Tenho observado com paciência, mas sem poder reprimir uma certa tristeza, a timidez com que a proposta confessional educacional católica tem sido defendida hoje. Não é uma acusação, muito menos a uma escola católica especificamente. Percebo um certo temor, difuso nos meios educacionais católicos, de que uma postura mais confessional espante alunos num momento tão delicado. Há também um certo entendimento bem difundido nos nossos meios pedagógicos de que a Constituição, ao conceder a liberdade ampla de religião e culto, impediria uma escola católica de professar e ensinar o catolicismo como sua opção fundamental, tendo que respeitar igualmente a todas as religiões cujos pais dos alunos eventualmente professem, sem valorizar a nenhuma mais do que a outra, sob pena de ferir a legislação federal de ensino.
Isso é evidentemente uma má exegese constitucional; equivale a dizer que a Constituição, ao conceder a plena liberdade de religião a todas as confissões religiosas, paradoxalmente teria proibido, na prática, o exercício dessa liberdade por todas elas. Vale dizer, a escola teria garantia constitucional para ter liberdade religiosa, mas não para ter uma religião! Essa é uma conclusão evidentemente absurda. Uma escola confessional é exatamente isso: uma escola confessional. Vale dizer, uma escola que tem uma religião. E todos os pais que colocam os filhos ali sabem que estão consentindo numa proposta pedagógica lastreada nos princípios religiosos e morais católicos. Sei disso e acredito que tais escolas, melhor do que ninguém, também sabem.
Sei também, no entanto, que houve uma certa formação católica equivocada, nos próprios meios religiosos, a partir de uma postura tida como “contemporânea”. Incluindo o fim do uso das roupas distintivas, próprias dos padres e religiosos (apresentado muitas vezes como algo decorrente do “Concílio Vaticano II”, apesar do quanto disposto em contrário no Código de Direito Canônico, cânon 669, § 1º), a formação religiosa no seio da Igreja no Brasil, nos últimos anos, muitas vezes foi sociologizante, com base numa teologia da libertação equivocada, de fundo marxista, da qual não ficaram imunes, em muitos casos, os institutos católicos de educação.
Em todo caso, a formação religiosa dada nas escolas católicas em geral não tem sido uma formação a partir de um paradigma católico, mas uma espécie de “estudo comparado das religiões” em que se procura apresentar igualmente todas as manifestações religiosas como autênticas. Isso em si poderia revelar tolerância, mas pode também revelar uma postura teológica gnóstica ou panteísta, um imanentismo ou um relativismo tão denunciados pelo Vaticano nos últimos anos.
Desse enfoque, às vezes, muitas vezes nem sequer as crianças das séries mais baixas são poupadas, apresentadas que são ao cristianismo como uma das religiões equivalentes ao islamismo, budismo, judaísmo, espiritismo, enfim, mais um caminho para chegar a uma “experiência com Deus”. Muitas vezes, em muitas escolas ditas católicas, mantém-se uma pastoral jovem, mas muito pouco valorizada, quase como um apenso para fins burocráticos.
Sob um discurso de “aprender a respeitar a religião do outro”, o jovem não aprende a respeitar a sua própria religião. Nem sequer ter a oportunidade de optar por ela, simplesmente por desconhecê-la. E a desconhece porque nós nunca a apresentamos convenientemente. Temos pudor demais para fazê-lo.
O fato é que esse enfoque aparentemente humanista e tolerante pode representar, em si mesmo, não uma abertura à mundividência do outro, mas uma renúncia à visão católica do mundo. A Revelação divina passaria a ser um “ato de conhecimento” mediante o qual o homem religioso se dá conta do caráter divino do mundo. Como lembra Massimo Borghesi, na revista 30Dias de fev/mar 2008, “a “Revelação” passa a coincidir com uma gnose salvífica”. Para esse autor, determinadas correntes de pensamento que se alegam católicas defendem que a Revelação consistiria em “dar-se conta” de que Deus, como origem fundadora e amor comunicativo, “já está dentro”, na medida em que habita a criação e nela se manifesta. A revelação permitiria, então, que fosse visto sobretudo no ser humano, procurando levar-nos a descobrir sua presença, vencendo nossa cegueira e quebrando nossas resistências: ‘Noli foras ire: in interiore homine habitat veritas’”.
A revelação religiosa estaria reduzida, então, a um processo imanente, “maiêutico”, socrático. E a Revelação Cristã em Jesus já não seria vista como uma singularidade que traz algo realmente novo – já que, por exemplo, a ideia da sobrevivência após a morte é universal –, mas apenas como um “despertar” que esclareceria e reconfiguraria uma certeza implícita, a mera oportunidade de passar de uma fé confusa para uma fé clara e bem definida. Para essas correntes, como ensina Borghesi, “como maiêutica, a palavra reveladora é necessária [apenas] para despertar e levar os olhos a se abrirem; não introduz algo estranho, mas ajuda a descobrir na própria realidade a presença salvadora que a habita e a dinamiza”. Assim, o autor nos adverte que, “entendido dessa forma, o cristianismo se transforma apenas numa 'maiêutica histórica'. Cristo é um 'novo Sócrates' que ajuda os discípulos a encontrarem, em sua experiência interior, a certeza de uma experiência de ressurreição que não precisa de nenhuma confirmação exterior.” Dessa forma, como observa Ratzinger num ensaio de 1970, porém sempre atual, “no cristianismo [entendido assim] já não vem a nós algo de fora que podemos acolher como novo e não dedutível de nós mesmos; pelo contrário, torna-se objetivo aquilo que é ainda sempre horizonte de nosso pensamento e de nossa reflexão. Dessa forma, a história, enquanto extra, tornou-se insignificante demais e fundamentalmente perdida em favor da ontologia. Desapareceu a ektasis da fé, substituída pela en-stasis da voragem filosófica”.
Mas Massimo Borghesi prossegue, criticando essas correntes “pseudo-modernas” alegadamente católicas que defendem a equivalência das religiões: “Quando a Revelação é assimilada ao plano da criação, a graça à natureza, a exterioridade – no sentido de Emmanuel Lévinas – à interioridade, somos conduzidos a afirmar que a Revelação está 'presente em todas as religiões e até mesmo em todo e qualquer conhecimento filosófico'. Dessa forma, compartilha-se a perspectiva do cristianismo transcendental, 'anônimo', já criticada por Henri de Lubac e Hans Urs von Balthasar. Trata-se de um modelo que, de um lado, é herdeiro do idealismo pós-kantiano e, de outro, impôs-se no clima da década de 1970, marcado, culturalmente, pela hegemonia do estruturalismo.” (Idem, Ibdem). A título de formar os jovens para o pluralismo, formá-los-íamos para o niilismo. Criaríamos uma geração que não tem o menor preparo para entender a própria herança cristã ou aceitar a fé da Igreja. Muito menos para defendê-la.
Na verdade, eu já estava mesmo resignado com uma certa tibiez no anúncio evangélico católico nas escolas. Tibiez que não é compartilhada pelas escolas de seitas ou de “religiões” exóticas que vêm crescendo assustadoramente no Brasil, diante do despreparo espiritual do povo católico, como anotaram os Bispos latino-americanos no recente encontro em Aparecida. Tampouco é compartilhado pelos pseudo-intelectuais ateus agressivos que grassam nos meios acadêmicos, a exibir a destruição da fé dos jovens alunos como troféus de seu racionalismo vaidoso.
Não defendo nenhum proselitismo católico, mas a formação saudável que permita aos jovens um discernimento do que é que a Igreja quer dizer quando proclama Jesus como Verbo Divino e a Igreja como Seu corpo na terra, nos exatos termos da Primeira Epístola de São Padro, 3, 15. Resignei-me, no entanto, diante desse quadro geral tão desfavorável, a dar as razões católicas da esperança a meus filhos em casa e na paróquia, confortado com o pensamento de que, se a escola católica colaborava pouco com sua educação religiosa, pelo menos atrapalharia menos do que uma escola dita laica. Isso nem sempre é verdade. Mas deixo para tratar disso num outro texto.
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