sábado, 24 de abril de 2010

O direito penal minimalista e o autoritarismo

Eu fico bastante preocupado com determinadas “correntes liberais” do direito penal, que, se apresentando como “minimalistas”, querem excusar o homem por tudo excluindo a responsabilidade penal em praticamente qualquer situação. Vale dizer, há sempre um motivo, uma razão para não condenar um “coitadinho” que, por causa de “condicionamentos sociais”, quer dizer, por “culpa” da sociedade, comete um crime. Recentemente, uma tese prevaleceu, numa decisão judicial, no sentido de excluir o aumento de pena por reincidência, sob o pretexto de que, na reincidência, foi o Estado que falhou em ressocializar o indivíduo, e, portanto, o verdadeiro culpado pela reincidência é o estado, não o indivíduo. É interessante discutir as consequências de uma posição assim.

A legitimidade do estado democrático decorre da capacidade dos cidadãos de escolherem adequadamente os seus próprios governantes, vale dizer, toda legitimidade democrática decorre de uma presumida capacidade do cidadão de participar pessoalmente da formação da vontade coletiva.

Não há vontade coletiva válida onde os cidadãos não são pessoalmente capazes de tomar decisões responsáveis frente ao Estado e de sofrer as consequências de tais decisões. Não há democracia sem um direito penal claro e eficaz. A contrapartida inafastável da capacidade cidadã de decidir, que torna legítima a escolha eleitoral, é a responsabilidade perante um sistema penal democraticamente estabelecido. Numa sociedade verdadeiramente democrática, a urna e a pena criminal são irmãs.

É por isso que somente tem responsabilidade penal o cidadão que, presumivelmente, é capaz de tomar decisões que o vinculam e aos seus concidadãos, ou seja, que é capaz de, com sua vontade deliberada e pessoal, contribuir com a formação da vontade coletiva. O inimputável é democraticamente irrelevante.

Numa sociedade onde os cidadãos não são responsáveis pela sua própria "socialização", ou seja, onde o Estado é considerado o único responsável pelas repetidas condutas de um cidadão que se obstina em agir contra a lei, a capacidade de decidir, de escolher e de formar vontade coletiva tampouco pertence a esse cidadão.

E como essa regra penal de inimputabilidade é abstrata, tampouco pertence a todos os outros que podem, em tese, colocar-se na mesma situação, isto é, qualquer cidadão. Se o estado é o único responsável pela escolha que resultou na reincidência, também, no fundo, é o único responsável pela escolha que resultou no primeiro crime, que também é uma decisão antissocial tomada por um sujeito que, presumivelmente, o Estado falhou em socializar. Então somos todos inimputáveis. E uma sociedade assim, uma sociedade de inimputáveis, terá forçosamente que submeter-se a um governo autocrático, porque é composta de sujeitos incapazes de fazer escolhas pessoais responsáveis.

Dito claramente, se são as lombrigas que determinam as escolhas criminosas de um cidadão (e não a sua liberdade humana intrínseca), e excluem, portanto, sua responsabilidade penal, também são elas que determinam de igual modo suas escolhas eleitorais, e excluem, portanto, a sua capacidade e retiram a legitimidade dos processos democráticos em que eles estão envolvidos. Uma eleição com a participação majoritária de sujeitos assim, penalmente irresponsáveis, de sujeitos presumidamente inimputáveis em qualquer grau,  teria, no fundo, o valor de um exame de fezes.

No limite, os minimalistas penais seriam, também, portanto, minimalistas democráticos ou maximalistas autoritários. Não há, num sistema democrático, como reduzir a responsabilidade penal sem, igualmente, negar em algum grau a liberdade pessoal humana e reduzir, consequentemente, a capacidade de escolha e, por consequência, a legitimidade das escolhas políticas coletivas dos cidadãos.  

E eis como um discurso aparentemente "politicamente correto" e "socialmente avançado" conduz ao autoritarismo, porque numa sociedade assim, composta por "inimputáveis", somente o governo dos "iluminados" capazes de guiar a "massa irresponsável" para os seus verdadeiros "interesses" que só esses "iluminados", livres, por um lado, das lombrigas, e por outro, cheios de "conhecimento" e "amor" pelo "povo explorado", enxergam, seria uma verdadeira democracia. Bom, já sabemos onde vão parar os países governados por pessoas que pensam assim, e não estão assim tão longe do nosso.

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