Uma forte corrente, no campo da ética, tende a "justificar" o homem em razão de uma "opção fundamental" por Deus, desvinculada de suas escolhas cotidianas. essa corrente, que exerce ainda grande influência mesmo no interior da teologia moral católica, defende que, uma vez optando, num plano fundamentalmente transcendente, pelo Bem, por Deus, nenhuma escolha concreta do homem pode determinar seu afastamento de Deus e, no limite, a sua perda.
Com isso, abre-se o espaço para justificar e tolerar quaisquer condutas concretas, como se ninguém, salvo o que a realiza, pudesse determinar de antemão a sua moralidade. Não haveria, para tais moralistas, nenhuma conduta intrinsecamente má, ou seja, que não pudesse, diante das circunstãncias concretas de uma situação, ser objeto de eleição pelo sujeito. E mais, apenas o próprio sujeito estaria apto a discernir, a partir da sua própria posição existencial, sobre a correção da sua conduta. Uma vez que ele continue como alguém cuja "orientação fundamental" seja pelo Bem, não importa se concretamente ele sempre pratique o mal.
essa orientação moral tem tantos e tão intusiasmados defensores, que é difícil encontrar, mesmo nas casas publicadoras cristãs, quem tenha escrito, contemporaneamente, em matéria de moral, defendendo posição diversa dessa, e tenha conseguido publicar.
Por isso, precisamos recorrer aos documentos da Igreja. Como por exemplo, o trecho abaixo, item III do capítulo II da encíclica O Esplendor da Verdade" (veritatis splendor), que já comentei em outras ocasiões. Em suma, esse trecho da encíclica diz o seguinte:
O interesse contemporâneo pela liberdade tem acentuado a importância de algumas opções fundantes, formadoras, em especial as decisões sobre si mesmo perante o bem, perante Deus, que é como sulco dentro do qual as demais opções cotidianas encontram espaço e incremento.
Mas alguns autores radicalizam essa posição, atribuindo a essa “opção fundamental” uma importância tal que a desvincula dos atos particulares, vistos como meras tentativas parciais e nunca decisivas de exprimi-la, mas incapazes de determinar a liberdade do homem.
Assim, alguns autores atribuem uma distinção entre tal opção fundamental e as escolhas de comportamentos concretos. O “bem” e o “mal” estaria, confinados, então, à dimensão transcendental própria da opção fundamental, enquanto as opções mundanas estariam apenas na categoria do “justo” e do “errado”, envolvendo as relações do homem consigo mesmo, com os outros e com as coisas, avaliadas apenas sob um aspecto de proporcionalidade.
É claro que tal escolha fundamental é de crucial importância, como demonstra a Bíblia – veja-se Gl 5,6, ou Ex 20, 2, e tantas parábolas que retratam o reino como valor mais alto a ser buscado, com o chamado de Jesus ao seguimento. Mas a própria Bíblia convida a fazer frutificar as obras e cuidar para não recair na escravidão (Gl 5,1).
Isso demonstra que a opção fundamental deve realizar-se sempre através de escolhas concretas conscientes e coerentes. Ela fica, pois, invalidada, quando o homem compromete a sua liberdade em escolhas conscientes de sentido contrário, relativas a matéria moral grave.
Não se pode cindir a moralidade em uma grande “intenção para o bem”, por um lado, e um proporcionalismo que ignora a dignidade e a vocação integral da pessoa humana, nas respectivas escolhas concretas, por outro. Cada escolha implica sempre uma referência da vontade deliberada aos bens ou males que são indicados pela lei natural como bens a fazer e males a evitar.
A prudência deve sempre sopesar situações concretas, mas jamais pode negar a existência de atos intrinsecamente maus, que não poderão jamais ser objeto de escolhas concretas. Assim, a ideia de que, devido a uma escolha fundamental pela Caridade, o homem poder-se-ia manter na graça e no caminho da salvação mesmo quando alguns dos seus comportamentos concretos são deliberada e livremente contrários aos mandamentos de Deus ou da Igreja é falsa.
A infidelidade à opção fundamental revela-se positivamente nas escolhas concretas, que, encaminhando-se no sentido do pecado mortal, tornam o homem culpável perante toda a lei (Tg 2, 8-11) e o fazem perder a graça santificante.
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