Ainda me espanta a posição de alguns que se dizem “contra o aborto”, mas a favor da descriminalização. Me espanta sempre o uso das palavras como meros rótulos, mera retórica, capazes de acomodar-se a qualquer situação.
O problema é principiológico, me parece, e não poético. Uma vez que, para discursar, precisamos partir de um princípio, e que todo princípio deve ser auto-evidente e não pode fundamentar-se em outro princípio ainda mais fundamental - ou já não seria um princípio - tudo (mesmo e principalmente o ateísmo, quando discursa) parte de um ato fundamental e principiológico de fé, que eu resumiria assim:
1. Ou você crê (porque não há como "provar" cientificamente) que no princípio há o caos, e o "cosmos" é linguagem, construto, e portanto todas as palavras são meras metáforas que se aplicam arbitrariamente ao que no fundo não existe de modo consistente;
2. ou você crê que no princípio há o logos, e que há uma verdade intrínseca às próprias coisas, e o cosmos é uma realidade ontológica. Assim, a linguagem não é um mero rótulo, mas a expressão simbólica de uma inteligibilidade constitutiva do cosmos.
Os que creem no item 01 acima normalmente não percebem que estão num caminho de estrita crença metacientífica, (porque não podem jamais provar seu ponto de partida) mas normalmente acreditam-se mais racionais e sutis, mais "críticos"; os que optam por ver o mundo na conformidade do item 02 às vezes não percebem a densidade filosófica da sua opção de fundo e resvalam para um discurso religioso e querem catequizar, ao invés de argumentar. É o que tentarei não fazer aqui. Nada de catequese, apenas argumentação.
Partir do item 01 leva a uma autocontradição: se todo discurso é arbitrário, não há sentido em produzir qualquer discurso, salvo se para dominar o outro. Assim, o próprio “discurso de libertação”, quando parte do pressuposto do caos, é apenas um discurso tendente a uma dominação ainda mais violenta.
E a vida do ser humano no útero, nessa linha, de fato não tem nenhum valor intrínseco, na verdade é apenas um "fato" (o "feto") que um "ato de fé" baseado nas forças prevalecentes em um determinado momento social transformou em objeto de proteção, e que um outro discurso com mais poder - ou com mais "vontade de poder" - não está impedido de transformar no monte de matéria orgânica sem sentido que, no fundo, ele é, como afinal, todos nós somos, segundo o raciocínio que os seguidores dessa linha filosófica levam às últimas consequências, e o aborto, como o homicídio, o infanticídio, o genocídio, ou qualquer outro "cídio" cujo perpetrador seja poderoso - poder que resulta autojustificado, portanto. Não haveria sentido, então, para eles, em lutar contra o poder que consegue se estabelecer, seja pela força bruta, seja pela hegemonia gramsciana, quando não se tem poder suficiente para derrotá-lo e impor, por pura força, o seu próprio "ato de fé", substituindo o "ato de fé" das forças derrotadas. O poder só se fundaria no poder, o que, no fim, é também um ato de fé. E o homem, apenas um amontoado ocasional de matéria orgânica que o acaso elevou da matéria fundamental. Nada tem significado. Mas essa última frase também é um ato de fé niilista, que só pode prevalecer se lastreada num ato de força.
No fundo, então, seria tudo igual, matar ou não matar, tudo uma questão de dominação, e toda diferenciação é hipócrita, então a conclusão parece ser: liberemos logo o aborto, porque, de todas as vítimas de "cídio", a
classe dos fetos não vai ter como protestar, mesmo.
Pessoalmente, como sei que sou louco de pedra, mas reconheço que, ainda assim, há uma ordem nas próprias coisas, creio no logos. Respeito quem crê no caos, há uma respeitável corrente filosófica, desde Heráclito, passando por Demócrito, Epicuro, Lucrécio, Guilherme de Occam, Kant, Nietszche, Sartre e tantos outros que pensam assim!
Sigo outra nobre corrente, arraigada na busca do Logos, com Sócrates, Platão, Aristóteles, Jesus, Justino, Agostinho, Tomás, Hegel, Gabriel Marcel, Karol Wojtilla, Etienne Gilson, dentre tantos nomes memoráveis, e com toda sinceridade, acho frágil o raciocínio que conduz da discriminalização à proteção do embrião, mas ainda não perdi a capacidade de espantar-me com a ideia de que as "bandeiras" daquilo que um outro colega “progressista”, numa troca de emails comigo, chamou de bandeiras da "esquerda cultural": o casamento homossexual, a liberação das drogas e o aborto, são simplesmente bandeiras autodestrutivas: os casamentos
homossexuais são estéreis, os casamentos heterossexuais resultarão em baixíssima fertilidade pelo uso cumulado de drogas e o aborto, e os que restarem estarão drogados demais para conduzir o mundo com alguma consequência, eis porque no fim restaremos nós, os antiquados e prolíficos seguidores do logos e os nossos filhos, para reconstruir as coisas. Mas a descriminalização transformará - como tem transformado nos países onde ocorreu - o útero feminino no lugar mais arriscado para um bebê estar, já que a maior taxa de óbito de bebês passa a ter como causa uma ação positiva e lícita da mãe no sentido de eliminar o próprio filho.
Leituras, opiniões e ideias de um católico. Contatos no email paulovjacobina@gmail.com
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Igreja, aborto e eleições presidenciais
Uma matéria publicada no jornal francês Le Monde, logo depois do resultado do primeiro turno das eleições de 2010, trouxe o seguinte comentário sobre a posição da Igreja Católica: “Nessa questão, a Igreja Católica tem mostrado uma certa hipocrisia. A Conferência Nacional dos Bispos repete que ela é politicamente “neutra” e nunca deu nenhuma instrução de voto. Mas ela bem que se absteve, até agora, de condenar os autores dos ataques, às vezes violentos, contra Rousseff.”.
Um colega trouxe esse artigo a uma lista de discussão da qual eu participo, e eu respondi:
“ Não posso falar pelos evangélicos, mas apenas pelos católicos. Nem quero me manifestar sobre política, mas redarguir a uma acusação direta de hipocrisia dirigida no artigo contra a minha mãe e mestra, a Igreja, coluna e sustentáculo da Verdade (1Tim 3, 15). Assim, me alongarei um pouco. Quem não quiser acompanhar, pode deletar logo.
A Igreja Católica não é "politicamente neutra",nem nunca se declarou assim, mas tem suas próprias posições sobre os temas em debate na eleição - e é claro que eles vão "muito além da questão do aborto". As posições da Igreja Católica estão em dois documentos: a Bíblia e o Catecismo da Igreja Católica. Não se trata, portanto, de uma pauta subreptícia. Por isso, acusar de hipocrisia é muito grave e leviano, hipócrita é quem tem uma posição pública e uma outra oculta sobre o mesmo tema. Todas as nossas são perfeitamente públicas, e conhecidas há dois mil anos... Veja, por exemplo, o documento Didaquê (ou Doutrina dos Apóstolos), do ano 96 D.C. (séc. I), em que a Igreja Católica já dizia:
"2 Não cometerás adultério; não matarás; não prestarás falso testemunho; não violarás a criança; não fornicarás; não praticarás a magia; não fabricarás poções; não matarás a criança mediante aborto, nem matarás o recém-nascido; não cobiçarás nada do teu próximo. 3 Não proferirás perjúrios; não falarás mal, nem recordarás das más-ações. 4 Não darás mal conselho, nem teu linguajar terá duplo sentido, pois a língua é uma armadilha para a morte. 5 Tua palavra não será vã, nem enganosa. 6 Não serás ambicioso, nem avarento, nem voraz, nem adulador, nem parcial, nem de maus costumes; não admitirás que se crie uma armadilha para o teu próximo. 7 Não odiarás a qualquer homem, mas o amareis mais que a tua própria vida. "
Neste sentido a Igreja é conservadora: vem conservando fielmente, há dois mil anos, o depósito da fé, ou seja, a Tradição Apostólica e sua expressão mais cristalizada, a Palavra de Deus, bem como a correta interpretação da Palavra, pelo seu Magistério. Daí a nos apontar institucionalmente como socialmente conservadores vai uma distância muito grande, nesse espaço de pluralidade na unidade que é a Igreja.
No entanto, a Igreja, institucionalmente, não aponta candidatos – o que, aliás, vista apenas como ONG, poderia legitimamente fazer - mas critérios positivos para escolher, que são orientação apenas e tão-somente para seus próprios fiéis. E ser fiel católico é uma livre escolha, e não-vinculante, já que se pode deixar de ser a qualquer momento.
Mesmo para os fiéis, no âmbito da economia interna da nossa ONG, trata-se de questão opinável e, de acordo com o cânon 227 do Código de Direito Canônico de 1983, de livre exercício pelos fiéis, sendo as indicações eclesiais apenas isso, exortativas. Mas isso é um problema de economia interna da Igreja, e não parece que caiba ao Le Monde julgar nossas consciências, mas apenas a Deus, para os que nele acreditam, ou a ninguém, para os que se declaram ateus ou anticristãos - porque não reconhecem nenhuma instância transcendente que possa fazê-lo. Estes têm tanto direito de julgar nossas consciências quanto eles admitam o direito recíproco para nós de julgar as deles.
No jogo democrático, qualquer ONG tem esse mesmo direito, de influir na política. Apenas à Igreja ele é negado? Que democracia é esta, que permite a qualquer ONG influir na agenda política, menos aos membros maior e mais antiga ONG do país? O mal da Igreja, parece, é que todo mundo se sente meio dono do catolicismo, meio Deus, e autorizado a julgar o Papa, os bispos, a doutrina da Igreja, como se a medida da Igreja não fosse a sua fidelidade ao que acredita e professa, mas fosse o ego do opinante, ou do jornalista, corajoso o suficiente para chamar os coletivamente os católicos de hipócritas, mas não para expor claramente o padrão que está usando para nos julgar e permitir-nos, em contrapartida, julgá-lo com o mesmo padrão que nos aplica. No que me toca, e aos muitos cristãos, católicos ou não, com quem convivo, temosmuitos defeitos, mas a hipocrisia não é nem de longe o principal deles. Já alguns jornalistas que tive o desprazer de conhecer...
Portanto, não se trata de "impor agenda", mas de influir nos rumos do país a partir da nossa própria agenda, e isso é próprio da democracia. A menos que você entenda que a democracia permite a manifestação e a participação de qualquer grupo social, menos dos que discordam do Le Monde.
Ressalto que ainda não escolhi em qual candidato vou votar no segundo turno. Mas acho que o Le Monde poderia chamar validamente de hipócritas tanto a quem, como a Dilma, defendia publicamente o aborto e de repente mudou de opinião no final da campanha, quanto ao Serra, que agora posa de pró-vida e católico, mas normatizou o aborto na rede pública, quando era ministro da saúde (Norma Técnica de 9 de novembro de 1998), posição, à época, plenamente repudiada pela CNBB, em sua 45ª Reunião Ordinária.
Enfim, não se trata de eleger alguém ao cargo de santo, mas de presidente, pelo que vou ter que escolher um dos dois, ouvindo sempre a minha mater et magistra.
Um colega trouxe esse artigo a uma lista de discussão da qual eu participo, e eu respondi:
“ Não posso falar pelos evangélicos, mas apenas pelos católicos. Nem quero me manifestar sobre política, mas redarguir a uma acusação direta de hipocrisia dirigida no artigo contra a minha mãe e mestra, a Igreja, coluna e sustentáculo da Verdade (1Tim 3, 15). Assim, me alongarei um pouco. Quem não quiser acompanhar, pode deletar logo.
A Igreja Católica não é "politicamente neutra",nem nunca se declarou assim, mas tem suas próprias posições sobre os temas em debate na eleição - e é claro que eles vão "muito além da questão do aborto". As posições da Igreja Católica estão em dois documentos: a Bíblia e o Catecismo da Igreja Católica. Não se trata, portanto, de uma pauta subreptícia. Por isso, acusar de hipocrisia é muito grave e leviano, hipócrita é quem tem uma posição pública e uma outra oculta sobre o mesmo tema. Todas as nossas são perfeitamente públicas, e conhecidas há dois mil anos... Veja, por exemplo, o documento Didaquê (ou Doutrina dos Apóstolos), do ano 96 D.C. (séc. I), em que a Igreja Católica já dizia:
"2 Não cometerás adultério; não matarás; não prestarás falso testemunho; não violarás a criança; não fornicarás; não praticarás a magia; não fabricarás poções; não matarás a criança mediante aborto, nem matarás o recém-nascido; não cobiçarás nada do teu próximo. 3 Não proferirás perjúrios; não falarás mal, nem recordarás das más-ações. 4 Não darás mal conselho, nem teu linguajar terá duplo sentido, pois a língua é uma armadilha para a morte. 5 Tua palavra não será vã, nem enganosa. 6 Não serás ambicioso, nem avarento, nem voraz, nem adulador, nem parcial, nem de maus costumes; não admitirás que se crie uma armadilha para o teu próximo. 7 Não odiarás a qualquer homem, mas o amareis mais que a tua própria vida. "
Neste sentido a Igreja é conservadora: vem conservando fielmente, há dois mil anos, o depósito da fé, ou seja, a Tradição Apostólica e sua expressão mais cristalizada, a Palavra de Deus, bem como a correta interpretação da Palavra, pelo seu Magistério. Daí a nos apontar institucionalmente como socialmente conservadores vai uma distância muito grande, nesse espaço de pluralidade na unidade que é a Igreja.
No entanto, a Igreja, institucionalmente, não aponta candidatos – o que, aliás, vista apenas como ONG, poderia legitimamente fazer - mas critérios positivos para escolher, que são orientação apenas e tão-somente para seus próprios fiéis. E ser fiel católico é uma livre escolha, e não-vinculante, já que se pode deixar de ser a qualquer momento.
Mesmo para os fiéis, no âmbito da economia interna da nossa ONG, trata-se de questão opinável e, de acordo com o cânon 227 do Código de Direito Canônico de 1983, de livre exercício pelos fiéis, sendo as indicações eclesiais apenas isso, exortativas. Mas isso é um problema de economia interna da Igreja, e não parece que caiba ao Le Monde julgar nossas consciências, mas apenas a Deus, para os que nele acreditam, ou a ninguém, para os que se declaram ateus ou anticristãos - porque não reconhecem nenhuma instância transcendente que possa fazê-lo. Estes têm tanto direito de julgar nossas consciências quanto eles admitam o direito recíproco para nós de julgar as deles.
No jogo democrático, qualquer ONG tem esse mesmo direito, de influir na política. Apenas à Igreja ele é negado? Que democracia é esta, que permite a qualquer ONG influir na agenda política, menos aos membros maior e mais antiga ONG do país? O mal da Igreja, parece, é que todo mundo se sente meio dono do catolicismo, meio Deus, e autorizado a julgar o Papa, os bispos, a doutrina da Igreja, como se a medida da Igreja não fosse a sua fidelidade ao que acredita e professa, mas fosse o ego do opinante, ou do jornalista, corajoso o suficiente para chamar os coletivamente os católicos de hipócritas, mas não para expor claramente o padrão que está usando para nos julgar e permitir-nos, em contrapartida, julgá-lo com o mesmo padrão que nos aplica. No que me toca, e aos muitos cristãos, católicos ou não, com quem convivo, temosmuitos defeitos, mas a hipocrisia não é nem de longe o principal deles. Já alguns jornalistas que tive o desprazer de conhecer...
Portanto, não se trata de "impor agenda", mas de influir nos rumos do país a partir da nossa própria agenda, e isso é próprio da democracia. A menos que você entenda que a democracia permite a manifestação e a participação de qualquer grupo social, menos dos que discordam do Le Monde.
Ressalto que ainda não escolhi em qual candidato vou votar no segundo turno. Mas acho que o Le Monde poderia chamar validamente de hipócritas tanto a quem, como a Dilma, defendia publicamente o aborto e de repente mudou de opinião no final da campanha, quanto ao Serra, que agora posa de pró-vida e católico, mas normatizou o aborto na rede pública, quando era ministro da saúde (Norma Técnica de 9 de novembro de 1998), posição, à época, plenamente repudiada pela CNBB, em sua 45ª Reunião Ordinária.
Enfim, não se trata de eleger alguém ao cargo de santo, mas de presidente, pelo que vou ter que escolher um dos dois, ouvindo sempre a minha mater et magistra.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
O Estado e os símbolos religiosos
A discussão foi ampla, e envolveu diversos interlocutores com as mais diferentes convicções religiosas e filosóficas. Começou quando eu coloquei em discussão uma notícia, que eu recebi, a respeito da reabertura da discussão sobre os crucifixos em salas de aula e em tribunais. A União Europeia está rediscutindo, em recurso, a polêmica decisão que determinou à Itália a retirada dos crucifixos das salas de aula e dos espaços públicos, por queixa de uma cidadã dinamarquesa que alegou sentir-se ofendida com esse símbolo.
A Europa deu-se conta de que a questão é muito mais intrincada do que pensavam os laicistas, e que a saudável laicidade não pode ser confundida com o laicismo radical. A “caça aos símbolos religiosos” que a decisão desencadearia seria assombrosa: a começar pelo hino inglês que proclama “God Save the Queen”!
Eu, pessoalmente, não consigo entender esse sistema europeu. Como é que um parlamento internacional, sem nenhuma legitimação democrática direta, pode condenar um Estado democrático a não fazer aquilo que a sua população quer que ele faça? Enfim, deve ser a minha sensibilidade jurídica que é subdesenvolvida, mas eu lembro que a Europa tem precedentes nessa história de banir, por meios aparentemente democráticos, a própria democracia. Lembro, guardadas as devidas proporções, a ascensão de Hitler ao poder.
No Brasil, a questão já foi levada ao Conselho Nacional de Justiça. A maioria dos membros entendeu que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento ficou expresso no julgamento de quatro Pedidos de Providência que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.
Na conversa que se seguiu, um colega, meio ironicamente, e tentando forçar uma conclusão ad absurdum, me disse:
- Nessa linha, coloquemos os símbolos de todas as religiões que compõem a cultura nacional. inté vai ficar bonito!
- Uai - respondi eu - e já não é assim? Já é bonito. Viva a pluriculturalidade e plurirreligiosidade da sociedade brasileira! O Redentor no Corcovado, os orixás no Abaeté, o flamengo no maracanã, a Gisele Bünchen em Nova York, o Pelé em Três Corações, o Tupã da floresta e se eu esqueci alguma, me lembre. Há até quem não aceite religião, porque acha que é deus e não admite outro culto além do da própria personalidade!
- Há sociedades, prossegui, que baniram todos os símbolos das religiões que compunham as respectivas culturas nacionais, impondo a suástica ou a "foice e martelo", explodindo estátuas milenares do Buda, só para lembrar alguns exemplos, e isso nunca terminou bem. Parece mais democrática a alternativa inclusiva. E cada um que busque crer e cultuar o que quiser e puder, a partir do próprio discernimento. O importante é nunca se fechar para a verdade, e estar disposto a segui-la até onde ela o levar, quando a encontrar. Sabe-se, historicamente, que muitos governantes são incapazes de vê-la, mesmo quando deparam-se com ela face a face!
Nessa altura, um terceiro amigo trouxe à discussão um texto, que circula na internet, onde um fradre estaria defendendo que os crucifixos devem mesmo ser retirados desses espaços públicos. O autor seria um certo Frade Demetrius dos Santos Silva. O texto que ele me enviou tem o seguinte conteúdo:
"Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de São Paulo, por querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas…
Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião.
A Cruz deve ser retirada!
Aliás, nunca gostei de ver a Cruz em Tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são barganhadas, vendidas e compradas.
Não quero mais ver a Cruz nas Câmaras legislativas, onde a corrupção é a moeda mais forte.
Não quero ver, também, a Cruz em delegacias, cadeias e quarteis, onde os pequenos são constrangidos e torturados.
Não quero ver, muito menos, a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde pessoas pobres morrem sem atendimento.
É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa das desgraças; das misérias e sofrimentos dos pequenos; dos pobres e dos menos favorecidos".
Frade Demetrius dos Santos Silva * São Paulo/SP, fonte: FOLHA de SÃO PAULO, de 09/08/2009.”
Eu nem discuti com os amigos, nessa oportunidade, a pobreza teológica do texto, no qual um sociologismo raso e barato fundamenta um discurso demagógico com laivos de uma piedade jansenista. Na verdade, o jansenismo foi imediatamente detectado por Oswaldo, um ateu cultíssimo que estava participando da discussão. Ele falou:
- "Atire a primeira pedra"... Não deveria nem estar nos altares, diante de tanta coisa ruim que a Igreja fez durante séculos...
Ele estava coberto de razão, salvo pela confusão eclesiológica, quer dizer, confundiu a pessoa da Igreja, que é santa, com as pessoas na Igreja, os seus filhos, que valem muito pouca coisa. E foi somente por causa dessa pequena mas relevantíssima confusão que resolvi entrar na discussão:
- Oswaldo, prezado amigo, Envergonho-me junto com você dos tremendos pecados que nós, filhos da Igreja, cometemos diante do crucifixo durante todos estes séculos. Nós, cristãos, bem poucas vezes fomos dignos deste nome, as poucas exceções são aqueles que, movidos pela Graça, converteram-se e puderam dar o impressionante testemunho da santidade ao mundo, como São Francisco, Madre Teresa ou Irmã Dulce. Pessoalmente, estou entre os filhos da Igreja que fizeram "tanta coisa ruim" em todos estes séculos, e por cujo testemunho paupérrimo tanta gente se afastou de Deus. No entanto – ressaltei - a Igreja é santa, quando mais não fosse, por ter sobrevivido a tanta gente imprestável como eu, quanto os que estiveram, em dois milênios, em suas hostes.
- Meu único consolo – prossegui - é que não há, no mundo, outra instituição formalmente organizada com a mesma antiguidade que a Igreja, e mesmo aquelas que, não tendo a idade dela, apresentam-se hoje, não têm um testemunho melhor do que o nosso para dar ao mundo. É corretíssimo imputar ruindade aos filhos da Igreja, mas só se pode falar em ruindade quando há um padrão de bondade para se comparar. E não há outra instituição em que o padrão de santidade possa evidenciar de modo tão pleno e direto a distância entre a perfeição proposta indefectivelmente e o desempenho apenas medíocre da grande maioria dos seus membros. Lembro de uma anedota interessante: dizem que Napoleão, tendo prendido Pio VII, ameaçou:
- Vou destruir a Igreja.
O papa retrucou;
_Você não vai conseguir!
Napoleão esbravejou:
-Como não? E sou o imperador, tenho a Europa ao meus pés, prendi o Papa! Por que não conseguiria destruir a Igreja?
O Papa respondeu:
- Meu filho, tem mil e oitocentos anos que nós, filhos da Igreja, estamos tentando destruí-la por dentro e não conseguimos, você acha que vai conseguir destruí-la de fora?
- No mais – continuei eu - a Igreja é coluna e sustentáculo da verdade (1 Tim 3, 15), e seu centro não é o crucifixo, mas a Eucaristia (Jo 6, 58, 1Cor 11, 29); as razões colocadas pelo padre, no artigo que o Osório citou, são ponderáveis, mas ele não fala pela Igreja, onde não vige o individualismo, mas a hierarquia. Quem fala pela Igreja é o Bispo, em comunhão com o Papa, e somente este último tem infalibilidade, mesmo assim apenas quando fala de cátedra, e em matéria de fé e moral. Fora isto, a questão dos crucifixos é estritamente cultural e está no campo do opinável, pelo que a palavra do padre, neste caso concreto, não empenha a Igreja. É apenas a opinião dele.
- Aproveito, meu caro Oswaldo, e peço-lhe perdão pelo nosso péssimo testemunho de filhos da Igreja, com as exceções como as que citei. Mas também tenho direito à minha opinião, e defendo, na minha humilde condição de cidadão e membro do contexto cultural brasileiro, que há ponderáveis razões na manutenção deste e de outros símbolos religiosos na vida do Estado (como a praça dos Orixás, aqui em Brasília, ou a Praça da Bíblia, com um monumento ao Santo Livro, criado pelos irmãos evangélicos, lá na minha cidade natal), em respeito a nossa história e pluralismo.
O Oswaldo, após argumentar que acredita que a questão envolve o respeito às preferências pessoais, colocou:
não sou contra a utilização de símbolos religiosos em locais públicos, à critério de quem exerça, eventualmente, sua titularidade, uma vez que sendo eventual essa titularidade esses símbolos podem, inclusive, variar. O que é inconstitucional é o Estado impor a utilização dos símbolos, seja de qualquer religião. Pessoalmente, sou ateu, não tenho nada em meu local de trabalho que represente uma fé que não tenho...
às vezes eu gostaria que todos os cristãos fossem assim, cultos e sensatos como o querido amigo Oswaldo, que se declara ateu. Nossas divergências eventuais são bem próprias do diálogo democrático.
Toda essa conversa me lembrou um trechinho de um texto do Jean Guitton, chamado "Como Blaise Pascal veio ao meu leito interrogar-me sobre minhas razões para crer em Deus", que eu citei para os outros participantes daquela conversa. A uma certa altura, Guitton, que era um grande cristão, na sua conversa imaginária com Pascal, outro grande cristão, discute a questão do absoluto e diz o seguinte:
"- Eu também sou ateu, e você também é ateu, Pascal. Você é ateu do Deus dos estóicos, do Deus de Giordano Bruno e do Deus de Pomponazzi, como eu mesmo sou ateu do Deus de Spinoza, do Deus de Hegel, do Deus de Taine e de Renan.
— Temos que nos resignar, responde Pascal. - Somos sempre ateus de algum Deus.
— E também o incréu de alguém. Mas somos sempre demasiadamente crédulos; daí, não nos damos conta. Aquilo que mais falta a nossos cristãos, Pascal, é ser ateus. De minha parte, sou ateu do Deus de Nietzsche, do Deus de Marx, do Deus de Freud. Um ateu jubilante, um ateu ímpio.
— O Vir-a-ser, a História, o Inconsciente — esses são também Absolutos.
— E até mesmo o Nada é também Absoluto. Tal qual você me vê, Pascal, sou arqui-ateu do Nada. E Bergson era como eu."
Como Guitton, também sou ateu de muitos deuses. Posso citar, pessoalmente, que sou ateu do deus de Kardec, bem como do deus de Dawkins, aquele “genezinho egoísta” invisível que dirigiria dolosa e onipotentemente as nossas ações. Nisso, não posso deixar de sentir, como eu já disse ao Oswaldo em algumas ocasiões, profunda simpatia por ele. Tenho uma repugnância visceral contra a credulidade.
A Europa deu-se conta de que a questão é muito mais intrincada do que pensavam os laicistas, e que a saudável laicidade não pode ser confundida com o laicismo radical. A “caça aos símbolos religiosos” que a decisão desencadearia seria assombrosa: a começar pelo hino inglês que proclama “God Save the Queen”!
Eu, pessoalmente, não consigo entender esse sistema europeu. Como é que um parlamento internacional, sem nenhuma legitimação democrática direta, pode condenar um Estado democrático a não fazer aquilo que a sua população quer que ele faça? Enfim, deve ser a minha sensibilidade jurídica que é subdesenvolvida, mas eu lembro que a Europa tem precedentes nessa história de banir, por meios aparentemente democráticos, a própria democracia. Lembro, guardadas as devidas proporções, a ascensão de Hitler ao poder.
No Brasil, a questão já foi levada ao Conselho Nacional de Justiça. A maioria dos membros entendeu que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento ficou expresso no julgamento de quatro Pedidos de Providência que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.
Na conversa que se seguiu, um colega, meio ironicamente, e tentando forçar uma conclusão ad absurdum, me disse:
- Nessa linha, coloquemos os símbolos de todas as religiões que compõem a cultura nacional. inté vai ficar bonito!
- Uai - respondi eu - e já não é assim? Já é bonito. Viva a pluriculturalidade e plurirreligiosidade da sociedade brasileira! O Redentor no Corcovado, os orixás no Abaeté, o flamengo no maracanã, a Gisele Bünchen em Nova York, o Pelé em Três Corações, o Tupã da floresta e se eu esqueci alguma, me lembre. Há até quem não aceite religião, porque acha que é deus e não admite outro culto além do da própria personalidade!
- Há sociedades, prossegui, que baniram todos os símbolos das religiões que compunham as respectivas culturas nacionais, impondo a suástica ou a "foice e martelo", explodindo estátuas milenares do Buda, só para lembrar alguns exemplos, e isso nunca terminou bem. Parece mais democrática a alternativa inclusiva. E cada um que busque crer e cultuar o que quiser e puder, a partir do próprio discernimento. O importante é nunca se fechar para a verdade, e estar disposto a segui-la até onde ela o levar, quando a encontrar. Sabe-se, historicamente, que muitos governantes são incapazes de vê-la, mesmo quando deparam-se com ela face a face!
Nessa altura, um terceiro amigo trouxe à discussão um texto, que circula na internet, onde um fradre estaria defendendo que os crucifixos devem mesmo ser retirados desses espaços públicos. O autor seria um certo Frade Demetrius dos Santos Silva. O texto que ele me enviou tem o seguinte conteúdo:
"Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de São Paulo, por querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas…
Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião.
A Cruz deve ser retirada!
Aliás, nunca gostei de ver a Cruz em Tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são barganhadas, vendidas e compradas.
Não quero mais ver a Cruz nas Câmaras legislativas, onde a corrupção é a moeda mais forte.
Não quero ver, também, a Cruz em delegacias, cadeias e quarteis, onde os pequenos são constrangidos e torturados.
Não quero ver, muito menos, a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde pessoas pobres morrem sem atendimento.
É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa das desgraças; das misérias e sofrimentos dos pequenos; dos pobres e dos menos favorecidos".
Frade Demetrius dos Santos Silva * São Paulo/SP, fonte: FOLHA de SÃO PAULO, de 09/08/2009.”
Eu nem discuti com os amigos, nessa oportunidade, a pobreza teológica do texto, no qual um sociologismo raso e barato fundamenta um discurso demagógico com laivos de uma piedade jansenista. Na verdade, o jansenismo foi imediatamente detectado por Oswaldo, um ateu cultíssimo que estava participando da discussão. Ele falou:
- "Atire a primeira pedra"... Não deveria nem estar nos altares, diante de tanta coisa ruim que a Igreja fez durante séculos...
Ele estava coberto de razão, salvo pela confusão eclesiológica, quer dizer, confundiu a pessoa da Igreja, que é santa, com as pessoas na Igreja, os seus filhos, que valem muito pouca coisa. E foi somente por causa dessa pequena mas relevantíssima confusão que resolvi entrar na discussão:
- Oswaldo, prezado amigo, Envergonho-me junto com você dos tremendos pecados que nós, filhos da Igreja, cometemos diante do crucifixo durante todos estes séculos. Nós, cristãos, bem poucas vezes fomos dignos deste nome, as poucas exceções são aqueles que, movidos pela Graça, converteram-se e puderam dar o impressionante testemunho da santidade ao mundo, como São Francisco, Madre Teresa ou Irmã Dulce. Pessoalmente, estou entre os filhos da Igreja que fizeram "tanta coisa ruim" em todos estes séculos, e por cujo testemunho paupérrimo tanta gente se afastou de Deus. No entanto – ressaltei - a Igreja é santa, quando mais não fosse, por ter sobrevivido a tanta gente imprestável como eu, quanto os que estiveram, em dois milênios, em suas hostes.
- Meu único consolo – prossegui - é que não há, no mundo, outra instituição formalmente organizada com a mesma antiguidade que a Igreja, e mesmo aquelas que, não tendo a idade dela, apresentam-se hoje, não têm um testemunho melhor do que o nosso para dar ao mundo. É corretíssimo imputar ruindade aos filhos da Igreja, mas só se pode falar em ruindade quando há um padrão de bondade para se comparar. E não há outra instituição em que o padrão de santidade possa evidenciar de modo tão pleno e direto a distância entre a perfeição proposta indefectivelmente e o desempenho apenas medíocre da grande maioria dos seus membros. Lembro de uma anedota interessante: dizem que Napoleão, tendo prendido Pio VII, ameaçou:
- Vou destruir a Igreja.
O papa retrucou;
_Você não vai conseguir!
Napoleão esbravejou:
-Como não? E sou o imperador, tenho a Europa ao meus pés, prendi o Papa! Por que não conseguiria destruir a Igreja?
O Papa respondeu:
- Meu filho, tem mil e oitocentos anos que nós, filhos da Igreja, estamos tentando destruí-la por dentro e não conseguimos, você acha que vai conseguir destruí-la de fora?
- No mais – continuei eu - a Igreja é coluna e sustentáculo da verdade (1 Tim 3, 15), e seu centro não é o crucifixo, mas a Eucaristia (Jo 6, 58, 1Cor 11, 29); as razões colocadas pelo padre, no artigo que o Osório citou, são ponderáveis, mas ele não fala pela Igreja, onde não vige o individualismo, mas a hierarquia. Quem fala pela Igreja é o Bispo, em comunhão com o Papa, e somente este último tem infalibilidade, mesmo assim apenas quando fala de cátedra, e em matéria de fé e moral. Fora isto, a questão dos crucifixos é estritamente cultural e está no campo do opinável, pelo que a palavra do padre, neste caso concreto, não empenha a Igreja. É apenas a opinião dele.
- Aproveito, meu caro Oswaldo, e peço-lhe perdão pelo nosso péssimo testemunho de filhos da Igreja, com as exceções como as que citei. Mas também tenho direito à minha opinião, e defendo, na minha humilde condição de cidadão e membro do contexto cultural brasileiro, que há ponderáveis razões na manutenção deste e de outros símbolos religiosos na vida do Estado (como a praça dos Orixás, aqui em Brasília, ou a Praça da Bíblia, com um monumento ao Santo Livro, criado pelos irmãos evangélicos, lá na minha cidade natal), em respeito a nossa história e pluralismo.
O Oswaldo, após argumentar que acredita que a questão envolve o respeito às preferências pessoais, colocou:
não sou contra a utilização de símbolos religiosos em locais públicos, à critério de quem exerça, eventualmente, sua titularidade, uma vez que sendo eventual essa titularidade esses símbolos podem, inclusive, variar. O que é inconstitucional é o Estado impor a utilização dos símbolos, seja de qualquer religião. Pessoalmente, sou ateu, não tenho nada em meu local de trabalho que represente uma fé que não tenho...
às vezes eu gostaria que todos os cristãos fossem assim, cultos e sensatos como o querido amigo Oswaldo, que se declara ateu. Nossas divergências eventuais são bem próprias do diálogo democrático.
Toda essa conversa me lembrou um trechinho de um texto do Jean Guitton, chamado "Como Blaise Pascal veio ao meu leito interrogar-me sobre minhas razões para crer em Deus", que eu citei para os outros participantes daquela conversa. A uma certa altura, Guitton, que era um grande cristão, na sua conversa imaginária com Pascal, outro grande cristão, discute a questão do absoluto e diz o seguinte:
"- Eu também sou ateu, e você também é ateu, Pascal. Você é ateu do Deus dos estóicos, do Deus de Giordano Bruno e do Deus de Pomponazzi, como eu mesmo sou ateu do Deus de Spinoza, do Deus de Hegel, do Deus de Taine e de Renan.
— Temos que nos resignar, responde Pascal. - Somos sempre ateus de algum Deus.
— E também o incréu de alguém. Mas somos sempre demasiadamente crédulos; daí, não nos damos conta. Aquilo que mais falta a nossos cristãos, Pascal, é ser ateus. De minha parte, sou ateu do Deus de Nietzsche, do Deus de Marx, do Deus de Freud. Um ateu jubilante, um ateu ímpio.
— O Vir-a-ser, a História, o Inconsciente — esses são também Absolutos.
— E até mesmo o Nada é também Absoluto. Tal qual você me vê, Pascal, sou arqui-ateu do Nada. E Bergson era como eu."
Como Guitton, também sou ateu de muitos deuses. Posso citar, pessoalmente, que sou ateu do deus de Kardec, bem como do deus de Dawkins, aquele “genezinho egoísta” invisível que dirigiria dolosa e onipotentemente as nossas ações. Nisso, não posso deixar de sentir, como eu já disse ao Oswaldo em algumas ocasiões, profunda simpatia por ele. Tenho uma repugnância visceral contra a credulidade.
domingo, 11 de julho de 2010
Crucifixo e pluralismo
A União Europeia está rediscutindo, em recurso, a polêmica decisão que determinou à Itália a retirada dos crucifixos das salas de aula e dos espaços públicos, por queixa de uma cidadã dinamarquesa que alegou sentir-se ofendida com esse símbolo.
A Europa deu-se conta de que a questão é muito mais intrincada do que pensavam os laicistas, e que a saudável laicidade não pode ser confundida com o laicismo radical. A “caça aos símbolos religiosos” que a decisão desencadearia seria assombrosa: a começar pelo hino inglês que proclama “God Save the Queen”!
Eu, pessoalmente, não consigo entender esse sistema europeu. Como é que um parlamento internacional, sem nenhuma legitimação democrática direta, pode condenar um Estado democrático a não fazer aquilo que a sua população quer que ele faça? Enfim, deve ser a minha sensibilidade jurídica que é subdesenvolvida, mas eu lembro que a Europa tem precedentes nessa história de banir, por meios aparentemente democráticos, a própria democracia. Lembro, guardadas as devidas proporções, a ascensão de Hitler ao poder.
No Brasil, a questão já foi levada ao Conselho Nacional de Justiça. A maioria dos membros entendeu que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento ficou expresso no julgamento de quatro Pedidos de Providência que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.
Em conversa, um colega, meio ironicamente, e tentando forçar uma conclusão ad absurdum, me disse: Nessa linha, coloquemos os símbolos de todas as religiões que compõem a cultura nacional. inté vai ficar bonito!
Uai, respondi eu, e já não é assim? Já é bonito. Viva a pluriculturalidade e plurirreligiosidade da sociedade brasileira! O Redentor no Corcovado, os orixás no Abaeté, o flamengo no maracanã, a Gisele Bünchen em Nova York, o Pelé em Três Corações, o Tupã da floresta e se eu esqueci alguma, me lembre. Há até quem não aceite religião, porque acha que é deus e não admite outro culto além do da própria personalidade!
Há sociedades que baniram todos os símbolos das religiões que compunham as respectivas culturas nacionais, impondo a suástica ou a "foice e martelo", explodindo estátuas milenares do Buda, só para lembrar alguns exemplos, e isso nunca terminou bem. Parece mais democrática a alternativa inclusiva.
E cada um que busque crer e cultuar o que quiser e puder, a partir do próprio discernimento. O importante é nunca se fechar para a verdade, e estar disposto a segui-la até onde ela o levar, quando a encontrar. Sabe-se, historicamente, que muitos governantes são incapazes de vê-la, mesmo quando deparam-se com ela face a face!
A Europa deu-se conta de que a questão é muito mais intrincada do que pensavam os laicistas, e que a saudável laicidade não pode ser confundida com o laicismo radical. A “caça aos símbolos religiosos” que a decisão desencadearia seria assombrosa: a começar pelo hino inglês que proclama “God Save the Queen”!
Eu, pessoalmente, não consigo entender esse sistema europeu. Como é que um parlamento internacional, sem nenhuma legitimação democrática direta, pode condenar um Estado democrático a não fazer aquilo que a sua população quer que ele faça? Enfim, deve ser a minha sensibilidade jurídica que é subdesenvolvida, mas eu lembro que a Europa tem precedentes nessa história de banir, por meios aparentemente democráticos, a própria democracia. Lembro, guardadas as devidas proporções, a ascensão de Hitler ao poder.
No Brasil, a questão já foi levada ao Conselho Nacional de Justiça. A maioria dos membros entendeu que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. O entendimento ficou expresso no julgamento de quatro Pedidos de Providência que questionavam a presença de crucifixos em dependências de órgãos do Judiciário.
Em conversa, um colega, meio ironicamente, e tentando forçar uma conclusão ad absurdum, me disse: Nessa linha, coloquemos os símbolos de todas as religiões que compõem a cultura nacional. inté vai ficar bonito!
Uai, respondi eu, e já não é assim? Já é bonito. Viva a pluriculturalidade e plurirreligiosidade da sociedade brasileira! O Redentor no Corcovado, os orixás no Abaeté, o flamengo no maracanã, a Gisele Bünchen em Nova York, o Pelé em Três Corações, o Tupã da floresta e se eu esqueci alguma, me lembre. Há até quem não aceite religião, porque acha que é deus e não admite outro culto além do da própria personalidade!
Há sociedades que baniram todos os símbolos das religiões que compunham as respectivas culturas nacionais, impondo a suástica ou a "foice e martelo", explodindo estátuas milenares do Buda, só para lembrar alguns exemplos, e isso nunca terminou bem. Parece mais democrática a alternativa inclusiva.
E cada um que busque crer e cultuar o que quiser e puder, a partir do próprio discernimento. O importante é nunca se fechar para a verdade, e estar disposto a segui-la até onde ela o levar, quando a encontrar. Sabe-se, historicamente, que muitos governantes são incapazes de vê-la, mesmo quando deparam-se com ela face a face!
segunda-feira, 28 de junho de 2010
eutanásia e cultura da morte
Recebi de um amigo a notícia de que há um asilo na Alemanha que se converteu em abrigo para idosos que fogem da Holanda com medo de serem vítimas de eutanásia a pedido da família. A notícia dá conta de que são quatro mil casos de eutanásia por ano na Holanda, sendo um quarto sem aprovação do paciente. É a instalação da indústria da morte.
No meio da discussão, um outro amigo meu fez a seguinte colocação: aqui no Brasil muitas famílias fazem o mesmo com os seus idosos, mas de forma dissimulada, abandonando-os em clínicas geriátricas, que de clínica somente têm o nome, pois na verdade são depósitos de idosos, onde eles vão apenas para morrer.
Eu respondi: a diferença é que a eutanásia aqui é ilegal, que temos o Ministério Público com o dever legal de fiscalizar o abandono dos velhos, e tais práticas podem resultar em processos criminais para os envolvidos. Não me parece ser uma diferença pequena com relação à Holanda, já que nunca se ouviu falar que um velho brasileiro tivesse que fugir do país, tornar-se um refugiado ou apátrida, para não ser morto pelo Estado ou pela família.
Não posso aceitar o argumento, sempre repetido, de que as sociedades que não descriminalizaram a cultura da morte, como a nossa, são apenas mais hipócritas do que as que descriminalizaram, como a Holanda e outros países europeus que liberaram a eutanásia e o aborto. Este argumento confunde uma situação de fato - a impossibilidade material de reprimir todos os crimes em qualquer sociedade - com uma de direito: o repúdio estatal e oficial do direito à vida, com a atuação positiva, com beneplácito ou fomento estatal, no sentido de eliminar os fracos e deficientes, seja por estarem nos ventres maternos, seja por estarem em asilos de idosos e hospitais. O Brasil está no primeiro caso, graças a Deus. A Holanda está no segundo.
No meio da discussão, um outro amigo meu fez a seguinte colocação: aqui no Brasil muitas famílias fazem o mesmo com os seus idosos, mas de forma dissimulada, abandonando-os em clínicas geriátricas, que de clínica somente têm o nome, pois na verdade são depósitos de idosos, onde eles vão apenas para morrer.
Eu respondi: a diferença é que a eutanásia aqui é ilegal, que temos o Ministério Público com o dever legal de fiscalizar o abandono dos velhos, e tais práticas podem resultar em processos criminais para os envolvidos. Não me parece ser uma diferença pequena com relação à Holanda, já que nunca se ouviu falar que um velho brasileiro tivesse que fugir do país, tornar-se um refugiado ou apátrida, para não ser morto pelo Estado ou pela família.
Não posso aceitar o argumento, sempre repetido, de que as sociedades que não descriminalizaram a cultura da morte, como a nossa, são apenas mais hipócritas do que as que descriminalizaram, como a Holanda e outros países europeus que liberaram a eutanásia e o aborto. Este argumento confunde uma situação de fato - a impossibilidade material de reprimir todos os crimes em qualquer sociedade - com uma de direito: o repúdio estatal e oficial do direito à vida, com a atuação positiva, com beneplácito ou fomento estatal, no sentido de eliminar os fracos e deficientes, seja por estarem nos ventres maternos, seja por estarem em asilos de idosos e hospitais. O Brasil está no primeiro caso, graças a Deus. A Holanda está no segundo.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
o STJ e a adoção homossexual
Sob o pretexto de atender ao “melhor interesse da criança”, o STJ permitiu a adoção de crianças por um casal homossexual (Resp n. 889.852). De uma vez só, o STJ declarou que um casal homossexual constitui "família" e que os "interesses da criança" a serem preservados são estritamente previdenciários - não o de garantir o cuidado da criança em vida dos "adotantes", mas o de garantir pensão pensões por morte, "sem criar polêmica". Equipararam, pois, o que é essencialmente diferente - a relação essencialmente fértil (e acidentalmente infértil) da relação heterossexual com a esterilidade essencial da homossexualidade, que nem acidentalmente pode ser fértil. O descrímen de fato (inegável) cedeu à prodigalidade com os recursos previdenciários e às bandeiras sociais do momento, cuja justeza, em alguns aspectos, não pode ser negada, mas cuja realidade tem que ser considerada judiciosamente.
Há duas maneiras de destruir um conceito jurídico - negá-lo, o que não se pode fazer com a noção de "família" - ou estendê-lo a qualquer realidade, sem qualquer critério, tornando-o irreconhecível e, portanto, irrelevante. Isso é muito mais efetivo quando se faz cheio de "boas intenções" - a não discriminação dos homossexuais e o bem-estar de um menino. Todos dois envolvem valores juridicos fundamentais e são duas causas justíssimas. Mas a solução, a meu ver, não podia ser mais inadequada.
Creio que a "discriminação" a ser combatida, a injusta, é aquela que não tem fundamento fático plausível, o que não é o caso dos matrimônios, cuja essência é a heterossexualidade e a fertilidade, e as relações homossexuais, cujo fundamento é o prazer recíproco da companhia e a essência é a esterilidade. Tratá-los de forma jurídica distinta, consentânea com sua diferença essencial não é, portanto, discriminação, mas distinção plenamente justificada pela realidade humana subjacente. Um é família, o outro, uma relação civil licita que deve ser valorada e protegida apenas na forma adequada à sua peculiaridade. Equipará-los é negar o discrímen óbvio, o que, sem dúvida, torna o conceito jurídico de "família" arbitrário. Se "família", juridicamente, é qualqer coisa que alguém quer que seja, então é um conceito desprovido de conteúdo semântico, e portanto irrelevante. Sob o pretexto de proteger os homossexuais, entregamos a eles uma "proteção" que no fundo passou a não valer nada no nosso ordenamento, desprotegendo, ademais, as famílias que já eram reconhecidas pelo ordenamento anteriormente. Por outro lado, a "hipossuficiência" de determinado grupo vulnerável passa a ser fundamento suficiente para sobrecarregar o sistema previdenciário com benefícios previdenciários criados, praeter legem, pelos tribunais.
Creio que os justos interesses da criança e a responsabilidade evidente do Estado em atendê-los tampouco justifica a criação de direito a benefício previdenciário não previsto no ordenamento. Mas quem vai se opor a tanta bondade judicial consentânea com o grupo com tanta visibilidade no momento?
Que o ordenamento proteja as peculiares relações homossexuais, atendendo às suas peculiaridades. Que proteja os órfãos e constranja o Estado a fazê-lo, mas sem usá-los como pretexto, equiparando os "interesses relevantíssimos" das crianças a fundamento para distorcer o direito de família e o previdenciário. É preciso, creio, mais ponderação.
Há duas maneiras de destruir um conceito jurídico - negá-lo, o que não se pode fazer com a noção de "família" - ou estendê-lo a qualquer realidade, sem qualquer critério, tornando-o irreconhecível e, portanto, irrelevante. Isso é muito mais efetivo quando se faz cheio de "boas intenções" - a não discriminação dos homossexuais e o bem-estar de um menino. Todos dois envolvem valores juridicos fundamentais e são duas causas justíssimas. Mas a solução, a meu ver, não podia ser mais inadequada.
Creio que a "discriminação" a ser combatida, a injusta, é aquela que não tem fundamento fático plausível, o que não é o caso dos matrimônios, cuja essência é a heterossexualidade e a fertilidade, e as relações homossexuais, cujo fundamento é o prazer recíproco da companhia e a essência é a esterilidade. Tratá-los de forma jurídica distinta, consentânea com sua diferença essencial não é, portanto, discriminação, mas distinção plenamente justificada pela realidade humana subjacente. Um é família, o outro, uma relação civil licita que deve ser valorada e protegida apenas na forma adequada à sua peculiaridade. Equipará-los é negar o discrímen óbvio, o que, sem dúvida, torna o conceito jurídico de "família" arbitrário. Se "família", juridicamente, é qualqer coisa que alguém quer que seja, então é um conceito desprovido de conteúdo semântico, e portanto irrelevante. Sob o pretexto de proteger os homossexuais, entregamos a eles uma "proteção" que no fundo passou a não valer nada no nosso ordenamento, desprotegendo, ademais, as famílias que já eram reconhecidas pelo ordenamento anteriormente. Por outro lado, a "hipossuficiência" de determinado grupo vulnerável passa a ser fundamento suficiente para sobrecarregar o sistema previdenciário com benefícios previdenciários criados, praeter legem, pelos tribunais.
Creio que os justos interesses da criança e a responsabilidade evidente do Estado em atendê-los tampouco justifica a criação de direito a benefício previdenciário não previsto no ordenamento. Mas quem vai se opor a tanta bondade judicial consentânea com o grupo com tanta visibilidade no momento?
Que o ordenamento proteja as peculiares relações homossexuais, atendendo às suas peculiaridades. Que proteja os órfãos e constranja o Estado a fazê-lo, mas sem usá-los como pretexto, equiparando os "interesses relevantíssimos" das crianças a fundamento para distorcer o direito de família e o previdenciário. É preciso, creio, mais ponderação.
sábado, 24 de abril de 2010
O direito penal minimalista e o autoritarismo
Eu fico bastante preocupado com determinadas “correntes liberais” do direito penal, que, se apresentando como “minimalistas”, querem excusar o homem por tudo excluindo a responsabilidade penal em praticamente qualquer situação. Vale dizer, há sempre um motivo, uma razão para não condenar um “coitadinho” que, por causa de “condicionamentos sociais”, quer dizer, por “culpa” da sociedade, comete um crime. Recentemente, uma tese prevaleceu, numa decisão judicial, no sentido de excluir o aumento de pena por reincidência, sob o pretexto de que, na reincidência, foi o Estado que falhou em ressocializar o indivíduo, e, portanto, o verdadeiro culpado pela reincidência é o estado, não o indivíduo. É interessante discutir as consequências de uma posição assim.
A legitimidade do estado democrático decorre da capacidade dos cidadãos de escolherem adequadamente os seus próprios governantes, vale dizer, toda legitimidade democrática decorre de uma presumida capacidade do cidadão de participar pessoalmente da formação da vontade coletiva.
Não há vontade coletiva válida onde os cidadãos não são pessoalmente capazes de tomar decisões responsáveis frente ao Estado e de sofrer as consequências de tais decisões. Não há democracia sem um direito penal claro e eficaz. A contrapartida inafastável da capacidade cidadã de decidir, que torna legítima a escolha eleitoral, é a responsabilidade perante um sistema penal democraticamente estabelecido. Numa sociedade verdadeiramente democrática, a urna e a pena criminal são irmãs.
É por isso que somente tem responsabilidade penal o cidadão que, presumivelmente, é capaz de tomar decisões que o vinculam e aos seus concidadãos, ou seja, que é capaz de, com sua vontade deliberada e pessoal, contribuir com a formação da vontade coletiva. O inimputável é democraticamente irrelevante.
Numa sociedade onde os cidadãos não são responsáveis pela sua própria "socialização", ou seja, onde o Estado é considerado o único responsável pelas repetidas condutas de um cidadão que se obstina em agir contra a lei, a capacidade de decidir, de escolher e de formar vontade coletiva tampouco pertence a esse cidadão.
E como essa regra penal de inimputabilidade é abstrata, tampouco pertence a todos os outros que podem, em tese, colocar-se na mesma situação, isto é, qualquer cidadão. Se o estado é o único responsável pela escolha que resultou na reincidência, também, no fundo, é o único responsável pela escolha que resultou no primeiro crime, que também é uma decisão antissocial tomada por um sujeito que, presumivelmente, o Estado falhou em socializar. Então somos todos inimputáveis. E uma sociedade assim, uma sociedade de inimputáveis, terá forçosamente que submeter-se a um governo autocrático, porque é composta de sujeitos incapazes de fazer escolhas pessoais responsáveis.
Dito claramente, se são as lombrigas que determinam as escolhas criminosas de um cidadão (e não a sua liberdade humana intrínseca), e excluem, portanto, sua responsabilidade penal, também são elas que determinam de igual modo suas escolhas eleitorais, e excluem, portanto, a sua capacidade e retiram a legitimidade dos processos democráticos em que eles estão envolvidos. Uma eleição com a participação majoritária de sujeitos assim, penalmente irresponsáveis, de sujeitos presumidamente inimputáveis em qualquer grau, teria, no fundo, o valor de um exame de fezes.
No limite, os minimalistas penais seriam, também, portanto, minimalistas democráticos ou maximalistas autoritários. Não há, num sistema democrático, como reduzir a responsabilidade penal sem, igualmente, negar em algum grau a liberdade pessoal humana e reduzir, consequentemente, a capacidade de escolha e, por consequência, a legitimidade das escolhas políticas coletivas dos cidadãos.
E eis como um discurso aparentemente "politicamente correto" e "socialmente avançado" conduz ao autoritarismo, porque numa sociedade assim, composta por "inimputáveis", somente o governo dos "iluminados" capazes de guiar a "massa irresponsável" para os seus verdadeiros "interesses" que só esses "iluminados", livres, por um lado, das lombrigas, e por outro, cheios de "conhecimento" e "amor" pelo "povo explorado", enxergam, seria uma verdadeira democracia. Bom, já sabemos onde vão parar os países governados por pessoas que pensam assim, e não estão assim tão longe do nosso.
A legitimidade do estado democrático decorre da capacidade dos cidadãos de escolherem adequadamente os seus próprios governantes, vale dizer, toda legitimidade democrática decorre de uma presumida capacidade do cidadão de participar pessoalmente da formação da vontade coletiva.
Não há vontade coletiva válida onde os cidadãos não são pessoalmente capazes de tomar decisões responsáveis frente ao Estado e de sofrer as consequências de tais decisões. Não há democracia sem um direito penal claro e eficaz. A contrapartida inafastável da capacidade cidadã de decidir, que torna legítima a escolha eleitoral, é a responsabilidade perante um sistema penal democraticamente estabelecido. Numa sociedade verdadeiramente democrática, a urna e a pena criminal são irmãs.
É por isso que somente tem responsabilidade penal o cidadão que, presumivelmente, é capaz de tomar decisões que o vinculam e aos seus concidadãos, ou seja, que é capaz de, com sua vontade deliberada e pessoal, contribuir com a formação da vontade coletiva. O inimputável é democraticamente irrelevante.
Numa sociedade onde os cidadãos não são responsáveis pela sua própria "socialização", ou seja, onde o Estado é considerado o único responsável pelas repetidas condutas de um cidadão que se obstina em agir contra a lei, a capacidade de decidir, de escolher e de formar vontade coletiva tampouco pertence a esse cidadão.
E como essa regra penal de inimputabilidade é abstrata, tampouco pertence a todos os outros que podem, em tese, colocar-se na mesma situação, isto é, qualquer cidadão. Se o estado é o único responsável pela escolha que resultou na reincidência, também, no fundo, é o único responsável pela escolha que resultou no primeiro crime, que também é uma decisão antissocial tomada por um sujeito que, presumivelmente, o Estado falhou em socializar. Então somos todos inimputáveis. E uma sociedade assim, uma sociedade de inimputáveis, terá forçosamente que submeter-se a um governo autocrático, porque é composta de sujeitos incapazes de fazer escolhas pessoais responsáveis.
Dito claramente, se são as lombrigas que determinam as escolhas criminosas de um cidadão (e não a sua liberdade humana intrínseca), e excluem, portanto, sua responsabilidade penal, também são elas que determinam de igual modo suas escolhas eleitorais, e excluem, portanto, a sua capacidade e retiram a legitimidade dos processos democráticos em que eles estão envolvidos. Uma eleição com a participação majoritária de sujeitos assim, penalmente irresponsáveis, de sujeitos presumidamente inimputáveis em qualquer grau, teria, no fundo, o valor de um exame de fezes.
No limite, os minimalistas penais seriam, também, portanto, minimalistas democráticos ou maximalistas autoritários. Não há, num sistema democrático, como reduzir a responsabilidade penal sem, igualmente, negar em algum grau a liberdade pessoal humana e reduzir, consequentemente, a capacidade de escolha e, por consequência, a legitimidade das escolhas políticas coletivas dos cidadãos.
E eis como um discurso aparentemente "politicamente correto" e "socialmente avançado" conduz ao autoritarismo, porque numa sociedade assim, composta por "inimputáveis", somente o governo dos "iluminados" capazes de guiar a "massa irresponsável" para os seus verdadeiros "interesses" que só esses "iluminados", livres, por um lado, das lombrigas, e por outro, cheios de "conhecimento" e "amor" pelo "povo explorado", enxergam, seria uma verdadeira democracia. Bom, já sabemos onde vão parar os países governados por pessoas que pensam assim, e não estão assim tão longe do nosso.
sexta-feira, 23 de abril de 2010
A opção fundamental e as decisões concretas
Uma forte corrente, no campo da ética, tende a "justificar" o homem em razão de uma "opção fundamental" por Deus, desvinculada de suas escolhas cotidianas. essa corrente, que exerce ainda grande influência mesmo no interior da teologia moral católica, defende que, uma vez optando, num plano fundamentalmente transcendente, pelo Bem, por Deus, nenhuma escolha concreta do homem pode determinar seu afastamento de Deus e, no limite, a sua perda.
Com isso, abre-se o espaço para justificar e tolerar quaisquer condutas concretas, como se ninguém, salvo o que a realiza, pudesse determinar de antemão a sua moralidade. Não haveria, para tais moralistas, nenhuma conduta intrinsecamente má, ou seja, que não pudesse, diante das circunstãncias concretas de uma situação, ser objeto de eleição pelo sujeito. E mais, apenas o próprio sujeito estaria apto a discernir, a partir da sua própria posição existencial, sobre a correção da sua conduta. Uma vez que ele continue como alguém cuja "orientação fundamental" seja pelo Bem, não importa se concretamente ele sempre pratique o mal.
essa orientação moral tem tantos e tão intusiasmados defensores, que é difícil encontrar, mesmo nas casas publicadoras cristãs, quem tenha escrito, contemporaneamente, em matéria de moral, defendendo posição diversa dessa, e tenha conseguido publicar.
Por isso, precisamos recorrer aos documentos da Igreja. Como por exemplo, o trecho abaixo, item III do capítulo II da encíclica O Esplendor da Verdade" (veritatis splendor), que já comentei em outras ocasiões. Em suma, esse trecho da encíclica diz o seguinte:
O interesse contemporâneo pela liberdade tem acentuado a importância de algumas opções fundantes, formadoras, em especial as decisões sobre si mesmo perante o bem, perante Deus, que é como sulco dentro do qual as demais opções cotidianas encontram espaço e incremento.
Mas alguns autores radicalizam essa posição, atribuindo a essa “opção fundamental” uma importância tal que a desvincula dos atos particulares, vistos como meras tentativas parciais e nunca decisivas de exprimi-la, mas incapazes de determinar a liberdade do homem.
Assim, alguns autores atribuem uma distinção entre tal opção fundamental e as escolhas de comportamentos concretos. O “bem” e o “mal” estaria, confinados, então, à dimensão transcendental própria da opção fundamental, enquanto as opções mundanas estariam apenas na categoria do “justo” e do “errado”, envolvendo as relações do homem consigo mesmo, com os outros e com as coisas, avaliadas apenas sob um aspecto de proporcionalidade.
É claro que tal escolha fundamental é de crucial importância, como demonstra a Bíblia – veja-se Gl 5,6, ou Ex 20, 2, e tantas parábolas que retratam o reino como valor mais alto a ser buscado, com o chamado de Jesus ao seguimento. Mas a própria Bíblia convida a fazer frutificar as obras e cuidar para não recair na escravidão (Gl 5,1).
Isso demonstra que a opção fundamental deve realizar-se sempre através de escolhas concretas conscientes e coerentes. Ela fica, pois, invalidada, quando o homem compromete a sua liberdade em escolhas conscientes de sentido contrário, relativas a matéria moral grave.
Não se pode cindir a moralidade em uma grande “intenção para o bem”, por um lado, e um proporcionalismo que ignora a dignidade e a vocação integral da pessoa humana, nas respectivas escolhas concretas, por outro. Cada escolha implica sempre uma referência da vontade deliberada aos bens ou males que são indicados pela lei natural como bens a fazer e males a evitar.
A prudência deve sempre sopesar situações concretas, mas jamais pode negar a existência de atos intrinsecamente maus, que não poderão jamais ser objeto de escolhas concretas. Assim, a ideia de que, devido a uma escolha fundamental pela Caridade, o homem poder-se-ia manter na graça e no caminho da salvação mesmo quando alguns dos seus comportamentos concretos são deliberada e livremente contrários aos mandamentos de Deus ou da Igreja é falsa.
A infidelidade à opção fundamental revela-se positivamente nas escolhas concretas, que, encaminhando-se no sentido do pecado mortal, tornam o homem culpável perante toda a lei (Tg 2, 8-11) e o fazem perder a graça santificante.
Com isso, abre-se o espaço para justificar e tolerar quaisquer condutas concretas, como se ninguém, salvo o que a realiza, pudesse determinar de antemão a sua moralidade. Não haveria, para tais moralistas, nenhuma conduta intrinsecamente má, ou seja, que não pudesse, diante das circunstãncias concretas de uma situação, ser objeto de eleição pelo sujeito. E mais, apenas o próprio sujeito estaria apto a discernir, a partir da sua própria posição existencial, sobre a correção da sua conduta. Uma vez que ele continue como alguém cuja "orientação fundamental" seja pelo Bem, não importa se concretamente ele sempre pratique o mal.
essa orientação moral tem tantos e tão intusiasmados defensores, que é difícil encontrar, mesmo nas casas publicadoras cristãs, quem tenha escrito, contemporaneamente, em matéria de moral, defendendo posição diversa dessa, e tenha conseguido publicar.
Por isso, precisamos recorrer aos documentos da Igreja. Como por exemplo, o trecho abaixo, item III do capítulo II da encíclica O Esplendor da Verdade" (veritatis splendor), que já comentei em outras ocasiões. Em suma, esse trecho da encíclica diz o seguinte:
O interesse contemporâneo pela liberdade tem acentuado a importância de algumas opções fundantes, formadoras, em especial as decisões sobre si mesmo perante o bem, perante Deus, que é como sulco dentro do qual as demais opções cotidianas encontram espaço e incremento.
Mas alguns autores radicalizam essa posição, atribuindo a essa “opção fundamental” uma importância tal que a desvincula dos atos particulares, vistos como meras tentativas parciais e nunca decisivas de exprimi-la, mas incapazes de determinar a liberdade do homem.
Assim, alguns autores atribuem uma distinção entre tal opção fundamental e as escolhas de comportamentos concretos. O “bem” e o “mal” estaria, confinados, então, à dimensão transcendental própria da opção fundamental, enquanto as opções mundanas estariam apenas na categoria do “justo” e do “errado”, envolvendo as relações do homem consigo mesmo, com os outros e com as coisas, avaliadas apenas sob um aspecto de proporcionalidade.
É claro que tal escolha fundamental é de crucial importância, como demonstra a Bíblia – veja-se Gl 5,6, ou Ex 20, 2, e tantas parábolas que retratam o reino como valor mais alto a ser buscado, com o chamado de Jesus ao seguimento. Mas a própria Bíblia convida a fazer frutificar as obras e cuidar para não recair na escravidão (Gl 5,1).
Isso demonstra que a opção fundamental deve realizar-se sempre através de escolhas concretas conscientes e coerentes. Ela fica, pois, invalidada, quando o homem compromete a sua liberdade em escolhas conscientes de sentido contrário, relativas a matéria moral grave.
Não se pode cindir a moralidade em uma grande “intenção para o bem”, por um lado, e um proporcionalismo que ignora a dignidade e a vocação integral da pessoa humana, nas respectivas escolhas concretas, por outro. Cada escolha implica sempre uma referência da vontade deliberada aos bens ou males que são indicados pela lei natural como bens a fazer e males a evitar.
A prudência deve sempre sopesar situações concretas, mas jamais pode negar a existência de atos intrinsecamente maus, que não poderão jamais ser objeto de escolhas concretas. Assim, a ideia de que, devido a uma escolha fundamental pela Caridade, o homem poder-se-ia manter na graça e no caminho da salvação mesmo quando alguns dos seus comportamentos concretos são deliberada e livremente contrários aos mandamentos de Deus ou da Igreja é falsa.
A infidelidade à opção fundamental revela-se positivamente nas escolhas concretas, que, encaminhando-se no sentido do pecado mortal, tornam o homem culpável perante toda a lei (Tg 2, 8-11) e o fazem perder a graça santificante.
terça-feira, 20 de abril de 2010
Martin Buber e a palavra "Deus"
Vale a pena transcrever a citação de Martin Buber:
“Deus. É essa, de todas as palavras humanas, a que arrasta consigo a carga mais pesada. Não há outra palavra que tenha sido tão conspurcada e aviltada. Justamente por isso não posso renunciar a ela. Sobre essa palavra as gerações dos homens colocaram todo o fardo de suas angústias, rolaram-na e derrubaram-na por terra; ela encontra-se no pó, esmagada pelo peso de todos eles. Com suas divisões religiosas, as gerações dos homens a dilaceraram; por ela mataram e por ela morreram; ela carrega em si os vestígios e o sangue de todas as gerações. Onde poderia eu encontrar palavra igual para designar o Altíssimo? Se tomasse o conceito filosófico mais puro e mais brilhante do mais íntimo tesouro dos filósofos, não enconraria nele senão uma pálida imagem, mas jamais a presença daquele de quem estou falando, daquele que as gerações dos homens exaltaram e humilharam com sua vida e sua morte. É a ele que me refiro, é a ele que se referem as castigadas gerações dos homens que querem conquistar os céus. É verdade que eles desenham uma carta qualquer e escrevem embaixo “Deus”; matam-se uns aos outros dizendo “em nome de Deus”. Mas, quando toda a sua loucura e engodo passam, quando se defrontam com ele no mais recôndito de sua solidão e deixam de dizer “Ele, Ele”, passando a suspirar “Tu, Tu”, quando todos gritam o Uno, e quando então acrescentam “Deus”, não é o Deus real que eles invocam, o Único vivo, o Deus dos filhos dos homens?! Não é Ele que os escuta? Ele que os ouve? Não é justamente por isso que Deus é a palavra de invocação, a palavra que se tornou nome, por todos os tempos santificada, em todas as línguas dos homens? Os que a rejeitam por se rebelarem contra a injustiça e os abusos dos que tanto buscam dominar os outros em nome de Deus precisam ser respeitados, mas nós não podemos desistir. É compreensível que muitos proponham que por algum tempo não se fale das “últimas coisas”, a fim de remir as palavras que se têm profanado! Mas não é assim que essas palavras devem ser redimidas. Não podemos lavar a palavra “Deus”, nem podemos consertá-la, mas podemos, rasgada e manchada como está, levantá-la do chão e erguê-la nas horas de grandes preocupações”. (Martin Buber, Eclipse de Deus, Ed. Verus, pág. 13).
“Deus. É essa, de todas as palavras humanas, a que arrasta consigo a carga mais pesada. Não há outra palavra que tenha sido tão conspurcada e aviltada. Justamente por isso não posso renunciar a ela. Sobre essa palavra as gerações dos homens colocaram todo o fardo de suas angústias, rolaram-na e derrubaram-na por terra; ela encontra-se no pó, esmagada pelo peso de todos eles. Com suas divisões religiosas, as gerações dos homens a dilaceraram; por ela mataram e por ela morreram; ela carrega em si os vestígios e o sangue de todas as gerações. Onde poderia eu encontrar palavra igual para designar o Altíssimo? Se tomasse o conceito filosófico mais puro e mais brilhante do mais íntimo tesouro dos filósofos, não enconraria nele senão uma pálida imagem, mas jamais a presença daquele de quem estou falando, daquele que as gerações dos homens exaltaram e humilharam com sua vida e sua morte. É a ele que me refiro, é a ele que se referem as castigadas gerações dos homens que querem conquistar os céus. É verdade que eles desenham uma carta qualquer e escrevem embaixo “Deus”; matam-se uns aos outros dizendo “em nome de Deus”. Mas, quando toda a sua loucura e engodo passam, quando se defrontam com ele no mais recôndito de sua solidão e deixam de dizer “Ele, Ele”, passando a suspirar “Tu, Tu”, quando todos gritam o Uno, e quando então acrescentam “Deus”, não é o Deus real que eles invocam, o Único vivo, o Deus dos filhos dos homens?! Não é Ele que os escuta? Ele que os ouve? Não é justamente por isso que Deus é a palavra de invocação, a palavra que se tornou nome, por todos os tempos santificada, em todas as línguas dos homens? Os que a rejeitam por se rebelarem contra a injustiça e os abusos dos que tanto buscam dominar os outros em nome de Deus precisam ser respeitados, mas nós não podemos desistir. É compreensível que muitos proponham que por algum tempo não se fale das “últimas coisas”, a fim de remir as palavras que se têm profanado! Mas não é assim que essas palavras devem ser redimidas. Não podemos lavar a palavra “Deus”, nem podemos consertá-la, mas podemos, rasgada e manchada como está, levantá-la do chão e erguê-la nas horas de grandes preocupações”. (Martin Buber, Eclipse de Deus, Ed. Verus, pág. 13).
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Ainda os erros do Queiruga, recomendado pelo Pe. Fábio de Melo
Ainda trato do Queiruga, porque considero o assunto grave.
O livro “A Revelação de Deus na Realização Humana”, do Padre Andrés Torres-Queiruga, é um livro sofisticado, cheio de doutrinas complexas e vocabulário pesado, repleto de citações eruditas e muita filosofia contemporânea, no entanto perniciosamente contrário ao magistério da Igreja.
Esse mesmo Padre Andrés Torres-Queiruga está afastado do Seminário Católico da sua própria arquidiocese (o ITC), e, ao que consta, nem sequer celebra missa, por causa dessas suas idéias infiéis ao Magistério da Igreja. Tive o cuidado de entrar em contato com aquela Arquidiocese, na qual trabalha o Pe. Queiruga, inclusive esclarecendo àquele Arcebispo quanto à publicação dos livros do Queiruga por aqui, e obtive de lá as seguintes informações:
“Muy estimado hermano:
No sé cual será el libro introducido en los seminarios de este autor. Tiene variaos , no todos con el mismo grado de heterodoxia. Aqui circular entre gentes de grupos progresistas y sin demasiada influencia en la Iglesia en General. La salida del I.T.C fue, por así decirlo por la puerta pequeña. Se "afastó" voluntariamente ante el rechazo generalizado de alumnos y profesores.
La iglesia no se ha pronunciado sobre ninguna dee sus obras, quizás pensando, que dado su escasa influencia, una condena haría más daño que bien. Solo he hablado con el Arzobispo sobre una dee sus obras "Repensar la Resurración" A mi juicio ahí se niega la resurrección física de Jesús y la veracidad de los relatos evangélicos. Como es lógico no lo aprueba. Por otra parte su vinculaciçon con la Iglesia es mínima y Está pendiente de hilo. No tiene nguna resposabiidad ni función de Iglesia, solamente se dedica a la Universidad. Por lo que tengo entendido ni celebra misa.
En otras obras parece poner en tela de juicio la gratuidad de la Redención, que considera como una exigencia de la creación. Otras veces parece considerarlo todo a partir del una mentalidad positivista
Otras veces me acuerdo haberle odo que El mundo de Dios y el nuestro están tan distante que no pueden comunicarse´¿donde queda entonces la Encarnación del Verbo? No obstante hay quienes intentan dar a estas cosas una interpretación ortodoxa...
Lo que creo más positivo es la escasa influencia que tiene aqui y el rechazo de los centros universitarios de de la Iglesia....
En la Paz del Jesús le saluda atentamente.
Oseas
Portanto, estamos publicando por aqui e recomendando publicamente aos fiéis um livro escrito por um padre espanhol cuja vinculação à Igreja está pendente de um fio” e que “nega a ressurreição física de Jesus e a veracidade dos relatos evangélicos”.
Note-se que o servidor daquela Arquidiocese que respondeu à minha correspondência disse que a Igreja não se manifestou expressamente sobre as suas obras (do Queiruga) apenas por uma questão pastoral, já que, dada a sua “escassa influência” uma condenação “faria mais mal do que bem”. Mas há uma condenação expressa da Conferência de Bispos da Espanha às ideias do Queiruga, que ele perniciosamente defende no seu livro aqui adotado.
Como se não bastasse o afastamento do Queiruga pelo seu Arcebispo e a condenação de suas ideias pela Conferência espanhola, grandes teólogos espanhóis e italianos já mostraram a inconsistência intrínseca deste pensamento. É uma teologia tributária da teologia liberal protestante do século XIX, que simplesmente nega as verdades de fé. Assim, a condenação ao Queiruga não se dá por obtusidade ou intolerância, mas por falta de qualidade da obra do Queiruga – falta de qualidade evidente para tais teólogos, como para a Conferência Espanhola, o Arcebispo de Santiago e todos os que resolvam examinar sua obra com os olhos da teologia cristã verdadeira e racional, que são os olhos da Verdadeira Fé. Cito como primeiro exemplo a colocação do teólogo espanhol Padre José María Iraburu (conterrâneo do Queiruga), que, sobre o Queiruga, escreve, na sua obra “Infidelidades em la Iglesia”, o seguinte:
A dissidência escandalosa
Para tipificar a dissidência escandalosa seria preciso analisar, numa tarefa muito penosa, algumas obras –se nos reduzirmos a autores de língua hispânica– de José María Castillo, José María Díez Alegría, Juan Antonio Estrada, Casiano Floristán, Benjamín Forcano, José Gómez-Caffarena, José María González Ruiz, José Ignacio González Faus, Antonio Hortelano, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino, Juan José Tamayo, Andrés Torres-Queiruga, Marciano Vidal, etc. Muitos deles integram a Sociedade de teólogos e teólogas «Jõao XXIII» ou colaboram ao menos em suas campanhas. Não faz muito esta associação afirmava:
«A hierarquía [católica] substituiu o Evangelho pelos dogmas...; a liberdade pela submissão; o seguimento de Jesus cristo pela aplicação rígida do Código de Direito Canônico; o perdão e a misericórdia pelo anátema». A Igreja Católica, na sua prepotência doutrinal, impõe «um único modelo de família, o matrimônio; condena outros modelos, como casais de fato, e a homossexualidade qualificada como enfermidade, desvio natural e desordem moral» (imprensa 8-IX-2003)
Estes e outros autores, sempre que estimam conveniente – quer dizer, com grande frequência–, dissentem da Igreja abertamente, procurando a seu dissentimento a maior publicidade, e inclusive alguns deles a insultam e caluniam nos meios de comunicação. Deixaremo-los de lado, sem comentários. Não sabem que com seu proceder estão pondo em perigo sua salvação eterna; e a de muitos. Se ninguém lhes avisa, nós lhes estamos avisando.
Veja-se as duras críticas dirigidas ao livro do Queiruga por ninguém menos do que o Padre Eduardo Vadillo-Romero. Primeiro, o currículo do Padre Eduardo:
“Sacerdote na diocese de Toledo. Doutor em teologia dogmática (Gregoriana 1999) e ciencias patrísticas (Augustinianum, 2003). É professor do instituto Teológico San Ildefonso (Toledo) e assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Episcopal espanhola. Preparou para a BAC a edição espanhola dos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé.”
Em seguida, o que o referido Padre Eduardo diz sobre os ensinamentos teológicos de Andrés Torres-Queiruga:
“3.2 Dois autores especialmente característicos na Espanha: Torres Queiruga y Vigil
[Acerca de algumas obras destes autores pode-se ver uma exposição crítica
em E.Vadillo, «Teología pluralista de la religión como una nueva fe», em Toletana 14 (2006) 405-421].
Antes de assinalar alguns autores nos quais, a nosso modo de ver, poder-se-iam verificar algumas das deficiências indicadas na Instrução [Instrução Teologia e Secularização na Espanha: aos quarenta anos do fechamento do Concílio Vaticano II, da Conferência Episcopal Espanhola] , é preciso recordar os pontos em que se produzem as maiores faltas nesta matéria. Em geral, poderíamos reduzir a três grandes blocos os erros que estão assinalados na Instrução Pastoral. O primeiro erro está indicado no número 9, é a redução da revelação à percepção subjetiva pela qual se “cai na conta” de Deus que habita em todos nós e que trata de manifestar-se. Uma afirmação desse tipo, segundo a instrução, não vai muito além de um mero desenvolvimento imanente da religiosidade dos povos e deixa de lado um aspecto essencial: a novidade do cristianismo. Consequentemente, não se pode pretender que todas as religiões sejam reveladas, segundo seu grau de desenvolvimento histórico, e, neste sentido, verdadeiras e salvíficas. Uma coisa muito distinta é que o espírito de Deus tenha podido intervir nos homens, culturas e religiões como preparação evangélica, mas, seguindo a indicação da Congregação para a Doutrina da Fé, isto não autoriza a considerar tais religiões “enquanto tais, como vias de salvação”. Um segundo erro que se indica no n.13 é a tendência que se dá a «selecionar» determinados conteúdos da fé, deixjando outros no esquecimento, de maneira que se perde a integridade da fé e não se atende mais ao testemunho divino, mas a razões meramente humanas.
Em terceiro lugar se previne no n.14 contra a redução da linguagem sobre Deus a algo puramente simbólico, que não nos comunicaria quem é Deus. A Instrução adverte que a fé se expressa em afirmações com uma linguagem verdadeira, mesmo que analógica a limitada. Estes três erros estão intimamente relacionados entre si, de maneira que resultam diversas faces de um ensinamento sobre a Revelação que é incompatível com a confissão de fé em Cristo, e inclusive com a própria noção de Deus própria do cristianismo, como veremos logo mais adiante. [...]
[..] Em qualquer caso não é demasiado difícil descobrir, sob a terminologia do “cair em conta” [dar-se conta] e outras afirmações da instrução alguns textos de Andrés Torres-Queiruga.
Para citar um exemplo: «[A Revelação] sai de dentro:consiste justamente em "cair na conta" [dar-se conta] da Presença que nos constitui, nos habita e trata desde sempre de manifestar-se a nós» (A.Torres Queiruga, Fim do cristianismo pre-moderno: chamados para um novo horizonte, Sal Terrae, Santander 2001, 111). «[A Revelação é] um cair em conta [dar-se conta] do que Deus está tratando de dar-nos a conhecer através da realidade» (Veja-se “Que queremos dizer quando dizemos "inferno"?, Sal Terrae, Santander 1995, 22). «Outra consequência decisiva é que agora a revelação já não fica reduzida à Bíblia» (A. Torres Queiruga, «Teologia fundamental», no Novo Dicionário de Catequética, San Pablo, Madrid 1999, 2145); «...ao tratar de mostrar que Deus se revelou, não se pode seguir subentendido que isso só aconteceu na Bíblia, pois compreendemos por fim que todas as religiões são reveladas, cada uma no grau alcançado em sua história» Ibid.].
De fato, este mesmo autor, num recente artigo «Revelação como "cair em conta" [dar-se conta]: razão teológica e magistério pastoral» [A.Torres Queiruga, «Revelación como "caer na conta": razón teológica e maxisterio pastoral», en Encrucillada, 149 (2006) 357-373] Acusou o documento dos bispos de “deformar suas afirmações, já que entende que o «cair na conta» não equivale a algo puramente subjetivo, porquanto se refere ao mistério de Deus, que é o mais real. A questão é que para Torres-Queiruga nem os enunciados doutrinais são de fatos relevantes para conhecer a Deus, pois considera reveladas religiões con afirmações contraditórias, nem cabe uma intervenção de Deus no mundo para transmitir-nos uma nova vida que supera a condição do homem, o que implica em uma doutrina, e por tanto, em alguns enunciados. Os aspectos doutrinais ficam, pois, ao arbítrio da subjetividade, e nesse sentido a Revelação resulta numa percepção subjetiva desse mistério do qual, em realidade, nada podemos dizer.
Além disso, Torres Queiruga considera que hoje é insustentável a visão tradicional da Revelação como uma comunicação de Deus que intervém categorialmente no mundo, e que elege a uns como destinatários, deixando outros na ignorância. Não podemos nos deter agora em expor com detalhe o pensamento deste autor, mas simplesmente queremos observar que uma vez mais o problema está nos pressupostos, nem sempre explicitados, de Torres Queiruga. A nosso modo de ver subjazem afirmações tanto racionalistas quanto de pensamento débil (no fundo o segundo é consequência do primeiro como já indicamos antes), assim como uma noção de Deus, que lhe impedem de aceitar o ensinamento da Igreja sobre a Revelação. Não faz falta recordar que sua influência tem sido bem ampla, e podemos citar inclusive como exemplo, uma obra bastante recente de A.Novo, “Jesus Cristo, plenitude da Revelação”, que em grande medida depende dos pressupostos de Torres Queiruga [Sobre esta obra cf. E.Vadillo, «Nota bibliográfica a A.Novo, Jesucristo plenitud de la Revelación», en Toletana 11 (2004) 369-386].
Não faltaram artigos que agudamente penetraram nos erros teológicos de Queiruga, dentre os quais podem contar-se expressamente a negação da encarnação como fato real, a equiparação de todas as religiões como “reveladas” e a adoção de pressupostos maçõnicos de “revelação como educação” (“maiêutica” cristã). Cito alguns trechos de artigo publicado na revista 30Dias, em que os erros teológicos do Queiruga ficam claramente expostos. Tratando da visão do Queiruga sobre a Ressurreição, o teólogo italiano Massimo Borghesi mostra a dependência entre o pensamento de Queiruga e o pensamento de Rudolf Bultmann, teólogo liberal protestante que nega a realidade da ressurreição. Mostrando como o Queiruga nega verdades fundamentais da fé católica, diz Massimo Borghesi:
“A ressurreição não apenas não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento empírico. E a fé na ressurreição não depende de se aceitar ou recusar a realidade histórica do sepulcro vazio.” É o que diz o trecho destacado na capa do livro de André Torres Queiruga, La ressurrezione senza miracolo [A ressurreição sem milagre]1. A obra é interessante, na medida em que é a expressão completa de uma tendência que, depois de Bultmann, se tornou hegemônica nos estudos exegéticos e teológicos: a tendência segundo a qual a ressurreição é uma pedra errante, um pedregulho perdido que a crítica tem de remover para tornar compreensível, ao homem moderno, o conteúdo da fé cristã. O Cristo ressuscitado de Piero della Francesca ou A incredulidade de Tomé de Caravaggio pertencem à arte do passado. No futuro, já não se poderá fazer uma leitura realista da ressurreição, só se admitirá a leitura “simbólica”. Numa singular reviravolta dos processos cognitivos, a fé não pressupõe o sepulcro vazio e a experiência tangível do Ressuscitado; ao contrário, é o Cristo ressuscitado que só “aparece” como tal na precompreensão da fé. Dessa forma, uma parte notável da literatura teológica – aquela que considera óbvia a oposição entre o “Cristo histórico” e o “Cristo da fé” – abandona a posição realista e se encontra, necessariamente, com o ponto de vista idealista. Assim, não é a realidade, aquilo que concretamente acontece, que gera e explica o “convencimento”; ao contrário, é a “visão do mundo”, a fé preliminar, que torna evidentes, “visíveis”, fatos que, sem ela, não subsistem. A fé, privada de qualquer razoabilidade, não é mais “juízo”, mas pré-juízo que “vê” independentemente da realidade, como lugar de uma experiência “mística”, afetiva, idealizante. A fé, graças à mediação imaginativa, idealiza o seu objeto. No caso do cristianismo, isso significa que Cristo “aparece” como ressuscitado na fé, graças à fé. Fora da fé, só existe o mistério de um túmulo vazio, de um cadáver que desapareceu. Problema este que não interessa à fé, para a qual o que importa é tão-somente o Cristo ideal, divino. A ressurreição não precisa da carne de Jesus de Nazaré, da sua pessoa individual; é suficiente a idéia, o símbolo do Homem-Deus. A fé vive da idéia, não da realidade.
Esse pressuposto, verdadeiro a priori conceitual, fica evidente no texto de Torres Queiruga. Para o filósofo de Santiago de Compostela, as aquisições “irreversíveis” da exegese e da cultura atual fazem com que não se possa mais conceber “a presença ativa de Deus como uma irrupção pontual, ou seja, física e acessível aos sentidos, na trama do mundo” (2). Uma definição perfeita da Encarnação, que o autor elimina com um simples traço de caneta. Como para Bultmann, segundo o qual “é mitológica a concepção na qual o não-mundano, o divino, aparece como mundano, humano, na qual o além aparece como aquém” (3), também para Torres Queiruga Deus não pode agir sensivelmente neste mundo. Por isso, “a análise da ressurreição de Jesus como ‘milagre’ – o mais espetacular – desapareceu definitivamente dos tratados sérios. A tal ponto, que até nos tratados mais ‘ortodoxos’ se pode ler a afirmação de que a ressurreição não só não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento ‘histórico’” (4). A “experiência” do Ressuscitado deve remover qualquer presença de tipo empírico. “Se o Ressuscitado fosse tangível ou comesse, seria necessariamente limitado pelas leis do espaço, ou seja, não seria ressuscitado. E a mesma coisa aconteceria se fosse fisicamente visível” (5). Acreditar em algo diferente disso significaria submeter-se ao “imperialismo do princípio empirista”(6), tornar impossível “a razoabilidade da fé na ressurreição”7. Para o autor, “os discípulos não viram com seus olhos o Ressuscitado nem o tocaram com suas mãos, pois isso era impossível, uma vez que ele estava fora do alcance de seus sentidos”8. O que eles “viram” “não pode conservar nenhuma relação material com um corpo espaço-temporal”(9). De resto, “nem na vida terrena o corpo pode ser considerado o suporte absolutamente indispensável da identidade”, nem “se vê o que poderia provocar a transformação (?) de seu corpo morto, ou seja, do cadáver”(10). Para o “idealista” Torres Queiruga, a “realidade” do Cristo ressuscitado não pressupõe a sua realidade sensível, corpórea. Ela se baseia na subjetividade do crente, nas “experiências psíquicas, de visualização ou imaginação de convicções íntimas. Convicções que podem ter um referente real – o místico, na sua visão, liga-se realmente a Cristo –, sem que esse referente seja a forma em que se apresenta”(11). A “visão” pressupõe a experiência interior, a peculiar condição pessoal e ambiental, a partir da qual a “mediação imaginativa”(12) – que o autor evoca, remetendo-se a Kant – entra em ação, dando forma ao objeto de sua aspiração. No caso dos discípulos, “dentro da cultura daquele tempo, aberta às manifestações extraordinárias e empíricas do sobrenatural, podia funcionar com toda naturalidade o esquema imaginativo da ressurreição como uma espécie de retorno à vida”(13). Ou seja, os discípulos acreditaram vê-lo na medida em que eram predispostos a isso por um contexto, um ambiente espiritual. Dentro desse horizonte, o elemento decisivo, o estopim, é provocado pela experiência fundamental da morte de Jesus: “O contexto vivissimamente emotivo causado pelo drama do Calvário”(14). É aqui, no drama do falecimento da pessoa querida, que amadurece “o que poderíamos chamar kantianamente o ‘esquema imaginativo’ para compreender a ressurreição como já acontecida”(15). No contexto messiânico-escatológico de Israel, a morte de Jesus provoca um vazio lancinante, uma experiência de dor que urge por uma solução. A cruz de Cristo se “transforma” na ressurreição: “A ressurreição acontece na própria cruz”(16). Cristo, o morto, volta a ser vivo na fé. Torres Queiruga segue à letra, sem citá-lo, Rudolf Bultmann: “Cruz e ressurreição, enquanto evento ‘cósmico’, formam uma unidade”17. A ressurreição não é um evento real que se segue à morte de Jesus na cruz. É, simbolicamente, a transfiguração ideal de Cristo induzida pela experiência trágica de seu fim. Numa forma paradoxal, que ocupa o centro do modelo idealista, a ausência produz a presença, o vazio dá lugar a uma plenitude, a privação se transforma em vitória. Isso requer que seja removido da cruz o aspecto de escândalo, em sentido paulino: o Filho de Deus suspenso àquilo que, para os modernos, é a forca. Esse aspecto seria, nos Evangelhos, uma construção literária, não um elemento histórico. Torres Queiruga reconhece que “um hábito inveterado, que se apóia fortemente na letra dos Evangelhos, levou a ver a cruz como um lugar de ‘escândalo’, que decretava o fim da fé dos discípulos, os quais nesse momento teriam fugido, negando ou traindo seu Mestre. Para explicar sua conversão posterior, teria de acontecer algo extraordinário e milagroso, que, com a sua evidência irrefutável, lhes restituísse a fé. Esse algo seria a ressurreição, que obtém, assim, uma autêntica ‘demonstração’ histórica. Não se pode negar que o argumento tenha a sua força; de fato, ele continua a ser o mais recorrente nos tratados atuais. Todavia, uma reflexão mais atenta permitiu ver, cada vez com maior clareza e mais ampla aceitação entre os estudiosos, a sua natureza de ‘dramatização’ literária com valor apologético”(18). Essa conclusão seria comprovada pelo fato de que “a hipótese de uma traição ou de um renegamento é profundamente incompreensível e injusta com os discípulos”(19). Estes teriam traído Jesus no momento da prova suprema, teriam sido ingratos e sem coração. O que, para o autor, é inadmissível. Por outro lado, o escândalo vale para os romanos, não para os judeus: “Os criminosos de Roma eram os heróis do povo por eles subjugado”(20).
A cruz de Cristo, na ótica completamente positiva pintada por Torres Queiruga, não é o que afasta, o lugar da solidão. Ao contrário, é o ponto coagulante da fé: “A crucifixão, com o horrível escândalo da sua injustiça, aparece como o catalisador mais determinante para compreender que o que aconteceu na cruz não podia ser a conclusão definitiva”(21). A cruz não é um ponto de fuga, mas de “virada”. Uma conclusão obrigatória, para Torres Queiruga, na medida em que, entre a morte de Jesus e a fé da Igreja nascente, não acontece nada. O idealismo, como filosofia do não acontecimento, implica um curto circuito segundo o qual a fé deve preceder o evento, não seguir-se a ele. O argumento segundo o qual os discípulos fogem, apavorados e desmoralizados, tem lá a “sua força”, como reconhece o autor, mas, mesmo assim, não pode ser admitido. O vazio deve produzir o cheio, a morte deve-se transformar em idéia do Ressuscitado, em vez de gerar escândalo, fuga, desorientação. Se assim não fosse, teríamos “apologética”, não história. Na sua efetividade, o morto é uma bandeira, o símbolo de uma vida que não podia acabar.
É interessante transcrever outro texto de Borghesi, porque a mesma citação de Bultmann que ele destaca na obra de Queiruga encontra-se no prefácio do livro de Queiruga que foi adotado pelo Professor Gustavo para o curso de Teologia:
O senhor [Queiruga] tem a firme convicção de que a transmissão e a compreensão da fé, no mundo contemporâneo, exige, na teologia, uma “mudança de paradigma”, a “necessidade de uma mudança global e estrutural”. Para isso, é necessária uma “desconstrução da visão tradicional”, uma desconstrução “das narrativas pascais”, que leve a uma “leitura não fundamentalista” dessas narrativas, ou seja, a uma leitura não literal. Ao dizer isso, o senhor assume como guia e mestre Rudolf Bultmann, o qual “demonstrou de maneira irreversível ser ‘mitológica’” a visão neotestamentária tal como é expressa na linguagem (ingenuamente) realista dos Evangelhos. Para Bultmann, “é mitológica a concepção em que o não-mundano, o divino aparece como mundano, humano, e o além como aquém”.
É mitológica, portanto, toda a Revelação cristã, na medida em que entende a ação de Deus de modo histórico-empírico; são mitológicos os milagres, sinais sensíveis do poder divino. Como afirma Bultmann, com desarmante simplicidade: “Não nos podemos servir da luz elétrica e do rádio, ou recorrer, em caso de doença, às modernas descobertas médicas e clínicas, e ao mesmo tempo crer no mundo dos espíritos e dos milagres propostos pelo Novo Testamento”. O senhor [Queiruga] não adere às mesmas conclusões radicais do teólogo de Marburg. Segue-o, porém, na idéia de fundo, segundo a qual o discurso neotestamentário, “enquanto discurso mitológico, não é crível para os homens de hoje”. Essa convicção o leva a ter certeza de que chegou a hora de uma reviravolta geral na teologia do Jesus ressuscitado.
E como seria essa nova “teologia do Jesus Ressuscitado” proposta pelo Queiruga? Certamente, contraria frontalmente a doutrina católica. Prossegue Massimo Borghesi:
“O primeiro e fundamental pressuposto de Bultmann é bem expresso por David Friedrich Strauss em sua Leben Iesu, de 1835: “O divino não pode ter acontecido assim (em primeiro lugar, de um modo imediato, e, também, de um modo ordinário) ou, por outra, o que aconteceu assim não pode ser divino”(12). Trata-se do postulado racionalista segundo o qual Deus (se existe) não pode agir ou manifestar-se sensivelmente no espaço e no tempo. Deus não pode ser causa de eventos particulares, mas apenas fonte de leis universais. Isso leva Strauss (e com ele Bultmann) a uma “filosofia do não-acontecimento”( 13), a uma teoria que é a negação sistemática da possibilidade da Encarnação.”
Como mostra o autor italiano, é exatamente esse o pensamento de Queiruga: negar a encarnação e, portanto, a Revelação plena de Deus em Jesus, para substituí-la por uma “maiêutica” histórica em que Jesus seria uma espécie de “novo Sócrates” que, gnosticamente, despertaria o Deus adormecido dentro de cada um de nós. Pura gnose, e gnose maçônica (vide as citações que Queiruga faz de de Lessing, maçom de alto grau), que Queiruga expressamente repete no capítulo cinco do seu livro “ A Revelação de Deus na realização Humana”, adotado por Padre Gustavo no nosso curso de teologia. Prossegue o italiano Massimo Borghesi, desmascarando o pensamento implícito de Queiruga de que Deus não pode manifestar-se na história::
“Isso não surpreende. Desde o Deus sive natura de Spinoza, até o “largo fosso” entre as casuais verdades históricas e as verdades universais de Lessing até a crítica da fé supersticiosa de Kant, o procedimento é o mesmo: Deus não pode se manifestar na história. O panteísmo e o deísmo, de pontos de vista diversos, se opõem tanto ao Antigo quanto ao Novo Testamento, tanto à fé hebraica quanto à fé cristã. Estranhamente, o senhor, em seu livro Ripensare la risurrezione, adere a esse ponto de vista criticando o “deísmo intervencionista [sic!]”, segundo o qual Deus opera mediante “milagres”, ou seja, intervenções específicas no espaço e no tempo. Para o senhor, essa idéia do divino, que se expressa nas orações e nas fórmulas da piedade cristã, é expressão de um “esquema imaginativo” (kantiano) de uma mentalidade ingênua, popular, que não compreende que Deus, na realidade, não opera mediante milagres, mas mediante uma creatio continua que não viola a autonomia do mundo, com suas leis naturais. A cada instante, Deus faz “tudo o que é possível: ‘poeta do mundo’, procura levá-lo à máxima realização que lhe permitem os limites e as incompatibilidades inerentes a sua finitude”.
Assim, o senhor volta (conscientemente) a Leibniz e a sua idéia do melhor dos mundos possíveis. “Deus ‘poderia’ não ter criado o mundo, mas, se o criou, ele é finito e, se é finito, nele não podem deixar de estar presentes a carência e a contradição: o mal. Do contrário, o mundo seria infinito como Deus”(17). Dessa forma, “o mal, como já vira Leibniz [...], tem sua condição de possibilidade na finitude”(18). Deus, criando o mundo enquanto finito, cria, com ele, a necessidade do mal. O mal é necessariamente congênito à finitude, ontologicamente intrínseco à natureza finita.
Não sei se o senhor se dá conta do caráter “gnóstico” dessa posição e de sua inconciliabilidade com a doutrina cristã. Seja como for, é estranho como esse “retorno a Leibniz” ignora as críticas de Voltaire, críticas que trazem à tona, com toda a evidência, os limites da teodicéia racionalista. Para ela, com o cristianismo, nada realmente novo acontece, novo, mais uma vez, em relação às causas antecedentes. A “teologia do não acontecimento” é aquela segundo a qual o cristianismo é reduzido a manifestação de um processo em ato, a desvelamento daquilo que, implicitamente, já está presente na natureza. Se não existem milagres e a ação divina é imanente à natureza, a “Revelação”, então, passa a ser o ato de conhecimento mediante o qual o homem religioso se dá conta do caráter divino do mundo. A “Revelação” passa a coincidir com uma gnose salvífica. “Definitivamente, a revelação consiste em ‘dar-se conta’ de que Deus, como origem fundadora e amor comunicativo, ‘já está dentro’, na medida em que habita a criação e nela se manifesta. A revelação permite que seja visto sobretudo no ser humano, procurando levar-nos a descobrir sua presença, vencendo nossa cegueira e quebrando nossas resistências: ‘Noli foras ire: in interiore homine habitat veritas’”(19). A Revelação se reduz, aqui, a um processo imanente, “maiêutico”, socrático. Ela não traz algo realmente novo – a idéia da sobrevivência após a morte é universal –, mas esclarece e reconfigura uma certeza implícita, é a oportunidade de passar de uma fé confusa para uma fé clara e bem definida. “Como maiêutica, a palavra reveladora é necessária para despertar e levar os olhos a se abrirem; não introduz algo estranho, mas ajuda a descobrir na própria realidade a presença salvadora que a habita e a dinamiza”(20). O cristianismo se transforma numa “maiêutica histórica”(21). Cristo é um novo Sócrates que ajuda os discípulos a encontrarem, em sua experiência interior, a certeza de uma experiência de ressurreição que não precisa de nenhuma confirmação exterior.”
Quem quiser, portanto, que julgue por si mesmo.
O livro “A Revelação de Deus na Realização Humana”, do Padre Andrés Torres-Queiruga, é um livro sofisticado, cheio de doutrinas complexas e vocabulário pesado, repleto de citações eruditas e muita filosofia contemporânea, no entanto perniciosamente contrário ao magistério da Igreja.
Esse mesmo Padre Andrés Torres-Queiruga está afastado do Seminário Católico da sua própria arquidiocese (o ITC), e, ao que consta, nem sequer celebra missa, por causa dessas suas idéias infiéis ao Magistério da Igreja. Tive o cuidado de entrar em contato com aquela Arquidiocese, na qual trabalha o Pe. Queiruga, inclusive esclarecendo àquele Arcebispo quanto à publicação dos livros do Queiruga por aqui, e obtive de lá as seguintes informações:
“Muy estimado hermano:
No sé cual será el libro introducido en los seminarios de este autor. Tiene variaos , no todos con el mismo grado de heterodoxia. Aqui circular entre gentes de grupos progresistas y sin demasiada influencia en la Iglesia en General. La salida del I.T.C fue, por así decirlo por la puerta pequeña. Se "afastó" voluntariamente ante el rechazo generalizado de alumnos y profesores.
La iglesia no se ha pronunciado sobre ninguna dee sus obras, quizás pensando, que dado su escasa influencia, una condena haría más daño que bien. Solo he hablado con el Arzobispo sobre una dee sus obras "Repensar la Resurración" A mi juicio ahí se niega la resurrección física de Jesús y la veracidad de los relatos evangélicos. Como es lógico no lo aprueba. Por otra parte su vinculaciçon con la Iglesia es mínima y Está pendiente de hilo. No tiene nguna resposabiidad ni función de Iglesia, solamente se dedica a la Universidad. Por lo que tengo entendido ni celebra misa.
En otras obras parece poner en tela de juicio la gratuidad de la Redención, que considera como una exigencia de la creación. Otras veces parece considerarlo todo a partir del una mentalidad positivista
Otras veces me acuerdo haberle odo que El mundo de Dios y el nuestro están tan distante que no pueden comunicarse´¿donde queda entonces la Encarnación del Verbo? No obstante hay quienes intentan dar a estas cosas una interpretación ortodoxa...
Lo que creo más positivo es la escasa influencia que tiene aqui y el rechazo de los centros universitarios de de la Iglesia....
En la Paz del Jesús le saluda atentamente.
Oseas
Portanto, estamos publicando por aqui e recomendando publicamente aos fiéis um livro escrito por um padre espanhol cuja vinculação à Igreja está pendente de um fio” e que “nega a ressurreição física de Jesus e a veracidade dos relatos evangélicos”.
Note-se que o servidor daquela Arquidiocese que respondeu à minha correspondência disse que a Igreja não se manifestou expressamente sobre as suas obras (do Queiruga) apenas por uma questão pastoral, já que, dada a sua “escassa influência” uma condenação “faria mais mal do que bem”. Mas há uma condenação expressa da Conferência de Bispos da Espanha às ideias do Queiruga, que ele perniciosamente defende no seu livro aqui adotado.
Como se não bastasse o afastamento do Queiruga pelo seu Arcebispo e a condenação de suas ideias pela Conferência espanhola, grandes teólogos espanhóis e italianos já mostraram a inconsistência intrínseca deste pensamento. É uma teologia tributária da teologia liberal protestante do século XIX, que simplesmente nega as verdades de fé. Assim, a condenação ao Queiruga não se dá por obtusidade ou intolerância, mas por falta de qualidade da obra do Queiruga – falta de qualidade evidente para tais teólogos, como para a Conferência Espanhola, o Arcebispo de Santiago e todos os que resolvam examinar sua obra com os olhos da teologia cristã verdadeira e racional, que são os olhos da Verdadeira Fé. Cito como primeiro exemplo a colocação do teólogo espanhol Padre José María Iraburu (conterrâneo do Queiruga), que, sobre o Queiruga, escreve, na sua obra “Infidelidades em la Iglesia”, o seguinte:
A dissidência escandalosa
Para tipificar a dissidência escandalosa seria preciso analisar, numa tarefa muito penosa, algumas obras –se nos reduzirmos a autores de língua hispânica– de José María Castillo, José María Díez Alegría, Juan Antonio Estrada, Casiano Floristán, Benjamín Forcano, José Gómez-Caffarena, José María González Ruiz, José Ignacio González Faus, Antonio Hortelano, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino, Juan José Tamayo, Andrés Torres-Queiruga, Marciano Vidal, etc. Muitos deles integram a Sociedade de teólogos e teólogas «Jõao XXIII» ou colaboram ao menos em suas campanhas. Não faz muito esta associação afirmava:
«A hierarquía [católica] substituiu o Evangelho pelos dogmas...; a liberdade pela submissão; o seguimento de Jesus cristo pela aplicação rígida do Código de Direito Canônico; o perdão e a misericórdia pelo anátema». A Igreja Católica, na sua prepotência doutrinal, impõe «um único modelo de família, o matrimônio; condena outros modelos, como casais de fato, e a homossexualidade qualificada como enfermidade, desvio natural e desordem moral» (imprensa 8-IX-2003)
Estes e outros autores, sempre que estimam conveniente – quer dizer, com grande frequência–, dissentem da Igreja abertamente, procurando a seu dissentimento a maior publicidade, e inclusive alguns deles a insultam e caluniam nos meios de comunicação. Deixaremo-los de lado, sem comentários. Não sabem que com seu proceder estão pondo em perigo sua salvação eterna; e a de muitos. Se ninguém lhes avisa, nós lhes estamos avisando.
Veja-se as duras críticas dirigidas ao livro do Queiruga por ninguém menos do que o Padre Eduardo Vadillo-Romero. Primeiro, o currículo do Padre Eduardo:
“Sacerdote na diocese de Toledo. Doutor em teologia dogmática (Gregoriana 1999) e ciencias patrísticas (Augustinianum, 2003). É professor do instituto Teológico San Ildefonso (Toledo) e assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Episcopal espanhola. Preparou para a BAC a edição espanhola dos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé.”
Em seguida, o que o referido Padre Eduardo diz sobre os ensinamentos teológicos de Andrés Torres-Queiruga:
“3.2 Dois autores especialmente característicos na Espanha: Torres Queiruga y Vigil
[Acerca de algumas obras destes autores pode-se ver uma exposição crítica
em E.Vadillo, «Teología pluralista de la religión como una nueva fe», em Toletana 14 (2006) 405-421].
Antes de assinalar alguns autores nos quais, a nosso modo de ver, poder-se-iam verificar algumas das deficiências indicadas na Instrução [Instrução Teologia e Secularização na Espanha: aos quarenta anos do fechamento do Concílio Vaticano II, da Conferência Episcopal Espanhola] , é preciso recordar os pontos em que se produzem as maiores faltas nesta matéria. Em geral, poderíamos reduzir a três grandes blocos os erros que estão assinalados na Instrução Pastoral. O primeiro erro está indicado no número 9, é a redução da revelação à percepção subjetiva pela qual se “cai na conta” de Deus que habita em todos nós e que trata de manifestar-se. Uma afirmação desse tipo, segundo a instrução, não vai muito além de um mero desenvolvimento imanente da religiosidade dos povos e deixa de lado um aspecto essencial: a novidade do cristianismo. Consequentemente, não se pode pretender que todas as religiões sejam reveladas, segundo seu grau de desenvolvimento histórico, e, neste sentido, verdadeiras e salvíficas. Uma coisa muito distinta é que o espírito de Deus tenha podido intervir nos homens, culturas e religiões como preparação evangélica, mas, seguindo a indicação da Congregação para a Doutrina da Fé, isto não autoriza a considerar tais religiões “enquanto tais, como vias de salvação”. Um segundo erro que se indica no n.13 é a tendência que se dá a «selecionar» determinados conteúdos da fé, deixjando outros no esquecimento, de maneira que se perde a integridade da fé e não se atende mais ao testemunho divino, mas a razões meramente humanas.
Em terceiro lugar se previne no n.14 contra a redução da linguagem sobre Deus a algo puramente simbólico, que não nos comunicaria quem é Deus. A Instrução adverte que a fé se expressa em afirmações com uma linguagem verdadeira, mesmo que analógica a limitada. Estes três erros estão intimamente relacionados entre si, de maneira que resultam diversas faces de um ensinamento sobre a Revelação que é incompatível com a confissão de fé em Cristo, e inclusive com a própria noção de Deus própria do cristianismo, como veremos logo mais adiante. [...]
[..] Em qualquer caso não é demasiado difícil descobrir, sob a terminologia do “cair em conta” [dar-se conta] e outras afirmações da instrução alguns textos de Andrés Torres-Queiruga.
Para citar um exemplo: «[A Revelação] sai de dentro:consiste justamente em "cair na conta" [dar-se conta] da Presença que nos constitui, nos habita e trata desde sempre de manifestar-se a nós» (A.Torres Queiruga, Fim do cristianismo pre-moderno: chamados para um novo horizonte, Sal Terrae, Santander 2001, 111). «[A Revelação é] um cair em conta [dar-se conta] do que Deus está tratando de dar-nos a conhecer através da realidade» (Veja-se “Que queremos dizer quando dizemos "inferno"?, Sal Terrae, Santander 1995, 22). «Outra consequência decisiva é que agora a revelação já não fica reduzida à Bíblia» (A. Torres Queiruga, «Teologia fundamental», no Novo Dicionário de Catequética, San Pablo, Madrid 1999, 2145); «...ao tratar de mostrar que Deus se revelou, não se pode seguir subentendido que isso só aconteceu na Bíblia, pois compreendemos por fim que todas as religiões são reveladas, cada uma no grau alcançado em sua história» Ibid.].
De fato, este mesmo autor, num recente artigo «Revelação como "cair em conta" [dar-se conta]: razão teológica e magistério pastoral» [A.Torres Queiruga, «Revelación como "caer na conta": razón teológica e maxisterio pastoral», en Encrucillada, 149 (2006) 357-373] Acusou o documento dos bispos de “deformar suas afirmações, já que entende que o «cair na conta» não equivale a algo puramente subjetivo, porquanto se refere ao mistério de Deus, que é o mais real. A questão é que para Torres-Queiruga nem os enunciados doutrinais são de fatos relevantes para conhecer a Deus, pois considera reveladas religiões con afirmações contraditórias, nem cabe uma intervenção de Deus no mundo para transmitir-nos uma nova vida que supera a condição do homem, o que implica em uma doutrina, e por tanto, em alguns enunciados. Os aspectos doutrinais ficam, pois, ao arbítrio da subjetividade, e nesse sentido a Revelação resulta numa percepção subjetiva desse mistério do qual, em realidade, nada podemos dizer.
Além disso, Torres Queiruga considera que hoje é insustentável a visão tradicional da Revelação como uma comunicação de Deus que intervém categorialmente no mundo, e que elege a uns como destinatários, deixando outros na ignorância. Não podemos nos deter agora em expor com detalhe o pensamento deste autor, mas simplesmente queremos observar que uma vez mais o problema está nos pressupostos, nem sempre explicitados, de Torres Queiruga. A nosso modo de ver subjazem afirmações tanto racionalistas quanto de pensamento débil (no fundo o segundo é consequência do primeiro como já indicamos antes), assim como uma noção de Deus, que lhe impedem de aceitar o ensinamento da Igreja sobre a Revelação. Não faz falta recordar que sua influência tem sido bem ampla, e podemos citar inclusive como exemplo, uma obra bastante recente de A.Novo, “Jesus Cristo, plenitude da Revelação”, que em grande medida depende dos pressupostos de Torres Queiruga [Sobre esta obra cf. E.Vadillo, «Nota bibliográfica a A.Novo, Jesucristo plenitud de la Revelación», en Toletana 11 (2004) 369-386].
Não faltaram artigos que agudamente penetraram nos erros teológicos de Queiruga, dentre os quais podem contar-se expressamente a negação da encarnação como fato real, a equiparação de todas as religiões como “reveladas” e a adoção de pressupostos maçõnicos de “revelação como educação” (“maiêutica” cristã). Cito alguns trechos de artigo publicado na revista 30Dias, em que os erros teológicos do Queiruga ficam claramente expostos. Tratando da visão do Queiruga sobre a Ressurreição, o teólogo italiano Massimo Borghesi mostra a dependência entre o pensamento de Queiruga e o pensamento de Rudolf Bultmann, teólogo liberal protestante que nega a realidade da ressurreição. Mostrando como o Queiruga nega verdades fundamentais da fé católica, diz Massimo Borghesi:
“A ressurreição não apenas não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento empírico. E a fé na ressurreição não depende de se aceitar ou recusar a realidade histórica do sepulcro vazio.” É o que diz o trecho destacado na capa do livro de André Torres Queiruga, La ressurrezione senza miracolo [A ressurreição sem milagre]1. A obra é interessante, na medida em que é a expressão completa de uma tendência que, depois de Bultmann, se tornou hegemônica nos estudos exegéticos e teológicos: a tendência segundo a qual a ressurreição é uma pedra errante, um pedregulho perdido que a crítica tem de remover para tornar compreensível, ao homem moderno, o conteúdo da fé cristã. O Cristo ressuscitado de Piero della Francesca ou A incredulidade de Tomé de Caravaggio pertencem à arte do passado. No futuro, já não se poderá fazer uma leitura realista da ressurreição, só se admitirá a leitura “simbólica”. Numa singular reviravolta dos processos cognitivos, a fé não pressupõe o sepulcro vazio e a experiência tangível do Ressuscitado; ao contrário, é o Cristo ressuscitado que só “aparece” como tal na precompreensão da fé. Dessa forma, uma parte notável da literatura teológica – aquela que considera óbvia a oposição entre o “Cristo histórico” e o “Cristo da fé” – abandona a posição realista e se encontra, necessariamente, com o ponto de vista idealista. Assim, não é a realidade, aquilo que concretamente acontece, que gera e explica o “convencimento”; ao contrário, é a “visão do mundo”, a fé preliminar, que torna evidentes, “visíveis”, fatos que, sem ela, não subsistem. A fé, privada de qualquer razoabilidade, não é mais “juízo”, mas pré-juízo que “vê” independentemente da realidade, como lugar de uma experiência “mística”, afetiva, idealizante. A fé, graças à mediação imaginativa, idealiza o seu objeto. No caso do cristianismo, isso significa que Cristo “aparece” como ressuscitado na fé, graças à fé. Fora da fé, só existe o mistério de um túmulo vazio, de um cadáver que desapareceu. Problema este que não interessa à fé, para a qual o que importa é tão-somente o Cristo ideal, divino. A ressurreição não precisa da carne de Jesus de Nazaré, da sua pessoa individual; é suficiente a idéia, o símbolo do Homem-Deus. A fé vive da idéia, não da realidade.
Esse pressuposto, verdadeiro a priori conceitual, fica evidente no texto de Torres Queiruga. Para o filósofo de Santiago de Compostela, as aquisições “irreversíveis” da exegese e da cultura atual fazem com que não se possa mais conceber “a presença ativa de Deus como uma irrupção pontual, ou seja, física e acessível aos sentidos, na trama do mundo” (2). Uma definição perfeita da Encarnação, que o autor elimina com um simples traço de caneta. Como para Bultmann, segundo o qual “é mitológica a concepção na qual o não-mundano, o divino, aparece como mundano, humano, na qual o além aparece como aquém” (3), também para Torres Queiruga Deus não pode agir sensivelmente neste mundo. Por isso, “a análise da ressurreição de Jesus como ‘milagre’ – o mais espetacular – desapareceu definitivamente dos tratados sérios. A tal ponto, que até nos tratados mais ‘ortodoxos’ se pode ler a afirmação de que a ressurreição não só não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento ‘histórico’” (4). A “experiência” do Ressuscitado deve remover qualquer presença de tipo empírico. “Se o Ressuscitado fosse tangível ou comesse, seria necessariamente limitado pelas leis do espaço, ou seja, não seria ressuscitado. E a mesma coisa aconteceria se fosse fisicamente visível” (5). Acreditar em algo diferente disso significaria submeter-se ao “imperialismo do princípio empirista”(6), tornar impossível “a razoabilidade da fé na ressurreição”7. Para o autor, “os discípulos não viram com seus olhos o Ressuscitado nem o tocaram com suas mãos, pois isso era impossível, uma vez que ele estava fora do alcance de seus sentidos”8. O que eles “viram” “não pode conservar nenhuma relação material com um corpo espaço-temporal”(9). De resto, “nem na vida terrena o corpo pode ser considerado o suporte absolutamente indispensável da identidade”, nem “se vê o que poderia provocar a transformação (?) de seu corpo morto, ou seja, do cadáver”(10). Para o “idealista” Torres Queiruga, a “realidade” do Cristo ressuscitado não pressupõe a sua realidade sensível, corpórea. Ela se baseia na subjetividade do crente, nas “experiências psíquicas, de visualização ou imaginação de convicções íntimas. Convicções que podem ter um referente real – o místico, na sua visão, liga-se realmente a Cristo –, sem que esse referente seja a forma em que se apresenta”(11). A “visão” pressupõe a experiência interior, a peculiar condição pessoal e ambiental, a partir da qual a “mediação imaginativa”(12) – que o autor evoca, remetendo-se a Kant – entra em ação, dando forma ao objeto de sua aspiração. No caso dos discípulos, “dentro da cultura daquele tempo, aberta às manifestações extraordinárias e empíricas do sobrenatural, podia funcionar com toda naturalidade o esquema imaginativo da ressurreição como uma espécie de retorno à vida”(13). Ou seja, os discípulos acreditaram vê-lo na medida em que eram predispostos a isso por um contexto, um ambiente espiritual. Dentro desse horizonte, o elemento decisivo, o estopim, é provocado pela experiência fundamental da morte de Jesus: “O contexto vivissimamente emotivo causado pelo drama do Calvário”(14). É aqui, no drama do falecimento da pessoa querida, que amadurece “o que poderíamos chamar kantianamente o ‘esquema imaginativo’ para compreender a ressurreição como já acontecida”(15). No contexto messiânico-escatológico de Israel, a morte de Jesus provoca um vazio lancinante, uma experiência de dor que urge por uma solução. A cruz de Cristo se “transforma” na ressurreição: “A ressurreição acontece na própria cruz”(16). Cristo, o morto, volta a ser vivo na fé. Torres Queiruga segue à letra, sem citá-lo, Rudolf Bultmann: “Cruz e ressurreição, enquanto evento ‘cósmico’, formam uma unidade”17. A ressurreição não é um evento real que se segue à morte de Jesus na cruz. É, simbolicamente, a transfiguração ideal de Cristo induzida pela experiência trágica de seu fim. Numa forma paradoxal, que ocupa o centro do modelo idealista, a ausência produz a presença, o vazio dá lugar a uma plenitude, a privação se transforma em vitória. Isso requer que seja removido da cruz o aspecto de escândalo, em sentido paulino: o Filho de Deus suspenso àquilo que, para os modernos, é a forca. Esse aspecto seria, nos Evangelhos, uma construção literária, não um elemento histórico. Torres Queiruga reconhece que “um hábito inveterado, que se apóia fortemente na letra dos Evangelhos, levou a ver a cruz como um lugar de ‘escândalo’, que decretava o fim da fé dos discípulos, os quais nesse momento teriam fugido, negando ou traindo seu Mestre. Para explicar sua conversão posterior, teria de acontecer algo extraordinário e milagroso, que, com a sua evidência irrefutável, lhes restituísse a fé. Esse algo seria a ressurreição, que obtém, assim, uma autêntica ‘demonstração’ histórica. Não se pode negar que o argumento tenha a sua força; de fato, ele continua a ser o mais recorrente nos tratados atuais. Todavia, uma reflexão mais atenta permitiu ver, cada vez com maior clareza e mais ampla aceitação entre os estudiosos, a sua natureza de ‘dramatização’ literária com valor apologético”(18). Essa conclusão seria comprovada pelo fato de que “a hipótese de uma traição ou de um renegamento é profundamente incompreensível e injusta com os discípulos”(19). Estes teriam traído Jesus no momento da prova suprema, teriam sido ingratos e sem coração. O que, para o autor, é inadmissível. Por outro lado, o escândalo vale para os romanos, não para os judeus: “Os criminosos de Roma eram os heróis do povo por eles subjugado”(20).
A cruz de Cristo, na ótica completamente positiva pintada por Torres Queiruga, não é o que afasta, o lugar da solidão. Ao contrário, é o ponto coagulante da fé: “A crucifixão, com o horrível escândalo da sua injustiça, aparece como o catalisador mais determinante para compreender que o que aconteceu na cruz não podia ser a conclusão definitiva”(21). A cruz não é um ponto de fuga, mas de “virada”. Uma conclusão obrigatória, para Torres Queiruga, na medida em que, entre a morte de Jesus e a fé da Igreja nascente, não acontece nada. O idealismo, como filosofia do não acontecimento, implica um curto circuito segundo o qual a fé deve preceder o evento, não seguir-se a ele. O argumento segundo o qual os discípulos fogem, apavorados e desmoralizados, tem lá a “sua força”, como reconhece o autor, mas, mesmo assim, não pode ser admitido. O vazio deve produzir o cheio, a morte deve-se transformar em idéia do Ressuscitado, em vez de gerar escândalo, fuga, desorientação. Se assim não fosse, teríamos “apologética”, não história. Na sua efetividade, o morto é uma bandeira, o símbolo de uma vida que não podia acabar.
É interessante transcrever outro texto de Borghesi, porque a mesma citação de Bultmann que ele destaca na obra de Queiruga encontra-se no prefácio do livro de Queiruga que foi adotado pelo Professor Gustavo para o curso de Teologia:
O senhor [Queiruga] tem a firme convicção de que a transmissão e a compreensão da fé, no mundo contemporâneo, exige, na teologia, uma “mudança de paradigma”, a “necessidade de uma mudança global e estrutural”. Para isso, é necessária uma “desconstrução da visão tradicional”, uma desconstrução “das narrativas pascais”, que leve a uma “leitura não fundamentalista” dessas narrativas, ou seja, a uma leitura não literal. Ao dizer isso, o senhor assume como guia e mestre Rudolf Bultmann, o qual “demonstrou de maneira irreversível ser ‘mitológica’” a visão neotestamentária tal como é expressa na linguagem (ingenuamente) realista dos Evangelhos. Para Bultmann, “é mitológica a concepção em que o não-mundano, o divino aparece como mundano, humano, e o além como aquém”.
É mitológica, portanto, toda a Revelação cristã, na medida em que entende a ação de Deus de modo histórico-empírico; são mitológicos os milagres, sinais sensíveis do poder divino. Como afirma Bultmann, com desarmante simplicidade: “Não nos podemos servir da luz elétrica e do rádio, ou recorrer, em caso de doença, às modernas descobertas médicas e clínicas, e ao mesmo tempo crer no mundo dos espíritos e dos milagres propostos pelo Novo Testamento”. O senhor [Queiruga] não adere às mesmas conclusões radicais do teólogo de Marburg. Segue-o, porém, na idéia de fundo, segundo a qual o discurso neotestamentário, “enquanto discurso mitológico, não é crível para os homens de hoje”. Essa convicção o leva a ter certeza de que chegou a hora de uma reviravolta geral na teologia do Jesus ressuscitado.
E como seria essa nova “teologia do Jesus Ressuscitado” proposta pelo Queiruga? Certamente, contraria frontalmente a doutrina católica. Prossegue Massimo Borghesi:
“O primeiro e fundamental pressuposto de Bultmann é bem expresso por David Friedrich Strauss em sua Leben Iesu, de 1835: “O divino não pode ter acontecido assim (em primeiro lugar, de um modo imediato, e, também, de um modo ordinário) ou, por outra, o que aconteceu assim não pode ser divino”(12). Trata-se do postulado racionalista segundo o qual Deus (se existe) não pode agir ou manifestar-se sensivelmente no espaço e no tempo. Deus não pode ser causa de eventos particulares, mas apenas fonte de leis universais. Isso leva Strauss (e com ele Bultmann) a uma “filosofia do não-acontecimento”( 13), a uma teoria que é a negação sistemática da possibilidade da Encarnação.”
Como mostra o autor italiano, é exatamente esse o pensamento de Queiruga: negar a encarnação e, portanto, a Revelação plena de Deus em Jesus, para substituí-la por uma “maiêutica” histórica em que Jesus seria uma espécie de “novo Sócrates” que, gnosticamente, despertaria o Deus adormecido dentro de cada um de nós. Pura gnose, e gnose maçônica (vide as citações que Queiruga faz de de Lessing, maçom de alto grau), que Queiruga expressamente repete no capítulo cinco do seu livro “ A Revelação de Deus na realização Humana”, adotado por Padre Gustavo no nosso curso de teologia. Prossegue o italiano Massimo Borghesi, desmascarando o pensamento implícito de Queiruga de que Deus não pode manifestar-se na história::
“Isso não surpreende. Desde o Deus sive natura de Spinoza, até o “largo fosso” entre as casuais verdades históricas e as verdades universais de Lessing até a crítica da fé supersticiosa de Kant, o procedimento é o mesmo: Deus não pode se manifestar na história. O panteísmo e o deísmo, de pontos de vista diversos, se opõem tanto ao Antigo quanto ao Novo Testamento, tanto à fé hebraica quanto à fé cristã. Estranhamente, o senhor, em seu livro Ripensare la risurrezione, adere a esse ponto de vista criticando o “deísmo intervencionista [sic!]”, segundo o qual Deus opera mediante “milagres”, ou seja, intervenções específicas no espaço e no tempo. Para o senhor, essa idéia do divino, que se expressa nas orações e nas fórmulas da piedade cristã, é expressão de um “esquema imaginativo” (kantiano) de uma mentalidade ingênua, popular, que não compreende que Deus, na realidade, não opera mediante milagres, mas mediante uma creatio continua que não viola a autonomia do mundo, com suas leis naturais. A cada instante, Deus faz “tudo o que é possível: ‘poeta do mundo’, procura levá-lo à máxima realização que lhe permitem os limites e as incompatibilidades inerentes a sua finitude”.
Assim, o senhor volta (conscientemente) a Leibniz e a sua idéia do melhor dos mundos possíveis. “Deus ‘poderia’ não ter criado o mundo, mas, se o criou, ele é finito e, se é finito, nele não podem deixar de estar presentes a carência e a contradição: o mal. Do contrário, o mundo seria infinito como Deus”(17). Dessa forma, “o mal, como já vira Leibniz [...], tem sua condição de possibilidade na finitude”(18). Deus, criando o mundo enquanto finito, cria, com ele, a necessidade do mal. O mal é necessariamente congênito à finitude, ontologicamente intrínseco à natureza finita.
Não sei se o senhor se dá conta do caráter “gnóstico” dessa posição e de sua inconciliabilidade com a doutrina cristã. Seja como for, é estranho como esse “retorno a Leibniz” ignora as críticas de Voltaire, críticas que trazem à tona, com toda a evidência, os limites da teodicéia racionalista. Para ela, com o cristianismo, nada realmente novo acontece, novo, mais uma vez, em relação às causas antecedentes. A “teologia do não acontecimento” é aquela segundo a qual o cristianismo é reduzido a manifestação de um processo em ato, a desvelamento daquilo que, implicitamente, já está presente na natureza. Se não existem milagres e a ação divina é imanente à natureza, a “Revelação”, então, passa a ser o ato de conhecimento mediante o qual o homem religioso se dá conta do caráter divino do mundo. A “Revelação” passa a coincidir com uma gnose salvífica. “Definitivamente, a revelação consiste em ‘dar-se conta’ de que Deus, como origem fundadora e amor comunicativo, ‘já está dentro’, na medida em que habita a criação e nela se manifesta. A revelação permite que seja visto sobretudo no ser humano, procurando levar-nos a descobrir sua presença, vencendo nossa cegueira e quebrando nossas resistências: ‘Noli foras ire: in interiore homine habitat veritas’”(19). A Revelação se reduz, aqui, a um processo imanente, “maiêutico”, socrático. Ela não traz algo realmente novo – a idéia da sobrevivência após a morte é universal –, mas esclarece e reconfigura uma certeza implícita, é a oportunidade de passar de uma fé confusa para uma fé clara e bem definida. “Como maiêutica, a palavra reveladora é necessária para despertar e levar os olhos a se abrirem; não introduz algo estranho, mas ajuda a descobrir na própria realidade a presença salvadora que a habita e a dinamiza”(20). O cristianismo se transforma numa “maiêutica histórica”(21). Cristo é um novo Sócrates que ajuda os discípulos a encontrarem, em sua experiência interior, a certeza de uma experiência de ressurreição que não precisa de nenhuma confirmação exterior.”
Quem quiser, portanto, que julgue por si mesmo.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Mais sobre Queiruga e Pe. Fábio de Melo
Lamentável, quero repetir, que o Padre Fábio de Melo tenha indicado publicamente o autor “católico” Queiruga para os seus espectadores. Tratei ontem um pouco a respeito disso. Mas há mais. Queiruga cita o maçom Lessing a partir da página 127 do livro “a Revelação de Deus na Realização humana”, de sua autoria. Fica claro que Queiruga adota dois pressupostos maçônicos em seu pensamento: a “educação do gênero humano”, ou a equiparação entre “revelação” e “educação”, bem a igualdade e a fraternidade irremediável entre todos os homens, que impediria Deus de fazer “acepção” de pessoas e escolher apenas um povo para revelar-se positivamente, negando a diferença essencial entre a revelação judaico-cristã e a dos outros povos, reduzindo essa diferença a uma questão de grau.
Quanto à equiparação entre “revelação” e “educação do gênero humano”, bem própria do jargão maçom, Queiruga assume como seu o pensamento do maçom Lessing, dizendo na página 127:
“Lessing obtém assim uma primeira intuição e um esclarecimento nítido: 'o que é a educação para o indivíduo, isso é a revelação para o gênero humano”.
Poder-se-ia arguir, em defesa de Queiruga, que a Igreja é “Mater et Magistra”, e que portanto a ideia de educação da humanidade não é estranha ao cristianismo. Essa defesa, porém, torna-se impossível quando o próprio Queiruga afirma que seu conceito gnóstico de revelação como maiêutica está na linha do “livre exame das escrituras” defendido pelo que ele chama de “grandes reformadores”, na página 119 de seu livro – conceito que é compatibilíssimo com a doutrina maçônica, mas não com o ensinamento cristão. Queiruga diz; na página 119: “Sem pretender, em absoluto, forçar as coisas, pode-se afirmar que esta estrutura maiêutica lateja no fundo do que os grandes reformadores buscavam ao insistir no caráter atual da inspiração da Escritura no coração do crente, graças à ação do Espírito. Calvino, sobretudo, insistiu vigorosamente neste aspecto; 'É necessário, portanto, que o mesmo Espírito Santo que falou pela boca dos profetas entre em nossos corações e os toque no mais profundo com sua ação vivificadora, para persuadi-los de que os profetas expuseram fielmente quanto fora enviado do alto'. Por isso a Sagrada Escritura é o 'instrumento de que se serve o Senhor para dispensar a seus fiéis a iluminação de seu Espírito'”. O livre exame, na forma descrita nesse trecho de Queiruga, torna a Igreja desnecessária, quer como Mãe, quer como Mestra. Portanto, um católico, que tem na Igreja sua Mãe e Mestra, não pode ser maçom. Mas um protestante, que acredita, com Calvino, ter a posse direta do Espírito Santo a lhe “educar” individualmente, a pertença maçônica não é incompatível. É por isso que tantos protestantes foram grandes maçons, como Hegel (que também fundamenta o pensamento de Queiruga em vários pontos), mas a Igreja sempre considerou ilícita a participação de um católico na Maçonaria (Código de Direito Canônico, cânon 1374 e documento”Declaração sobre a Maçonaria” da Congregação para a Doutrina da Fé, 1983). Isso não tem refreado alguns católicos, até mesmo alguns sacerdotes.
A respeito da igualdade essencial entre a revelação bíblica e a revelação a todos os povos, sendo a especificidade bíblica atribuível apenas ao seu “grau” (o que levaria, no extremo, a negar a diferença essencial entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ordenado, reduzindo-o também a uma diferença acidental de grau, proporcional àquela existente entre a religião judaico-crista e as outras), também é perfeitamente coerente com os princípios maçons, como expostos por Dom Boaventura Kloppenburg no seu livro Igreja e Maçonaria (5ª Edição, Petrópolis, Vozes, 2000, páginas 240/241), mas incompatível com a doutrina católica. Dom Kloppenburg denuncia que é princípio da Maçonaria que “o meio ambiente em que vive e respira o indivíduo humano deve manter-se rigorosamente neutro, sem hostilizar nem favorecer religião alguma determinada, nem mesmo a religião cristã”. Também é princípio da Maçonaria que “todas as religiões são boas e iguais perante Deus (obra citada, pág. 241). Dom Boaventura, brilhante cérebro católico, esclarece logo em seguida que “ a Igreja Católica aceita e defende os elementos verdadeiros da religião natural e abraça com amor e gratidão a religião Cristã, sabendo ser impossível permanecer indiferente perante Cristo: 'quem não for por mim, será contra mim' (Lc 11,23)”. Muito diferente da interpretação maliciosa que o Queiruga dá do trecho da Lumen Gentium que transcreve na página 150 do seu livro. Quem sabe é a forma maçônica de argumentar, que ele teria aprendido com seu mestre Gotthold Epraim Lessing, citado na página 127 do livro.
No entanto, coerente com os princípios maçônicos de Lessing, Queiruga proíbe Deus de “escolher um povo”, de ter seu “Povo Escolhido”, quando diz claramente na página 150 do seu livro que “o esquema vulgar-tradicional – claro em seu esquematismo conceptual, mas horrível em seu simplismo salvífico – de um Deus que se revela a um só povo, permanecendo totalmente ausente de todos os demais que nada experimentam da sua presença nem da sua força salvadora passou totalmente.” Chega a citar de forma completamente enviezada a Lumen Gentium 16, de modo contrário à interpretação autêntica dada pelo documento Dominus Jesus (CDF, 2000), como se no reconhecimento da “preparação evangélica” pela Igreja houvesse o reconhecimento da doutrina maçônica da igualdade essencial das religiões.
E o faz com uma estratégia que ele usa maliciosamente em todo o livro: exagera negativamente uma doutrina verdadeira, de modo a torná-la ridícula, e depois a nega, como superada. No caso, ele diz que “passou definitivamente” o “esquema vulgar-conceptual” de um “Deus que se revela a um só povo”, e que permaneceria “totalmente ausente de todos os demais, que nada experimentariam de sua presença nem de sua força salvadora”. Ora, como pode ter “passado” uma doutrina que nunca existiu, senão na distorção do Queiruga? Ninguém nunca defendeu, em teologia católica ou no Magistério da Igreja, que Deus permanecia “totalmente ausente” de todos os demais povos, nem que esses “nada experimentavam de sua presença nem de sua força salvadora”. A doutrina dos “logoi spermatikoi” é clara à Igreja Católica como elaboração Magisterial desde São Justino Mártir, fundamentada, aliás, na palavra bíblica de São Paulo, na Epístola aos Romanos, 1, 20-21. Queiruga não diz de onde tirou essa ideia de que alguém defendia a total ausência de Deus da vida dos outros povos, mas usa a insinuação de que o Magistério em algum momento do passado defendera isto, e o faz com muita sutileza. E o faz para fundamentar a sua tese de que toda religião é igual, contrapondo a ela (como o que seria a única alternativa) uma doutrina absurda que ele mesmo inventa e ardilosamente deixa no ar como se já tivesse sido defendida pela Igreja, para insinuar que quem não aceitar a posição que defende só tem por alternativa aderir a uma “concepção vulgar-tradicional” que “passou totalmente”. Ele quer, portanto, que acreditemos que nossa opção restringe-se a abraçar a posição da Maçonaria (que não está na Lumen Gentium, senão em sua citação descontextualizada) ou a cair num “esquema vulgar tradicional” que “já passou”. Note-se, portanto, como é pernicioso o modo “Queiruga” de argumentar, principalmente quando entregue a jovens seminaristas ou a admiradores pouco preparados do Pe. Fábio.
Quanto à equiparação entre “revelação” e “educação do gênero humano”, bem própria do jargão maçom, Queiruga assume como seu o pensamento do maçom Lessing, dizendo na página 127:
“Lessing obtém assim uma primeira intuição e um esclarecimento nítido: 'o que é a educação para o indivíduo, isso é a revelação para o gênero humano”.
Poder-se-ia arguir, em defesa de Queiruga, que a Igreja é “Mater et Magistra”, e que portanto a ideia de educação da humanidade não é estranha ao cristianismo. Essa defesa, porém, torna-se impossível quando o próprio Queiruga afirma que seu conceito gnóstico de revelação como maiêutica está na linha do “livre exame das escrituras” defendido pelo que ele chama de “grandes reformadores”, na página 119 de seu livro – conceito que é compatibilíssimo com a doutrina maçônica, mas não com o ensinamento cristão. Queiruga diz; na página 119: “Sem pretender, em absoluto, forçar as coisas, pode-se afirmar que esta estrutura maiêutica lateja no fundo do que os grandes reformadores buscavam ao insistir no caráter atual da inspiração da Escritura no coração do crente, graças à ação do Espírito. Calvino, sobretudo, insistiu vigorosamente neste aspecto; 'É necessário, portanto, que o mesmo Espírito Santo que falou pela boca dos profetas entre em nossos corações e os toque no mais profundo com sua ação vivificadora, para persuadi-los de que os profetas expuseram fielmente quanto fora enviado do alto'. Por isso a Sagrada Escritura é o 'instrumento de que se serve o Senhor para dispensar a seus fiéis a iluminação de seu Espírito'”. O livre exame, na forma descrita nesse trecho de Queiruga, torna a Igreja desnecessária, quer como Mãe, quer como Mestra. Portanto, um católico, que tem na Igreja sua Mãe e Mestra, não pode ser maçom. Mas um protestante, que acredita, com Calvino, ter a posse direta do Espírito Santo a lhe “educar” individualmente, a pertença maçônica não é incompatível. É por isso que tantos protestantes foram grandes maçons, como Hegel (que também fundamenta o pensamento de Queiruga em vários pontos), mas a Igreja sempre considerou ilícita a participação de um católico na Maçonaria (Código de Direito Canônico, cânon 1374 e documento”Declaração sobre a Maçonaria” da Congregação para a Doutrina da Fé, 1983). Isso não tem refreado alguns católicos, até mesmo alguns sacerdotes.
A respeito da igualdade essencial entre a revelação bíblica e a revelação a todos os povos, sendo a especificidade bíblica atribuível apenas ao seu “grau” (o que levaria, no extremo, a negar a diferença essencial entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ordenado, reduzindo-o também a uma diferença acidental de grau, proporcional àquela existente entre a religião judaico-crista e as outras), também é perfeitamente coerente com os princípios maçons, como expostos por Dom Boaventura Kloppenburg no seu livro Igreja e Maçonaria (5ª Edição, Petrópolis, Vozes, 2000, páginas 240/241), mas incompatível com a doutrina católica. Dom Kloppenburg denuncia que é princípio da Maçonaria que “o meio ambiente em que vive e respira o indivíduo humano deve manter-se rigorosamente neutro, sem hostilizar nem favorecer religião alguma determinada, nem mesmo a religião cristã”. Também é princípio da Maçonaria que “todas as religiões são boas e iguais perante Deus (obra citada, pág. 241). Dom Boaventura, brilhante cérebro católico, esclarece logo em seguida que “ a Igreja Católica aceita e defende os elementos verdadeiros da religião natural e abraça com amor e gratidão a religião Cristã, sabendo ser impossível permanecer indiferente perante Cristo: 'quem não for por mim, será contra mim' (Lc 11,23)”. Muito diferente da interpretação maliciosa que o Queiruga dá do trecho da Lumen Gentium que transcreve na página 150 do seu livro. Quem sabe é a forma maçônica de argumentar, que ele teria aprendido com seu mestre Gotthold Epraim Lessing, citado na página 127 do livro.
No entanto, coerente com os princípios maçônicos de Lessing, Queiruga proíbe Deus de “escolher um povo”, de ter seu “Povo Escolhido”, quando diz claramente na página 150 do seu livro que “o esquema vulgar-tradicional – claro em seu esquematismo conceptual, mas horrível em seu simplismo salvífico – de um Deus que se revela a um só povo, permanecendo totalmente ausente de todos os demais que nada experimentam da sua presença nem da sua força salvadora passou totalmente.” Chega a citar de forma completamente enviezada a Lumen Gentium 16, de modo contrário à interpretação autêntica dada pelo documento Dominus Jesus (CDF, 2000), como se no reconhecimento da “preparação evangélica” pela Igreja houvesse o reconhecimento da doutrina maçônica da igualdade essencial das religiões.
E o faz com uma estratégia que ele usa maliciosamente em todo o livro: exagera negativamente uma doutrina verdadeira, de modo a torná-la ridícula, e depois a nega, como superada. No caso, ele diz que “passou definitivamente” o “esquema vulgar-conceptual” de um “Deus que se revela a um só povo”, e que permaneceria “totalmente ausente de todos os demais, que nada experimentariam de sua presença nem de sua força salvadora”. Ora, como pode ter “passado” uma doutrina que nunca existiu, senão na distorção do Queiruga? Ninguém nunca defendeu, em teologia católica ou no Magistério da Igreja, que Deus permanecia “totalmente ausente” de todos os demais povos, nem que esses “nada experimentavam de sua presença nem de sua força salvadora”. A doutrina dos “logoi spermatikoi” é clara à Igreja Católica como elaboração Magisterial desde São Justino Mártir, fundamentada, aliás, na palavra bíblica de São Paulo, na Epístola aos Romanos, 1, 20-21. Queiruga não diz de onde tirou essa ideia de que alguém defendia a total ausência de Deus da vida dos outros povos, mas usa a insinuação de que o Magistério em algum momento do passado defendera isto, e o faz com muita sutileza. E o faz para fundamentar a sua tese de que toda religião é igual, contrapondo a ela (como o que seria a única alternativa) uma doutrina absurda que ele mesmo inventa e ardilosamente deixa no ar como se já tivesse sido defendida pela Igreja, para insinuar que quem não aceitar a posição que defende só tem por alternativa aderir a uma “concepção vulgar-tradicional” que “passou totalmente”. Ele quer, portanto, que acreditemos que nossa opção restringe-se a abraçar a posição da Maçonaria (que não está na Lumen Gentium, senão em sua citação descontextualizada) ou a cair num “esquema vulgar tradicional” que “já passou”. Note-se, portanto, como é pernicioso o modo “Queiruga” de argumentar, principalmente quando entregue a jovens seminaristas ou a admiradores pouco preparados do Pe. Fábio.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Andrés Torres Queiruga, bem pouco católico.
Quero fazer alguns comentários sobre o livro “a revelação de Deus na Realização Humana”, de
Andrés Torres Queiruga, publicado entre nós pela Editora Paulus, que seria, segundo alguns “professores” de teologia autoproclamados “católicos”, e responsáveis pela formação de novos padres em nossos seminários, a nossa base de doutrina teológica católica para introduzir-nos no conhecimento mais profundo da fé, um “telescópio” para “enxergar mais longe”.
Lembrei-me do nome do autor, Torres Queiruga, como membro de uma “associación de teologos Juan XXIII”, da Espanha, que assinou um manifesto agressivo contra Ratzinger e João Paulo II, por ocasião da publicação do documento Dominus Jesus. Essa carta, também subscrita por Leonardo Boff, Hans Küng, Jon Sobrino e outros teólogos já notificados pela Congregação da Doutrina da Fé, imputa a Ratzinger e João Paulo II a acusação de “inoportunos, ofensivos e insensíveis”, para grifar apenas alguns dos “elogios” com que cobrem o antigo e o atual Papa.
Essa “associação de teólogos”, que, como veremos, não tem reconhecimento eclesial, defende, conforme notícias jornalísticas que existem em espanhol na internet, o matrimônio homossexual, o casamento dos sacerdotes, o aborto e outras questões gravemente ofensivas a nós católicos. O certo é que, em pelo menos uma dessas notícias, o próprio Queiruga, autor do livro que menciono agora, que está sendo recomendado por ninguém menos que o Padre Fábio de Melo, defende o fim do celibato eclesial como solução para “os escândalos sexuais envolvendo padres” (v. o jornal “El Mundo”, da Espanha, também disponível na Internet).
Digo isso porque, tendo questionado o próprio professor que recomendou o livro para mim, ele me assegurou que o autor é estritamente católico e que eu não deveria ter “preconceitos” contra ele, ao ler o livro. Ora, não se trata de ter preconceito, mas de conhecer com quem se está lidando.
O fato é que a própria Conferência Episcopal Espanhola (CEE) publicou um longo documento magisterial,
denominado “TEOLOGÍA Y SECULARIZACIÓN EN ESPAÑA. A LOS CUARENTA AÑOS DE LA CLAUSURA
DEL CONCILIO VATICANO II”, refutando, de um a um, todos os erros expressamente consignados no livro do Andrés Torres-Queiruga, e que ofendem gravemente a fé cristã.
A CEE adverte para esses teólogos católicos em dissenso, que procuram semear o erro a partir de dentro da Igreja, e que encontram guarida em editoras católicas, como se vê do seguinte parágrafo do documento da CEE:
“51.Es necesario recordar, además, que existe un disenso silencioso que propugna y difunde la desafección hacia la Iglesia, presentada como legítima actitud crítica respecto a la jerarquía y su Magisterio, justificando el disenso en el interior de la misma Iglesia, como si un cristiano no pudiera ser adulto sin tomar una cierta distancia de las enseñanzas magisteriales. Subyace, con frecuencia, la idea de que la Iglesia actual no obedece al Evangelio y hay que luchar “desde dentro” para llegar a una Iglesia futura que sea evangélica. En realidad, no se busca la verdadera conversión de sus miembros, su purificación constante, la penitencia y la renovación[142], sino la transformación de la misma constitución de la Iglesia, para acomodarla a las opiniones y perspectivas del mundo. Esta actitud encuentra apoyo en miembros de Centros académicos de la Iglesia, y en algunas editoriales y librerías gestionadas por Instituciones católicas. Es muy grande la desorientación que entre los fieles causa este modo de proceder.”
Apenas como referência, tomarei quatro trechos do documento da CEE (que está firmemente baseado no Magistério da Igreja) e quatro trechos do livro de Queiruga que o contradizem frontalmente. Vamos ao texto da mensagem da Conferência Episcopal Espanhola:
“9. Resulta incompatible con la fe de la Iglesia considerar la Revelación, según sostienen algunos autores, como una mera percepción subjetiva por la cual “se cae em la cuenta” del Dios que nos habita y trata de manifestársenos. Aun cuando emplean un lenguaje que parece próximo al eclesial, se alejan, sin embargo, del sentir de la Iglesia.”
Agora transcrevo Queiruga, num trecho em que ele descreve a “experiência” de Moisés exatamente como um “cair em cuenta” de Deus. Após advertir que se deve retirar desse fato [a vocação de Moisés] todos os “lugares comuns espontâneos” que “configuram nossa imaginação”, como “aparições extraordinárias, visão espetacular do divino, claras audições da palavra de Jahweh”, (pág. 49) ele passa a descrever a “experiência de Moisés” com base numa “leitura histórica normal” ou “praticamente normal” (que ele não diz de onde tirou), assim:
“ A partir de sua vivência religiosa, Moisés descobriu a presença viva de Deus na ânsia de seus compatriotas para libertar-se da opressão. A “experiência de contraste” entre a situação fatual de seu povo e o que ele sentia como vontade salvadora de Deus, que quer a libertação do homem, o fez intuir que o Senhor estava ali presente e que o apoiava. À medida que foi conseguindo que essa certeza contagiasse os demais, ajudando-os a descobrir também eles essa presença, suscitou história, promoveu o sentimento religioso e, afinal, criou o javismo.” (Pag. 51, grifo no original.)
Como se não bastasse, o Queiruga ensina, citando um outro autor de uma maneira sibilina, que “a Revelação pertence à autocompreensão de toda religião, que sempre se considera a si mesma criação divina, e não simplesmente humana”. Ele expressamente afirma, também construindo em cima de outra citação sibilina, que “nenhum teólogo sério pretenderá que as Escrituras hebraicas e cristãs, ainda que únicas como manancial da divina revelação [assim mesmo, em minúscula no original] possam se colocar à parte de todas as demais obras em que estão depositadas as crenças religiosas e a experiência espiritual” (pág. 21, dessa vez os grifos são nossos).
Parece que ele, coerente com o manifesto da Associação de Teólogos João XXII contra a Dominus Jesus
que subscreveu, acaba de colocar Ratzinger e João Paulo II no rol dos “teólogos não sérios”, porque a Dominus Jesus claramente diverge dessa posição. Aliás, a Conferência Episcopal Espanhola toda não deve ser constituída de teólogos sérios (no pensar de Queiruga), porque, a respeito dessa ideia do autor, a CEE esclarece:
(...) Es necesario reafirmar que la Revelación supone una novedad[17], porque forma parte del designio de Dios que «se ha dignado redimirnos y ha querido hacernos hijos suyos»[18]. Por ello, es erróneo entender la Revelación como el desarrollo inmanente de la religiosidad de los pueblos y considerar que todas las religiones son “reveladas”, según el grado alcanzado en su historia, y, en ese mismo sentido, verdaderas y salvíficas. La Iglesia reconoce lo que, por disposición de Dios, hay de verdadero y de santo en las religiones no cristianas[19]. Reconoce, además, que «todo lo que el Espíritu obra en los hombres y en la historia de los pueblos, así como en las culturas y religiones, tiene un papel de preparación evangélica»[20], pues su fuente última es Dios. De ahí que sea legítimo sostener que, mediante los elementos de verdad y santidad que se contienen en las otras religiones, el Espíritu Santo obra la salvación en los no cristianos; esto no significa, sin embargo, que esas religiones sean consideradas «en cuanto tales, como vías de salvación, porque además en ellas hay lagunas, insuficiencias y errores acerca de las verdades fundamentales sobre Dios, el hombre y el mundo»[21].
10. La doctrina católica sostiene que la Revelación no puede ser equiparada a las, llamadas por algunos, “revelaciones” de otras religiones. Tal equiparación no tiene em cuenta que «la verdad íntima acerca de Dios y acerca de la salvación humana se nos manifiesta por la Revelación en Cristo, que es a un tiempo mediador y plenitud de toda la Revelación»[22]. Jesucristo, el Hijo eterno del Padre hecho hombre en el seno purísimo de la Virgen María por obra y gracia del Espíritu Santo, es la Palabra definitiva de Dios a la Humanidad. En Cristo «se da la plena y completa Revelación del Misterio salvífico de Dios»[23]. Pretender que las “revelaciones” de otras religiones son equivalentes o complementarias a la Revelación de Jesucristo significa negar la verdad misma de la Encarnación y de la Salvación, pues Él es «el que por su amor sin medida se hizo lo que nosotros para hacernos perfectos con la perfección de Él»[24].
Apenas para não fatigar, cito que Queiruga acusa o Magistério da Igreja Católica de defender a heresia
monofisicista, ao afirmar, a respeito do tema da consciência de Jesus, que “a teologia clássica trabalhou com um esquema vertical e no fundo – como tantas vezes assinalou Karl Rahner – monofisicista: Jesus chegou a terra sabendo já de tudo, e sua missão [para a teologia tradicional] consistiu em ir revelando-nos isto aos poucos”.
Queiruga defende, em seguida, na página 72, que “nem sequer há razão para excluir o 'erro humano'” na
pregação de Jesus, porque “em tal erro Jesus partilharia simplesmente a nossa sorte, pois para o homem
histórico e, portanto, também para Jesus, é melhor 'errar' do que saber tudo de antemão”. Esse absurdo sobre Cristo, já defendido por nestorianos e agnoetas, cristaliza-se numa passagem claramente herética de Queiruga, em que ele nega a consubstancialidade de Jesus com o Pai e a própria unidade da Trindade, negando a divindade do Filho, pág. 73:
“A relação única e insuperável de Jesus não fica, assim, nivelada [com o Pai?], porém sua realização concreta insere-se de pleno direito no modo humano da vivência e da apropriação, na mesma linha da tradição profética [nega a divindade e transforma Jesus num profeta?]e, em geral, de todo esforço religioso por captar a manifestação de Deus.”
A respeito ainda da cristologia, destaco o trecho da página 34 em que o autor ensina que a divindade de
Jesus não é real, mas apenas imanente, um “mestre e revelador” que “constituiu-se para a experiência original [portanto apenas subjetiva e imanentemente] na figura real e palpável da revelação de Deus.” Esse mesmo Jesus já não está presente em Sua Igreja e sacramentos, porque “Ele próprio [Jesus], numa transformação cheia de conseqüências, passa de 'pregador' a 'objeto de pregação'”. Retirando o fato de que essa idéia de Jesus como simples “mestre e revelador”, somada com o acolhimento da noção de Deus como um “plano de Potência” (pág. 22) têm um cheiro maçom muito forte, a discussão a respeito da distinção entre o “opaco” Jesus histórico e o “mediado” Cristo da fé acaba com essa incrível colocação do Queiruga:
“Não existe vida de Jesus “em estado puro'. Nem fatos, nem palavras... nem “revelação”. Isso que chamamos revelação – que assinalamos presente como um fato e que tentamos interpretar em seu significado – dá-se somente na densidade do humano: no laborioso processo das tradições, na capacidade cultural do ambiente e nas possibilidades da língua, no esforço por responder as perguntas e necessidades
concretas das diversas comunidades, na reflexão teológica de figuras individuais (Paulo) ou de escolas determinadas (João?)” (pág. 70, grifos nossos).
Chegamos a um livro sobre Revelação de Deus, este do Queiruga, que nega a própria Revelação!
A esse respeito, e corrigindo com maestria o Queiruga, adverte o magistério da CEE:
“25. Sin embargo, no siempre se han mantenido de manera completa los elementos esenciales de la fe de la Iglesia sobre la Persona y el mensaje de Jesucristo. Planteamientos metodológicos equivocados han llevado a alterar la fe y el lenguaje em que esta fe se expresa. En muchas ocasiones se ha abusado del método históricocrítico sin advertir sus límites, y se ha llegado a considerar que la preexistencia de la Persona divina de Cristo era una mera deformación filosófica del dato bíblico. Cuando esto ha sucedido, no ha dejado la Iglesia de confesar la fe verdadera, reafirmando la validez del lenguaje con el que proclama que «Jesucristo posee dos naturalezas, la divina y la humana, no confundidas, sino unidas en la única Persona del Hijo de Dios». El abandono de este lenguaje de la fe cristológica ha sido causa frecuente de confusión y ocasión para caer en el error
26. «Toda la vida de Cristo es acontecimiento de revelación: lo que es visible en la vida terrena de Jesús conduce a su Misterio invisible». Las palabras, los milagros, las acciones, la vida entera de Jesucristo es revelación de su filiación divina y de su misión redentora. Los evangelistas, habiendo conocido por la fe quién es Jesús, mostraron los rasgos de su Misterio durante toda su vida terrena. La Revelación de los misterios de la vida de Cristo, acogida por la fe, nos abre al conocimiento de Dios y a la participación en
su misma vida. En la Liturgia, en cuanto «ejercicio de la función sacerdotal de Jesucristo», la Iglesia celebra lo que nuestra fe confiesa, de modo que podemos entrar en comunión verdadera con los misterios de Cristo. «Todo lo que Cristo vivió hace que podamos vivirlo en Él y Él lo viva en nosotros». Una honda cristología mostrará la continuidad entre la figura histórica de Jesucristo, la Profesión de fe eclesial, y la comunión litúrgica y sacramental em los Misterios de Cristo.
27. Constatamos con dolor que en algunos escritos de cristología no se haya mostrado esa continuidad, dando pie a presentaciones incompletas, cuando no deformadas, del Misterio de Cristo. En algunas cristologías se perciben los siguientes vacíos: 1) una incorrecta metodología teológica, por cuanto se pretende leer la Sagrada Escritura al margen de la Tradición eclesial y con criterios únicamente histórico-críticos, sin explicitar sus presupuestos ni advertir de sus límites; 2) sospecha de que la humanidad de Jesucristo se ve amenazada si se afirma su divinidad; 3) ruptura entre el “Jesús histórico” y el “Cristo de la fe”, como si este último fuera el resultado de distintas experiencias de la figura de Jesús desde los Apóstoles hasta nuestros días; 4) negación del carácter real, histórico y trascendente de la Resurrección de Cristo, reduciéndola a la mera experiencia subjetiva de los apóstoles; 5) oscurecimiento de nociones fundamentales de la Profesión de fe en el Misterio de Cristo: entre otras, su preexistencia, filiación divina, conciencia de Sí, de su Muerte y misión redentora, Resurrección, Ascensión y Glorificación.
28. En la raíz de estas presentaciones se encuentra con frecuencia una ruptura entre la historicidad de Jesús y la Profesión de fe de la Iglesia: se consideran escasos los datos históricos de los evangelistas sobre Jesucristo. Los Evangelios son estudiados exclusivamente como testimonios de fe en Jesús, que no dirían nada o muy poco sobre Jesús mismo, y que necesitan por tanto ser reinterpretados; además, en esta interpretación se prescinde y margina la Tradición de la Iglesia. Este modo de proceder lleva a consecuencias difícilmente compatibles con la fe, como son: 1) vaciar de contenido ontológico la filiación divina de Jesús; 2) negar que en los Evangelios se afirme la preexistencia del Hijo; y, 3) considerar que Jesús no vivió su pasión y su muerte como entrega redentora, sino como fracaso. Estos errores son fuente de grave confusión, llevando a no pocos cristianos a concluir equivocadamente que las enseñanzas de la Iglesia sobre Jesucristo no se apoyan en la Sagrada Escritura o deben ser radicalmente reinterpretadas. “
Apenas para terminar, passo a citar trechos em que ele demonstra seu pouquíssimo afeto ao Magistério. Depois de asseverar na página 39 que os documentos em que o Concílio de Trento assevera a fé da Igreja de que Deus é o autor real das Escrituras e a Tradição representam apenas “metáforas elas mesmas já um tanto endurecidas”, ele afirma categórica e equivocadamente que que o Concílio Vaticano II “corta toda a terminologia filosófica da causa instrumental e, mesmo conservando a denominação de Deus como autor, afirma paralelamente que os escritores inspirados também são veri auctores (Dei Verbum 11). Fica assim [segundo a lógica torta do Queiruga, que está sendo divulgada como boa teologia por aí] bem salientado o caráter analógico e metafórico da expressão”. Enfim, a verdadeira autoria de Deus, para ele, é apenas uma metáfora, e “já um tanto endurecida”! E manifesta sua opinião de que os preciosos documentos do Vaticano II são um “inapreciável ponto de chegada para aspirações muito urgentes e legítimas” (pág. 44). Quais seriam essas aspirações, ele não deixa claro. Mas, além de levar à negação da Revelação, da divindade de Jesus, da transcendência do Cristianismo e da verdadeira autoria divina sobre as Escrituras e a Tradição, as aspirações parecem envolver, como vimos, o fim do celibato clerical, da autoridade magisterial e, quem sabe, junto com sua “Asociación Juan XXIII” [que uso vão do nome belo desse santo Papa], o casamento homossexual, a ordenação feminina, o aborto e outras cositas más.
Denunciando essa falsa teologia “católica”, que desrespeita o magistério, o documento espanhol
assevera:
“17. Tenemos en el Magisterio de la Iglesia la garantía para explicar correctamente la Revelación de Dios. Como la Alianza instaurada por Dios em Cristo tiene un carácter definitivo, es necesario que esté protegida de desviaciones y fallos que puedan corromperla; para garantizar esta permanencia en la verdad, Cristo dotó a la Iglesia, especialmente a los pastores, con el carisma de la infalibilidad, que se ejerce de diversas maneras. Suscitar dudas y desconfianzas acerca del Magisterio de la Iglesia; anteponer la autoridad de ciertos autores a la del Magisterio; o contemplar las indicaciones y los documentos magisteriales simplemente como un “límite” que detiene el progreso de la teología, y que se debe “respetar” por motivos externos a la misma teología, es algo opuesto a la dinámica de la fe cristiana.”
Este autor, que atualmente está afastado do sacerdócio e proibido de ensinar em seminários na sua própria diocese, está sendo, atualmente, estudado pela Conferencia Episcopal espanhola, para possível restrição à sua obra como um todo. Péssima recomendação do Pe. Fábio.
Andrés Torres Queiruga, publicado entre nós pela Editora Paulus, que seria, segundo alguns “professores” de teologia autoproclamados “católicos”, e responsáveis pela formação de novos padres em nossos seminários, a nossa base de doutrina teológica católica para introduzir-nos no conhecimento mais profundo da fé, um “telescópio” para “enxergar mais longe”.
Lembrei-me do nome do autor, Torres Queiruga, como membro de uma “associación de teologos Juan XXIII”, da Espanha, que assinou um manifesto agressivo contra Ratzinger e João Paulo II, por ocasião da publicação do documento Dominus Jesus. Essa carta, também subscrita por Leonardo Boff, Hans Küng, Jon Sobrino e outros teólogos já notificados pela Congregação da Doutrina da Fé, imputa a Ratzinger e João Paulo II a acusação de “inoportunos, ofensivos e insensíveis”, para grifar apenas alguns dos “elogios” com que cobrem o antigo e o atual Papa.
Essa “associação de teólogos”, que, como veremos, não tem reconhecimento eclesial, defende, conforme notícias jornalísticas que existem em espanhol na internet, o matrimônio homossexual, o casamento dos sacerdotes, o aborto e outras questões gravemente ofensivas a nós católicos. O certo é que, em pelo menos uma dessas notícias, o próprio Queiruga, autor do livro que menciono agora, que está sendo recomendado por ninguém menos que o Padre Fábio de Melo, defende o fim do celibato eclesial como solução para “os escândalos sexuais envolvendo padres” (v. o jornal “El Mundo”, da Espanha, também disponível na Internet).
Digo isso porque, tendo questionado o próprio professor que recomendou o livro para mim, ele me assegurou que o autor é estritamente católico e que eu não deveria ter “preconceitos” contra ele, ao ler o livro. Ora, não se trata de ter preconceito, mas de conhecer com quem se está lidando.
O fato é que a própria Conferência Episcopal Espanhola (CEE) publicou um longo documento magisterial,
denominado “TEOLOGÍA Y SECULARIZACIÓN EN ESPAÑA. A LOS CUARENTA AÑOS DE LA CLAUSURA
DEL CONCILIO VATICANO II”, refutando, de um a um, todos os erros expressamente consignados no livro do Andrés Torres-Queiruga, e que ofendem gravemente a fé cristã.
A CEE adverte para esses teólogos católicos em dissenso, que procuram semear o erro a partir de dentro da Igreja, e que encontram guarida em editoras católicas, como se vê do seguinte parágrafo do documento da CEE:
“51.Es necesario recordar, además, que existe un disenso silencioso que propugna y difunde la desafección hacia la Iglesia, presentada como legítima actitud crítica respecto a la jerarquía y su Magisterio, justificando el disenso en el interior de la misma Iglesia, como si un cristiano no pudiera ser adulto sin tomar una cierta distancia de las enseñanzas magisteriales. Subyace, con frecuencia, la idea de que la Iglesia actual no obedece al Evangelio y hay que luchar “desde dentro” para llegar a una Iglesia futura que sea evangélica. En realidad, no se busca la verdadera conversión de sus miembros, su purificación constante, la penitencia y la renovación[142], sino la transformación de la misma constitución de la Iglesia, para acomodarla a las opiniones y perspectivas del mundo. Esta actitud encuentra apoyo en miembros de Centros académicos de la Iglesia, y en algunas editoriales y librerías gestionadas por Instituciones católicas. Es muy grande la desorientación que entre los fieles causa este modo de proceder.”
Apenas como referência, tomarei quatro trechos do documento da CEE (que está firmemente baseado no Magistério da Igreja) e quatro trechos do livro de Queiruga que o contradizem frontalmente. Vamos ao texto da mensagem da Conferência Episcopal Espanhola:
“9. Resulta incompatible con la fe de la Iglesia considerar la Revelación, según sostienen algunos autores, como una mera percepción subjetiva por la cual “se cae em la cuenta” del Dios que nos habita y trata de manifestársenos. Aun cuando emplean un lenguaje que parece próximo al eclesial, se alejan, sin embargo, del sentir de la Iglesia.”
Agora transcrevo Queiruga, num trecho em que ele descreve a “experiência” de Moisés exatamente como um “cair em cuenta” de Deus. Após advertir que se deve retirar desse fato [a vocação de Moisés] todos os “lugares comuns espontâneos” que “configuram nossa imaginação”, como “aparições extraordinárias, visão espetacular do divino, claras audições da palavra de Jahweh”, (pág. 49) ele passa a descrever a “experiência de Moisés” com base numa “leitura histórica normal” ou “praticamente normal” (que ele não diz de onde tirou), assim:
“ A partir de sua vivência religiosa, Moisés descobriu a presença viva de Deus na ânsia de seus compatriotas para libertar-se da opressão. A “experiência de contraste” entre a situação fatual de seu povo e o que ele sentia como vontade salvadora de Deus, que quer a libertação do homem, o fez intuir que o Senhor estava ali presente e que o apoiava. À medida que foi conseguindo que essa certeza contagiasse os demais, ajudando-os a descobrir também eles essa presença, suscitou história, promoveu o sentimento religioso e, afinal, criou o javismo.” (Pag. 51, grifo no original.)
Como se não bastasse, o Queiruga ensina, citando um outro autor de uma maneira sibilina, que “a Revelação pertence à autocompreensão de toda religião, que sempre se considera a si mesma criação divina, e não simplesmente humana”. Ele expressamente afirma, também construindo em cima de outra citação sibilina, que “nenhum teólogo sério pretenderá que as Escrituras hebraicas e cristãs, ainda que únicas como manancial da divina revelação [assim mesmo, em minúscula no original] possam se colocar à parte de todas as demais obras em que estão depositadas as crenças religiosas e a experiência espiritual” (pág. 21, dessa vez os grifos são nossos).
Parece que ele, coerente com o manifesto da Associação de Teólogos João XXII contra a Dominus Jesus
que subscreveu, acaba de colocar Ratzinger e João Paulo II no rol dos “teólogos não sérios”, porque a Dominus Jesus claramente diverge dessa posição. Aliás, a Conferência Episcopal Espanhola toda não deve ser constituída de teólogos sérios (no pensar de Queiruga), porque, a respeito dessa ideia do autor, a CEE esclarece:
(...) Es necesario reafirmar que la Revelación supone una novedad[17], porque forma parte del designio de Dios que «se ha dignado redimirnos y ha querido hacernos hijos suyos»[18]. Por ello, es erróneo entender la Revelación como el desarrollo inmanente de la religiosidad de los pueblos y considerar que todas las religiones son “reveladas”, según el grado alcanzado en su historia, y, en ese mismo sentido, verdaderas y salvíficas. La Iglesia reconoce lo que, por disposición de Dios, hay de verdadero y de santo en las religiones no cristianas[19]. Reconoce, además, que «todo lo que el Espíritu obra en los hombres y en la historia de los pueblos, así como en las culturas y religiones, tiene un papel de preparación evangélica»[20], pues su fuente última es Dios. De ahí que sea legítimo sostener que, mediante los elementos de verdad y santidad que se contienen en las otras religiones, el Espíritu Santo obra la salvación en los no cristianos; esto no significa, sin embargo, que esas religiones sean consideradas «en cuanto tales, como vías de salvación, porque además en ellas hay lagunas, insuficiencias y errores acerca de las verdades fundamentales sobre Dios, el hombre y el mundo»[21].
10. La doctrina católica sostiene que la Revelación no puede ser equiparada a las, llamadas por algunos, “revelaciones” de otras religiones. Tal equiparación no tiene em cuenta que «la verdad íntima acerca de Dios y acerca de la salvación humana se nos manifiesta por la Revelación en Cristo, que es a un tiempo mediador y plenitud de toda la Revelación»[22]. Jesucristo, el Hijo eterno del Padre hecho hombre en el seno purísimo de la Virgen María por obra y gracia del Espíritu Santo, es la Palabra definitiva de Dios a la Humanidad. En Cristo «se da la plena y completa Revelación del Misterio salvífico de Dios»[23]. Pretender que las “revelaciones” de otras religiones son equivalentes o complementarias a la Revelación de Jesucristo significa negar la verdad misma de la Encarnación y de la Salvación, pues Él es «el que por su amor sin medida se hizo lo que nosotros para hacernos perfectos con la perfección de Él»[24].
Apenas para não fatigar, cito que Queiruga acusa o Magistério da Igreja Católica de defender a heresia
monofisicista, ao afirmar, a respeito do tema da consciência de Jesus, que “a teologia clássica trabalhou com um esquema vertical e no fundo – como tantas vezes assinalou Karl Rahner – monofisicista: Jesus chegou a terra sabendo já de tudo, e sua missão [para a teologia tradicional] consistiu em ir revelando-nos isto aos poucos”.
Queiruga defende, em seguida, na página 72, que “nem sequer há razão para excluir o 'erro humano'” na
pregação de Jesus, porque “em tal erro Jesus partilharia simplesmente a nossa sorte, pois para o homem
histórico e, portanto, também para Jesus, é melhor 'errar' do que saber tudo de antemão”. Esse absurdo sobre Cristo, já defendido por nestorianos e agnoetas, cristaliza-se numa passagem claramente herética de Queiruga, em que ele nega a consubstancialidade de Jesus com o Pai e a própria unidade da Trindade, negando a divindade do Filho, pág. 73:
“A relação única e insuperável de Jesus não fica, assim, nivelada [com o Pai?], porém sua realização concreta insere-se de pleno direito no modo humano da vivência e da apropriação, na mesma linha da tradição profética [nega a divindade e transforma Jesus num profeta?]e, em geral, de todo esforço religioso por captar a manifestação de Deus.”
A respeito ainda da cristologia, destaco o trecho da página 34 em que o autor ensina que a divindade de
Jesus não é real, mas apenas imanente, um “mestre e revelador” que “constituiu-se para a experiência original [portanto apenas subjetiva e imanentemente] na figura real e palpável da revelação de Deus.” Esse mesmo Jesus já não está presente em Sua Igreja e sacramentos, porque “Ele próprio [Jesus], numa transformação cheia de conseqüências, passa de 'pregador' a 'objeto de pregação'”. Retirando o fato de que essa idéia de Jesus como simples “mestre e revelador”, somada com o acolhimento da noção de Deus como um “plano de Potência” (pág. 22) têm um cheiro maçom muito forte, a discussão a respeito da distinção entre o “opaco” Jesus histórico e o “mediado” Cristo da fé acaba com essa incrível colocação do Queiruga:
“Não existe vida de Jesus “em estado puro'. Nem fatos, nem palavras... nem “revelação”. Isso que chamamos revelação – que assinalamos presente como um fato e que tentamos interpretar em seu significado – dá-se somente na densidade do humano: no laborioso processo das tradições, na capacidade cultural do ambiente e nas possibilidades da língua, no esforço por responder as perguntas e necessidades
concretas das diversas comunidades, na reflexão teológica de figuras individuais (Paulo) ou de escolas determinadas (João?)” (pág. 70, grifos nossos).
Chegamos a um livro sobre Revelação de Deus, este do Queiruga, que nega a própria Revelação!
A esse respeito, e corrigindo com maestria o Queiruga, adverte o magistério da CEE:
“25. Sin embargo, no siempre se han mantenido de manera completa los elementos esenciales de la fe de la Iglesia sobre la Persona y el mensaje de Jesucristo. Planteamientos metodológicos equivocados han llevado a alterar la fe y el lenguaje em que esta fe se expresa. En muchas ocasiones se ha abusado del método históricocrítico sin advertir sus límites, y se ha llegado a considerar que la preexistencia de la Persona divina de Cristo era una mera deformación filosófica del dato bíblico. Cuando esto ha sucedido, no ha dejado la Iglesia de confesar la fe verdadera, reafirmando la validez del lenguaje con el que proclama que «Jesucristo posee dos naturalezas, la divina y la humana, no confundidas, sino unidas en la única Persona del Hijo de Dios». El abandono de este lenguaje de la fe cristológica ha sido causa frecuente de confusión y ocasión para caer en el error
26. «Toda la vida de Cristo es acontecimiento de revelación: lo que es visible en la vida terrena de Jesús conduce a su Misterio invisible». Las palabras, los milagros, las acciones, la vida entera de Jesucristo es revelación de su filiación divina y de su misión redentora. Los evangelistas, habiendo conocido por la fe quién es Jesús, mostraron los rasgos de su Misterio durante toda su vida terrena. La Revelación de los misterios de la vida de Cristo, acogida por la fe, nos abre al conocimiento de Dios y a la participación en
su misma vida. En la Liturgia, en cuanto «ejercicio de la función sacerdotal de Jesucristo», la Iglesia celebra lo que nuestra fe confiesa, de modo que podemos entrar en comunión verdadera con los misterios de Cristo. «Todo lo que Cristo vivió hace que podamos vivirlo en Él y Él lo viva en nosotros». Una honda cristología mostrará la continuidad entre la figura histórica de Jesucristo, la Profesión de fe eclesial, y la comunión litúrgica y sacramental em los Misterios de Cristo.
27. Constatamos con dolor que en algunos escritos de cristología no se haya mostrado esa continuidad, dando pie a presentaciones incompletas, cuando no deformadas, del Misterio de Cristo. En algunas cristologías se perciben los siguientes vacíos: 1) una incorrecta metodología teológica, por cuanto se pretende leer la Sagrada Escritura al margen de la Tradición eclesial y con criterios únicamente histórico-críticos, sin explicitar sus presupuestos ni advertir de sus límites; 2) sospecha de que la humanidad de Jesucristo se ve amenazada si se afirma su divinidad; 3) ruptura entre el “Jesús histórico” y el “Cristo de la fe”, como si este último fuera el resultado de distintas experiencias de la figura de Jesús desde los Apóstoles hasta nuestros días; 4) negación del carácter real, histórico y trascendente de la Resurrección de Cristo, reduciéndola a la mera experiencia subjetiva de los apóstoles; 5) oscurecimiento de nociones fundamentales de la Profesión de fe en el Misterio de Cristo: entre otras, su preexistencia, filiación divina, conciencia de Sí, de su Muerte y misión redentora, Resurrección, Ascensión y Glorificación.
28. En la raíz de estas presentaciones se encuentra con frecuencia una ruptura entre la historicidad de Jesús y la Profesión de fe de la Iglesia: se consideran escasos los datos históricos de los evangelistas sobre Jesucristo. Los Evangelios son estudiados exclusivamente como testimonios de fe en Jesús, que no dirían nada o muy poco sobre Jesús mismo, y que necesitan por tanto ser reinterpretados; además, en esta interpretación se prescinde y margina la Tradición de la Iglesia. Este modo de proceder lleva a consecuencias difícilmente compatibles con la fe, como son: 1) vaciar de contenido ontológico la filiación divina de Jesús; 2) negar que en los Evangelios se afirme la preexistencia del Hijo; y, 3) considerar que Jesús no vivió su pasión y su muerte como entrega redentora, sino como fracaso. Estos errores son fuente de grave confusión, llevando a no pocos cristianos a concluir equivocadamente que las enseñanzas de la Iglesia sobre Jesucristo no se apoyan en la Sagrada Escritura o deben ser radicalmente reinterpretadas. “
Apenas para terminar, passo a citar trechos em que ele demonstra seu pouquíssimo afeto ao Magistério. Depois de asseverar na página 39 que os documentos em que o Concílio de Trento assevera a fé da Igreja de que Deus é o autor real das Escrituras e a Tradição representam apenas “metáforas elas mesmas já um tanto endurecidas”, ele afirma categórica e equivocadamente que que o Concílio Vaticano II “corta toda a terminologia filosófica da causa instrumental e, mesmo conservando a denominação de Deus como autor, afirma paralelamente que os escritores inspirados também são veri auctores (Dei Verbum 11). Fica assim [segundo a lógica torta do Queiruga, que está sendo divulgada como boa teologia por aí] bem salientado o caráter analógico e metafórico da expressão”. Enfim, a verdadeira autoria de Deus, para ele, é apenas uma metáfora, e “já um tanto endurecida”! E manifesta sua opinião de que os preciosos documentos do Vaticano II são um “inapreciável ponto de chegada para aspirações muito urgentes e legítimas” (pág. 44). Quais seriam essas aspirações, ele não deixa claro. Mas, além de levar à negação da Revelação, da divindade de Jesus, da transcendência do Cristianismo e da verdadeira autoria divina sobre as Escrituras e a Tradição, as aspirações parecem envolver, como vimos, o fim do celibato clerical, da autoridade magisterial e, quem sabe, junto com sua “Asociación Juan XXIII” [que uso vão do nome belo desse santo Papa], o casamento homossexual, a ordenação feminina, o aborto e outras cositas más.
Denunciando essa falsa teologia “católica”, que desrespeita o magistério, o documento espanhol
assevera:
“17. Tenemos en el Magisterio de la Iglesia la garantía para explicar correctamente la Revelación de Dios. Como la Alianza instaurada por Dios em Cristo tiene un carácter definitivo, es necesario que esté protegida de desviaciones y fallos que puedan corromperla; para garantizar esta permanencia en la verdad, Cristo dotó a la Iglesia, especialmente a los pastores, con el carisma de la infalibilidad, que se ejerce de diversas maneras. Suscitar dudas y desconfianzas acerca del Magisterio de la Iglesia; anteponer la autoridad de ciertos autores a la del Magisterio; o contemplar las indicaciones y los documentos magisteriales simplemente como un “límite” que detiene el progreso de la teología, y que se debe “respetar” por motivos externos a la misma teología, es algo opuesto a la dinámica de la fe cristiana.”
Este autor, que atualmente está afastado do sacerdócio e proibido de ensinar em seminários na sua própria diocese, está sendo, atualmente, estudado pela Conferencia Episcopal espanhola, para possível restrição à sua obra como um todo. Péssima recomendação do Pe. Fábio.
domingo, 11 de abril de 2010
Parábola do semeador: depoimento do "terreno pedregoso".
Ainda o texto que preparei para usar na catequese, sobre a parábola do semeador. São quatro jovens falando das suas próprias experiências com Jesus, para que os crismandos possam comparar com os "terrenos" de que Jesus fala em Mt 13. Publiquei o primeiro antes de ontem. Vai agora o segundo, aquele que trata do solo raso e pedregoso, daquele que ouvew a palavra, se empolga mas não tem raízes em si mesmo e deixa a palavra secar. É assim:
Eu fiz catequese, eu gostava, fiz muitos amigos, a missa foi legal, foi bem linda, a roupa era chique, eu tava morrendo de vontade de receber a comunhão, tava curioso. Comecei a ir na missa, mas nem sempre dava para ir, às vezes meu pai queria assistir o jogo do Flamengo no domingo, às vezes eu mesmo estava com preguiça.
Depois um colega meu, bem bonitinho, me chamou para fazer um encontro de jovens e eu achei o máximo! Tão bonito, tanta gente falando de Jesus, de amor, de ajudar os outros, de viver melhor, de conhecer a Bíblia, da importância da missa, de não jogar lixo na rua, não desperdiçar água nem luz, eu fiquei morto de vontade de ir à missa ali mesmo, de ler a Bíblia toda, de participar do grupo de jovens, de ir num orfanato brincar com as crianças, de ajudar os outros, de obedecer mais meu pai e minha mãe. Criei uma comunidade no Orkut com o pessoal que fez o encontro, eu tava sempre lá animando o povo, fui a umas reuniões, gente rezava, cantava, cantava na missa, era bem legal. Mas depois de umas semanas, quando o pessoal marcava reunião nunca dava certo para mim, sei lá, dava uma moleza, a mesma moleza que me dava para ir à missa no domingo, eu nunca tinha feito o dever, sempre ficava em casa dizendo que ia fazer o dever, mas passava um filme legal na tv e eu acabava nem fazendo o dever nem nada. Depis comecei a achar que umas coisas não tinham nada a ver, eu sempre gostei é de um banho demorado, esse papo do meio ambiente é bom para proteger baleia, mas é meio chato quando meu pai fica mandando eu economizar água e apagar a luz quando eu saio do quarto.
Depois a empregada chata vinha me acordar domingo de manhã para ir à missa. Que mulherzinha insuportável! Foi me dando uma raiva, eu briguei com ela, mamãe botou ela pra fora, bem feito, ô coisinha que não sabia o seu lugar. Eu de vez em quando entro lá na comunidade do Orkut, mas a galera espalhou por aí, agora só tem fake por lá zoando com ao gente porque a gente empolgou com essa história de Jesus e missa, tá meio por fora mesmo. Agora tô em outra, fazendo ioga e com uma galera bem cabeça, lá na academia mesmo, meditação e uns livros psicografados, muito mais legal do que esse papo de Jesus e missa, tô em sintonia com o universo, tô lendo uns livros bem cabeça aí, quando tô de cabela quente rezo uns mantras, faço minhas orações sozinha mesmo, Deus tá em todo lugar, ele me ouve também, pô para a Igreja não pode nada, tudo é pecado, mas os padres e esse povo que vive na Igreja são os mais descarados!
Eu fiz catequese, eu gostava, fiz muitos amigos, a missa foi legal, foi bem linda, a roupa era chique, eu tava morrendo de vontade de receber a comunhão, tava curioso. Comecei a ir na missa, mas nem sempre dava para ir, às vezes meu pai queria assistir o jogo do Flamengo no domingo, às vezes eu mesmo estava com preguiça.
Depois um colega meu, bem bonitinho, me chamou para fazer um encontro de jovens e eu achei o máximo! Tão bonito, tanta gente falando de Jesus, de amor, de ajudar os outros, de viver melhor, de conhecer a Bíblia, da importância da missa, de não jogar lixo na rua, não desperdiçar água nem luz, eu fiquei morto de vontade de ir à missa ali mesmo, de ler a Bíblia toda, de participar do grupo de jovens, de ir num orfanato brincar com as crianças, de ajudar os outros, de obedecer mais meu pai e minha mãe. Criei uma comunidade no Orkut com o pessoal que fez o encontro, eu tava sempre lá animando o povo, fui a umas reuniões, gente rezava, cantava, cantava na missa, era bem legal. Mas depois de umas semanas, quando o pessoal marcava reunião nunca dava certo para mim, sei lá, dava uma moleza, a mesma moleza que me dava para ir à missa no domingo, eu nunca tinha feito o dever, sempre ficava em casa dizendo que ia fazer o dever, mas passava um filme legal na tv e eu acabava nem fazendo o dever nem nada. Depis comecei a achar que umas coisas não tinham nada a ver, eu sempre gostei é de um banho demorado, esse papo do meio ambiente é bom para proteger baleia, mas é meio chato quando meu pai fica mandando eu economizar água e apagar a luz quando eu saio do quarto.
Depois a empregada chata vinha me acordar domingo de manhã para ir à missa. Que mulherzinha insuportável! Foi me dando uma raiva, eu briguei com ela, mamãe botou ela pra fora, bem feito, ô coisinha que não sabia o seu lugar. Eu de vez em quando entro lá na comunidade do Orkut, mas a galera espalhou por aí, agora só tem fake por lá zoando com ao gente porque a gente empolgou com essa história de Jesus e missa, tá meio por fora mesmo. Agora tô em outra, fazendo ioga e com uma galera bem cabeça, lá na academia mesmo, meditação e uns livros psicografados, muito mais legal do que esse papo de Jesus e missa, tô em sintonia com o universo, tô lendo uns livros bem cabeça aí, quando tô de cabela quente rezo uns mantras, faço minhas orações sozinha mesmo, Deus tá em todo lugar, ele me ouve também, pô para a Igreja não pode nada, tudo é pecado, mas os padres e esse povo que vive na Igreja são os mais descarados!
sábado, 10 de abril de 2010
Einstein e Pio XII - dissolvendo a "lenda negra".
O martírio a que está sendo submetido Bento XVI tem precedentes na Igreja. Os papas são chamados ao martírio, alguns, inclusive, depois de mortos veem o seu nome arrastado na lama. É o caso de Pio XII, que alguns levianamente inventaram ser o "papa de Hitler".
Em todo caso, é muito interessante ler a declaração que Einstein, judeu, físico, prêmio Nobel, deu à Time Magazine de 1940, pág. 40:
"Sempre amei a liberdade. Quando acontece a revolução na Alemanha [ele estava se referindo à ascensão de Hitler ao poder] olhei para as universidades, pensando que deveriam ter defendido a liberdade, sabendo muito bem que se tinham gloriado da sua devoção à liberdade; mas não, as universidades foram imediatamente obrigadas a calar-se. Depois olhei para os randes editores dos jornais que, no passado, em editoriais inflamados tinham proclamado o seu amor à liberdade. mas também eles, como as universidades, foram silenciados no espaço de poucas semanas. Só a Igreja se opôs plenamente à campanha de Hitler que pretendia suprimir a verdade. Eu nunca tinha tido um interesse particular pela Igreja, mas agora sinto por ela grande amor e admiração, porque somente a Igreja teve a coragem e a perseverança de defender a verdade intelectual e a liberdade moral. Por isso, sou obrigado a confessar que o que antes tinha desprezado agora elogio sem qualquer reserva".
Em todo caso, é muito interessante ler a declaração que Einstein, judeu, físico, prêmio Nobel, deu à Time Magazine de 1940, pág. 40:
"Sempre amei a liberdade. Quando acontece a revolução na Alemanha [ele estava se referindo à ascensão de Hitler ao poder] olhei para as universidades, pensando que deveriam ter defendido a liberdade, sabendo muito bem que se tinham gloriado da sua devoção à liberdade; mas não, as universidades foram imediatamente obrigadas a calar-se. Depois olhei para os randes editores dos jornais que, no passado, em editoriais inflamados tinham proclamado o seu amor à liberdade. mas também eles, como as universidades, foram silenciados no espaço de poucas semanas. Só a Igreja se opôs plenamente à campanha de Hitler que pretendia suprimir a verdade. Eu nunca tinha tido um interesse particular pela Igreja, mas agora sinto por ela grande amor e admiração, porque somente a Igreja teve a coragem e a perseverança de defender a verdade intelectual e a liberdade moral. Por isso, sou obrigado a confessar que o que antes tinha desprezado agora elogio sem qualquer reserva".
sexta-feira, 9 de abril de 2010
A Parábola do semeador
Preparei um texto para usar na catequese, sobre a parábola do semeador. São quatro jovens falando das suas próprias experiências com Jesus, para que os crismandos possam comparar com os "terrenos" de que Jesus fala em Mt 13. Vai o primeiro, que se relaciona com aquela semente que caiu à beira do caminho e foi devorada pelo maligno:
Eu levo a minha avó na missa todo domingo. Na verdade eu tô a fim é de ficar com o carro dela. Eu já fiquei com vontade de entrar, até olhei e vi umas meninas bonitinhas, mas todo mundo tava de calça dentro da Igreja e eu tava de bermuda, resolvi não entrar.
Outro dia eu cheguei e a missa não tinha acabado. Fiquei olhando e achei interessante. O padre tava falando alguma coisa sobre paz, perdão, fraternidade, aquele papo bonito. Mas isso é conversa fiada, o que vale no mundo mesmo é ser esperto e ter grana, os bobos ficam lá rezando e não resolvem nada. Além do mais eu estava com uma ressaca braba, morrendo de dor de cabeça, nem entendi direito aquela conversa. Não fiz catequese não, minha família achou que quando eu crescesse eu escolheria a religião que eu achasse melhor. Não acho nenhuma melhor, acho tudo igual. Não que eu não acredite em Deus, eu até fiz uma promessa uma vez para passar na recuperação, nem me lembro o que é que eu prometi, mas eu estudei e passei. Esse papo de Jesus, de amor, de fraternidade é muito chato. Tudo quanto é doido tá aí falando em Jesus, cheio de igreja de crente berrando por aí, querem é tirar o dinheiro da gente. E tem aquele papo de reencarnação, né? São muitos os caminhos pra Deus, eu escolhi esse barato da reencarnação porque é mais legal, na próxima encarnação eu rezo, nesta eu quero é me dar bem. Sei lá, se tudo é religião, é legal, é bom, então nada faz diferença e eu vou é viver minha vida!
Eu levo a minha avó na missa todo domingo. Na verdade eu tô a fim é de ficar com o carro dela. Eu já fiquei com vontade de entrar, até olhei e vi umas meninas bonitinhas, mas todo mundo tava de calça dentro da Igreja e eu tava de bermuda, resolvi não entrar.
Outro dia eu cheguei e a missa não tinha acabado. Fiquei olhando e achei interessante. O padre tava falando alguma coisa sobre paz, perdão, fraternidade, aquele papo bonito. Mas isso é conversa fiada, o que vale no mundo mesmo é ser esperto e ter grana, os bobos ficam lá rezando e não resolvem nada. Além do mais eu estava com uma ressaca braba, morrendo de dor de cabeça, nem entendi direito aquela conversa. Não fiz catequese não, minha família achou que quando eu crescesse eu escolheria a religião que eu achasse melhor. Não acho nenhuma melhor, acho tudo igual. Não que eu não acredite em Deus, eu até fiz uma promessa uma vez para passar na recuperação, nem me lembro o que é que eu prometi, mas eu estudei e passei. Esse papo de Jesus, de amor, de fraternidade é muito chato. Tudo quanto é doido tá aí falando em Jesus, cheio de igreja de crente berrando por aí, querem é tirar o dinheiro da gente. E tem aquele papo de reencarnação, né? São muitos os caminhos pra Deus, eu escolhi esse barato da reencarnação porque é mais legal, na próxima encarnação eu rezo, nesta eu quero é me dar bem. Sei lá, se tudo é religião, é legal, é bom, então nada faz diferença e eu vou é viver minha vida!
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parabola semeador terreno semente beira caminho
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