Ainda trato do Queiruga, porque considero o assunto grave.
O livro “A Revelação de Deus na Realização Humana”, do Padre Andrés Torres-Queiruga, é um livro sofisticado, cheio de doutrinas complexas e vocabulário pesado, repleto de citações eruditas e muita filosofia contemporânea, no entanto perniciosamente contrário ao magistério da Igreja.
Esse mesmo Padre Andrés Torres-Queiruga está afastado do Seminário Católico da sua própria arquidiocese (o ITC), e, ao que consta, nem sequer celebra missa, por causa dessas suas idéias infiéis ao Magistério da Igreja. Tive o cuidado de entrar em contato com aquela Arquidiocese, na qual trabalha o Pe. Queiruga, inclusive esclarecendo àquele Arcebispo quanto à publicação dos livros do Queiruga por aqui, e obtive de lá as seguintes informações:
“Muy estimado hermano:
No sé cual será el libro introducido en los seminarios de este autor. Tiene variaos , no todos con el mismo grado de heterodoxia. Aqui circular entre gentes de grupos progresistas y sin demasiada influencia en la Iglesia en General. La salida del I.T.C fue, por así decirlo por la puerta pequeña. Se "afastó" voluntariamente ante el rechazo generalizado de alumnos y profesores.
La iglesia no se ha pronunciado sobre ninguna dee sus obras, quizás pensando, que dado su escasa influencia, una condena haría más daño que bien. Solo he hablado con el Arzobispo sobre una dee sus obras "Repensar la Resurración" A mi juicio ahí se niega la resurrección física de Jesús y la veracidad de los relatos evangélicos. Como es lógico no lo aprueba. Por otra parte su vinculaciçon con la Iglesia es mínima y Está pendiente de hilo. No tiene nguna resposabiidad ni función de Iglesia, solamente se dedica a la Universidad. Por lo que tengo entendido ni celebra misa.
En otras obras parece poner en tela de juicio la gratuidad de la Redención, que considera como una exigencia de la creación. Otras veces parece considerarlo todo a partir del una mentalidad positivista
Otras veces me acuerdo haberle odo que El mundo de Dios y el nuestro están tan distante que no pueden comunicarse´¿donde queda entonces la Encarnación del Verbo? No obstante hay quienes intentan dar a estas cosas una interpretación ortodoxa...
Lo que creo más positivo es la escasa influencia que tiene aqui y el rechazo de los centros universitarios de de la Iglesia....
En la Paz del Jesús le saluda atentamente.
Oseas
Portanto, estamos publicando por aqui e recomendando publicamente aos fiéis um livro escrito por um padre espanhol cuja vinculação à Igreja está pendente de um fio” e que “nega a ressurreição física de Jesus e a veracidade dos relatos evangélicos”.
Note-se que o servidor daquela Arquidiocese que respondeu à minha correspondência disse que a Igreja não se manifestou expressamente sobre as suas obras (do Queiruga) apenas por uma questão pastoral, já que, dada a sua “escassa influência” uma condenação “faria mais mal do que bem”. Mas há uma condenação expressa da Conferência de Bispos da Espanha às ideias do Queiruga, que ele perniciosamente defende no seu livro aqui adotado.
Como se não bastasse o afastamento do Queiruga pelo seu Arcebispo e a condenação de suas ideias pela Conferência espanhola, grandes teólogos espanhóis e italianos já mostraram a inconsistência intrínseca deste pensamento. É uma teologia tributária da teologia liberal protestante do século XIX, que simplesmente nega as verdades de fé. Assim, a condenação ao Queiruga não se dá por obtusidade ou intolerância, mas por falta de qualidade da obra do Queiruga – falta de qualidade evidente para tais teólogos, como para a Conferência Espanhola, o Arcebispo de Santiago e todos os que resolvam examinar sua obra com os olhos da teologia cristã verdadeira e racional, que são os olhos da Verdadeira Fé. Cito como primeiro exemplo a colocação do teólogo espanhol Padre José María Iraburu (conterrâneo do Queiruga), que, sobre o Queiruga, escreve, na sua obra “Infidelidades em la Iglesia”, o seguinte:
A dissidência escandalosa
Para tipificar a dissidência escandalosa seria preciso analisar, numa tarefa muito penosa, algumas obras –se nos reduzirmos a autores de língua hispânica– de José María Castillo, José María Díez Alegría, Juan Antonio Estrada, Casiano Floristán, Benjamín Forcano, José Gómez-Caffarena, José María González Ruiz, José Ignacio González Faus, Antonio Hortelano, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino, Juan José Tamayo, Andrés Torres-Queiruga, Marciano Vidal, etc. Muitos deles integram a Sociedade de teólogos e teólogas «Jõao XXIII» ou colaboram ao menos em suas campanhas. Não faz muito esta associação afirmava:
«A hierarquía [católica] substituiu o Evangelho pelos dogmas...; a liberdade pela submissão; o seguimento de Jesus cristo pela aplicação rígida do Código de Direito Canônico; o perdão e a misericórdia pelo anátema». A Igreja Católica, na sua prepotência doutrinal, impõe «um único modelo de família, o matrimônio; condena outros modelos, como casais de fato, e a homossexualidade qualificada como enfermidade, desvio natural e desordem moral» (imprensa 8-IX-2003)
Estes e outros autores, sempre que estimam conveniente – quer dizer, com grande frequência–, dissentem da Igreja abertamente, procurando a seu dissentimento a maior publicidade, e inclusive alguns deles a insultam e caluniam nos meios de comunicação. Deixaremo-los de lado, sem comentários. Não sabem que com seu proceder estão pondo em perigo sua salvação eterna; e a de muitos. Se ninguém lhes avisa, nós lhes estamos avisando.
Veja-se as duras críticas dirigidas ao livro do Queiruga por ninguém menos do que o Padre Eduardo Vadillo-Romero. Primeiro, o currículo do Padre Eduardo:
“Sacerdote na diocese de Toledo. Doutor em teologia dogmática (Gregoriana 1999) e ciencias patrísticas (Augustinianum, 2003). É professor do instituto Teológico San Ildefonso (Toledo) e assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Episcopal espanhola. Preparou para a BAC a edição espanhola dos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé.”
Em seguida, o que o referido Padre Eduardo diz sobre os ensinamentos teológicos de Andrés Torres-Queiruga:
“3.2 Dois autores especialmente característicos na Espanha: Torres Queiruga y Vigil
[Acerca de algumas obras destes autores pode-se ver uma exposição crítica
em E.Vadillo, «Teología pluralista de la religión como una nueva fe», em Toletana 14 (2006) 405-421].
Antes de assinalar alguns autores nos quais, a nosso modo de ver, poder-se-iam verificar algumas das deficiências indicadas na Instrução [Instrução Teologia e Secularização na Espanha: aos quarenta anos do fechamento do Concílio Vaticano II, da Conferência Episcopal Espanhola] , é preciso recordar os pontos em que se produzem as maiores faltas nesta matéria. Em geral, poderíamos reduzir a três grandes blocos os erros que estão assinalados na Instrução Pastoral. O primeiro erro está indicado no número 9, é a redução da revelação à percepção subjetiva pela qual se “cai na conta” de Deus que habita em todos nós e que trata de manifestar-se. Uma afirmação desse tipo, segundo a instrução, não vai muito além de um mero desenvolvimento imanente da religiosidade dos povos e deixa de lado um aspecto essencial: a novidade do cristianismo. Consequentemente, não se pode pretender que todas as religiões sejam reveladas, segundo seu grau de desenvolvimento histórico, e, neste sentido, verdadeiras e salvíficas. Uma coisa muito distinta é que o espírito de Deus tenha podido intervir nos homens, culturas e religiões como preparação evangélica, mas, seguindo a indicação da Congregação para a Doutrina da Fé, isto não autoriza a considerar tais religiões “enquanto tais, como vias de salvação”. Um segundo erro que se indica no n.13 é a tendência que se dá a «selecionar» determinados conteúdos da fé, deixjando outros no esquecimento, de maneira que se perde a integridade da fé e não se atende mais ao testemunho divino, mas a razões meramente humanas.
Em terceiro lugar se previne no n.14 contra a redução da linguagem sobre Deus a algo puramente simbólico, que não nos comunicaria quem é Deus. A Instrução adverte que a fé se expressa em afirmações com uma linguagem verdadeira, mesmo que analógica a limitada. Estes três erros estão intimamente relacionados entre si, de maneira que resultam diversas faces de um ensinamento sobre a Revelação que é incompatível com a confissão de fé em Cristo, e inclusive com a própria noção de Deus própria do cristianismo, como veremos logo mais adiante. [...]
[..] Em qualquer caso não é demasiado difícil descobrir, sob a terminologia do “cair em conta” [dar-se conta] e outras afirmações da instrução alguns textos de Andrés Torres-Queiruga.
Para citar um exemplo: «[A Revelação] sai de dentro:consiste justamente em "cair na conta" [dar-se conta] da Presença que nos constitui, nos habita e trata desde sempre de manifestar-se a nós» (A.Torres Queiruga, Fim do cristianismo pre-moderno: chamados para um novo horizonte, Sal Terrae, Santander 2001, 111). «[A Revelação é] um cair em conta [dar-se conta] do que Deus está tratando de dar-nos a conhecer através da realidade» (Veja-se “Que queremos dizer quando dizemos "inferno"?, Sal Terrae, Santander 1995, 22). «Outra consequência decisiva é que agora a revelação já não fica reduzida à Bíblia» (A. Torres Queiruga, «Teologia fundamental», no Novo Dicionário de Catequética, San Pablo, Madrid 1999, 2145); «...ao tratar de mostrar que Deus se revelou, não se pode seguir subentendido que isso só aconteceu na Bíblia, pois compreendemos por fim que todas as religiões são reveladas, cada uma no grau alcançado em sua história» Ibid.].
De fato, este mesmo autor, num recente artigo «Revelação como "cair em conta" [dar-se conta]: razão teológica e magistério pastoral» [A.Torres Queiruga, «Revelación como "caer na conta": razón teológica e maxisterio pastoral», en Encrucillada, 149 (2006) 357-373] Acusou o documento dos bispos de “deformar suas afirmações, já que entende que o «cair na conta» não equivale a algo puramente subjetivo, porquanto se refere ao mistério de Deus, que é o mais real. A questão é que para Torres-Queiruga nem os enunciados doutrinais são de fatos relevantes para conhecer a Deus, pois considera reveladas religiões con afirmações contraditórias, nem cabe uma intervenção de Deus no mundo para transmitir-nos uma nova vida que supera a condição do homem, o que implica em uma doutrina, e por tanto, em alguns enunciados. Os aspectos doutrinais ficam, pois, ao arbítrio da subjetividade, e nesse sentido a Revelação resulta numa percepção subjetiva desse mistério do qual, em realidade, nada podemos dizer.
Além disso, Torres Queiruga considera que hoje é insustentável a visão tradicional da Revelação como uma comunicação de Deus que intervém categorialmente no mundo, e que elege a uns como destinatários, deixando outros na ignorância. Não podemos nos deter agora em expor com detalhe o pensamento deste autor, mas simplesmente queremos observar que uma vez mais o problema está nos pressupostos, nem sempre explicitados, de Torres Queiruga. A nosso modo de ver subjazem afirmações tanto racionalistas quanto de pensamento débil (no fundo o segundo é consequência do primeiro como já indicamos antes), assim como uma noção de Deus, que lhe impedem de aceitar o ensinamento da Igreja sobre a Revelação. Não faz falta recordar que sua influência tem sido bem ampla, e podemos citar inclusive como exemplo, uma obra bastante recente de A.Novo, “Jesus Cristo, plenitude da Revelação”, que em grande medida depende dos pressupostos de Torres Queiruga [Sobre esta obra cf. E.Vadillo, «Nota bibliográfica a A.Novo, Jesucristo plenitud de la Revelación», en Toletana 11 (2004) 369-386].
Não faltaram artigos que agudamente penetraram nos erros teológicos de Queiruga, dentre os quais podem contar-se expressamente a negação da encarnação como fato real, a equiparação de todas as religiões como “reveladas” e a adoção de pressupostos maçõnicos de “revelação como educação” (“maiêutica” cristã). Cito alguns trechos de artigo publicado na revista 30Dias, em que os erros teológicos do Queiruga ficam claramente expostos. Tratando da visão do Queiruga sobre a Ressurreição, o teólogo italiano Massimo Borghesi mostra a dependência entre o pensamento de Queiruga e o pensamento de Rudolf Bultmann, teólogo liberal protestante que nega a realidade da ressurreição. Mostrando como o Queiruga nega verdades fundamentais da fé católica, diz Massimo Borghesi:
“A ressurreição não apenas não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento empírico. E a fé na ressurreição não depende de se aceitar ou recusar a realidade histórica do sepulcro vazio.” É o que diz o trecho destacado na capa do livro de André Torres Queiruga, La ressurrezione senza miracolo [A ressurreição sem milagre]1. A obra é interessante, na medida em que é a expressão completa de uma tendência que, depois de Bultmann, se tornou hegemônica nos estudos exegéticos e teológicos: a tendência segundo a qual a ressurreição é uma pedra errante, um pedregulho perdido que a crítica tem de remover para tornar compreensível, ao homem moderno, o conteúdo da fé cristã. O Cristo ressuscitado de Piero della Francesca ou A incredulidade de Tomé de Caravaggio pertencem à arte do passado. No futuro, já não se poderá fazer uma leitura realista da ressurreição, só se admitirá a leitura “simbólica”. Numa singular reviravolta dos processos cognitivos, a fé não pressupõe o sepulcro vazio e a experiência tangível do Ressuscitado; ao contrário, é o Cristo ressuscitado que só “aparece” como tal na precompreensão da fé. Dessa forma, uma parte notável da literatura teológica – aquela que considera óbvia a oposição entre o “Cristo histórico” e o “Cristo da fé” – abandona a posição realista e se encontra, necessariamente, com o ponto de vista idealista. Assim, não é a realidade, aquilo que concretamente acontece, que gera e explica o “convencimento”; ao contrário, é a “visão do mundo”, a fé preliminar, que torna evidentes, “visíveis”, fatos que, sem ela, não subsistem. A fé, privada de qualquer razoabilidade, não é mais “juízo”, mas pré-juízo que “vê” independentemente da realidade, como lugar de uma experiência “mística”, afetiva, idealizante. A fé, graças à mediação imaginativa, idealiza o seu objeto. No caso do cristianismo, isso significa que Cristo “aparece” como ressuscitado na fé, graças à fé. Fora da fé, só existe o mistério de um túmulo vazio, de um cadáver que desapareceu. Problema este que não interessa à fé, para a qual o que importa é tão-somente o Cristo ideal, divino. A ressurreição não precisa da carne de Jesus de Nazaré, da sua pessoa individual; é suficiente a idéia, o símbolo do Homem-Deus. A fé vive da idéia, não da realidade.
Esse pressuposto, verdadeiro a priori conceitual, fica evidente no texto de Torres Queiruga. Para o filósofo de Santiago de Compostela, as aquisições “irreversíveis” da exegese e da cultura atual fazem com que não se possa mais conceber “a presença ativa de Deus como uma irrupção pontual, ou seja, física e acessível aos sentidos, na trama do mundo” (2). Uma definição perfeita da Encarnação, que o autor elimina com um simples traço de caneta. Como para Bultmann, segundo o qual “é mitológica a concepção na qual o não-mundano, o divino, aparece como mundano, humano, na qual o além aparece como aquém” (3), também para Torres Queiruga Deus não pode agir sensivelmente neste mundo. Por isso, “a análise da ressurreição de Jesus como ‘milagre’ – o mais espetacular – desapareceu definitivamente dos tratados sérios. A tal ponto, que até nos tratados mais ‘ortodoxos’ se pode ler a afirmação de que a ressurreição não só não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento ‘histórico’” (4). A “experiência” do Ressuscitado deve remover qualquer presença de tipo empírico. “Se o Ressuscitado fosse tangível ou comesse, seria necessariamente limitado pelas leis do espaço, ou seja, não seria ressuscitado. E a mesma coisa aconteceria se fosse fisicamente visível” (5). Acreditar em algo diferente disso significaria submeter-se ao “imperialismo do princípio empirista”(6), tornar impossível “a razoabilidade da fé na ressurreição”7. Para o autor, “os discípulos não viram com seus olhos o Ressuscitado nem o tocaram com suas mãos, pois isso era impossível, uma vez que ele estava fora do alcance de seus sentidos”8. O que eles “viram” “não pode conservar nenhuma relação material com um corpo espaço-temporal”(9). De resto, “nem na vida terrena o corpo pode ser considerado o suporte absolutamente indispensável da identidade”, nem “se vê o que poderia provocar a transformação (?) de seu corpo morto, ou seja, do cadáver”(10). Para o “idealista” Torres Queiruga, a “realidade” do Cristo ressuscitado não pressupõe a sua realidade sensível, corpórea. Ela se baseia na subjetividade do crente, nas “experiências psíquicas, de visualização ou imaginação de convicções íntimas. Convicções que podem ter um referente real – o místico, na sua visão, liga-se realmente a Cristo –, sem que esse referente seja a forma em que se apresenta”(11). A “visão” pressupõe a experiência interior, a peculiar condição pessoal e ambiental, a partir da qual a “mediação imaginativa”(12) – que o autor evoca, remetendo-se a Kant – entra em ação, dando forma ao objeto de sua aspiração. No caso dos discípulos, “dentro da cultura daquele tempo, aberta às manifestações extraordinárias e empíricas do sobrenatural, podia funcionar com toda naturalidade o esquema imaginativo da ressurreição como uma espécie de retorno à vida”(13). Ou seja, os discípulos acreditaram vê-lo na medida em que eram predispostos a isso por um contexto, um ambiente espiritual. Dentro desse horizonte, o elemento decisivo, o estopim, é provocado pela experiência fundamental da morte de Jesus: “O contexto vivissimamente emotivo causado pelo drama do Calvário”(14). É aqui, no drama do falecimento da pessoa querida, que amadurece “o que poderíamos chamar kantianamente o ‘esquema imaginativo’ para compreender a ressurreição como já acontecida”(15). No contexto messiânico-escatológico de Israel, a morte de Jesus provoca um vazio lancinante, uma experiência de dor que urge por uma solução. A cruz de Cristo se “transforma” na ressurreição: “A ressurreição acontece na própria cruz”(16). Cristo, o morto, volta a ser vivo na fé. Torres Queiruga segue à letra, sem citá-lo, Rudolf Bultmann: “Cruz e ressurreição, enquanto evento ‘cósmico’, formam uma unidade”17. A ressurreição não é um evento real que se segue à morte de Jesus na cruz. É, simbolicamente, a transfiguração ideal de Cristo induzida pela experiência trágica de seu fim. Numa forma paradoxal, que ocupa o centro do modelo idealista, a ausência produz a presença, o vazio dá lugar a uma plenitude, a privação se transforma em vitória. Isso requer que seja removido da cruz o aspecto de escândalo, em sentido paulino: o Filho de Deus suspenso àquilo que, para os modernos, é a forca. Esse aspecto seria, nos Evangelhos, uma construção literária, não um elemento histórico. Torres Queiruga reconhece que “um hábito inveterado, que se apóia fortemente na letra dos Evangelhos, levou a ver a cruz como um lugar de ‘escândalo’, que decretava o fim da fé dos discípulos, os quais nesse momento teriam fugido, negando ou traindo seu Mestre. Para explicar sua conversão posterior, teria de acontecer algo extraordinário e milagroso, que, com a sua evidência irrefutável, lhes restituísse a fé. Esse algo seria a ressurreição, que obtém, assim, uma autêntica ‘demonstração’ histórica. Não se pode negar que o argumento tenha a sua força; de fato, ele continua a ser o mais recorrente nos tratados atuais. Todavia, uma reflexão mais atenta permitiu ver, cada vez com maior clareza e mais ampla aceitação entre os estudiosos, a sua natureza de ‘dramatização’ literária com valor apologético”(18). Essa conclusão seria comprovada pelo fato de que “a hipótese de uma traição ou de um renegamento é profundamente incompreensível e injusta com os discípulos”(19). Estes teriam traído Jesus no momento da prova suprema, teriam sido ingratos e sem coração. O que, para o autor, é inadmissível. Por outro lado, o escândalo vale para os romanos, não para os judeus: “Os criminosos de Roma eram os heróis do povo por eles subjugado”(20).
A cruz de Cristo, na ótica completamente positiva pintada por Torres Queiruga, não é o que afasta, o lugar da solidão. Ao contrário, é o ponto coagulante da fé: “A crucifixão, com o horrível escândalo da sua injustiça, aparece como o catalisador mais determinante para compreender que o que aconteceu na cruz não podia ser a conclusão definitiva”(21). A cruz não é um ponto de fuga, mas de “virada”. Uma conclusão obrigatória, para Torres Queiruga, na medida em que, entre a morte de Jesus e a fé da Igreja nascente, não acontece nada. O idealismo, como filosofia do não acontecimento, implica um curto circuito segundo o qual a fé deve preceder o evento, não seguir-se a ele. O argumento segundo o qual os discípulos fogem, apavorados e desmoralizados, tem lá a “sua força”, como reconhece o autor, mas, mesmo assim, não pode ser admitido. O vazio deve produzir o cheio, a morte deve-se transformar em idéia do Ressuscitado, em vez de gerar escândalo, fuga, desorientação. Se assim não fosse, teríamos “apologética”, não história. Na sua efetividade, o morto é uma bandeira, o símbolo de uma vida que não podia acabar.
É interessante transcrever outro texto de Borghesi, porque a mesma citação de Bultmann que ele destaca na obra de Queiruga encontra-se no prefácio do livro de Queiruga que foi adotado pelo Professor Gustavo para o curso de Teologia:
O senhor [Queiruga] tem a firme convicção de que a transmissão e a compreensão da fé, no mundo contemporâneo, exige, na teologia, uma “mudança de paradigma”, a “necessidade de uma mudança global e estrutural”. Para isso, é necessária uma “desconstrução da visão tradicional”, uma desconstrução “das narrativas pascais”, que leve a uma “leitura não fundamentalista” dessas narrativas, ou seja, a uma leitura não literal. Ao dizer isso, o senhor assume como guia e mestre Rudolf Bultmann, o qual “demonstrou de maneira irreversível ser ‘mitológica’” a visão neotestamentária tal como é expressa na linguagem (ingenuamente) realista dos Evangelhos. Para Bultmann, “é mitológica a concepção em que o não-mundano, o divino aparece como mundano, humano, e o além como aquém”.
É mitológica, portanto, toda a Revelação cristã, na medida em que entende a ação de Deus de modo histórico-empírico; são mitológicos os milagres, sinais sensíveis do poder divino. Como afirma Bultmann, com desarmante simplicidade: “Não nos podemos servir da luz elétrica e do rádio, ou recorrer, em caso de doença, às modernas descobertas médicas e clínicas, e ao mesmo tempo crer no mundo dos espíritos e dos milagres propostos pelo Novo Testamento”. O senhor [Queiruga] não adere às mesmas conclusões radicais do teólogo de Marburg. Segue-o, porém, na idéia de fundo, segundo a qual o discurso neotestamentário, “enquanto discurso mitológico, não é crível para os homens de hoje”. Essa convicção o leva a ter certeza de que chegou a hora de uma reviravolta geral na teologia do Jesus ressuscitado.
E como seria essa nova “teologia do Jesus Ressuscitado” proposta pelo Queiruga? Certamente, contraria frontalmente a doutrina católica. Prossegue Massimo Borghesi:
“O primeiro e fundamental pressuposto de Bultmann é bem expresso por David Friedrich Strauss em sua Leben Iesu, de 1835: “O divino não pode ter acontecido assim (em primeiro lugar, de um modo imediato, e, também, de um modo ordinário) ou, por outra, o que aconteceu assim não pode ser divino”(12). Trata-se do postulado racionalista segundo o qual Deus (se existe) não pode agir ou manifestar-se sensivelmente no espaço e no tempo. Deus não pode ser causa de eventos particulares, mas apenas fonte de leis universais. Isso leva Strauss (e com ele Bultmann) a uma “filosofia do não-acontecimento”( 13), a uma teoria que é a negação sistemática da possibilidade da Encarnação.”
Como mostra o autor italiano, é exatamente esse o pensamento de Queiruga: negar a encarnação e, portanto, a Revelação plena de Deus em Jesus, para substituí-la por uma “maiêutica” histórica em que Jesus seria uma espécie de “novo Sócrates” que, gnosticamente, despertaria o Deus adormecido dentro de cada um de nós. Pura gnose, e gnose maçônica (vide as citações que Queiruga faz de de Lessing, maçom de alto grau), que Queiruga expressamente repete no capítulo cinco do seu livro “ A Revelação de Deus na realização Humana”, adotado por Padre Gustavo no nosso curso de teologia. Prossegue o italiano Massimo Borghesi, desmascarando o pensamento implícito de Queiruga de que Deus não pode manifestar-se na história::
“Isso não surpreende. Desde o Deus sive natura de Spinoza, até o “largo fosso” entre as casuais verdades históricas e as verdades universais de Lessing até a crítica da fé supersticiosa de Kant, o procedimento é o mesmo: Deus não pode se manifestar na história. O panteísmo e o deísmo, de pontos de vista diversos, se opõem tanto ao Antigo quanto ao Novo Testamento, tanto à fé hebraica quanto à fé cristã. Estranhamente, o senhor, em seu livro Ripensare la risurrezione, adere a esse ponto de vista criticando o “deísmo intervencionista [sic!]”, segundo o qual Deus opera mediante “milagres”, ou seja, intervenções específicas no espaço e no tempo. Para o senhor, essa idéia do divino, que se expressa nas orações e nas fórmulas da piedade cristã, é expressão de um “esquema imaginativo” (kantiano) de uma mentalidade ingênua, popular, que não compreende que Deus, na realidade, não opera mediante milagres, mas mediante uma creatio continua que não viola a autonomia do mundo, com suas leis naturais. A cada instante, Deus faz “tudo o que é possível: ‘poeta do mundo’, procura levá-lo à máxima realização que lhe permitem os limites e as incompatibilidades inerentes a sua finitude”.
Assim, o senhor volta (conscientemente) a Leibniz e a sua idéia do melhor dos mundos possíveis. “Deus ‘poderia’ não ter criado o mundo, mas, se o criou, ele é finito e, se é finito, nele não podem deixar de estar presentes a carência e a contradição: o mal. Do contrário, o mundo seria infinito como Deus”(17). Dessa forma, “o mal, como já vira Leibniz [...], tem sua condição de possibilidade na finitude”(18). Deus, criando o mundo enquanto finito, cria, com ele, a necessidade do mal. O mal é necessariamente congênito à finitude, ontologicamente intrínseco à natureza finita.
Não sei se o senhor se dá conta do caráter “gnóstico” dessa posição e de sua inconciliabilidade com a doutrina cristã. Seja como for, é estranho como esse “retorno a Leibniz” ignora as críticas de Voltaire, críticas que trazem à tona, com toda a evidência, os limites da teodicéia racionalista. Para ela, com o cristianismo, nada realmente novo acontece, novo, mais uma vez, em relação às causas antecedentes. A “teologia do não acontecimento” é aquela segundo a qual o cristianismo é reduzido a manifestação de um processo em ato, a desvelamento daquilo que, implicitamente, já está presente na natureza. Se não existem milagres e a ação divina é imanente à natureza, a “Revelação”, então, passa a ser o ato de conhecimento mediante o qual o homem religioso se dá conta do caráter divino do mundo. A “Revelação” passa a coincidir com uma gnose salvífica. “Definitivamente, a revelação consiste em ‘dar-se conta’ de que Deus, como origem fundadora e amor comunicativo, ‘já está dentro’, na medida em que habita a criação e nela se manifesta. A revelação permite que seja visto sobretudo no ser humano, procurando levar-nos a descobrir sua presença, vencendo nossa cegueira e quebrando nossas resistências: ‘Noli foras ire: in interiore homine habitat veritas’”(19). A Revelação se reduz, aqui, a um processo imanente, “maiêutico”, socrático. Ela não traz algo realmente novo – a idéia da sobrevivência após a morte é universal –, mas esclarece e reconfigura uma certeza implícita, é a oportunidade de passar de uma fé confusa para uma fé clara e bem definida. “Como maiêutica, a palavra reveladora é necessária para despertar e levar os olhos a se abrirem; não introduz algo estranho, mas ajuda a descobrir na própria realidade a presença salvadora que a habita e a dinamiza”(20). O cristianismo se transforma numa “maiêutica histórica”(21). Cristo é um novo Sócrates que ajuda os discípulos a encontrarem, em sua experiência interior, a certeza de uma experiência de ressurreição que não precisa de nenhuma confirmação exterior.”
Quem quiser, portanto, que julgue por si mesmo.
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