Vale a pena transcrever a citação de Martin Buber:
“Deus. É essa, de todas as palavras humanas, a que arrasta consigo a carga mais pesada. Não há outra palavra que tenha sido tão conspurcada e aviltada. Justamente por isso não posso renunciar a ela. Sobre essa palavra as gerações dos homens colocaram todo o fardo de suas angústias, rolaram-na e derrubaram-na por terra; ela encontra-se no pó, esmagada pelo peso de todos eles. Com suas divisões religiosas, as gerações dos homens a dilaceraram; por ela mataram e por ela morreram; ela carrega em si os vestígios e o sangue de todas as gerações. Onde poderia eu encontrar palavra igual para designar o Altíssimo? Se tomasse o conceito filosófico mais puro e mais brilhante do mais íntimo tesouro dos filósofos, não enconraria nele senão uma pálida imagem, mas jamais a presença daquele de quem estou falando, daquele que as gerações dos homens exaltaram e humilharam com sua vida e sua morte. É a ele que me refiro, é a ele que se referem as castigadas gerações dos homens que querem conquistar os céus. É verdade que eles desenham uma carta qualquer e escrevem embaixo “Deus”; matam-se uns aos outros dizendo “em nome de Deus”. Mas, quando toda a sua loucura e engodo passam, quando se defrontam com ele no mais recôndito de sua solidão e deixam de dizer “Ele, Ele”, passando a suspirar “Tu, Tu”, quando todos gritam o Uno, e quando então acrescentam “Deus”, não é o Deus real que eles invocam, o Único vivo, o Deus dos filhos dos homens?! Não é Ele que os escuta? Ele que os ouve? Não é justamente por isso que Deus é a palavra de invocação, a palavra que se tornou nome, por todos os tempos santificada, em todas as línguas dos homens? Os que a rejeitam por se rebelarem contra a injustiça e os abusos dos que tanto buscam dominar os outros em nome de Deus precisam ser respeitados, mas nós não podemos desistir. É compreensível que muitos proponham que por algum tempo não se fale das “últimas coisas”, a fim de remir as palavras que se têm profanado! Mas não é assim que essas palavras devem ser redimidas. Não podemos lavar a palavra “Deus”, nem podemos consertá-la, mas podemos, rasgada e manchada como está, levantá-la do chão e erguê-la nas horas de grandes preocupações”. (Martin Buber, Eclipse de Deus, Ed. Verus, pág. 13).
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