Dentro do ciclo de adaptações para o ensino médio, o meu filho mais velho, atualmente cursando o nono ano, teve uma aula com o futuro professor de biologia do ensino médio, cujo nome ele não soube me dizer. Mas o relato que ele fez sobre as colocações desse professor em sala de aula não podiam deixar de me assustar.
Segundo ele, tratando do tema da evolução, o professor teria feito diversas considerações sobre Deus, a Bíblia, a religião, em nome de uma “comunidade científica” que estava gerando “vida em laboratório” (o professor teria expressamente declinado um conceito próprio de “vida” como toda substância que é capaz de reproduzir-se) e expressamente teria ameaçado com notas baixas os alunos que ousassem envolver Deus com a biologia. Desenvolveu uma concepção cósmica evolucionista muito além dos limites científicos e estabeleceu o homem como mero fruto de uma evolução natural de fundo acidental, criticando a religião por ter ensinado uma criação estática, separada e imutável das espécies diretamente por Deus, que o Gênesis (que ele leu como se fosse um livro de ciências anacrônico) ensinaria.
Não sei se foi exatamente isto o que o professor disse em sala de aula, ou se o meu filho foi infeliz em retransmitir-me. Mas ele fez um comentário que muito me tocou: “pai, eu queria que os professores de religião defendessem Deus na sala com a mesma veemência com que este professor de biologia o atacou”.
Ora, sei - e acredito que os senhores sabem também - que circulam no mercado alguns livros pseudo-científicos de autoria, dentre outros, de um pseudo-cientista e mau teólogo chamado Richard Dawkins. Não estou dizendo que o professor de biologia que se apresentou para o meu filho o tenha lido, mas as posições que meu filho relatou terem sido expostas na sala são muito parecidas com as divulgadas por esse escritor americano a quem chamo de pseudo-cientista e de mau teólogo até por conta de artigos que ele publica na área de religião, como um artigo denominado “Atheists for Jesus”, de cunho fortemente religioso, que ele publicou na internet.
Por outro lado, chamo Richard Dawkins de pseudo-cientista porque a verdadeira ciência lida com fatos, não com valores. Como cientista, conheço um átomo de carbono e um de urânio, sei que são diferentes, mas jamais poderei afirmar, de um ponto de vista estritamente científico, que o urânio é melhor que o carbono. Um cientista sabe disso. Um pseudo-cientista, não. Examinando uma barata e um elefante, um cientista descreve as suas diferenças, estabelece as mutações e pressões seletivas que sofreram ao longo das eras geológicas, registra a complexidade dos respectivos organismos e mostra a quais realidades ambientais esses organismos estão mais adequadamente adaptados. Um pseudo-cientista afirma que o elefante é mais “evoluído” que a barata, no sentido de que um é “melhor” que o outro - o que é impossível de estabelecer cientificamente. Um elefante é “melhor” que uma barata se o assunto é resistir a um pisão. Mas a barata é “melhor” que o elefante quando se trata de sobreviver a uma explosão atômica. O que passa daí é propaganda religiosa anti-cristã mal disfarçada.
Um verdadeiro cientista, portanto, nem sequer pode acreditar num “gene egoísta”, como faz Richard Dawkins. Ao estabelecer que um processo natural explica a existência do próprio homem como acaso, e que este acaso supera a própria aparente vontade do indivíduo humano, o pseudo-cientista está teologizando. Por essa teologização, ele passa a construir uma deontologia, vale dizer, estabelecer valores. Se o simples acaso explica integralmente a minha própria vida espiritual como resultante acidental da vida biológica, a minha vontade é ilusória. A vida é uma mera competição do mais apto. Assim, qualquer norma que barre a reprodução do mais apto - entendido como aquele capaz de transmitir seus próprios genes à geração posterior - é ilógica, e portanto anti-científica. Tanto quanto uma lei que proíba uma pedra de cair. Qualquer lei que me impeça de possuir o corpo mais perfeito do sexo oposto que eu possa encontrar, de modo a garantir que meus próprios genes transmitam-se da forma mais eficaz possível, é anti-científica e, nesse contexto, desnecessária. Não foi diverso o surgimento das ideologias totalitárias do século XX.
Muitas vezes essas consequências passam despercebidas ao bom biólogo e mau filósofo, mas é por isso que, quando os bons biólogos têm humildade suficiente, evitam filosofar ou teologar de forma apodítica, mormente para um público indefeso.
Por outro lado, a fé católica jamais estabeleceu conflitos entre criacionismo e evolucionismo. Entre fé bíblica e ciência. Esse é um conflito falso, existente apenas entre fundamentalistas bíblicos norte-americanos e pseudo-cientistas ateus desinformados ou empolgados, que nós, católicos, não queremos ver trazidos para as nossas salas de aula. Respeitamos a ciência e a biologia, respeitamos o modelo científico da adaptação das espécies como paradigma que é capaz de explicar fenômenos naturais de forma bastante satisfatória, mas ainda tecnicamente limitada. Respeitamos a liberdade religiosa dos nossos professores de biologia, inclusive a do ateísmo ou do anti-cristianismo. Mas esperamos que os cientistas e professores de ciência respeitem a fé alheia, ao menos expondo seu próprio ateísmo de uma forma mais humilde, com mais respeito a quem crê em Deus e lê corretamente a Bíblia como um livro salvífico. O respeito na sala deve-se, ao menos, à confessionalidade da escola. Deixar de fazer boa ciência para fazer péssima hermenêutica e pior teologia, em prejuízo da fé dos jovens alunos, num período crucial para o seu desenvolvimento espiritual é, no mínimo, inconveniente. É preciso ensinar livremente a teoria biológica que a direção pedagógica entender cabível ou necessária. Mas é necessário deixar para expressar suas opiniões anti-religiosas - mormente baseadas em pressupostos tão frágeis - em particular, ao invés de provocar jovens imaturos de treze-catorze anos com angústias que eles são incapazes de elaborar. Tenho certeza que esses debates, sobre ciência e fé, são importantíssimos, mas tenho certeza também que, se o professor de biologia quiser travá-los com seriedade e honestidade dentro da escola, encontrará nos pais, filósofos, padres e professores de religião adversários mais adequados do que os jovens indefesos perante a sua natural autoridade professoral. Prontifico-me a esse debate, se a escola considerar necessário. Prontifico-me também a encontrar, na comunidade científica e religiosa local, os profissionais capacitados a responder mais adequadamente a argumentos anti-bíblicos e anti-teístas tão surrados e ultrapassados, forjados num cenário fundamentalista norte-americano que não é o nosso e que não aceitamos que seja transplantado para cá.
Para melhor conhecer as posições católicas sobre biologia e evolucionismo, sugiro ao referido professor a leitura de material de qualidade, que desde já indico:
- Chance or Purpose, Cristoph Schönborn, Bispo extremamente bem-informado neste particular.
- Criação e Evolução Uma Jornada com o Papa Bento XVI em Castel Gandolfo, mostra a profundidade e a abertura desta discussão na Igreja, impossível de ser transmitida aos alunos da forma deselegante com que meu filho relatou que ocorreu em sala de aula.
- Did Darwin Get it Right? George Sim Johnston, apresentação correta do melhor que a inteligência católica pensou no particular.
- Fighting the New Atheism, Dismantling Dawkins' Case Against God, Scott Hahn and Benjamin Walker.
Para uma crítica científica à visão totalitária de um evolucionismo ideológico, recomendo os excelentes livros de Michael Behe, “A Caixa-Preta de Darwin” e “The Edge of Evolution”, embora este autor, com excelente formação científica, fuja um pouco da posição católica ao insistir em encontrar Deus nas “lacunas” do processo evolutivo. Sabemos, nós cristãos católicos, que Deus não se deixa prender em lacunas científicas.
No plano filosófico, encaminho, em anexo, dois livros excelentes, o primeiro de um filósofo cristão francês contemporâneo, Etienne Gilson, chamado “De Aristóteles a Darwin e Vice-Versa”, esgotado na França e sem edição em português. Pode-se encontrar uma edição em inglês nas livrarias virtuais americanas. Nessa obra fica bem clara a diferença entre os mecanismos científicos de adaptação das espécies como paradigma defensável, por um lado, e a filosofia spenceriana da evolução como mundividência ideológica anti-cristã não falsificável (sob o conceito Popperiano), e portanto não científica.
Recomendo também o livro “Darwinian Fairytales”, não editado no Brasil, do filósofo agnóstico australiano contemporâneo David Stove, onde se demonstra a inconsistência de querer transformar um modelo científico numa nova religião, tornando claros todos os falsos pressupostos filosóficos que estão por trás dessa posição.
De igual modo, recomendo o excelente livro do biólogo australiano Michael Denton, também nunca publicado no Brasil, denominado “A Evolução Terá Sentido?”, onde ficam bem claras as limitações científicas do respeitável modelo darwiniano, numa linguagem técnica biológica profunda, que, acredito, não causará dificuldades para a leitura do referido professor.
Por fim, recomendo o livro “ A Linguagem de Deus”, escrito pelo cientista americano Francis Collins, ninguém menos do que o diretor do projeto americano “Genoma”, que mapeou integralmente o DNA humano. Lá, esse grande cientista, usando uma linguagem técnica bem correta, embora acessível ao grande público, mostra como a verdadeira ciência biológica e a fé bíblica jamais podem entrar em verdadeiro conflito. Portanto, prova irrefutável de que a “comunidade científica”, pelo menos a que realmente faz jus a esse nome, sabe a diferença entre boa ciência e má teologia.
No mais, espero que tudo não tenha passado realmente disso - de um mal-entendido. Nenhum católico faz a leitura rasteira da Bíblia que, segundo o meu filho, o professor utilizou na sala de aula. Caricaturar a fé bíblica em Deus para atacá-la de um ponto de vista aparentemente científico e destruir a pequena fé de jovens despreparados parece ser uma estratégia realmente demoníaca, que eu acredito que não foi utilizada aqui.
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