Lamentável, quero repetir, que o Padre Fábio de Melo tenha indicado publicamente o autor “católico” Queiruga para os seus espectadores. Tratei ontem um pouco a respeito disso. Mas há mais. Queiruga cita o maçom Lessing a partir da página 127 do livro “a Revelação de Deus na Realização humana”, de sua autoria. Fica claro que Queiruga adota dois pressupostos maçônicos em seu pensamento: a “educação do gênero humano”, ou a equiparação entre “revelação” e “educação”, bem a igualdade e a fraternidade irremediável entre todos os homens, que impediria Deus de fazer “acepção” de pessoas e escolher apenas um povo para revelar-se positivamente, negando a diferença essencial entre a revelação judaico-cristã e a dos outros povos, reduzindo essa diferença a uma questão de grau.
Quanto à equiparação entre “revelação” e “educação do gênero humano”, bem própria do jargão maçom, Queiruga assume como seu o pensamento do maçom Lessing, dizendo na página 127:
“Lessing obtém assim uma primeira intuição e um esclarecimento nítido: 'o que é a educação para o indivíduo, isso é a revelação para o gênero humano”.
Poder-se-ia arguir, em defesa de Queiruga, que a Igreja é “Mater et Magistra”, e que portanto a ideia de educação da humanidade não é estranha ao cristianismo. Essa defesa, porém, torna-se impossível quando o próprio Queiruga afirma que seu conceito gnóstico de revelação como maiêutica está na linha do “livre exame das escrituras” defendido pelo que ele chama de “grandes reformadores”, na página 119 de seu livro – conceito que é compatibilíssimo com a doutrina maçônica, mas não com o ensinamento cristão. Queiruga diz; na página 119: “Sem pretender, em absoluto, forçar as coisas, pode-se afirmar que esta estrutura maiêutica lateja no fundo do que os grandes reformadores buscavam ao insistir no caráter atual da inspiração da Escritura no coração do crente, graças à ação do Espírito. Calvino, sobretudo, insistiu vigorosamente neste aspecto; 'É necessário, portanto, que o mesmo Espírito Santo que falou pela boca dos profetas entre em nossos corações e os toque no mais profundo com sua ação vivificadora, para persuadi-los de que os profetas expuseram fielmente quanto fora enviado do alto'. Por isso a Sagrada Escritura é o 'instrumento de que se serve o Senhor para dispensar a seus fiéis a iluminação de seu Espírito'”. O livre exame, na forma descrita nesse trecho de Queiruga, torna a Igreja desnecessária, quer como Mãe, quer como Mestra. Portanto, um católico, que tem na Igreja sua Mãe e Mestra, não pode ser maçom. Mas um protestante, que acredita, com Calvino, ter a posse direta do Espírito Santo a lhe “educar” individualmente, a pertença maçônica não é incompatível. É por isso que tantos protestantes foram grandes maçons, como Hegel (que também fundamenta o pensamento de Queiruga em vários pontos), mas a Igreja sempre considerou ilícita a participação de um católico na Maçonaria (Código de Direito Canônico, cânon 1374 e documento”Declaração sobre a Maçonaria” da Congregação para a Doutrina da Fé, 1983). Isso não tem refreado alguns católicos, até mesmo alguns sacerdotes.
A respeito da igualdade essencial entre a revelação bíblica e a revelação a todos os povos, sendo a especificidade bíblica atribuível apenas ao seu “grau” (o que levaria, no extremo, a negar a diferença essencial entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ordenado, reduzindo-o também a uma diferença acidental de grau, proporcional àquela existente entre a religião judaico-crista e as outras), também é perfeitamente coerente com os princípios maçons, como expostos por Dom Boaventura Kloppenburg no seu livro Igreja e Maçonaria (5ª Edição, Petrópolis, Vozes, 2000, páginas 240/241), mas incompatível com a doutrina católica. Dom Kloppenburg denuncia que é princípio da Maçonaria que “o meio ambiente em que vive e respira o indivíduo humano deve manter-se rigorosamente neutro, sem hostilizar nem favorecer religião alguma determinada, nem mesmo a religião cristã”. Também é princípio da Maçonaria que “todas as religiões são boas e iguais perante Deus (obra citada, pág. 241). Dom Boaventura, brilhante cérebro católico, esclarece logo em seguida que “ a Igreja Católica aceita e defende os elementos verdadeiros da religião natural e abraça com amor e gratidão a religião Cristã, sabendo ser impossível permanecer indiferente perante Cristo: 'quem não for por mim, será contra mim' (Lc 11,23)”. Muito diferente da interpretação maliciosa que o Queiruga dá do trecho da Lumen Gentium que transcreve na página 150 do seu livro. Quem sabe é a forma maçônica de argumentar, que ele teria aprendido com seu mestre Gotthold Epraim Lessing, citado na página 127 do livro.
No entanto, coerente com os princípios maçônicos de Lessing, Queiruga proíbe Deus de “escolher um povo”, de ter seu “Povo Escolhido”, quando diz claramente na página 150 do seu livro que “o esquema vulgar-tradicional – claro em seu esquematismo conceptual, mas horrível em seu simplismo salvífico – de um Deus que se revela a um só povo, permanecendo totalmente ausente de todos os demais que nada experimentam da sua presença nem da sua força salvadora passou totalmente.” Chega a citar de forma completamente enviezada a Lumen Gentium 16, de modo contrário à interpretação autêntica dada pelo documento Dominus Jesus (CDF, 2000), como se no reconhecimento da “preparação evangélica” pela Igreja houvesse o reconhecimento da doutrina maçônica da igualdade essencial das religiões.
E o faz com uma estratégia que ele usa maliciosamente em todo o livro: exagera negativamente uma doutrina verdadeira, de modo a torná-la ridícula, e depois a nega, como superada. No caso, ele diz que “passou definitivamente” o “esquema vulgar-conceptual” de um “Deus que se revela a um só povo”, e que permaneceria “totalmente ausente de todos os demais, que nada experimentariam de sua presença nem de sua força salvadora”. Ora, como pode ter “passado” uma doutrina que nunca existiu, senão na distorção do Queiruga? Ninguém nunca defendeu, em teologia católica ou no Magistério da Igreja, que Deus permanecia “totalmente ausente” de todos os demais povos, nem que esses “nada experimentavam de sua presença nem de sua força salvadora”. A doutrina dos “logoi spermatikoi” é clara à Igreja Católica como elaboração Magisterial desde São Justino Mártir, fundamentada, aliás, na palavra bíblica de São Paulo, na Epístola aos Romanos, 1, 20-21. Queiruga não diz de onde tirou essa ideia de que alguém defendia a total ausência de Deus da vida dos outros povos, mas usa a insinuação de que o Magistério em algum momento do passado defendera isto, e o faz com muita sutileza. E o faz para fundamentar a sua tese de que toda religião é igual, contrapondo a ela (como o que seria a única alternativa) uma doutrina absurda que ele mesmo inventa e ardilosamente deixa no ar como se já tivesse sido defendida pela Igreja, para insinuar que quem não aceitar a posição que defende só tem por alternativa aderir a uma “concepção vulgar-tradicional” que “passou totalmente”. Ele quer, portanto, que acreditemos que nossa opção restringe-se a abraçar a posição da Maçonaria (que não está na Lumen Gentium, senão em sua citação descontextualizada) ou a cair num “esquema vulgar tradicional” que “já passou”. Note-se, portanto, como é pernicioso o modo “Queiruga” de argumentar, principalmente quando entregue a jovens seminaristas ou a admiradores pouco preparados do Pe. Fábio.
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