Um furto na casa de um amigo me levou a refletir: um ladrão sempre entra numa casa de um modo altamente descompromissado, destrutivo, invasivo, enfim, sem o menor compromisso com nada.
O filho, por outro lado, sempre tem um ritual para entrar em casa. Os meus tiram o sapato sujo ao lado da porta, vão lavar as mãos, beijam o papai e a mamãe, tomam a bênção e vão para a cozinha, procurar alguma coisa para comer; são sempre alegres e um tanto bagunceiros, mas o rito é sempre o mesmo, com pequenas variações. Claro que as crianças sujam a casa, mas, quando advertidos, têm a atenção normal à sua idade, e até ajudam a limpar o que sujaram, porque sabem que ali é a casa dos seus pais.
Pergunto eu: quem é mais livre, ao entrar na minha casa? O ladrão, com sua sagacidade invasiva e destrutiva ou os meus filhos, com seu ruído alegre e seus rituaizinhos cotidianos? Parece que a contemporaneidade tende a crer que os ladrões são mais livres que os filhos. Todos os compromissos dos filhos com a casa, com a higiene, o respeito aos pais, com a preservação do ambiente saudável e alegre de um lar, bem como os respectivos compromissos dos pais uns com os outros e com seus filhos, tudo isso parece um fardo insuportável, nos dias atuais. Estamos sendo persuadidos, por uma certa filosofia que se quer “libertadora”, de que somente os ladrões são livres, quer dizer, somente a destruição e o descompromisso representam verdadeiramente a essência da liberdade.
Eu tenho observado isso até mesmo na entrada da igreja. As pessoas entram no templo de qualquer maneira, sem um gesto de reverência, sem demonstrar carinho e humildade, senão pelo altar ou pelo sacrário, ao menos com o fato de que o local representa um espaço de culto para os outros cidadãos que estão ali dentro. Entram conversando em voz alta, tratando de seus próprios assuntos, enfim, mais ou menos como o ladrão entra na casa alheia. Já não entramos na igreja como os verdadeiros filhos entram em casa, com os nossos pequenos rituais de amor e respeito pela sacralidade do local. Ladrões entram destruindo qualquer sacralidade. Filhos entram imersos no amor, sentindo e vivendo a sacralidade.
Do mesmo modo que temos nossos pequenos rituais em casa, que nos identificam como família, como verdadeiros moradores da casa e não ladrões, temos também os nosso pequenos rituais para entrar na igreja. Afinal, não recebemos um espírito de ladrões, nem de escravos, para viver no temor, na destrutividade e no descompromisso, mas recebemos um espírito de filhos adotivos, que clama em nós “Abba, Pai”.O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. É o que nos ensina São Paulo (Romanos 8, 15-17).
É por isso que, quando entro numa igreja, inscrevo na minha fronte a marca dos filhos de Deus (Apocalipse 7, 3), que é o nome de Jesus e o nome do Pai, no Espírito Santo (Ap 14, 1). Os antigos chamavam esse hábito de persignar-se, fazer o sinal da cruz em si mesmo, trazer em seu corpo as marcas de Jesus (Gálatas 6, 17). O gesto de ser marcado com a cruz tem raízes profundas, basta ler Ezequiel 9, 4-6; ali, o texto original fala em marcar com um tau a testa daqueles que não se conformam com as injustiças. O tau, como se sabe, é a letra hebraica que lembra o nosso “T”. Ou, mais especificamente, uma cruz. Marcamos, portanto, o nosso corpo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19), como a Bíblia nos ensina.
Reverencio o altar, que é Jesus. “Temos um altar”, diz a Carta aos Hebreus (13, 10), e ele é o próprio Cristo, do qual a antiga Tenda é apenas um sinal. E finalmente, ajoelho-me diante do sacrário, porque o pão que Jesus nos deu, o pão da Ceia, é a carne de Jesus para a vida do mundo (Jo 6, 51), pois a sua carne é verdadeira comida, e o seu sangue é verdadeira bebida (Jo 6, 55). Não se trata de uma “representação”, mas de uma realidade, nos diz a Bíblia. E se no sacrário estão realmente o corpo e o sangue de Jesus, porque perante Jesus todo joelho se deve dobrar, e toda língua deve confessar que ele é o Senhor (Filipenses 2, 10-11). Na igreja, pois, nós devemos entrar como filhos, não como ladrões. Aliás, não somente na igreja, mas na vida - ser livre é ser filho.
Não, os ladrões não são livres. Eles apenas tomam o que é dos outros. Fazem sexo, mas jamais serão esposos. Apossam-se das coisas, mas jamais serão donos. Arrombam a casa, mas jamais terão um lar. Destroem, mas jamais construirão. Somente os filhos são livres.
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