sábado, 7 de abril de 2012

Crime e Desvio - Hackers

A sociologia, enquanto ciência positiva, não pode fazer julgamento de valor. Ela pode definir desvio e dizer que essa noção é difícil de ser definida, mas, ao entrar na discussão so-bre crime, se um fato supostamente desviante é certo ou não e se a prisão de seu ator foi ou não injusta, o discurso social en-trou num campo de investigação que não é o seu, pois, se um criminoso deve ou não ser preso, não é uma questão sociológi-ca, mas um julgamento. A sociologia pode dizer que o desvio é a fuga dos padrões normais de aceitabilidade, mas não pode julgar esses padrões. Ela pode até apresentar uma opinião, con-tanto que apresente a contrária e permaneça imparcial quanto a essas opiniões. Giddens, no seu texto "Crime e Desvio", justifica que "a noção de desviante não é fácil de ser definida", com o exemplo do hacker Mitnick, que é reverenciado por uns e desprezado por outros. Hitler também foi desprezado pelo mundo, mas, até hoje, é reverenciado, pelos neo-nazistas. Hitler não pode ser considerado um desviante, pois há um grupo que o considera um mártir, um herói que morreu por sua causa de melhorar o mundo, eliminando todos os seres sujos e inferiores, como os judeus, que são mentirosos e fracos, e criaram um falso Deus para encobrir essa fraqueza, e como Hitler já advertira, os ju-deus estão cada vez mais no controle da máquina burocrática, e isso está trazendo o inferno no mundo, nas palavras do neona-zista Steve, no filme "180 Movie". Foi encurralado e preferiu morrer fiel à sua causa a se render. Mitnick diz que "Hacker é um termo de honra e respei-to. É um termo que descreve uma habilidade, e não uma ativi-dade, da mesma forma que a palavra 'médico'." 'Médico' des-creve uma atividade. O médico deve ser formado em medicina e, ainda que eventualmente tenha menos habilidade que outrem que não fez o curso de medicina, ele não deixa de ser médico por isso, e a pessoa que eventualmente tenha mais habilidades que o médico não vira médico por causa disso. Analogicamen-te, ter o conhecimento teórico de hackeamento não torna o in-divíduo um hacker. Programadores têm essa habilidade, mas e-fetivamente pôr essas habilidades em prática é o que caracteri-za o hacker. Só porque alguém tem uma habilidade, não quer dizer que a pessoa exerça essa atividade, e esse conceitos são, de certa forma, próximos, mas distintos. Policiais têm a habili-dade de arrombamento, às vezes até mais habilidade que os ar-rombadores, mas não são como estes, pois não exercem essa a-tividade. Um conhecido contou-me uma vez que ele estava com a polícia na casa de um político, buscando dinheiro de cor-rupção, e, ao se depararem com uma gaveta trancada, o político alegou: "Este armário era de minha filha, só ela possui a chave, mas já deve tê-la perdido. Esse armário está trancado há anos." O policial sacou uma gazua e logo abriu o armário, revelando o dinheiro. No caso dos hackers, o que acontece é que empresas podem contratá-los para que que eles trabalhem como seguran-ças, dessa mesma forma que pode ser concedido perdão judici-al a um bandido que traia a quadrilha e ajude a polícia. "Os hackers se antecipam em ressaltar que a maior par-te de suas atividades não é criminosa. Interessam-se, sim, pri-meiramente, em explorar os limites da tecnologia da computa-ção, tentando revelar furos e descobrir até que ponto é possíel penetrar em outros sistemas de computadores. Uma vez desco-bertas as falhas, a "ética hacker" exige que as informações se-jam compartilhadas publicamente." Seria mais ou menos como ver um pequeno furo no muro do seu vizinho, pegar uma broca, abrir um rombo e então anunciar com um megafone à frente da casa que há um rombo no muro. É diferente de um empregado da casa reparar um buraco no muro e avisar o seu patrão, para que um ladrão não entre pelo buraco no meio da noite. Mitnick ainda diz "No computador, me sinto como al-guém que pega um carro para uma corrida em alta velocidade. Não me considero um ladrão." Não há problema algum em cor-rer num autódromo; correr na rua, porém, é crime, assim como roubar. Mitnick dirige seu computador como um corredor pro-fissional num circuito de corrida ou como um adolescente fa-zendo um "pega" na rua? Giddens ainda diz no seu texto que "Quando iniciamos o estudo do comportamento desviante, devemos considerar quais as regras que as pessoas estão observando e quais estão infringindo. [...] Até mesmo aqueles indivíduos que possam pa-recer completamente fora do terreno da sociedade respeitável [...] estão provavelmente seguindo regras dos grupos aos quais pertencem. [...] (O estudo sobre o crime e o desvio) Também nos ajuda a observar que as pessoas cujo comportamente possa parecer incompreensível ou estranho podem ser vistas como se-res racionais a partir do momento em que compreendemos o motivo que as leva a agirem dessa forma." Um homicídio acon-tece num vilarejo, o cadáver de uma menina de 9 anos é encon-trado violentado num riacho. As investigações levam à prisão de Fulano, que, em seu depoimento, alega que fazia parte de u-ma seita demoníaca que tinha, como rito de iniciação, violentar e depois assassinar uma jovem virgem. O juiz absolve Fulano, e nenhum habitante questiona esse julgamento, pois aquele comportamento estranho e incompreensível daquele indivíduo que parecia completamente fora do terreno da sociedade res-peitável era completamente razoável, depois que as pessoas compreenderam que o motivo que o levou a agir dessa forma e-ra apenas o seguimento de uma regra do grupo ao qual ele per-tencia. O comportamento do hacker Mitnick estava de acordo com as regras do grupo ao qual ele pertencia. Um rapaz com "roupas não-convencionais" tem um comportamento desviante? Depende do lugar onde ele está. Se ele estiver andando na rua, não está sendo desviante, pois não há nenhuma regra que diga que ele não pode andar assim. Mas, se ele for um funcionário público, há uma série de regras que dizem como ele deve se vestir, e alegar que ele se veste com "roupas não-convencio-nais" pois é de uma tribo qualquer não funciona neste caso, pois ele deve agir de acordo com as regras do seu grupo (sua tribo) quando estiver com ele, e deve agir de acordo com as re-gras do outro grupo (seu trabalho) quando estiver trabalhando. Da mesma forma, se o comportamento de Mitnick é aceitável no seu grupo, então ele só pode agir assim no meio do seu gru-po, ou seja, ele só poderia hackear os computadores dos outros hackers, pois independentemente de esse comportamento ser a-ceito ou não no meio hacker, não é aceito fora dele. "O desvio e o crime não são sinônimos, [...] O conceito de desvio é bem mais amplo do que o de crime." De fato, há i-números comportamentos desviantes que não são criminosos, como o do rapaz que veste "roupas não-convencionais". O comportamento hacker, no entanto, além de desviante é crimi-noso; desviante porque, independentemente de os outros ha-ckers aprovarem este comportamento, o grupo maior, a socie-dade como um todo, não apoia; criminoso porque está previsto no código penal, e Mitnick foi preso justamente por seu com-portamento que, além de desviante, é criminoso. O autor cita o grupo Hare Krishna, que possui um comportamento desviante. Sem duvida o comportamente desse grupo é estranho a um nú-mero significativo de pessoas, mas não é, de forma alguma, cri-minoso, ao contrário do dos hackers. (Pedro Jacobina)

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