Leituras, opiniões e ideias de um católico. Contatos no email paulovjacobina@gmail.com
terça-feira, 27 de março de 2012
Homem racional, homem sem sentido.
Da mesma forma que o método científico é eficaz para produzir conhecimento científico, a lógica é eficaz para produzir verdades. A lógica dedutiva produz verdades analíticas, e a lógica indutiva produz verdades sintéticas. As pessoas não são máquinas que pensam logicamente o tempo todo, muitas das ações humanas são impensadas. Alguns exemplos:
- Comer sem ter fome: Os alimentos servem para saciar a fome, logo não tem lógica comer sem ter fome. Mas o homem faz isso, quer seja para não deixar comida no prato, quer seja pelo prazer do sabor da comida. Aliás, o homem é o único animal que vai ali comer uma guloseima porque gosta do seu sabor. Os bichos só saem a caça para não morrerem de fome;
- Apaixonar-se: A paixão, não desmerecendo-a, é um sentimento muito bobo, egoísta e introspectivo. O amor é um sentimento externo a si, é um sentimento que tem outrem como alvo; mas a paixão é um sentimento interno, você se apaixona não pela pessoa, mas pela imagem que você projeta na pessoa. Quase kantiano. A paixão é necessária, pois dela vem o interesse em conhecer as pessoas, que pode resultar no amor. Sem a paixão seriamos como os bichos, que cruzam, procriam e pronto. Mas nós não chegamos em uma mulher porque ela está no cio, como os cachorros fazem, mas por causa de algum atrativo dela, que nos faz imaginar se aquela pessoa é como nós imaginamos e queremos que ela seja;
- Agir contra os seus princípios morais: Mentir é intrinsecamente mau, mas mesmo assim mentimos, por qualquer motivo que seja. Ninguém que acredita (realmente) em inferno quer ir pra lá, mas pode caminhar em direção a ele. Reclamamos da corrupção, mas nos corrompemos a cada dia. Julgamos ações como erradas, mas praticamo-las;
- Gastar dinheiro compulsivamente: Tem gente que guarda as moedas num cofre alegando que, se ficar com elas na carteira, irá gastar. Por quê? Só se sente vontade de chupar bala quando há dinheiro na carteira? Por que as pessoas pedem 10 centavos de troco em bala, mas ninguém tira 20 reais da carteira e compra uma bala?;
- Pegar um caminho mais longo porque deu vontade: Logicamente, é muito melhor, em qualquer sentido, pegar o caminho mais curto: melhor aproveitamento do tempo, menos dinheiro gasto com energia para a locomoção... Mas, às vezes, dá aquela vontade inexplicável e insaciável de pegar o caminho mais longo.
Só o homem sente essas vontades inexplicáveis, bichos só comem quando têm fome, urinam ou evacuam quando sentem necessidade, não se apaixonam e não pegam um caminho mais longo pro prazer. A diferença do homem para os bichos é que o homem é racional, mas ser racional é agir sempre de acordo com a lógica? De certo que não, pois o homem é o animal mais ilógico que existe: constroi ou destroi coisas porque deu na telha, escreve poemas e rasga-os logo em seguida, ou aprende a tocar um instrumento e só toca para si próprio. São da natureza do homem essas ações ilógicas, exatamente por ele ser racional. Se o homem não tivesse vontades, desejos nem anseios, ele só viveria em função de sobreviver, o que seria a atitude mais lógica, pois tem o melhor custo-benefício, menos gasto de energia para o mesmo efeito: sobreviver.
O homem é um ser racional, mas não é um homem que vive em função da razão, como diz Chesterton, em seu livro "Ortodoxia":
"Se quaisquer atos humanos podem, inexatamente, ser considerados destituídos de causa, são aqueles menores atos praticados por um indivíduo normal, tais como assobiar enquanto caminha, despedaçar a grama com a bengala, bater com os calcanhares ou esfregar as mãos. É o homem são quem pratica atos inúteis, pois o doente não é suficientemente forte para estar ocioso. E são, por certo, essas ações impensadas e sem motivo aparente aquelas que o louco não pode compreender, pois ele vê sempre razão demasiada em todas as coisas. [...] O louco não é o homem que perdeu a razão, mas o homem que perdeu tudo, menos a razão."
Seis dogmas para escrever
Escrever de boa fé é um ato de amor ao próximo. Eis aí um pensamento profundo e considerável. Para que se escreve? Esta deveria ser a primeira pergunta a se fazer, quando se aborda um texto. Para que o autor deu-se ao trabalho de colocar suas ideias em ordem, e, principalmente, o que ele espera de mim, leitor, quando eu finalmente ler o texto?
Este é o questionamento que se faz no presente ensaio. Será que todo texto escrito é, de fato, um ato de amor ao próximo, um compartilhar franco de ideias, ou será que há, em alguns textos, um intuito de dominação do outro? Neste caso, o melhor método, como será discutido adiante, é ver se o autor é coerente com os próprios princípios que ensina em seu texto: um autor cético não tem motivos para tentar convencer ninguém, porque ele próprio em nada acredita. Então, o que o leva a escrever? Um autor solipsista sequer acredita na existência real do outro, ou de coisas fora de si mesmo. Então a quem se dirige?
O objetivo do presente texto, portanto, é propor alguns critérios para possibilitar o discernimento quanto à boa-fé de quem escreve, de modo a garantir uma abordagem realmente crítica a um texto: crítica, aqui, não no sentido de demolição irremediável, como parece ser o principal sentido da palavra hoje, mas de ter critério para discernir mais profundamente a proposta do autor, e concordar ou discordar com lealdade. (Paulo Jacobina)
Não se pode escrever um texto se se duvida de tudo. Quando eu escrevo um texto, eu creio em seis coisas, que julgo serem realmente o mínimo em que se deve acreditar para escrever.
I - O primeiro dogma ao escrever um texto é acreditar em si mesmo:
Se não acredito em mim mesmo, como posso ter certeza de que estou realmente aqui escrevendo? Para executar qualquer ação, primeiramente eu tenho que acreditar que eu existo. Se eu não existo, que diferença faz eu deitar na cama e ficar ali sem fazer nada ou escrever um texto? Se eu ficar na cama parado eu morrerei. Será? Eu nunca tentei e, afinal, eu não existo mesmo. Se eu morrer, que diferença faria? Eu tenho que acreditar que eu estou aqui, tenho que acreditar que sou um ser vivo, que sou uma pessoa humana para começar a escrever. Tenho que acreditar na minha realidade e na minha materialidade. Estou aqui, presencialmente. Eu existo como corpo, como pessoa. Eu existo no mundo.
II - O segundo dogma é acreditar em seu próprio intelecto:
Não basta apenas acreditar em mim mesmo. Eu tenho que acreditar na razão e que eu consigo raciocinar. Eu não poderia escrever um texto sobre a irracionalidade humana, salvo se eu não fosse humano, o que não é o caso. Eu sou humano, e sou racional, o que eu penso faz sentido, é inteligível e por isso eu não estou perdendo meu tempo ao gastá-lo pensando. Se eu não tivesse um intelecto, eu não poderia sequer pensar na ideia de texto, quem dirá escrever um. Para eu pensar que penso, eu tenho que crer no meu pensamento.
III - O terceiro dogma é acreditar nas palavras e em seus significados:
Eu penso, e o que eu penso faz sentido. Mas como eu posso ter certeza que as palavras que eu escrevo refletem esse meu pensamento? Os significantes têm que corresponder com os seus significados, e as estruturas semânticas têm que ser válidas para que qualquer pensamento seja verbalizado, quer seja na escrita ou na fala. Eu não posso falar que as palavras não refletem os pensamentos, pois então estas próprias palavras que eu proferi não refletiriam o que eu pensei.
IV - O quarto dogma é acreditar nos outros:
Se não houver ninguém para ler, não adianta eu escrever. Só há comunicação quando há interlocutor. Um dos elementos da comunicação é o receptor. Um diálogo precisa de dois interculocutores, e um monólogo, apesar de só uma pessoa falar, é necessário que haja alguém para ouvir. Uma árvore que cai numa floresta onde não há ninguém pra ouvir não faz barulho.
V - O quinto dogma é acreditar no intelecto das outras pessoas:
Não adianta a pessoa ler o que foi escrito, se ela não entender o que foi escrito. Eu posso até acreditar nos outros, mas não adianta eu escrever se eu achar que os outros não vão entender o que eu escrevi. Eu jamais pagaria um centavo sequer por um livro escrito por Kant: se sou eu que projeto minha mente no livro, então eu não tenho que pagar os direitos autorais pelo esforço que Kant teve para escrever o livro, ele que deveria me pagar pelo meu esforço de projetar a minha mente na página incognoscível do livro.
VI - O sexto dogma é acreditar no valor das outras pessoas:
O receptor pode até ler e entender o que eu escrevi, mas qual o meu interesse nisso? Se for apenas retorno financeiro, então eu estaria sendo picareta, pois não escreveria para transmitir uma mensagem, mas sim para ganhar dinheiro. É claro que os escritores profissionais têm que ganhar dinheiro do que escrever, para que eles sobrevivam, mas isso é uma consequência. Todos temos que ganhar dinheiro para sobreviver de alguma forma, e o escritor escolheu escrever por sua paixão à escrita ou por uma vocação. Uma pessoa que escrever apenas para ganhar dinheiro não merece que seu livro seja lido. Há várias funções da linguagem, mas todo texto tem, nem que seja um pouco, sutilmente escondido entre as outras, a função referencial, na medida que sempre há uma mensagem, que quer ser transmitida, e que tem um valor em si mesma. Escrever (de boa fé) é um ato de amor ao próximo. Quando eu escrevo, crendo verdadeiramente no que escrevo, eu estou sendo caridoso com os outros, ao difundir na sociedade aquilo quanto ao qual estou certo. Se eu fosse individualista, não adiantaria eu escrever para os outros, uma vez que a única pessoa que importa sou eu. (Pedro Jacobina)
Conhecimento científico
"Os dogmas são as 'verdades incontestáveis', impostas por um ser controlador para iludir e enevoar as mentes, enquanto a ciência é passível de questionamento, as verdades científicas podem ser testadas.", é o que dizem os cientificistas, defendendo que só a ciência pode embasar as discussões e que todo argumento não científico é inválido, pois não pode ter sua veracidade contestada. Em que fundamento científico essa declaração se apoia? Não há nenhum experimento científico que prove que só o método científico é válido. O método científico não explica todas as coisas, apenas o conhecimento científico. O método científico não explica nem ele próprio. A frase: "só o conhecimento científico, ou seja, o que pode ser provado e reproduzido em laboratório, é válido" não pode ser provada nem reproduzida em laboratório, pois o método científico não é um conhecimento científico. O método científico não passou pelo método científico, pois antes do método científico não existia método científico. O método científico é um dogma, no sentido de que é um ponto funtamental apresentado como certo ou indiscutível. Não concorda? Prove, cientificamente, que o método científico está certo. Um conhecimento só é ciência porque alguém disse: para ser ciência, tem que passar pelo método científico. Esse método científico é o que indica se uma teoria é uma verdade científica ou não, então ele não pode ser aplicado nele mesmo, pois, se ele é a causa da verdade científica, ele não pode ser também sua consequência, se não isso acabaria numa tautologia, ele justifica algo e é justificado por esse mesmo algo, e isso não é científico.
O método científico é um meio, não um fim. O método científico é o conjunto de procedimentos que produz o conhecimento científico, e o conhecimento científico é tudo que é produzido do método científico. Isso é tautológico, pois o método científico, como o nome sugere, é um método, e não um conhecimento. O método científico é taxonômico, ele é feito pelo homem e para o homem. Dois corpos em queda livre aceleram com a mesma velocidade, independentemente do homem, mas o método científico foi criado pelo homem, e a maneira como ele se apresenta só depende da vontade do homem. Só é ciência o que passa pelo método científico, mas tudo o que existe no mundo depende da ciência?
Os cientificistas exaltam o método científico porque o conhecimento científico gerado a partir dele pode ser questionado. "Ao contrário dos dogmas, a ciência pode ser aperfeiçoada quando tem alguma falha, e, por isso é melhor." O que é "melhor"? Melhor é um julgamento de valor, e julgamentos de valor não podem ser provados cientificamente. Um cientificista só pode classificar o conhecimento em científico e não-científico, jamais em melhor ou pior. O método científico é importante: sem ele, estaríamos todos limitados ao senso comum. Daí a dizer que qualquer conhecimento que não derive do método científico é senso comum vai uma distância muito grande.
Todo ouro é metal, mas nem todo metal é ouro. Analogicamente, todo conhecimento científico está sujeito a questionamentos e aprimoramentos, mas nem tudo o que muda é conhecimento científico. A sociedade é dinâmica, isso é um fato. Os valores, em sociedades diferentes, são também diferentes, assim como os paradigmas. Mas isso não quer dizer que as sociedades mais novas são melhores que as passadas. Qual a justificativa para dizer que a sociedade atual é melhor que a medieval? Dizer que a sociedade atual é melhor porque a medieval não conseguiu sobreviver e evoluiu até chegar na nossa é inválido, pois a nossa também vai chegar a um ponto em que não será suficiente para acompanhar as mudanças de paradigmas, então ocorrerá uma revolução. Se esta sociedade não permanecerá com o tempo, ela está no mesmo nível das outras que não perduraram até hoje. Um país tem poder bélico para destruir a Terra três vezes, outro tem poder para destrui-la cem vezes. Quem é melhor? Os dois estão no mesmo nível, pois a Terra só pode ser destruída uma única vez. Da mesma forma, dizer que a sociedade atual é melhor porque ela já antingiu a perfeição é não vai mudar é igualmente inválido. Vamos supor que esta realmente seja uma sociedade perfeita e que não irá mais mudar. Mas porque o cientificista exalta a ciência? Não era por que o conhecimento científico é passível de questionamentos e mudanças? Ora, se a sociedade atual não estivesse sujeita a mudanças, então também ela não seria científica. Até porque a afirmação "A sociedade moderna é científica" não tem sentido algum.
Conhecimento científico é o que é passível de questionamentos, mas o objeto de conhecimento não necessariamente é passível de mudanças. Você pode questionar a gravidade, questionar o método que o cientista usou para calcular a sua aceleração, se os corpos estavam realmente em queda livre, sem atrito, se o cronômetro era preciso, se a experiência pode ser reproduzida com os mesmos resultados... Mas nenhum questionamento vai mudar o fato de que a aceleração da gravidade é a mesma para quaisquer corpos em queda livre. O valor da aceleração da gravidade pode ser corrigido, aproximado, mas a gravidade continuará a mesma. Assim como o homem. O funcionamento do corpo humano pode ser questionado, mas isso não vai mudá-lo. O homem é o mesmo desde que surgiu, e apesar de o conhecimento acerca dele ter mudado com o tempo, isso não mudou o homem. Desde que o homem é homem, ele é homem. O homem é essencialmente homem, e sua essência não mudará em momento algum, se não, ele deixa de ser homem. Se nem o homem muda, por que as coisas têm que mudar? A natureza do homem e a mesma que sempre foi, e a essência dos seres sempre foram as mesmas, então por que dar valor somente às coisas que mudam? Será que os dogmas não mudam por que não podem ser questionados, ou não mudam por que eles já são plenamente verdadeiros? O conhecimento sobre Deus muda. São Tomás de Aquino começa a Suma Teológica questionando se Deus existe. Dogmas podem ser questionados, mas, independentemente dos paradigmas da sociedade, a verdade continuará sendo a mesma. Dizer que Deus existe ou não existe não vai mudar o fato de que Deus existe. Os dogmas podem ser questionados e negados, mas a verdade não vai mudar.
É mais fácil questionar uma verdade do que uma mentira. Por isso é tão fácil questionar um dogma, mas justificar um dogma em prejuízo de uma mentira é uma tarefa árdua. Duas pessoas estão num zoológico, em frente à jaula dos elefantes. Pessoa A diz:
-Todos os elefantes são cinza.
Pessoa B questiona:
-Por quê? Por que não podem haver elefantes rosa?
-Porque não há elefantes rosa.
-Prove-me que não há elefantes rosa.
É impossível provar o que não é verdade. E, mesmo provando que uma coisa é verdade, qualquer pessoa pode questionar isso, e esse questionamento é impossível de ser respondido cientificamente, mas sim pela razão e pela lógica. Todos os elefantes são cinza. Essa afirmação é impossível cientificamente. Nós só podemos afirmar que todos os elefantes que foram vistos até hoje eram cinza, mas não podemos dizer que não existem elefantes rosa. Pois, para provar que os elefantes todos os elefantes que já foram vistos são cinza, é só procurar em qualquer zoológico, livro ou floresta por um elefante, mas para provar que não há elefantes rosa não há como não mostrar os elefantes rosa, pois isso só mostraria que você não excluiu a possibilidade de eles existirem. Mas você pode afirmar que os elefantes são cinza porque os elefantes são cinza, e o questionamento não vai mudar a verdade de que todos os elefantes são cinza. Independentemente disso, caso descobrissem um elefante rosa, então a verdade seria que os elefantes podem ser cinza ou rosa. Neste caso, a afirmação "todos os elefantes são cinza", seria falso desde o princípio. Não foi a verdade que mudou, mas sim o conhecimento.
Dizer que o homem é homem porque é homem pode parecer bobo, até tautológico, mas há gente que acredita, e de boa-fé, que os homens não necessariamente são homens só porque são homens, da mesma forma que as pessoas poderiam não acreditar que os elefantes são cinza porque são cinza. Questionamentos bobos só podem ser respondidos com justificações bobas, como Moore, quando diz que Kant não pode afirmar que tudo fora da nossa mente é incognoscível, "provando" a existência de suas duas mãos ao tocar em uma com a outra, mas, apesar de sua justificativa ser muito simples, a apresentação dessa ideia no texto é complexa, da mesma forma que explicar que os elefantes não são rosa por que são cinza é complexo, apesar de a justificativa "Os elefantes não são rosa por que são cinza" ser simples. (Pedro Jacobina)
quarta-feira, 21 de março de 2012
Transexualidade e essência
Qual o valor de uma palavra? A palavra tem um relação intrínseca com o seu significado? Ou a palavra tem o significado que você quer dar para ela?
Há alguns anos, me perguntaram o que eu achava da alma. Comecei a discorrer sobre o assunto, que a alma, junto com o corpo, forma uma pessoa; que a alma é imortal, indestrutível, e por aí vai. Lá pelas tantas, a criatura falou; "Discordo!" E começou a dizer sua opinião. "Perdão, mas temo que a senhorita não esteja a falar sobre alma, mas sim sobre espírito.", eu disse. "Mas, para mim, alma é isso.", ela respondeu-me. Na sociedade atual, uma palavra não necessariamente tem o significado que ela tinha. Antigamente, quando se dizia "homem", era sabido que o objeto da discussão era um ser da raça humana do sexo masculino. Dizer que ela possui um pênis era desnecessário, pois isso deveria ser uma característica essencial do homem. Esta semana, vi uns colegas discutindo se "pegariam" um transexual, se pegariam um homem com silicone e cujo pênis foi amputado. O ápice da discussão foi o comentário que ouvi: "Pegaria sem problema, se fosse gostosa...". Seria hipocrisia negar que ri, não sou deveras rabugento, mas o comentário factualmente me incomodou, e não pude deixar de intervir: "Eu não sei você, mas eu nunca ficaria com uma pessoa que um dia teve um pênis entre as pernas.". Segundo o dicionário online de português, homem é "Pessoa do sexo masculino, macho.". Uma pessoa que nasceu do sexo masculino e teve seu órgão sexual amputado deixou de ser homem por causa disso? Como diz a sabedoria popular: "Vaso que carrega querosene não serve para carregar água.", o transexual não vira uma mulher, mas sim um eunuco. Emasculação é o nome que se dá à operação de retirada da genitália masculina. Um transexual é uma aberração. A melhor definição de transexual que eu já ouvi foi "homem com peitinhos", e ele é verdadeiramente isso, corta o pênis fora não transforma a pessoa numa mulher. Os defensores do transexualismo dizem que, sendo as diferenças físicas entre um homem e a mulher o órgão sexual, ao transformar um pênis numa vagina, o ser, que nasceu do sexo masculino, vira uma mulher. Aquilo não é uma vagina, mas sim um pênis mutilado. Assim como "alma" tem um significado, independente do que minha colega achava, "homem" também tem, e não é uma opinião que vai mudá-lo. Alguém que nasce homem é essencialmente um homem, e não é um acidente que vai mudar sua condição de homem, assim como um morcego que eventualmente perca as asas não deixa de ser um morcego, ainda que o morcego seja famoso por ser o único mamífero capaz de voar. (Pedro Jacobina)
IV. FETOS E ESTUPROS
15. O Código Penal brasileiro classifica claramente o aborto como crime: Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consetir que outrem lho provoque: Pena: detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Mas, no Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário. I - Se não ha outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 16. Não se pune o aborto em tais casos, mas isso não quer dizer ele que seja permitido. "No Brasil, o aborto diretamente provocado é sempre crime, haja ou não pena associada a ele. O artigo 128, CP, não diz que o aborto “é permitido”. Nem sequer que “não é crime”. Diz apenas “não se pune”. A lei pode deixar de aplicar a pena ao criminoso após o crime consumado (por exemplo, fica isento de pena o furto praticado entre parentes – art. 181, CP), mas não pode dar permissão prévia para cometer um crime." (http://www.providaanapolis.org.br/aborecif.htm) 17. Não é verdade que uma mãe, cujo filho nasceu de um estupro, sempre que olha para ele lembra-se da cena do estupro e então sente qualquer tipo de sentimento negativo como ódio ou tristeza. As mães que levam a gravidez resultante de um estupro adiante e dão a luz ao filho amam-no tanto quanto uma mãe que não foi estuprada ama seu filho. Há muitos casos de mulheres, várias delas menores de idade, que engravidaram de estupro e amam muito seus filhos. Algumas pensaram em abortar, outras em se matar, mas elas hoje não se arrependem de ter levado a gravidez adiante. 18. Você abortaria em caso de estupro? Mataria um humano inocente? Se tudo o que foi dito anteriormente não foi o suficiente para se convencer de que o feto é uma vida, isso não justifica o aborto. Ou você enterraria uma pessoa cuja morte não foi verificada? Se não se sabe se um feto é vivo ou não, seria mais seguro deixá-lo quieto, pois, ao matar um ser cuja vida é incerta, está se arriscando a eliminar uma vida. É como jogar roleta-russa: você não sabe se a arma vai disparar o projétil contra você ou não. Você apertaria o gatilho? Você arriscaria acabar com sua vida? Então por que você arriscaria acabar com a vida alheia? Ou, como disse o Pe. Teodoro da Torre del Greco: “O caçador não pode disparar quando duvida se o objeto percebido ao longe é homem ou animal selvagem” 19. Sobre o nº 13, o argumento usado foi o de que a lei permite que se aborte um feto em caso de estupro, mas não em caso de anencefalia. Como dito no nº 16, a lei não permite, apenas não pune, da mesma forma que condena uma pessoa que causa um acidente de trânsito que mata sua família por homicídio, mas essa pessoa não cumpre pena. O aborto, em qualquer caso, é um crime, e, mesmo que não fosse, isso não o tornaria uma solução ou uma atitude correta. Eu não posso atirar numa pessoa que eu não sei se está viva. Por que eu poderia matar um feto que eu não sei se está vivo? (Pedro Jacobina)
terça-feira, 20 de março de 2012
Melhor Reinar no Inferno que Obedecer no Paraíso
Paulo Jacobina
“Que importa onde eu esteja, se eu o mesmo
Sempre serei, — e quanto posso, tudo?...
Tudo... menos o que é esse que os raios
Mais poderoso do que nós fizeram!
Nós ao menos aqui seremos livres,
Deus o Inferno não fez para invejá-lo;
Não quererá daqui lançar-nos fora:
Poderemos aqui reinar seguros.
Reinar é o alvo da ambição mais nobre,
Inda que seja no profundo Inferno:
Reinar no Inferno preferir nos cumpre
À vileza de ser no Céu escravos.”
Este é o grito de guerra de Satanás no inferno, segundo John Milton, no seu “Paraíso Perdido”, livro 1, tradução de Antônio José de Lima Leitão. Este tem sido o grito de guerra de muitos, hoje em dia. É melhor reinar no inferno do que servir no paraíso, dizem. Não é um grito original: aos que gritam assim, diz-nos John Milton, antecedem-nos o grito de Satanás. Mas será que é assim mesmo? Será que este grito por liberdade, vindo da boca de Satanás, é sincero? Será que se ele se opõe, como um grande lutador pela liberdade, a um Deus tirano, que usa sua onipotência como prepotência, para construir um reino tirânico no qual a obediência cega é recompensada pelos prazeres paradisíacos, enquanto no inferno, privado de todo conforto, o Diabo luta heroicamente pela sua própria liberdade, renunciando, em favor dela, aos confortos do céu com o qual o divino tirano compra a obediência dos conformistas?
Não é assim. E digo porque:
1. Deus não é um tirano onipotente, mas um pai todo amoroso. Assim Ele se revela. E devemos confiar na revelação divina sobre Deus, não no retrato que o Diabo faz dele.
2. A revolta do Diabo não busca a liberdade, mas o poder. Por isso, ele não o dividiria com os sequazes, ou mesmo com os que, iludidos com a natureza de sua busca, renunciam ao amor de Deus imaginando que este grito se aplica a eles. O inferno não é uma democracia, e o diabo não ama: manda.
3. Não se trata de uma luta escatológica; a luta pela possessão das pessoas não se dá no pós-morte, mas aqui e agora. Normalmente aqueles que, seduzidos pelo grito de guerra de Satanás, renunciam a viver no amor de Deus em busca da “liberdade” que o Diabo prega começam a viver no inferno aqui mesmo. Por outro lado, os que se entregam ao amor de Deus têm aqui mesmo a posse antecipada do que se espera, ou seja, como diziam os antigos, os que se entregam ao amor de Deus têm o privilégio de prelibar o céu – não como um prêmio, mas como uma consequência.
4. Deus corrige, o Diabo não. Mas isso se dá porque as palavras têm valor diferente, quando pronunciadas na Revelação de Deus, e quando pronunciadas no grito demoníaco. Deus corrige porque quer que seus filhos sejam excelentes no que fazem, livres sem restrições, e não os deixa nunca caminhar no caminho do auto-aprisionamento. Ele sabe que a liberdade é o amor irrestrito, e não o poder sem limites. O Diabo, por outro lado, não ama, e por isso é complacente com quem busca a autodestruição.
Voltando, portanto ao item 01 supra. O retrato que o Diabo faz de Deus no poema de John Milton é o retrato que muitas pessoas têm, hoje, de Deus. Deus é “mais poderoso do que nós”, diz o segundo verso do poema acima, e é esta a característica que o Diabo pinta de Deus, e é isto que o Diabo inveja em Deus: Deus é odiável porque é mais poderoso do que nós! Assim somente no inferno nos livraremos de um Deus assim onipotente, ou melhor, prepotente. Cabe-nos resistir a ele com todas as nossas forças, e mesmo à custa de todos os nossos confortos com que Deus nos seduz para nos conquistar e escravizar: cabe resistir à “vileza de ser no céu escravos”.
Ora, esta é exatamente a demanda moderna por uma “moral pura”. Nest sentido, a proposta do Diabo, em John Milton, é mais “ética” (num sentido kantiano) do que aquilo que o Diabo aponta como sendo a proposta de Deus.
Explico: o Diabo aponta Deus como um déspota todo-poderoso que oferece o paraíso ao preço da vil escravidão da vontade. Neste paraíso, portanto, o homem renuncia à vontade para usufruir das delícias divinas. Quer dizer, o homem é como um escravo corrompido pelo conforto supremo, um verme submetido ao déspota arrogante que é Deus, à troca do prazer fácil.
Ao descrever-se, porém, o Diabo mostra-se como um libertário: renuncie a todos os confortos burgueses que Deus oferece no Paraíso e venha ser livre aqui no inferno, onde Deus não tem poder porque não pode corromper-nos com sua oferta de conforto em troca de obediência. Aqui não prometemos confortos, mas não há nenhuma exigência de obediência; portanto, todos os seus atos serão livres, isto é, terão sua origem na sua consciência, na sua autonomia, e não em promessas de confortos pós-vida. Renuncie ao paraíso, livre-se da tentação divina e seja livre; seja forte o suficiente para ser livre, mesmo infeliz, e seja mais ético do que quem é escravo da própria felicidade. Diz Pinckaers, num texto que se aplica ao que estamos agora refletindo:
“Do século catorze em diante a perspectiva mudou radicalmente. A questão da felicidade foi rapidamente posta de lado, e a análise moral foi cada vez mais focada nas obrigações impostas pela lei como expressão da vontade divina. Os manuais de teologia moral já não contêm um tratado sobre a felicidade, como São Tomás tinha, embora ele permaneça como a grande autoridade. Consequentemente, na visão dos manualistas, pode-se construir uma ética e viver uma vida moral sem sequer se considerar a questão da felicidade. Kant, por seu turno, critica o que ele chama de “eudemonismo” (do termo grego “eudemonia”, que significa felicidade), criticando qualquer sistema que introduzisse nas intenções morais uma consideração da felicidade vista como um fim. Ele sustenta que “todos os eudemonistas são egoístas práticos” e assevera que “fazer do eudemonismo o fundamento da virtude é praticar eutanásia na moralidade”. Ele estava reagindo contra o utilitarianismo, que estava surgindo na Inglaterra nessa época, e que propunha a felicidade como o fim da ética moral, mas uma felicidade que era vista como o bem-estar do maior número. Ele queria resguardar a excelência do ato de intenção transformando-o em pura obediência ao imperativo categórico.”
Assim, a proposta do Diabo, no Paraíso Perdido de Milton, é bem kantiana: faça aquilo que lhe parece o bem, mas não em troca das doces promessas de Deus; faça-o porque lhe parece bem, e você será tão mais ético quanto mais renunciar ao paraíso como causa de suas ações boas.
Mas não é assim. A causa das ações boas não é a recompensa do paraíso, como o Diabo acusa Deus de propor, nem, por outro lado, a afirmação de uma completa autonomia do Eu à custa de qualquer promessa de conforto, como o Diabo promete no poema de John Milton. A fonte de qualquer ética cristã é o próprio amor. E isso o Diabo não conhece.
Eu disse acima que Deus é o próprio amor, e não um tirano onipotente, como o diabo o retrata no poema de Milton – que é o retrato que temos de Deus na maioria dos nossos debates contemporâneos. As nossas boas ações, as nossas ações verdadeiramente livres vêm do amor, não da autonomia indiferente da vontade. Neste ponto, lembro=me de uma discussão que tive, certa feita, com um amigo cristão, mais íntimo do amor de Deus do que eu. Eu me queixava com ele, dizendo-lhe que eu sempre achei estranho que o primeiro atributo ligado a Deus, no nosso credo apostólico, era a onipotência. Eu dizia: “acho ruim que a primeira coisa que se fale de Deus no credo seja: 'creio em Deus Pai todo-poderoso'. Será que o primeiro atributo de Deus é ser todo-poderoso, ou ser todo amoroso? Deveríamos falar: 'creio em Deus Pai todo amoroso!'”.
Para minha surpresa, ele me respondeu: “você está enganado. Ser todo poderoso não é o primeiro atributo de Deus no credo. Olhe de novo”. Eu olhei, e disse: “é sim! Veja: “creio em Deus Pai Todo Poderoso!”
“Pois é”, ele me respondeu. “O primeiro atributo de Deus é ser pai. Ser pai vem antes de ser 'todo poderoso', e é indissociável dele. Assim, Deus é um pai todo poderoso, e é todo poderoso para ser pai, e é como pai que ele é todo poderoso. Ser todo poderoso não é um fim, como o diabo pensa. O fim é ser pai, não no sentido simplesmente masculino do termo, mas no sentido familiar mesmo: a paternidade aí é usada como atributo neutro de geração, não atributo masculino de dominação”.
Eis aí. Enquanto o Diabo está lutando pelo poder absoluto, Deus está vivendo o amor absoluto. Não há um Deus tirano e ditador arrogante, subvertendo-nos pela promessa de um paraíso pós-morte. Isto é o retrato que o Diabo faz de Deus, para que nos revoltemos contra Deus e caiamos no inferno, onde o Diabo, cuja sede é pela onipotência, pode “reinar seguro” sobre nós, sem qualquer temor de que o amor de Deus venha nos resgatar da situação irremediável que é estar no inferno, isto é, submetido àquele que tem sede de poder absoluto e despreza completamente o amor absoluto.
Não podemos acreditar no que o Diabo diz sobre Deus: ele pinta um retrato falso de Deus para que nos revoltemos contra o Deus verdadeiro e caiamos no inferno, onde o Diabo, que não ama, reinará onipotente sobre nós.
Sobre as mentiras do Diabo, nada melhor do que uma advertência de C. S. Lewis no prefácio de suas “Cartas do Inferno”: “Os leitores são advertidos a conceituar o Diabo como um mentiroso; nem tudo que o Screwtape [o nome do diabinho que Lewis retrata em seu livro] diz poderia ser assumido como verdade, mesmo do seu próprio ponto de vista.” Ou seja, ainda que o Diabo soubesse – e de fato ele sabe – que Deus é o puro amor, e não o déspota arrogante que ele procura retratar – ele não nos diria. É claro que nesta história há apenas um lugar em que caímos nas mão de um déspota arrogante e sedento do poder absoluto, onde esta déspota exerce tal poder ilimitadamente sobre nós, seguro de que o Amor jamais intervirá em nosso favor: e tal lugar é o inferno.
Eis porque o grito do Diabo, de que apenas no inferno exercemos nossa liberdade plenamente, porque somos plenamente autônomos, livres da sedução eudêmica do amor de Deus, é falsa. Sem o amor, ou seja, sem o bem, não há diferença entre o Estado e uma quadrilha. E quem diz isso não sou eu: é o grande Agostinho de Hipona, no seu livro “Cidade de Deus”.
Uma cidade em que o poder fosse exercido como um fim em si mesmo, uma ética em que o único imperativo é doar a si mesmo as normas a seguir e segui-las a qualquer custo apenas porque se está convencido de que elas são a expressão autônoma da própria vontade individual livre, ou seja, uma expressão da liberdade individual, como fins em si mesmas, sem preocupações com o amor, com o bem, com a felicidade no sentido mais profundo, mais profundamente espiritual do termo, é uma cidade infernal. Explico-me.
Afirmar que é preciso estar totalmente a salvo do amor de Deus, que é preciso excluir-se completamente de tal amor para se poder ser realmente livre, é exatamente a estratégia do verdadeiro tirano supremo, aquele que é faminto pelo poder absoluto, de conseguir os escravos perfeitos para a sua dominação: aqueles escravos que, desprezando conscientemente o amor, creem que a sua liberdade perfeita consiste em ter sempre adiante de si, indiferentemente, todas as escolhas ao mesmo tempo. Este é exatamente o conceito de liberdade contemporâneo: mais livre é aquela pessoa que pode escolher mais alternativas, e não aquele que, escolhendo bem, usufrui dos benefícios da sua boa escolha e renuncia às seduções que a má escolha lhe traz. A pessoa contemporânea, neste conceito indiferente de liberdade, nem sequer pode admitir que há boas escolhas e más escolhas: ela está paralisada no próprio ato de escolher, e vê nisso sua única liberdade. Por isso jamais escolhe: cada escolha lhe faria ter uma opção a menos (aquela que foi preterida em favor da escolhida) e portanto, cada vez que escolhe, o homem contemporâneo se sente menos livre. Assim, escolhe não escolher, na ilusão de que, não escolhendo, terá sempre todas as escolhas diante de si como possibilidades abertas, e portanto, será sempre sumamente livre. Na verdade, ele está apenas sumamente paralisado, e por isso é o objeto perfeito para a dominação absoluta que o Diabo pretende sobre ele. Chesterton já disse com genialidade no seu livro “Ortodoxia”: “adorar a própria escolha é recusar-se a escolher”. E exemplifica:
“Todos os adoradores da vontade, de Nietzsche ao sr. Davidson, estão na realidade completamente vazios de volição. Eles não podem querer; eles mal podem aspirar. E se alguém precisa de uma prova disso, ela pode ser achada muito facilmente no seguinte fato: eles sempre falam da vontade como algo que se expande e se liberta. Mas é exatamente o contrário. Cada ato de vontade é um ato de autolimitação. Desejar uma ação é desejar uma limitação. Nesse sentido todas as ações são ações de sacrifício de si mesmo. Quando você escolhe uma coisa qualquer, você rejeita tudo o mais.
Aquela objeção que os homens dessa escola costumavam levantar contra o ato do casamento é realmente uma objeção contra todos os atos. Todos os atos são uma irrevogável exclusão por seleção. Exatamente como quando você se casa com uma mulher desiste de todas as outras, assim também quando você toma um caminho de ação desiste de todos os outros caminhos. Se você se torna rei da Inglaterra, desiste do posto de bedel em Brompton. Se você vai a Roma, sacrifica uma vida rica e sugestiva em Wimbledon.” (Ortodoxia, Chesterton, cap. III, o Suicídio do Pensamento).
Assim, este é um falso dilema, que o Diabo nos propõe, nas palavras brilhantes de John Milton: Escolha o inferno, renuncie às tentações de conforto que Deus antepõe à velada submissão total da sua vontade que Ele exige como condição da sua entrada no paraíso, seja forte o suficiente para sobreviver aqui no gélido inferno que a crueldade divina criou para nós os anarquistas libertários, os que não se submeteram à sua infinita onipotência, e venha ser absolutamente livre: venha poder escolher tudo e qualquer coisa sempre, com total autonomia, submetendo-se apenas à sua vontade pura e livre do arrogante onipotente.
O que o diabo não diz é que a vontade individual pura e absolutamente autônoma, a vontade que sempre pode escolher tudo e nunca se aprisiona por nada, nem pelo amor de Deus, é sempre a vontade paralisada. Cada escolha implica renunciar à alternativa contrária. Mas isto não é diminuir sua liberdade: isto é exercê-la. Somente sou livre para ter uma companheira se também for livre para renunciar a todas as outras. Vale dizer, exemplificando: aquele homem que quiser ser livre para ter todas as mulheres jamais será livre para ter alguma.
Assim, não se trata de renunciar a um paraíso no pós-vida para ser livre no aqui e agora, tomando posição a favor do Diabo “libertário” contra o Deus “arrogante”, com a coragem de escolher o inferno e ser livre ou submeter-se ao Deus prepotente em troca do paraíso e ser um eterno prisioneiro. Trata-se de viver o inferno aqui e agora: quem escolhe contra Deus não escolhe a liberdade suprema de ter todas as opções: escolhe a paralisia suprema de não poder escolher nenhuma sem renunciar imediatamente à outra e ser aparentemente menos livre... Quem escolhe ir para o inferno depois de morto já está no inferno desde agora. E quem quer que tenha um pouco de autoconsciência, quem possui um mínimo de autocontemplação e honestidade pode olhar para si mesmo e ver que isto é uma suprema verdade: paraíso e inferno não são apenas realidades escatológicas: são realidades existenciais imediatas.
Escolha Deus: somente esta primeira escolha permite que você possa caminhar por todas as outras com tranquilidade, sabendo que a quem ama tudo é permitido, como dizia Agostinho de Hipona. A quem ama é dado escolher e viver as suas escolhas com absoluta convicção de que as aparentes renúncias, que se dão quando se escolhe um caminho e não outro, serão repletas do Amor que as plenifica, e não há perdas em escolher e viver até o fim em conformidade com as respectivas escolhas. Será um mestre em cada um dos caminhos que escolheu, porque caminhou neles até o fim e absorveu deles a sabedoria que continham. Reinou em cada caminho, porque os escolheu e percorreu com liberdade: os filhos do rei são reis por direito.
Escolha o Diabo e já não poderá fazer nenhuma escolha, porque cada uma será vista como uma diminuição de liberdade. Chegará ao fim da vida paralisado, encarquilhado, sem ter uma profissão para não renunciar à possibilidade de ter todas as outras, sem ter uma família para não renunciar à possibilidade de ter todas as outras, sem ter uma casa para não renunciar à possibilidade de ter todas as outras, sem ter um deus para não renunciar à possibilidade de ter todos os outros. E, finda a vida, já não há mais tempo nem possibilidade de fazer escolhas: ao não ter feito nenhuma, você renunciou igualmente a todas as alternativas, e o diabo escolheu por você.
Por fim, uma última palavra: se o inferno é o lugar em que vão os que preferem reinar do que obedecer, resta a pergunta: os que vão para lá, se querem todos igualmente reinar, reinarão sobre quem? Da minha parte, acho que o mais poderoso, lá, simplesmente submeterá o menos poderoso, porque a fome de poder, num lugar assim, vai sempre além do bem e do mal. E o mais poderoso, lá, já se sabe quem é. Na ânsia de reinar sem obedecer no aqui e agora, os que escolhem o inferno estão sempre destinados a obedecer sem reinar.
segunda-feira, 19 de março de 2012
III. FETOS E DOENÇAS
10. Um feto possui uma alma e é uma pessoa, como já foi visto, mas há quem diga que um feto que tenha alguma doença ou defeito não é humano, é como um verme parasita que se aloja nas entranhas da mãe. Ora, não sou nenhum biólogo, mas, do pouco de biologia que eu sei, ouso dizer que, quando dois gametas de uma espécie se encontram, o zigoto formado é desta mesma espécie, então o feto, independente dos acidentes, como as doenças e má-formações, é essencialmente humano e merece toda dignidade como qualquer outro humano. 11. Esse "argumento" do feto doente ser comparado a um verme eu ouvi especificamente numa discussão sobre fetos anencéfalos. Disseram que o feto anencéfalo é como um verme que suga os nutrientes e a vitalidade da mãe, e que, na falta desse parasitismo, não tem condições de viver. Estas mesmas pessoas ainda tiveram a audácia de afirmar que o feto anencéfalo não tem expectativa de vida, portanto não é uma vida em potência, e que uma antecipação terapêutica da gestação de um feto anencéfalo não estaria matando o bebê, apenas estaria adiantando o inevitável. Sobre estas afirmações sem nexo, tenho algumas observações: I - O feto anencéfalo possui alma própria, pois é essencialmente um humano, e é um ser vivo, uma vida diferente da da mãe, e não um órgão dela ou um parasita em seu corpo, mas sim seu filho, com metade do seu material genético, da mesma espécie. A mãe não tem direito de decidir sobre uma vida dentro de si, pois esta vida é tão digna quanto a dela, e a ligação entre os dois seres em nada prejudica a mãe, ao contrário da do parasitismo. II - Disseram que o feto anencéfalo pode sofrer antecipação terapêutica do parto, pois sua morte é inevitável, mas, ao nascer, o bebê anencéfalo deveria ter o pouco de sua vida preservada. Ora, se o bebê anencéfalo deve ter sua breve vida preservada, é porque ele tem direito à vida, e, para tal, por mais óbvio que possa parecer, ele deve ter primeiramente uma vida. Desculpe talvez minha ignorância, mas eu nunca vi nenhuma lei garantindo o direito à vida dos cadáveres. Então, acho igualmente óbvio afirmar, mas nem para todos é tão claro assim, que, para um ser ser considerado vivo quando nasce, ele deve primeiramente ter sido uma vida em potência, apesar de já ter sido dito aqui que o feto é uma vida em ato, não em potência. III - "A antecipação terapêutica da gestação de um feto anencéfalo não poderia ser considerada um aborto, pois o aborto não estaria causando a morte do bebê, apenas adiantaria o inevitável." Peço novamente perdão pelo meu superficial conhecimento de biologia, mas arrisco a basear novamente meu pensamento nesse meu breve aprendizado dessa ciência, ao dizer que nenhum ser humano é imortal. Pelo menos nesses meus alguns anos de vida não vi nenhum ser humano que não esteja destinado a morrer. A vida, esta sim, é a única condição que é certamente fatal em 100% dos casos. Seguindo este pensamento, qualquer assassinato cometido é apenas uma antecipação do inevitável, ou é inevitável que todo e qualquer ser humano morrerá um dia? 12. Ainda ouvi este mesmo grupo dizer que a gestante que carrega um feto anencéfalo em seu ventre é como uma pessoa que sofre uma tortura psicológica. Prezo muito pela saúde das pessoas, especialmente pela das gestantes, mas o bem-estar da gestante é suficiente para justificar um assassinato? Seria muito fácil se eu pudesse matar todas as pessoas que me causam mal-estar e isso resolvesse meus problemas. Certamente começaria pelas pessoas que tratam uma vida humana como um verme ou uma doença. 13. Outro argumento, o único dos pró-aborto que eu aplaudi foi o seguinte: "A legislação é hipócrita ao permitir que se aborte um feto gerado de um estupro, que é uma vida, e não permite que se aborte um feto anencéfalo, que não tem grande expectativa de vida." Concordo plenamente! A legislação deveria também prezar pela vida dos bebês que foram gerados de um estupro, eles são tão vida quanto qualquer outro bebê, é tão filho de sua mãe quanto um bebê que tenha sido gerado de uma relação amorosa, e não tem culpa do crime do seu pai. Não nego que a mãe sofrerá muito por ter sido estuprada, mas matar o bebê não mudará o fato de que o estupro aconteceu, e o feto é tão vítima quanto sua mãe. 14. "O feto doente irá sofrer, se deixarmos que ele nasça." O feto pode ter uma enfermidade, muito grave, por sinal, mas isso não tira dele o direito à vida. Ninguém pergunta a um feto: "Meu filho, você será infeliz se deixarmos que você nasça doente?" Ninguém dá ao feto o direito a vida. Ninguém pode inferir que o feto será infeliz apenas por causa de uma má-formação. Por que uma pessoa nascida que tem qualquer tipo de problema pode escolher viver, e um feto não tem esse direito? Do mesmo jeito que essas pessoas inferem que o feto será infeliz para justificar o aborto, eu poderia justificar o assassinato de uma pessoa por ela ser infeliz. Na Alemanha Nazista essa prática era muito comum, e é chamada eugenia. A mãe não tem o direito de matar o filho só porque a condição dele não atende às suas expectativas. (Pedro Jacobina)
domingo, 18 de março de 2012
II. SER VIVO E PESSOA HUMANA
6. Pessoa, segundo Boécio, é uma substância individual de natureza racional. Ou seja, é algo que existe por si (substância), é distinto dos outros seres (individual) e tem capacidade de agir por si (natureza racional). Ora, um feto é um ser que existe por si, é distinto dos outros seres, inclusive de sua mãe, a quem está ligado, mas de quem tem independência formal (alma própria), e é capaz de agir por si, chutando de dentro do útero, por exemplo, e esta condição de pessoa pertence ao ser desde o momento da concepção, pois já possui todos os atributos necessários para se classificar como tal. 7. Um feto, um embrião ou um zigoto são todos pessoas, desde o momento da concepção até a hora da morte, e merecem ser tratadas com tanta dignidade quanto qualquer pessoa já nascida. Na Constituição da República Federativa do Brasil está escrito: "A República federativa do Brasil [...] tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana (Título I, Art. 1º)", o feto é uma pessoa humana, então ele tem direito à dignidade, um feto não pode ser maltratado, tampouco assassinado, pois sua integridade física é direito seu nos termos da constituição. Outro célebre direito de toda pessoa é de viver, como está no Art. 5º da Constituição: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida...". 8. O feto é um ser vivo, humano, e pessoal, e, portanto merece ter seus direitos e, mais do que ninguém, merece ser protegido. Ao assassinar uma pessoa nascida, esta tem, de uma forma ou de outra, alguma chance de se defender. Com certeza mais que um feto, que está ali adormecido no útero, se formando, crendo que está a salvo no seu abrigo materno. Assassinar uma pessoa que não tem sequer a chance de se defender é a forma mais covarde de homicídio. 9. Sendo uma pessoa, o feto é distinto da mãe, e não um de seus órgãos, e não cabe a ela decidir sobre a vida do seu filho como decide sobre o corte do cabelo ou o tamanho das unhas. Não é tampouco um parasita, que se aloja no corpo da hospedeira e fica ali a se aproveitar dela, trazendo prejuízos, mas sim uma vida humana, que tem direito à vida, à dignidade, e necessita de uma mãe, no sentido biológico da palavra. O feto não é nem um órgão da mãe, nem um parasita, nem uma patologia, e, ainda que tenha alguma patologia, por mais severa e fatal que seja, ele não deixa de ser humano, e continua tendo direito à vida, não podendo ser reduzido à sua patologia. O doente não pode ser confundido com a doença. (Pedro Jacobina)
I. QUANDO COMEÇA A VIDA?
1. "Quando começa a vida?". Esta questão, muito polêmica, é o ponto de ignição de diversas discussões, tanto com fim em si mesmas, tanto para outros fins, como evoluir para debates sobre a dignidade humana ou sobre aborto. Essas discussões, porém, quase nunca levam a um desfecho, pois começa-se a discutir sobre quando começa a vida sem primeiro se definir o que é a vida. 2. As pessoas têm opiniões diferentes sobre quando começa a vida; elas, pelo menos as de consciência e de capacidade cognitiva sãs, no entanto, não discordam quando a morte ocorre, ou seja, quando termina a vida. Antes de tudo, um ser vivo é aquele que consegue ser causa do próprio movimento, mas vamos além disso, falemos da alma. A alma, segundo Aristóteles, é a forma do ser vivo. Todo ser vivo tem pelo menos uma alma vegetativa, que lhes permite alimentar-se, crescer e reproduzir-se. Se o fim da vida é quando a alma deixa de existir, então o começo dela (da vida) é quando a alma passa a existir no corpo. 3. Anteriormente foi dito que o sentido de alma usado neste texto é o de Aristóteles, a forma do ser vivo, mas é importante deixar claro que esta discussão é sobre o começo da vida, não sobre o pós-morte, então não cabe aqui perder tempo discutindo se a alma é imortal ou não. Quando aqui é dito que a alma deixa de existir, não é a alma no sentido espiritual, mas a alma enquanto forma do ser vivo. 4. Voltando ao começo da vida, os gametas são a causa do próprio movimento, mas não conseguem se nutrir, crescer, nem se reproduzir (o gameta não produz gametinhas pra perpetuar sua espécie), os gametas são, pois, parte de um corpo, que acidentalmente podem sair dele, como numa ejaculação, no caso do espermatozóide, ou uma menstruação, no caso do ovócito, mas não são seres vivos, pois não têm as três funções que definem um ser vivo substancial. Na fecundação, o espermatozóide se une ao já agora óvulo para formar o zigoto, que se fixa na parede do útero. Este sim tem uma alma, pois ele se desenvolve (cresce), nutre-se, e pode se reproduzir (em potência, mas, ao negar que a potência seja o suficiente para caracterizar a capacidade de reprodução, se está negando que todo ser pré-púbere é um ser vivo). 5. Se a vida começa quando a alma passa a existir no corpo, e o zigoto possui uma alma, pois, além de ser causa do próprio movimento, possui as funções básicas de uma alma vegetativa, então o zigoto é um ser vivo. (Pedro Jacobina)
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