quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Dawkins, ateísmo, milagres e impossibilidades

Aliás, falando em deixar o Deus pessoal e vivo para acreditar num deus que é uma força impessoal é exatamente o que parece fazer Richard Dawkins, ateu mor cuja missão autoatribuída é acabar com o "delírio" que (ele acredita) consiste na fé num Deus vivo, pessoal e capaz de amar como é o Deus cristão.
Para isso, ele utiliza argumentos pseudocientíficos que acabam convencendo muita gente que não para e pensa no que está lendo nos seus livros. Como a ideia de que um aceno de mão de uma estátua da Virgem Maria poderia acontecer, como um evento quântico altamente improvável, mas não impossível. “Um milagre é algo que acontece,
mas que é surpreendentemente incomum. Se uma estátua de mármore da Virgem Maria de repente acenasse para nós, nós trataríamos o fato como um milagre, por causa de toda a nossa experiência e conhecimento, que nos assegura que o mármore não tem tal comportamento”.(“O Relojoeiro Cego”, pág. 159). Dawkins continua:
“No caso da estátua de mármore, as moléculas do mármore sólido estão continuamente chocando-se entre si em direções randômicas. Os choques das diferentes moléculas cancelam-se reciprocamente, portanto a mão inteira da estátua permanece rígida. Mas se, por mera coincidência, acontecer de todas as moléculas moverem-se na mesma direção no mesmo momento, a mão se moveria. Dessa forma, é possível para uma estátua de mármore acenar para nós. Poderia ocorrer. As chances contrárias a tal coincidência são inimaginavelmente grandes. Um colega físico as calculou para mim. O número é tão extenso que o tempo inteiro de existência do universo até agora não é suficiente para escrever todos os algarismos! É teoreticamente possível para uma vaca pular até a lua com uma improbabilidade parecida com esta. A conclusão para esta parte do argumento é que podemos calcular através das regiões da improbabilidade miraculosa com muito mais facilidade do que podemos imaginar como plausível” (O Relojoeiro Cego, 159-160).
Esta afirmação de Dawkins vai contra o preceito filosófico definido pelo insuspeito Hume, que afirma: “Nenhum evento que seja mais milagroso do que o milagre que ele
procura desacreditar pode ser usado como uma explicação para negar um milagre realmente ocorrido”. Isto está no livro “Investigação sobre o Entendimento humano”. Mas Dawkins defende que qualquer explicação, ainda que mais miraculosa do que o próprio evento que pretende explicar(por infinitamente improvável, isto é, impossível), é mais satisfatória do que a aceitação do caráter miraculoso do próprio fato. Passo a citar Scott Hahn e Benjamin Wiker (Answering the New Atheism), neste particular:
"Para ser mais preciso, Dawkins manifesta uma confusão seletiva entre o possível e o impossível quando isso atende aos seus propósitos, e algumas vezes a confusão chega a configurar um verdadeiro ilusionismo intelectual que engana diversos dos seus leitores (e, acreditamos, o próprio Dawkins). Observemos um exemplo particularmente interessante do livro “Deus, um Delírio” sobre o “milagre” do aparecimento da vida na terra, que Dawkins propõe para demonstrar que um Deus Criador é desnecessário.
De acordo com Dawkins, podemos seguramente estimar que há, em algum ponto do vasto universo, um “bilhão de bilhões” de planetas que seriam adequados para a vida. Ele supõe, então, o que supõe ser uma chance contrária extensa de um em um bilhão de que a vida surja por acaso (embora ele não se refira à vida, mas somente “ao surgimento espontâneo de algo equivalente ao DNA”).
Bem, então Dawkins conclui: “mesmo com tal improbabilidade absurda, a vida ainda surgiria em um bilhão de planetas – dos quais a terra, obviamente, é um deles” (Deus um Delírio, pág. 137-139). Essa é uma conclusão muito surpreendente, Dawkins acrescenta. “Eu direi de novo. Se as probabilidades contrárias de que a vida se origine espontaneamente num planeta fossem de um bilhão para um, ainda assim esse evento impensavelmente improvável teria ocorrido em um bilhão de planetas”. (idem).
Essa é uma conclusão surpreendente, exatamente porque não decorre das premissas. O argumento inteiro é falacioso. Trataremos mais especificamente sobre física e química
em outro lugar mas, neste momento, chamamos atenção para um problema na argumentação de Dawkins que é uma questão de lógica. Você não pode assumir como verdadeiro aquilo que quer provar. Isso é chamado de raciocínio circular ou, mais elegantemente, de petição de princípio. Ele cai na falácia porque assume, sem argumentos suficientes, que a montagem espontânea de DNA é como obter uma mão perfeita num jogo de bridge, e não como conseguir os quatro naipes num furacão. É isso que ele tinha que provar, ao invés de assumir como pressuposto.
A questão real e fundamental é de possibilidade e impossibilidade, e não de maior ou menor probabilidade. Se obter os quatro naipes num furacão é impossível porque as cartas continuariam sempre a esvoaçar no vento, isso não teria a sua impossibilidade diminuída pela adição, no cálculo, de bilhões de bilhões de planetas favoráveis, ou mesmo de trilhões de trilhões.
Se o surgimento espontâneo de DNA é simplesmente impossível, então não importa quantos bilhões ou trilhões de planetas existam. Isso não iria nem poderia acontecer. Portanto, temos que estar bem atentos sobre se Dawkins não está simplesmente assumindo que o que é impossível é apenas bastante, bastante improvável.
Mesmo admitindo a possibilidade do “surgimento espontâneo de algo equivalente ao DNA”, está completamente equivocado imaginar meramente que isso ocorreria com uma probabilidade tão baixa como um bilhão para um. Se as chances fossem assim tão favoráveis, então não haveria tanto ceticismo entre os cientistas sobre os cenários de origem da vida.
Discutiremos em outra oportunidade qual a razão de que tal ceticismo seja tão bem fundado. Mas por agora, podemos ao menos notar que não seria difícil piorar tanto as chances de modo a fazer a “prova” de Dawkins falhar. Isso é fácil, pelo modo com que as probabilidades crescem matematicamente. A probabilidade de de obter um cinco num dado ordinário de seis lados é de uma em seis. Mas a probabilidade de obter dois cincos seguidos é de 1/6 x 1/6, ou uma em trinta e seis. Dez seguidos: uma em 60.466.176. Vinte seguidos: uma em 3.656.158.440.062.976. Vinte e cinco seguidos: 8.430.288.029.929.701.376. Não demora muito, portanto, ultrapassar uma chance de um em um bilhão, nem ultrapassar uma chance em um bilhão de bilhões, como vimos aqui. Como consequência, mesmo a introdução de de um número relativamente pequeno de fatores adversos afetariam a assunção generosa de Dawkins de “um bilhão para um” da produção espontânea do DNA e logo eliminaria sua conclusão leviana de que “a vida ainda surgiria em um bilhão de planetas – das quais a terra, obviamente, é um deles”. Daí, não podemos nos permitir pensar que Dawkins pode resolver a questão simplesmente adotando uma chance de “um bilhão para um”. Ele deve primeiro mostrar que isso é possível, que não está "chutando" um número injustificavelmente baixo, e depois dar uma conjectura razoável a respeito das probabilidades. Veja que estamos tratando de dados de seis faces, objetos enormemente menos complexos do que moléculas de DNA, ao menos tanto quanto estas são menos complexas do que a vida em si.
Antes de abordarmos as questões especificamente científicas, vamos concluir com algumas observações. Acreditamos que é justo dizer que a fé de Dawkins nos poderes do acaso é ao menos tão forte do que a fé da maioria das pessoas nos poderes de Deus. Quer dizer, talvez seja ainda mais forte. Sentimo-nos autorizados a chamá-la de fé por duas razões. Primeiro, o próprio Dawkins admite que a existência de Deus é “altamente improvável”, e não absolutamente, demonstradamente impossível. Assumimos que ele não é agnóstico quanto à existência de um triângulo de quatro ângulos.
É claro que o próprio Dawkins não aprovaria a nossa classificação do seu alegado “ateísmo de fato” como um tipo de fé. “Ateístas não têm fé”, ele assegura ao leitor; é correto que “apenas a razão não poderia impelir alguém à total convicção de que algo não existe” (Deus, um Delírio, pág. 51). Mas se a razão sozinha não tem esse poder, então é a razão e mais o que? Ele não estaria dizendo “eu acredito que Deus não existe mesmo se não consigo prová-lo apenas pela razão”?
Obviamente, Dawkins pretende fugir desse questionamento asseverando que a razão, por sua própria natureza, não pode “impelir alguém à convicção total de que algo definitivamente não existe”. Como ele próprio ressalta, nessas bases, a existência de fadas no fundo do quintal não pode ser definitivamente descartada apenas pela razão.
Isso parece racional? O que impele Dawkins a admitir tal absurdidade? Precisamente o seu desejo de demonstrar ao leitor que Deus não existe – o que é um tanto paradoxal, para dizer o mínimo. Uma vez que Dawkins quer afirmar que o miraculoso não requer
uma causa sobrenatural, ele deseja afirmar que qualquer coisa é possível, de modo a permitir que o acaso forneça uma explicação materialística para qualquer milagre aparente, como os acenos da estátua de mármore ou o “surgimento espontâneo” de algo como o DNA na terra. Dessa forma, ele pode dispensar ao mesmo tempo o Deus que faz milagres e o deus criador com uma só tacada. Mas, uma vez que qualquer coisa é possível, então “apenas a razão não poderia impelir alguém à total convicção de que algo não existe”.
É uma armadilha interessante, não? O desejo de eliminar Deus faz Dawkins admitir um absurdo – que qualquer coisa pode acontecer. Mas, tendo se jogado nos braços do
absurdo, ele percebe que não pode eliminar inteiramente a Deus, que é a própria razão de ele ter se jogado nos braços do absurdo. Ao menos ele é consistente, mas essa consistência leva-o a uma posição do agnosticismo que transforma a sua descrença num tipo de fé. Ele admite que leva a sua vida com base numa opção fundamentada numa mera presunção que a razão nunca poderá confirmar: “eu acredito que Deus é extremamente improvável, e vivo minha vida na presunção de que ele não existe”(Deus um delírio, pág. 51). É isto é um ato de fé, que ultrapassa, confessadamente, os limites que ele próprio estabeleceu para a razão.
Isso nos leva a uma segunda razão pela qual podemos chamar o agnosticismo de Dawkins de “fé”. Seria difícil imaginar uma fé mais ardorosa nos poderes do acaso do que alguém que pode, com a cara mais limpa, falar da probabilidade real de uma estátua de
mármore acenar, ou uma vaca pular para a lua. Por que tal devoção ao grandioso e inconstante deus, o Acaso? Simples, Ele prefere acreditar em qualquer coisa, menos em Deus.
Mas quem é esse deus, o Acaso? Como ele pode ser uma causa tão poderosa, tão poderosa que pode substituir a necessidade de um Deus vivo, ativo, inteligente e criador? Como Aristóteles apontou, há muito tempo, para os materialistas do seu tempo, que de igual maneira adoravam no altar do Acaso, o Acaso não é uma causa real porque o Acaso não é uma coisa. Há uma chance de que uma coisa ocorra, mas esse “de que” é o mais importante, porque nos revela o que realmente existe e define o verdadeiro significado da palavra “chance”. Assim, mesmo aqui, o “acaso” não é uma coisa.
Para usar um exemplo familiar, há uma chance em seis de obter um cinco num dado com seis faces, mas, aqui, “chance” não é nem uma coisa, nem uma causa. O que causa a “uma chance em seis” é o fato de que há um dado de seis faces , que é feito de tal maneira que possa rolar, que é feito de tal maneira que o rolamento venha a parar, e assim por diante. Assim, a chance de um sexto não é uma “coisa” adicional ao próprio dado, mas um atalho para descrever a verdadeira coisa e as condições que permitem que existam seis probabilidades diferentes, mas rigorosamente iguais, de um evento particular ocorrer. Podemos eliminar a “chance de um sexto” mudando o dado ou as condições, por exemplo, preenchendo os furinhos do dado ou atirando-o num alto-forno. Isso reduz o grande deus Acaso ao seu justo tamanho, revelando-o não como uma
causa primária e poderosa, mas como uma sombra secundária de outros seres e causas. O próprio Dawkins realmente compreende esse ponto claramente no que diz respeito à seleção natural. Como ele assinala em muitas passagens, a seleção natural (uma vez que ela é cumulativa, como a progressão gradual do acúmulo de caracteres favoráveis) é o “oposto” do acaso. Eis o seu ponto. Se a seleção natural tivesse que produzir um olho num único passo gigante de mutações randômicas, estaríamos fazendo da evolução uma questão inteiramente relacionada com o acaso, e assim próxima do impossível, porque as partes materiais (os vários átomos) não têm nenhuma tendência a estruturarem-se espontaneamente de forma multifacetada, numa estrutura biológica ultracomplexa.
Isso seria confiar ao acaso uma tarefa que somente um deus poderia fazer. Mas a evolução constrói o olho em pequenos passos, cada qual envolvendo apenas uma pequena porção de acaso, agindo na conformidade da taxa normal de mutação genética. Aqui, portanto, o acaso não é um deus miraculoso, mas algo que é compreensível em termos de subordinação ao que os genes são, como eles se copiam, e como eles podem influenciar no texto genérico de uma molécula de DNA.
Mas, como vimos, o acaso eleva-se a proporções monstruosas quando Dawkins procura explicar como qualquer coisa pode acontecer. A razão, como vimos, é que Dawkins quer usar o acaso para substituir Deus no que se refere à origem da vida. Já que ele deve
ter os poderes do Deus que substitui, então ele cresce em conformidade com isso, transformando-se num deus que pode fazer qualquer coisa. É claro que Dawkins não precisa que o seu deus faça tudo, mas apenas aquelas coisas que ele percebe que a seleção natural não pode fazer, e que parecem requerer um deus real para acontecerem: criar as primeiras coisas vivas."
Viva Scott Hahn. Seu despretensioso livro "O Banquete do Cordeiro" é uma das melhores coisas que li até hoje.

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