimento magisterial agudo para fazê-lo, mas esses são logo identificados como conservadores e desqualificados. Quem mais, no Brasil, além dos expoentes da teologia da libertação e dos remanescentes da “tradição, família e propriedade” teria condição de perceber as verdadeiras implicações do pensamento do Queiruga? Certamente, se o percebem (concluem os defensores da teologia “liberal”), devem, portanto, pertencer a um desses grupos... Com o primeiro, não se discute, são a expressão da autenticidade popular. Quem não pertence a esses primeiros e discute Queiruga, então, fica suspeito de pertencer aos segundos, e nem sequer tem direito a voz. Bom, não pertenço nem aos primeiros, nem aos segundos, acredito que quero pertencer somente à Igreja, a Santa, Católica e Apostólica Mãe e Mestra.
O fato é que quando um padre se irrita, com toda a justeza, com a pouca atenção dos fiéis leigos para com a Igreja (atrasos à missa, infidelidade com o dízimo, pouco respeito para com a liturgia, defecção para “igrejas” evangélicas e seitas) pode levar em conta que os leigos apenas espelham a desatenção que alguns padres (e não poucos bispos) têm, eles mesmos, para com essa mesmíssima Igreja. Como querer das ovelhas mais fidelidade para com os pastores do que aquela que muitos pastores parecem ter para com o dono do rebanho?
Enfim, perdoem-me o alongar, é só um desabafo de leigo que se angustia, talvez crise de quarentão: a Igreja me ensina a castidade, a fidelidade à minha família, ao meu trabalho, ao meu país, aos pobres, aos pastores, a pontualidade, o respeito, a continência, a doação, quer meu dinheiro para manter a paróquia, para construir templos, para projetos sociais, para a Campanha da Fraternidade, para comprar um carro último modelo para o padre, mas por outro lado a igreja brasileira não parece dirigir-se pelo mesmo rigor que cobra do leigo: tudo que é teológico é discutível, tudo o que vem de Roma é imposição, já não se obedece ao Código Canônico nem quanto à decência de vestir para um sacerdote ou um religioso, nem quanto ao que se ensina nos seminários ou cursos de teologia, enfim, a sensação que eu tenho é que, em termos de igreja brasileira, de padres ou de bispos, o pobre do fiel só tem deveres, nenhuma possibilidade de ser ouvido nem quando clama que aquilo que a Igreja lhe ensina durante os séculos está sendo contraditado por teólogos heterodoxos que viraram moda em meios teológicos, editoras católicas e livrarias nem tanto. Ou seja, por que eu preciso, na minha vida familiar e paroquial, manter fidelidade aos ensinamentos da CNBB ou do meu padre, se na maioria das vezes os membros da CNBB ou o meu padre parecem estar bem pouco preocupados com a fidelidade ao Magistério eclesial como um todo? Quer dizer, eu, como fiel, devo ser fiel aos mandamentos da Igreja, mas as editoras católicas estão dispensadas de sê-lo também? O professor do Seminário está dispensado do seu juramento de fidelidade, mas eu, como aluno, tenho que ser fiel a ele a ponto de ser obrigado a estudar por um livro abertamente anti-católico? O padre e o religioso estão dispensado até do artigo do Código Canônico que exige uma vestimenta adequada, mas eu tenho que usar aliança de casado no dedo? Meus sábados de catequistas num bairro pobre são assistencialistas, mas a utilização das CEB's como escada política para que o PT defenda publicamente o aborto não é?
A mim parece, algumas vezes, que a teologia da libertação, hoje travestida numa teologia liberal socialóide, visa, de fato, no fundo, uma teocracia socialista cujos expoentes mais visíveis são quase caricaturalmente expressados por Betto e Lugo, por Chávez, Evo e as Farc, Boff, Fidel, Che Guevara e afins. Que têm, todos, o seu valor. Mas que parecem, em alguns momentos, constituir “lugares teológicos” (talvez os mais válidos) para interpretar Jesus, a Bíblia e o Magistério. Sei que, graças a Deus, a maior parte dos clérigos não pensa assim, mas alguns outros parecem simplesmente não estar nem aí. Ou estão fazendo “missas de cura” na televisão ou estão vivendo a vida confortável de solteirão intelectual, abonado e descompromissado, malhando em academias, navegando na pornografia internética e viajando pelo mundo. Padres de meia idade não têm que suportar filhos adolescentes ou esposas de meia idade, sogras adoentadas e viúvas, empregadas e patrões. Nem, muitas vezes, a vida pastoral, que delegam para os leigos e estão livres. O celibato, vivido assim, é muito mais uma vantagem do que um voto. É o celibato-descompromisso.
Desculpem o desabafo. Já tratei em outras oportunidades a respeito de Andrés Torres-Queiruga, teólogo que está sendo adotado em cursos de teologia e seminários com o beneplácito de todos os que deveriam zelar pelo Magistério. Por certo, para os “liberais”, as críticas a ele devem provir de meios ultrapassados, conservadores e dominados pela ideologia opressora atualmente no poder em Roma. Nem valeria a pena lê-las (pensam os “progressistas”), mesmo quando surgem da própria Conferência Episcopal espanhola, decerto dominada pelo “retrógrado” Opus Dei, tanto que a CEE já teve sua “condenação” pública proferida pela Asociación de Teologos Juán XXIII, essa sim composta de arautos da “boa” teologia como Hans Küng, Leonardo Boff, Andrés Torres-Queiruga, ou Schillebeeckx (escrevi certo?), todos, esses sim, dignos de serem ouvidos e considerados, porque insuspeitos de compromisso com conservadorismos.
Bom, não sou nem de longe um sedevacante destrambelhado, nem um adepto do antivaticano II, nem sequer um leigo consagrado de algum instituto mais conservador, apenas um fiel em crise pessoal, que escreve demais. Procurarei a confissão e rezarei mais. Louvo a Deus que a Igreja ainda conte com sacerdotes com o seu valor e preparo. Noto, por exemplo, quantos fiéis ficam profundamente felizes apenas com o pequeno gesto sacerdotal de descer paramentado ao fim da missa para ouvi-los: é uma das poucas, talvez única, oportunidade que eles têm para ter contato, num mundo laicizado, com alguém que tem a coragem de se apresentar publicamente como sacerdote de Jesus, e não sai correndo para vestir-se indistinguivelmente como leigo, para camuflar-se no meio do mundo secularizado.
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
A dor e o respeito pela liturgia
Durante o natal, resolvi passar algum tempo com a minha família numa pequena cidade, onde passei parte da minha infância, e de onde tenho tão belas memórias. Fiquei ali por cerca de dez dias, no tempo de Natal, tendo participado diariamente da missa, como é o meu hábito.
Alguns aspectos das celebrações eucarísticas, porém, deixaram-me angustiado. Não faço reparos ao esforço dos sacerdotes, em especial dos regulares, para manter a vida sacramental nesse local tão humilde. Mas fiquei assustado, confesso, que numa cidade tão tradicionalmente católica uma grande parte – diria a maior parte – da minha família e amigos agora se declare espírita ou “evangélico”.
Sei que este não é um problema especificamente local, mas vi ocorrerem algumas coisas na Liturgia que, imagino, não colaboram com a reversão do quadro. Narrarei com muita objetividade.
A primeira missa de que participei deu-se no sábado logo após o natal, tão logo eu cheguei de viagem. Ocorreu na igrejinha da Conceição, antiga e linda, muito mariana. O salmo responsorial da missa foi substituído pelo Ofício de Nossa Senhora. Digo de passagem que o ofício é um ato de piedade maravilhoso e antigo, do qual se costuma dizer que Ela própria se ajoelha no céu quando é rezado. Pareceu-me, no entanto, muito inadequado que esse ato de piedade substituísse o salmo responsorial, ato estritamente litúrgico. Eu aprendi outrora que o sacerdote é servidor da Sagrada Liturgia, e que não lhe é permitido, por própria conta, acrescentar, tirar, ou mesmo mudar qualquer coisa na celebração da missa, como determina a Instrução Geral sobre o Missal Romano, item 24. Ora, o salmo responsorial é parte integrante da Liturgia da Palavra, portanto parte do alimento eucarístico que é dado ao povo. Sua alteração por um ato de piedade, além de ofender ao item 61 da Instrução Geral, fomenta a distorção da piedade popular, ao invés da sua “purificação”, recomendação do Documento de Aparecida, item 262. A confusão entre o ato litúrgico e a piedade popular torna simplesmente humana a Liturgia Divina, ao submetê-la ao alvedrio da subjetividade do celebrante.
No sábado seguinte, outro celebrante, também regular da mesma ordem, introduziu o Ofício de Nossa Senhora após o ato penitencial, antes da oração de coleta. De fato, não houve a retirada do salmo, mas a introdução de um rito não previsto no missal romano também me incomodou. Estou certo de que o Ofício pode ser rezado com grande fervor, mas o zelo pastoral indicará o momento mais pertinente, antes ou depois, mas sempre fora da celebração eucarística.
Mas o que de fato incomodou-me, e levou-me a escrever este desabafo, foi a celebração dominical, na Matriz, nos domingos logo após o natal. Ao entrar no templo um pouco antes da celebração, como costumo fazer, notei logo a existência, no átrio, de uma fotografia gigante do pároco, como que sobrepairando a cidade, com o Ostensório nas mãos. Incomodou-me porque estou certo de que aqueles que não conhecem, como eu não conheço, os motivos que moveram o pároco a criar tal ícone, são tentados a interpretá-lo mal.
O repertório musical executado durante a celebração era de baixíssima qualidade, mas isso não é um problema local, mas fato que verifico em todas as minhas andanças. Da mesma natureza é o volume muito alto do som, problema disseminado em muitas dioceses.
Também está muito disseminado o hábito de aplaudir a proclamação do Evangelho. Aquilo que, muitas vezes, é entendido como uma “aclamação” à Palavra de Deus torna-se, a meu ver, uma resposta de plateia a um ato de entretenimento. A proclamação da Palavra de Deus parece não dirigir-se a uma comunidade orante, mas a uma plateia, a espectadores mais do que a fiéis. Não foi outra a preocupação de D. Malcolm Ranjith, Secretário da Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos, em entrevista à Agência Católica Zenit, na qual ele afirmou: “Sou contra danças e aplausos no decorrer das missas, que não são um circo nem um estádio”.
A minha impressão angustiada foi reforçada pela saudação inicial do celebrante. A acolhida foi precedida por um longo discurso que ressaltava que aquela missa estava sendo transmitida ao vivo por uma rádio comercial e por um site ou blog. Não discuto o valor da missa transmitida pelos meios de comunicação, de resto já colocado pela Sacrossantum Concilium, item 20: “Façam-se com discrição e dignidade, e sob a direção de pessoa competente, para tal designada pelos Bispos, as transmissões radiofônicas ou televisivas das ações sagradas, especialmente da Missa.” Afligiu-me, no entanto, que a função de comentarista radiofônico fosse exercida pelo próprio celebrante, que irradiava os atos litúrgicos enquanto os celebrava, interrompendo, inclusive, os momentos de silêncio sagrado e, por algumas vezes, a Oração Eucarística. As orientações da CNBB quanto às transmissões radiofônicas levam em consideração a necessidade de que não hajam silêncios prolongados na estação, mas aconselham que haja um terceiro para fazer os comentários em “off”, para não prejudicar a oração dos presentes nem deformar a liturgia. Para mim, foi mais difícil permanecer em atitude de oração, durante a missa, enquanto o celebrante alternava-se na postura de sacerdote e de locutor.
Mas o que de fato me feriu mais profundamente foi a inclusão, no começo e no final da celebração, de chamadas comerciais dos “patrocinadores” da missa, dos quais me recordo bem de uma grande indústria local e de uma boutique. Essa chamada comercial também foi feita pelo sacerdote, como celebrante, no interior do ato litúrgico. Não preciso ressaltar o quanto me angustiou participar de uma missa com intervalo comercial.
Lamentei, também, a substituição da oração do Glória, tão importante liturgicamente, pelo canto “Vinde, Cristãos, vinde à porfia”, inadequado, creio, para o momento litúrgico. Quero ressaltar que, apesar da orientação clara da Instrução Geral ao Missal Romano (que diz, no item 53, que “o Glória é um antiquíssimo e venerável hino com que a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e ao Cordeiro. Não é permitido substituir o texto deste hino por outro”), em diversas celebrações que acompanhei pelo Brasil afora permanece o hábito de trocar a insuperável oração litúrgica do Glória por um canto que às vezes é chamado de “glorinha”, uma oração trinitária empobrecedora e também inadequada, mas bastante difundida. Muitas comunidades já não sabem recitar o Glória. Mas a substituição do Glória pelo “vinde, Cristãos”, como foi feito nesta missa da qual participei, parece mostrar que a direção litúrgica da celebração não está atenta ao sentido dessa oração, e que a comunidade se está empobrecendo espiritualmente. Ressalto que há uma adaptação metrificada desta oração litúrgica, própria para o canto, feita pela CNBB, muito adequada e bela, que torna qualquer justificação estética para os “glorinhas” trinitários ultrapassada, além de inadequada. Mas o “Vinde, Cristãos”, apenas porque menciona a palavra “glória”, se me permite, não tem pertinência com esse momento da celebração eucarística.
Ainda com relação à Liturgia da Palavra, notei que foram suprimidas tanto a segunda leitura quanto o “credo”. Espantado, consultei outros fiéis, para saber se eu me distraíra ou se de fato os atos não ocorreram. Os fiéis que abordei confirmaram que essa é uma prática frequente na liturgia dominical daquela cidade.
A oração eucarística, privativa do celebrante, culmina com a consagração. Ao ajoelhar-se perante Jesus Sacramentado, na oração eucarística, o próprio celebrante, no entanto, “puxou um canto” com a comunidade, a que a comunidade respondeu prontamente. Este, portanto, parece ser um hábito arraigado ali (e na verdade em outros lugares também), mais uma vez demonstrando a falta de clareza entre o ato litúrgico sacramental da consagração in persona Christi, a irritante locução radiofônica do celebrante e o ato de piedade consistente no canto de louvor e adoração ao Santíssimo, impertinente, me parece, nesse momento, que é o ápice da missa.
Confesso que o conteúdo das homilias também me deixou confuso. Em pleno domingo da Sagrada Família, o celebrante pareceu fazer uma longa apologia à separação conjugal: afirmou que “ninguém é obrigado a sofrer” na vida conjugal, que ninguém pode ser obrigado a tolerar maus humores, alcoolismo, maus tratos, e que cada um deve buscar sua própria felicidade. É certo que a minha impressão decorreu mais do contexto do que de alguma palavra mais específica do sacerdote, e que, a essa altura, que Deus me perdoe, meu coração já estava mais do que sobrecarregado com toda o acúmulo de problemas que já narrei.
Por fim, a chamada “Bênção do Santíssimo”, com a procissão do Sagrado Corpo no Ostensório, por toda a igreja, é algo também bastante difundido a partir de exemplos televisivos. A procissão atravessa o povo, que se acotovela para tocar no Ostensório, impor-lhe chaves e carteiras de trabalho, fotos de parentes e outros objetos, enquanto o sacerdote, majestoso, cruza toda a nave, banhado por uma chuva de pétalas. A julgar pelo grande cartaz fotográfico, essa prática ocorre todos os domingos, como se todo domingo fosse uma espécie de “Corpus Christi” misturado com Pentecostes, um espetáculo que, à minha sensibilidade, pareceu exagerado, facilmente descambando para a crendice e desrespeito ao tesouro eucarístico da Igreja, e não posso deixar de reparar quão fácil será, para pastores evangélicos e “pregadores” espíritas ridicularizarem-nos diante de tal espetáculo. Sem dúvida, fornecemo-lhes bastante material. Pessoalmente, não foi fácil defender a Igreja perante os amigos e parentes locais que a abandonaram pelo espiritismo e pelo protestantismo, diante da dificuldade de justificar espetáculos assim. Posso estar julgando mal, mas não posso omitir-me, inclusive perante o cânon 212, §§ 2º e 3º, do Código Canônico.
No domingo seguinte, havia um frei mais jovem celebrando a missa - creio que deva tratar-se do vigário. Houve muito mais sobriedade, inclusive quanto à transmissão radiofônica. Comento, apenas, que na homilia, a vida sacramental da Igreja pareceu desvalorizada, assim como a piedade dos fiéis, em prol de uma “busca de contato com o divino em nós”, num discurso que me soou gnóstico. Não pude deixar de comentar com alguns fiéis sobre estes fatos, e ouvi deles que, algumas vezes, o pároco refere-se às fiéis mais idosas como “beatas” apegadas à sua “santaiada”, cujas orações devem ser substituídas por ações mais efetivas para a “mudança social”. Não quero acreditar que tais falas sejam proferidas assim, tão secas de caridade para com as nossas idosas mais devotas. Mas estranhei o fato de que, no livreto da paróquia haja uma parte dedicada a certos “dez mandamentos do prefeito”, o que é, no mínimo, inusitada intervenção do sagrado no temporal, senão expressão de um clericalismo político que, julgávamos, já estava extinto no nosso país.
Creio que a situação repete-se em vários outros lugares do país.
Alguns aspectos das celebrações eucarísticas, porém, deixaram-me angustiado. Não faço reparos ao esforço dos sacerdotes, em especial dos regulares, para manter a vida sacramental nesse local tão humilde. Mas fiquei assustado, confesso, que numa cidade tão tradicionalmente católica uma grande parte – diria a maior parte – da minha família e amigos agora se declare espírita ou “evangélico”.
Sei que este não é um problema especificamente local, mas vi ocorrerem algumas coisas na Liturgia que, imagino, não colaboram com a reversão do quadro. Narrarei com muita objetividade.
A primeira missa de que participei deu-se no sábado logo após o natal, tão logo eu cheguei de viagem. Ocorreu na igrejinha da Conceição, antiga e linda, muito mariana. O salmo responsorial da missa foi substituído pelo Ofício de Nossa Senhora. Digo de passagem que o ofício é um ato de piedade maravilhoso e antigo, do qual se costuma dizer que Ela própria se ajoelha no céu quando é rezado. Pareceu-me, no entanto, muito inadequado que esse ato de piedade substituísse o salmo responsorial, ato estritamente litúrgico. Eu aprendi outrora que o sacerdote é servidor da Sagrada Liturgia, e que não lhe é permitido, por própria conta, acrescentar, tirar, ou mesmo mudar qualquer coisa na celebração da missa, como determina a Instrução Geral sobre o Missal Romano, item 24. Ora, o salmo responsorial é parte integrante da Liturgia da Palavra, portanto parte do alimento eucarístico que é dado ao povo. Sua alteração por um ato de piedade, além de ofender ao item 61 da Instrução Geral, fomenta a distorção da piedade popular, ao invés da sua “purificação”, recomendação do Documento de Aparecida, item 262. A confusão entre o ato litúrgico e a piedade popular torna simplesmente humana a Liturgia Divina, ao submetê-la ao alvedrio da subjetividade do celebrante.
No sábado seguinte, outro celebrante, também regular da mesma ordem, introduziu o Ofício de Nossa Senhora após o ato penitencial, antes da oração de coleta. De fato, não houve a retirada do salmo, mas a introdução de um rito não previsto no missal romano também me incomodou. Estou certo de que o Ofício pode ser rezado com grande fervor, mas o zelo pastoral indicará o momento mais pertinente, antes ou depois, mas sempre fora da celebração eucarística.
Mas o que de fato incomodou-me, e levou-me a escrever este desabafo, foi a celebração dominical, na Matriz, nos domingos logo após o natal. Ao entrar no templo um pouco antes da celebração, como costumo fazer, notei logo a existência, no átrio, de uma fotografia gigante do pároco, como que sobrepairando a cidade, com o Ostensório nas mãos. Incomodou-me porque estou certo de que aqueles que não conhecem, como eu não conheço, os motivos que moveram o pároco a criar tal ícone, são tentados a interpretá-lo mal.
O repertório musical executado durante a celebração era de baixíssima qualidade, mas isso não é um problema local, mas fato que verifico em todas as minhas andanças. Da mesma natureza é o volume muito alto do som, problema disseminado em muitas dioceses.
Também está muito disseminado o hábito de aplaudir a proclamação do Evangelho. Aquilo que, muitas vezes, é entendido como uma “aclamação” à Palavra de Deus torna-se, a meu ver, uma resposta de plateia a um ato de entretenimento. A proclamação da Palavra de Deus parece não dirigir-se a uma comunidade orante, mas a uma plateia, a espectadores mais do que a fiéis. Não foi outra a preocupação de D. Malcolm Ranjith, Secretário da Congregação do Culto Divino e da Disciplina dos Sacramentos, em entrevista à Agência Católica Zenit, na qual ele afirmou: “Sou contra danças e aplausos no decorrer das missas, que não são um circo nem um estádio”.
A minha impressão angustiada foi reforçada pela saudação inicial do celebrante. A acolhida foi precedida por um longo discurso que ressaltava que aquela missa estava sendo transmitida ao vivo por uma rádio comercial e por um site ou blog. Não discuto o valor da missa transmitida pelos meios de comunicação, de resto já colocado pela Sacrossantum Concilium, item 20: “Façam-se com discrição e dignidade, e sob a direção de pessoa competente, para tal designada pelos Bispos, as transmissões radiofônicas ou televisivas das ações sagradas, especialmente da Missa.” Afligiu-me, no entanto, que a função de comentarista radiofônico fosse exercida pelo próprio celebrante, que irradiava os atos litúrgicos enquanto os celebrava, interrompendo, inclusive, os momentos de silêncio sagrado e, por algumas vezes, a Oração Eucarística. As orientações da CNBB quanto às transmissões radiofônicas levam em consideração a necessidade de que não hajam silêncios prolongados na estação, mas aconselham que haja um terceiro para fazer os comentários em “off”, para não prejudicar a oração dos presentes nem deformar a liturgia. Para mim, foi mais difícil permanecer em atitude de oração, durante a missa, enquanto o celebrante alternava-se na postura de sacerdote e de locutor.
Mas o que de fato me feriu mais profundamente foi a inclusão, no começo e no final da celebração, de chamadas comerciais dos “patrocinadores” da missa, dos quais me recordo bem de uma grande indústria local e de uma boutique. Essa chamada comercial também foi feita pelo sacerdote, como celebrante, no interior do ato litúrgico. Não preciso ressaltar o quanto me angustiou participar de uma missa com intervalo comercial.
Lamentei, também, a substituição da oração do Glória, tão importante liturgicamente, pelo canto “Vinde, Cristãos, vinde à porfia”, inadequado, creio, para o momento litúrgico. Quero ressaltar que, apesar da orientação clara da Instrução Geral ao Missal Romano (que diz, no item 53, que “o Glória é um antiquíssimo e venerável hino com que a Igreja, congregada no Espírito Santo, glorifica e suplica a Deus e ao Cordeiro. Não é permitido substituir o texto deste hino por outro”), em diversas celebrações que acompanhei pelo Brasil afora permanece o hábito de trocar a insuperável oração litúrgica do Glória por um canto que às vezes é chamado de “glorinha”, uma oração trinitária empobrecedora e também inadequada, mas bastante difundida. Muitas comunidades já não sabem recitar o Glória. Mas a substituição do Glória pelo “vinde, Cristãos”, como foi feito nesta missa da qual participei, parece mostrar que a direção litúrgica da celebração não está atenta ao sentido dessa oração, e que a comunidade se está empobrecendo espiritualmente. Ressalto que há uma adaptação metrificada desta oração litúrgica, própria para o canto, feita pela CNBB, muito adequada e bela, que torna qualquer justificação estética para os “glorinhas” trinitários ultrapassada, além de inadequada. Mas o “Vinde, Cristãos”, apenas porque menciona a palavra “glória”, se me permite, não tem pertinência com esse momento da celebração eucarística.
Ainda com relação à Liturgia da Palavra, notei que foram suprimidas tanto a segunda leitura quanto o “credo”. Espantado, consultei outros fiéis, para saber se eu me distraíra ou se de fato os atos não ocorreram. Os fiéis que abordei confirmaram que essa é uma prática frequente na liturgia dominical daquela cidade.
A oração eucarística, privativa do celebrante, culmina com a consagração. Ao ajoelhar-se perante Jesus Sacramentado, na oração eucarística, o próprio celebrante, no entanto, “puxou um canto” com a comunidade, a que a comunidade respondeu prontamente. Este, portanto, parece ser um hábito arraigado ali (e na verdade em outros lugares também), mais uma vez demonstrando a falta de clareza entre o ato litúrgico sacramental da consagração in persona Christi, a irritante locução radiofônica do celebrante e o ato de piedade consistente no canto de louvor e adoração ao Santíssimo, impertinente, me parece, nesse momento, que é o ápice da missa.
Confesso que o conteúdo das homilias também me deixou confuso. Em pleno domingo da Sagrada Família, o celebrante pareceu fazer uma longa apologia à separação conjugal: afirmou que “ninguém é obrigado a sofrer” na vida conjugal, que ninguém pode ser obrigado a tolerar maus humores, alcoolismo, maus tratos, e que cada um deve buscar sua própria felicidade. É certo que a minha impressão decorreu mais do contexto do que de alguma palavra mais específica do sacerdote, e que, a essa altura, que Deus me perdoe, meu coração já estava mais do que sobrecarregado com toda o acúmulo de problemas que já narrei.
Por fim, a chamada “Bênção do Santíssimo”, com a procissão do Sagrado Corpo no Ostensório, por toda a igreja, é algo também bastante difundido a partir de exemplos televisivos. A procissão atravessa o povo, que se acotovela para tocar no Ostensório, impor-lhe chaves e carteiras de trabalho, fotos de parentes e outros objetos, enquanto o sacerdote, majestoso, cruza toda a nave, banhado por uma chuva de pétalas. A julgar pelo grande cartaz fotográfico, essa prática ocorre todos os domingos, como se todo domingo fosse uma espécie de “Corpus Christi” misturado com Pentecostes, um espetáculo que, à minha sensibilidade, pareceu exagerado, facilmente descambando para a crendice e desrespeito ao tesouro eucarístico da Igreja, e não posso deixar de reparar quão fácil será, para pastores evangélicos e “pregadores” espíritas ridicularizarem-nos diante de tal espetáculo. Sem dúvida, fornecemo-lhes bastante material. Pessoalmente, não foi fácil defender a Igreja perante os amigos e parentes locais que a abandonaram pelo espiritismo e pelo protestantismo, diante da dificuldade de justificar espetáculos assim. Posso estar julgando mal, mas não posso omitir-me, inclusive perante o cânon 212, §§ 2º e 3º, do Código Canônico.
No domingo seguinte, havia um frei mais jovem celebrando a missa - creio que deva tratar-se do vigário. Houve muito mais sobriedade, inclusive quanto à transmissão radiofônica. Comento, apenas, que na homilia, a vida sacramental da Igreja pareceu desvalorizada, assim como a piedade dos fiéis, em prol de uma “busca de contato com o divino em nós”, num discurso que me soou gnóstico. Não pude deixar de comentar com alguns fiéis sobre estes fatos, e ouvi deles que, algumas vezes, o pároco refere-se às fiéis mais idosas como “beatas” apegadas à sua “santaiada”, cujas orações devem ser substituídas por ações mais efetivas para a “mudança social”. Não quero acreditar que tais falas sejam proferidas assim, tão secas de caridade para com as nossas idosas mais devotas. Mas estranhei o fato de que, no livreto da paróquia haja uma parte dedicada a certos “dez mandamentos do prefeito”, o que é, no mínimo, inusitada intervenção do sagrado no temporal, senão expressão de um clericalismo político que, julgávamos, já estava extinto no nosso país.
Creio que a situação repete-se em vários outros lugares do país.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
O ladrão e o filho – uma reflexão sobre a liberdade.
Um furto na casa de um amigo me levou a refletir: um ladrão sempre entra numa casa de um modo altamente descompromissado, destrutivo, invasivo, enfim, sem o menor compromisso com nada.
O filho, por outro lado, sempre tem um ritual para entrar em casa. Os meus tiram o sapato sujo ao lado da porta, vão lavar as mãos, beijam o papai e a mamãe, tomam a bênção e vão para a cozinha, procurar alguma coisa para comer; são sempre alegres e um tanto bagunceiros, mas o rito é sempre o mesmo, com pequenas variações. Claro que as crianças sujam a casa, mas, quando advertidos, têm a atenção normal à sua idade, e até ajudam a limpar o que sujaram, porque sabem que ali é a casa dos seus pais.
Pergunto eu: quem é mais livre, ao entrar na minha casa? O ladrão, com sua sagacidade invasiva e destrutiva ou os meus filhos, com seu ruído alegre e seus rituaizinhos cotidianos? Parece que a contemporaneidade tende a crer que os ladrões são mais livres que os filhos. Todos os compromissos dos filhos com a casa, com a higiene, o respeito aos pais, com a preservação do ambiente saudável e alegre de um lar, bem como os respectivos compromissos dos pais uns com os outros e com seus filhos, tudo isso parece um fardo insuportável, nos dias atuais. Estamos sendo persuadidos, por uma certa filosofia que se quer “libertadora”, de que somente os ladrões são livres, quer dizer, somente a destruição e o descompromisso representam verdadeiramente a essência da liberdade.
Eu tenho observado isso até mesmo na entrada da igreja. As pessoas entram no templo de qualquer maneira, sem um gesto de reverência, sem demonstrar carinho e humildade, senão pelo altar ou pelo sacrário, ao menos com o fato de que o local representa um espaço de culto para os outros cidadãos que estão ali dentro. Entram conversando em voz alta, tratando de seus próprios assuntos, enfim, mais ou menos como o ladrão entra na casa alheia. Já não entramos na igreja como os verdadeiros filhos entram em casa, com os nossos pequenos rituais de amor e respeito pela sacralidade do local. Ladrões entram destruindo qualquer sacralidade. Filhos entram imersos no amor, sentindo e vivendo a sacralidade.
Do mesmo modo que temos nossos pequenos rituais em casa, que nos identificam como família, como verdadeiros moradores da casa e não ladrões, temos também os nosso pequenos rituais para entrar na igreja. Afinal, não recebemos um espírito de ladrões, nem de escravos, para viver no temor, na destrutividade e no descompromisso, mas recebemos um espírito de filhos adotivos, que clama em nós “Abba, Pai”.O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. É o que nos ensina São Paulo (Romanos 8, 15-17).
É por isso que, quando entro numa igreja, inscrevo na minha fronte a marca dos filhos de Deus (Apocalipse 7, 3), que é o nome de Jesus e o nome do Pai, no Espírito Santo (Ap 14, 1). Os antigos chamavam esse hábito de persignar-se, fazer o sinal da cruz em si mesmo, trazer em seu corpo as marcas de Jesus (Gálatas 6, 17). O gesto de ser marcado com a cruz tem raízes profundas, basta ler Ezequiel 9, 4-6; ali, o texto original fala em marcar com um tau a testa daqueles que não se conformam com as injustiças. O tau, como se sabe, é a letra hebraica que lembra o nosso “T”. Ou, mais especificamente, uma cruz. Marcamos, portanto, o nosso corpo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19), como a Bíblia nos ensina.
Reverencio o altar, que é Jesus. “Temos um altar”, diz a Carta aos Hebreus (13, 10), e ele é o próprio Cristo, do qual a antiga Tenda é apenas um sinal. E finalmente, ajoelho-me diante do sacrário, porque o pão que Jesus nos deu, o pão da Ceia, é a carne de Jesus para a vida do mundo (Jo 6, 51), pois a sua carne é verdadeira comida, e o seu sangue é verdadeira bebida (Jo 6, 55). Não se trata de uma “representação”, mas de uma realidade, nos diz a Bíblia. E se no sacrário estão realmente o corpo e o sangue de Jesus, porque perante Jesus todo joelho se deve dobrar, e toda língua deve confessar que ele é o Senhor (Filipenses 2, 10-11). Na igreja, pois, nós devemos entrar como filhos, não como ladrões. Aliás, não somente na igreja, mas na vida - ser livre é ser filho.
Não, os ladrões não são livres. Eles apenas tomam o que é dos outros. Fazem sexo, mas jamais serão esposos. Apossam-se das coisas, mas jamais serão donos. Arrombam a casa, mas jamais terão um lar. Destroem, mas jamais construirão. Somente os filhos são livres.
O filho, por outro lado, sempre tem um ritual para entrar em casa. Os meus tiram o sapato sujo ao lado da porta, vão lavar as mãos, beijam o papai e a mamãe, tomam a bênção e vão para a cozinha, procurar alguma coisa para comer; são sempre alegres e um tanto bagunceiros, mas o rito é sempre o mesmo, com pequenas variações. Claro que as crianças sujam a casa, mas, quando advertidos, têm a atenção normal à sua idade, e até ajudam a limpar o que sujaram, porque sabem que ali é a casa dos seus pais.
Pergunto eu: quem é mais livre, ao entrar na minha casa? O ladrão, com sua sagacidade invasiva e destrutiva ou os meus filhos, com seu ruído alegre e seus rituaizinhos cotidianos? Parece que a contemporaneidade tende a crer que os ladrões são mais livres que os filhos. Todos os compromissos dos filhos com a casa, com a higiene, o respeito aos pais, com a preservação do ambiente saudável e alegre de um lar, bem como os respectivos compromissos dos pais uns com os outros e com seus filhos, tudo isso parece um fardo insuportável, nos dias atuais. Estamos sendo persuadidos, por uma certa filosofia que se quer “libertadora”, de que somente os ladrões são livres, quer dizer, somente a destruição e o descompromisso representam verdadeiramente a essência da liberdade.
Eu tenho observado isso até mesmo na entrada da igreja. As pessoas entram no templo de qualquer maneira, sem um gesto de reverência, sem demonstrar carinho e humildade, senão pelo altar ou pelo sacrário, ao menos com o fato de que o local representa um espaço de culto para os outros cidadãos que estão ali dentro. Entram conversando em voz alta, tratando de seus próprios assuntos, enfim, mais ou menos como o ladrão entra na casa alheia. Já não entramos na igreja como os verdadeiros filhos entram em casa, com os nossos pequenos rituais de amor e respeito pela sacralidade do local. Ladrões entram destruindo qualquer sacralidade. Filhos entram imersos no amor, sentindo e vivendo a sacralidade.
Do mesmo modo que temos nossos pequenos rituais em casa, que nos identificam como família, como verdadeiros moradores da casa e não ladrões, temos também os nosso pequenos rituais para entrar na igreja. Afinal, não recebemos um espírito de ladrões, nem de escravos, para viver no temor, na destrutividade e no descompromisso, mas recebemos um espírito de filhos adotivos, que clama em nós “Abba, Pai”.O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. É o que nos ensina São Paulo (Romanos 8, 15-17).
É por isso que, quando entro numa igreja, inscrevo na minha fronte a marca dos filhos de Deus (Apocalipse 7, 3), que é o nome de Jesus e o nome do Pai, no Espírito Santo (Ap 14, 1). Os antigos chamavam esse hábito de persignar-se, fazer o sinal da cruz em si mesmo, trazer em seu corpo as marcas de Jesus (Gálatas 6, 17). O gesto de ser marcado com a cruz tem raízes profundas, basta ler Ezequiel 9, 4-6; ali, o texto original fala em marcar com um tau a testa daqueles que não se conformam com as injustiças. O tau, como se sabe, é a letra hebraica que lembra o nosso “T”. Ou, mais especificamente, uma cruz. Marcamos, portanto, o nosso corpo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19), como a Bíblia nos ensina.
Reverencio o altar, que é Jesus. “Temos um altar”, diz a Carta aos Hebreus (13, 10), e ele é o próprio Cristo, do qual a antiga Tenda é apenas um sinal. E finalmente, ajoelho-me diante do sacrário, porque o pão que Jesus nos deu, o pão da Ceia, é a carne de Jesus para a vida do mundo (Jo 6, 51), pois a sua carne é verdadeira comida, e o seu sangue é verdadeira bebida (Jo 6, 55). Não se trata de uma “representação”, mas de uma realidade, nos diz a Bíblia. E se no sacrário estão realmente o corpo e o sangue de Jesus, porque perante Jesus todo joelho se deve dobrar, e toda língua deve confessar que ele é o Senhor (Filipenses 2, 10-11). Na igreja, pois, nós devemos entrar como filhos, não como ladrões. Aliás, não somente na igreja, mas na vida - ser livre é ser filho.
Não, os ladrões não são livres. Eles apenas tomam o que é dos outros. Fazem sexo, mas jamais serão esposos. Apossam-se das coisas, mas jamais serão donos. Arrombam a casa, mas jamais terão um lar. Destroem, mas jamais construirão. Somente os filhos são livres.
Assinar:
Postagens (Atom)