quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Darwinismo, malthusianismo e pobreza
Um bom texto sobre o mesmo assunto, cientificismo e religião, é um trecho do imperdível livro "From Aristotle to Darwin and back Again", de Etienne Gilson. Mostrando que as ideias fundamentais de Darwin vieram de Malthus (economista) e não dos biólogos da época, Gilson diz (em tradução minha do original inglês, bem livre):

"Na “Descendência do Homem” Darwin referencia ao seu leitor o memorável ensaio “Sobre o princípio das Populações, no que afeta a melhoria futura das sociedades” pelo reverendo T. Malthus. Que tipo de interesse ele encontrou ali?
A primeira edição desse ensaio data de 1798. Seu autor, o reverendo Malthus, pertencia, então, ao clero e se apresentava como tal. Sendo ele próprio um homem excelente, sem dúvida até mesmo um cristão correto, ele não gostava, no entanto, de pobres. Ele nunca subscreveria o celebrado sermão de Bossuet “Da Eminente Dignidade dos Pobres na Igreja”. Alguns dos seus contemporâneos ficavam atônitos com seus sentimentos; “Vigário”, William Cobbett se dirigia a ele desdenhosamente, “durante a minha vida eu detestei muitos homens, mas nunca detestei alguém tanto como a você”. Ele não era um homem detestável, ele era simplesmente um homem com uma teoria, qual seja, que os pobres não deveriam existir, e se existirem, eles não têm um direito à assistência. Talvez ele tenha cometido o erro de se expressar como se os próprios pobres pudessem fazer alguma coisa sobre a sua própria pobreza. Seu consolo estava em que, ao confiá-los desde o nascimento às creches paroquiais, parte do problema estava resolvido, porque 99 por cento deles morriam por lá no curso do seu primeiro ano.
Malthus não negava o fato, mas essa maneira de livrar-se dos futuros pobres parecia custosa, para ele. A causa imediata do mal era a Lei dos Pobres. Os detalhes dessa lei não nos dizem respeito. É suficiente saber que as taxas impostas aos não-pobres para a assistência aos pobres atingiram um tal nível que os respectivos contribuintes estavam aflitos. As casas de assistência paroquiais requeridas pela lei estavam naturalmente a cargo dos clérigos, e não se poderia estar muito enganado, talvez, caso pensássemos que a reação pessoal de Malthus contra a existência dos pobres e a necessidade de ajudá-los não lhe veio apesar do fato de ser clérigo, mas exatamente em razão disso.
Se, como pensava Malthus, a existência de pobres é prejudicial ao futuro bem-estar da sociedade, o que faz com que alguém venha a precisar da assistência, mesmo que seja indubitavelmente algo humanamente inevitável, termina por prejudicar a comunidade. Malthus não afirmou não ser necessário assistir aos pobres; ele só insistia que eles não tinham o direito de ser mantidos, e, verdadeira ou não, sua proposição não soa lá muito evangélica...
A demonstração dessa matéria, segundo Malthus, é muito simples. Repousa sobre dois postulados e um fato. Os postulados são que (1) os alimentos são necessários ao homem e (2) a atração sexual é necessária e permanecerá como ora se apresenta. O fato é o de que “a capacidade que o homem tem de povoar a terra é indefinidamente maior do que a capacidade da terra de produzir sustento ao homem.” Meditando sobre esse fato, Malthus chegou a propor inclusive uma fórmula matemática a esse respeito: “A população, quando livre de controle, cresce em uma proporção geométrica; a subsistência cresce apenas numa proporção aritmética”.
É difícil dizer se Malthus tomou sua fórmula matemática de modo completamente sério; ao menos era, para a sua mente, uma maneira veemente de expressar a verdade, para ele incontestável, de que, deixada ao jogo natural das forças conflituosas, a população cresce mais rapidamente do que os meios de sua subsistência. Em qualquer grau ele inferiu daí que a Lei do Pobre deveria ser abolida porque qualquer lei desse tipo somente perpetua e multiplica os mal-adaptados para cuja existência ela quer encontrar remédio. As medidas adotadas em virtude dessa lei trabalham contra a natureza, cuja lei é simplesmente que as pessoas para as quais não há sustentabilidade não têm o direito de existir. Daí vem a sua conclusão, logicamente correta nesta linha de pensamento (mas não o que se poderia esperar de um homem da igreja e um Cristão) de que “nós estamos adstritos por justiça e honra a formalmente negar que os pobres tenham o direito a ser socorridos”. Seguramente, Malthus não aconselha o extermínio dos pobres, mas ele solicita que um esforço seja feito para assegurar que os próprios pobres concordem voluntariamente a se abster da procriação.
Vale dizer que vivemos hoje a era de Malthus. Ele certamente estaria a favor de todos os procedimentos contraceptivos; provavelmente a favor do aborto livre ou mesmo obrigatório, em resumo, de todos os meios legais de limitação de nascimento."

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