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segunda-feira, 9 de abril de 2012
A mesa
(Num jantar, 'A' e 'B', em lados opostos da mesa, fazem suas refeições, quando A, que estava pensativo, repentinamente fala)
A: Nada é certeza.
B: Como assim?
A: Nós não podemos confiar em nada. Não há nenhum conhecimento do qual não se possa duvidar. Esta mesa, por exemplo: nada garante que ela existe, e, se esta mesa existe mesmo, não podemos ter conhecimento imediato dela. Fale as suas características.
B: Ela é castanha, retangular, lisa, e dura.
A: Não há nenhum cor predominante na mesa. Vemos cores diferentes na mesa quando olhamos de diferentes pontos de vista, e não há razão alguma para considerar que algumas são mais cores que outras. A experiência de cor da mesa também muda para os daltônicos, sob luz artificial, ou a alguém com óculos azuis, e às escuras não haverá qualquer cor. Não podemos dizer que a mesa tem uma cor só pelo nosso ponto de vista; para evitar favoritismos, somos obrigados a negar que, em si, a mesa tenha alguma cor particular qualquer.
B: De fato, cor é uma percepção visual, provocada pela excitação de nossos cones. A mesa não tem cor alguma, porque cor não é uma característica, a característica dos objetos é capacidade de refletir determinados comprimentos de onda. Um daltônico para o verde olha para uma mesa amarela e só enxerga vermelho, mas isso não quer dizer que a mesa é vermelha, ela continua refletindo o comprimento de onda equivalente ao amarelo. E eu, que estou aqui nesta cadeira, vejo a mesa de um ponto de vista diferente do seu, que está sentado à minha frente. Os brancos do brilho que vemos estão é lugares diferentes, mas seria contraditório dizer que a mesa tem, ao mesmo tempo, brilho em um lugar pra mim e em outro para você. Um objeto não pode estar em um lugar e em outro ao mesmo tempo. A mesa reflete ondas em todas as direções, e, se você se mover, você verá outro padrão no brilho da mesa, mas era um padrão que já estava aí. Se você sair da sua cadeira e sentar na minha, você não verá mais a mesa do jeito que você está vendo aí, mas do jeito que eu vejo aqui. Não seria a mesa que mudou, mas sim o seu ponto de vista. Você verá o que eu já estou vendo. A mesa não é apenas o que você está vendo, mas você não pode dizer que, por isso, ela não é nada. Ela é o que você vê, mais o que eu vejo, e mais todos os outros pontos de vista. Se não conseguimos ver a mesa de todos os pontos de vista possíveis simultaneamente, o limite é da nossa capacidade, pois a mesa está ali, refletindo luz para todos os lados, potencialmente visível de qualquer ângulo.
A: E a textura da mesa? A olho nu, a mesa parece lisa, mas, ao ver pelo microscópio, notamos várias irregularidades em sua superfície. Qual é a mesa real? A primeira coisa que vem à nossa cabeça é que a mesa do microscópio é real, mas isso mudaria com um microscópio mais poderoso. Se não podemos confiar no que vemos a olho nu, por que podemos confiar no que vemos ao microscópio?
B: O problema da textura, que, a olho nu, pode parecer lisa, mas que, sob o microscópio, se permite ver as imperfeições, é similar ao da cor. A textura está ali, e não muda quando vista sob o microscópio, o que muda é o detalhamento do que vemos. Não é culpa da mesa se não conseguimos ver suas imperfeições microscópicas a olho nu, mas é culpa da nossa visão, que não consegue ver coisas microscópicas sem o auxílio de um instrumento. Um microscópio cada vez mais potente permite ver uma mesa cada vez mais detalhada, mas a mesa continua sempre a mesma.
A: Mas você não pode dizer que esta mesa é retangular. Isso implicaria em dizer que os lados opostos são paralelos e têm o mesmo comprimento, mas parece, do meu ponto de vista, do seu, e de praticamente qualquer um, que ela tem dois ângulos obtusos e dois ângulos agudos, estes dois lados, que supostamente são parelelos, convergem para um ponto distante, e o lado de cá parece maior que o lado daí.
B: A forma de uma mesa não pode ser retangular ou circular. Primeiramente, essas são formas, e, como formas, só existem perfeitamente no plano das idéias. Um objeto quadrado nunca será um perfeito quadrado, pois o quadrado é uma ideia. O objeto pode ter os quatro lados iguais quando medido em centímetros, mas, com uma régua milimetrada, pode-se notar diferenças no comprimento dos lados, e um objeto com os quatro lados iguais quando medido em milímetros pode ser imperfeito quando medido em micrômetros, e por aí vai. O segundo problema de reduzir uma mesa a uma forma como o retâgulo ou um circulo é que estas formas geométricas são planas, ao contrário de uma mesa, que é tridimensional. A forma da mesa não é retangular ou circular, mas sim forma de mesa. O que se pode dizer é que a superfície da mesa é circular ou retangular, e isso está certo, e, mesmo que se mude o ângulo de visão, aquela forma está ali. Não se pode reduzir a natureza de uma coisa ao que se vê dela. Uma mesa com a superfície quadrada vista em perspectiva continua tendo os quatro lados de mesmo comprimento, mesmo que ela tenha aparentemente um lado maior que outro para o observador.
('A' se remexe inquieto na cadeira)
A: Qual foi mesmo a outra característica que você disse? Dura? É verdade que esta mesa passa sempre uma sensação de dureza, mas a sensação que obtemos depende da pressão que exercemos sobre a mesa.
B: A mesa tem a mesma dureza sempre. O que muda a sensação que você sente é uma força chamada 'normal'. Ela é a pressão que você sente no dedo quando o aperta sobre a mesa. Você não pode dizer que a dureza varia com a variação da pressão. A mesa tem essa dureza, e vai continuar com ela independentemente da pressão que se aplique, tanto que ela quebra se você aplicar uma certa pressão, mas não quebra com nenhuma pressão menor, e quebra com qualquer pressão maior.
A: Mas isso ainda não prova que a mesa existe. A mesa real, se existe, não é a mesma da qual temos experiência direta pelos sentidos, ela não poderia ser conhecida imediatamente por nós, mas tem que ser uma inferência do que é imediatamente conhecido.
B: Parmênides dizia que o não-ser não é, então você não pode dizer que a mesa não existe porque não pode ser diretamente conhecida por nós. Você não pode afirmar que a mesa não existe porque não tem certeza se ela é lisa ou áspera, pois, ao declarar que ela pode ser uma ou outra, você está dizendo que ela tem que ser alguma das duas. E só o ser é. "A mesa é lisa ou áspera" é uma verdade necessária, pois, se ela não for lisa, ela é áspera. Não tem como a mesa existir e não ser nem lisa nem áspera. Se ela é um dos dois, ela existe, mesmo que você não tenha certeza de qual ela é.
('A' volta a comer e nada mais fala)
(Pedro Jacobina)
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