De modo analogo à construção de um edifício – embora resguardadas as proporções de complexidade – a cultura também tem os seus arquitetos. É o que nos lembra o livro “Architects of the Culture of Death”, de Benjamin Wiker e Donald deMarco.
A cultura cristã foi construída, ou melhor, fundamentada, sobre a imagem latente do Cristo, como o homem sábio que constrói sua casa sobre a rocha (Mt 7, 24). Foram incontáveis arquitetos, dentre eles Maria Santíssima, os Apóstolos, Papas, Padres e Doutores da Igreja, Bispos, santos (canonizados ou não), enfim, a Igreja tem sido coluna e sustentáculo da verdade (1Tim 3, 15), seguindo os traços deixados pelo próprio Jesus.
Este foi, portanto, o “projeto-mestre” de construção da sociedade cristã: a imagem central de Deus feito homem, que morreu e ressuscitou para salvar cada ser humano. Com isso, ressalta-se o valor infinito de cada pessoa. A cultura cristã, construída sobre este modelo, é uma cultura de vida.
Curioso é anotar o que diz a Didaché, primeiro escrito cristão não-bíblico, catequese das primeiras comunidades. Este documento exortava a comunidade convertida de que existem dois caminhos a escolher: o caminho da morte e o caminho da vida. E acrescentava as seguintes exortações:
“Não matarás, não cometerás adultério; não te entregarás à pederastia, não fornicarás, não furtarás, não exercerás magia, nem bruxaria [necromancia ou mediunidade...]. Não matarás criança por aborto, nem criança já nascida; não cobiçarás os bens do próximo.”
Olhando bem, vê-se que as práticas pagãs das antigas civilizações pré-cristãs, a que os primeiros cristãos foram chamados a renunciar, estão ressurgindo em nossas sociedades como “novidades” ou “evoluções sociais”: a institucionalização das relações homossexuais, o sexo extra-matrimonial, o ocultismo, a contracepção, o aborto, a eutanásia, o infanticídio. Podem ser incluídos também a bestialidade e o incesto, como acréscimos contemporâneos à lista.
Como se deu tal retorno, fantasiado de “progresso”? É o novo paganismo, que vem sendo implantado em nossas sociedades graças ao trabalho de arquitetos muito hábeis: aqueles que rejeitaram a imagem do Cristo, que é a imagem central do cristianismo, e a substituíram por uma visão de humanidade que resultou de forças cegas, ao invés de uma humanidade criada à imagem de um Deus pessoal. Como não resta ao homem senão ser imagem de Deus, essa nova humanidade, construída por esses arquitetos da cultura da morte, é configurada à imagem do seu próprio deus – um deus impessoal, um absoluto que não pensa, que não ama, que não providencia, enfim, que não é pessoa; é um pseudo-ateísmo, que simplesmente troca a noção de deus pessoal por uma noção de absoluto impessoal. Como dizia Jean Guitton, “o ateu é um teísta que deixou de crer em Deus e pensa que não mais acredita no Absoluto. Se ele refletisse, compreenderia que, ao deixar de crer em Deus, ele se pôs automaticamente a crer em uma das formas do Absoluto não Pessoal. Nesse sentido, ele não é ateu em sentido amplo, porque ele não é ateu de Deus no sentido amplo, ou seja, ateu do Absoluto. Ele é apenas ateu em sentido estrito, ou seja, ateu de Deus no sentido estrito”. Claro que há ateus que se recusam a crer em qualquer absoluto, mesmo num impessoal, mas estes são niilistas – não deveriam nem abrir a boca, porque não podem fazê-lo sem contradizer os próprios pressupostos de suas crenças – se eu não creio em nada, não creio também que devo comunicar nada.
Nesta cultura da morte, que rejeitou frontalmente o Deus cristão, o homem deve buscar construir a sua própria salvação. Seja ela:
o puro instinto.
A indulgência sexual.
O império da vontade arbitrária.
O controle populacional.
O cientificismo
A eugenia, etc.
Enfim, a cultura da morte é uma cultura que rejeita, fundamentalmente, a noção de pessoa, assim compreendida como “criatura inteligente feita à imagem de Deus, formada de corpo e de alma imortal e racional.”
Uma humanidade que perde o seu relacionamento com o absoluto pessoal passa a desenvolver-se como imagem do absoluto impessoal – e, por isso, despersonaliza-se. A despersonalização da humanidade é consequência direta da despersonalização de Deus. Essa despersonalização é muito factual, muito evidente nas sociedades contemporâneas, e podem ser constatadas a partir, por exemplo, dos seguintes indicadores:
A sexualidade perde suas dimensões relacionais, unitiva e procriativa, e passa a ser mera recreação. O outro já não é mais a pessoa com quem me relacionar fecundamente, mas o objeto do meu prazer.
A origem da vida humana já não se dá na família, no seio de quem ama e acolhe a dispersão do seu próprio amor. Passa a ser fruto do domínio tecnológico. O homem de proveta deve sua existência à ciência, não ao encontro frutífero de dois seres a si semelhantes.
A morte é despersonalizada. Despersonalizando-se a humanidade, aos moribundos não se deve mais misericórdia do que aos animais doentes. Uma vez que alguém já não possa exercer poder sobre outro – ou ser objeto lucrativo do exercício do poder de outro – já não precisa viver.
Paradoxalmente, a redução do ser humano à condição de animal, de coisa, de mero fruto do acaso seletivo ou de acidentes químicos, não se seguiu a mais humildade por parte dos homens. Foi acompanhada por uma idolatria própria, cuja raiz não é o auto-desprezo, mas o desprezo do outro, lançado fora junto com o Deus pessoal. Sem Deus, tornamo-nos semelhantes a deuses – ou melhor, tornamo-nos deuses nós mesmos, únicos a merecer culto e louvor. A confusão entre criatura e criador leva ao obscurecimento da vontade humana.
Isso gera um círculo vicioso – Rejeição a Deus – rejeição à pessoa – obscurecimento da vontade individual – autoidolatria – rejeição da dignidade do outro – egoísmo e infelicidade. É por isso que Santo Agostinho dizia que o pecado é a punição pelo pecado...
Sendo rejeitado o Deus pessoal, concedemo-nos, não por dom, mas por prerrogativa própria, os seus poderes divinos: definimos nós mesmos o que é bem e mal, controlamos o nascimento, a vida e a morte. Criamo-nos à imagem que desejamos, ainda que isso envolva muito botox e silicone. Os dois mandamentos fundamentais desta cultura da morte: 1. Não terei outros deuses além de mim mesmo. 2. Amarei a mim mesmo sobre todas as coisas.
O resultado é a cultura de morte: libertarianismo sexual, vanglória dos atos homossexuais, contracepção e aborto, tudo isto não apenas consagrado pela lei, mas louvado em verso e prosa na literatura, no cinema, na novela, na música, nas campanhas do Ministério da Saúde...
O livro de Wiker e deMarco é muito bom. Pena que não exista em português.
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