Eu fico bastante preocupado com determinadas “correntes liberais” do direito penal, que, se apresentando como “minimalistas”, querem excusar o homem por tudo excluindo a responsabilidade penal em praticamente qualquer situação. Vale dizer, há sempre um motivo, uma razão para não condenar um “coitadinho” que, por causa de “condicionamentos sociais”, quer dizer, por “culpa” da sociedade, comete um crime. Recentemente, uma tese prevaleceu, numa decisão judicial, no sentido de excluir o aumento de pena por reincidência, sob o pretexto de que, na reincidência, foi o Estado que falhou em ressocializar o indivíduo, e, portanto, o verdadeiro culpado pela reincidência é o estado, não o indivíduo. É interessante discutir as consequências de uma posição assim.
A legitimidade do estado democrático decorre da capacidade dos cidadãos de escolherem adequadamente os seus próprios governantes, vale dizer, toda legitimidade democrática decorre de uma presumida capacidade do cidadão de participar pessoalmente da formação da vontade coletiva.
Não há vontade coletiva válida onde os cidadãos não são pessoalmente capazes de tomar decisões responsáveis frente ao Estado e de sofrer as consequências de tais decisões. Não há democracia sem um direito penal claro e eficaz. A contrapartida inafastável da capacidade cidadã de decidir, que torna legítima a escolha eleitoral, é a responsabilidade perante um sistema penal democraticamente estabelecido. Numa sociedade verdadeiramente democrática, a urna e a pena criminal são irmãs.
É por isso que somente tem responsabilidade penal o cidadão que, presumivelmente, é capaz de tomar decisões que o vinculam e aos seus concidadãos, ou seja, que é capaz de, com sua vontade deliberada e pessoal, contribuir com a formação da vontade coletiva. O inimputável é democraticamente irrelevante.
Numa sociedade onde os cidadãos não são responsáveis pela sua própria "socialização", ou seja, onde o Estado é considerado o único responsável pelas repetidas condutas de um cidadão que se obstina em agir contra a lei, a capacidade de decidir, de escolher e de formar vontade coletiva tampouco pertence a esse cidadão.
E como essa regra penal de inimputabilidade é abstrata, tampouco pertence a todos os outros que podem, em tese, colocar-se na mesma situação, isto é, qualquer cidadão. Se o estado é o único responsável pela escolha que resultou na reincidência, também, no fundo, é o único responsável pela escolha que resultou no primeiro crime, que também é uma decisão antissocial tomada por um sujeito que, presumivelmente, o Estado falhou em socializar. Então somos todos inimputáveis. E uma sociedade assim, uma sociedade de inimputáveis, terá forçosamente que submeter-se a um governo autocrático, porque é composta de sujeitos incapazes de fazer escolhas pessoais responsáveis.
Dito claramente, se são as lombrigas que determinam as escolhas criminosas de um cidadão (e não a sua liberdade humana intrínseca), e excluem, portanto, sua responsabilidade penal, também são elas que determinam de igual modo suas escolhas eleitorais, e excluem, portanto, a sua capacidade e retiram a legitimidade dos processos democráticos em que eles estão envolvidos. Uma eleição com a participação majoritária de sujeitos assim, penalmente irresponsáveis, de sujeitos presumidamente inimputáveis em qualquer grau, teria, no fundo, o valor de um exame de fezes.
No limite, os minimalistas penais seriam, também, portanto, minimalistas democráticos ou maximalistas autoritários. Não há, num sistema democrático, como reduzir a responsabilidade penal sem, igualmente, negar em algum grau a liberdade pessoal humana e reduzir, consequentemente, a capacidade de escolha e, por consequência, a legitimidade das escolhas políticas coletivas dos cidadãos.
E eis como um discurso aparentemente "politicamente correto" e "socialmente avançado" conduz ao autoritarismo, porque numa sociedade assim, composta por "inimputáveis", somente o governo dos "iluminados" capazes de guiar a "massa irresponsável" para os seus verdadeiros "interesses" que só esses "iluminados", livres, por um lado, das lombrigas, e por outro, cheios de "conhecimento" e "amor" pelo "povo explorado", enxergam, seria uma verdadeira democracia. Bom, já sabemos onde vão parar os países governados por pessoas que pensam assim, e não estão assim tão longe do nosso.
Leituras, opiniões e ideias de um católico. Contatos no email paulovjacobina@gmail.com
sábado, 24 de abril de 2010
sexta-feira, 23 de abril de 2010
A opção fundamental e as decisões concretas
Uma forte corrente, no campo da ética, tende a "justificar" o homem em razão de uma "opção fundamental" por Deus, desvinculada de suas escolhas cotidianas. essa corrente, que exerce ainda grande influência mesmo no interior da teologia moral católica, defende que, uma vez optando, num plano fundamentalmente transcendente, pelo Bem, por Deus, nenhuma escolha concreta do homem pode determinar seu afastamento de Deus e, no limite, a sua perda.
Com isso, abre-se o espaço para justificar e tolerar quaisquer condutas concretas, como se ninguém, salvo o que a realiza, pudesse determinar de antemão a sua moralidade. Não haveria, para tais moralistas, nenhuma conduta intrinsecamente má, ou seja, que não pudesse, diante das circunstãncias concretas de uma situação, ser objeto de eleição pelo sujeito. E mais, apenas o próprio sujeito estaria apto a discernir, a partir da sua própria posição existencial, sobre a correção da sua conduta. Uma vez que ele continue como alguém cuja "orientação fundamental" seja pelo Bem, não importa se concretamente ele sempre pratique o mal.
essa orientação moral tem tantos e tão intusiasmados defensores, que é difícil encontrar, mesmo nas casas publicadoras cristãs, quem tenha escrito, contemporaneamente, em matéria de moral, defendendo posição diversa dessa, e tenha conseguido publicar.
Por isso, precisamos recorrer aos documentos da Igreja. Como por exemplo, o trecho abaixo, item III do capítulo II da encíclica O Esplendor da Verdade" (veritatis splendor), que já comentei em outras ocasiões. Em suma, esse trecho da encíclica diz o seguinte:
O interesse contemporâneo pela liberdade tem acentuado a importância de algumas opções fundantes, formadoras, em especial as decisões sobre si mesmo perante o bem, perante Deus, que é como sulco dentro do qual as demais opções cotidianas encontram espaço e incremento.
Mas alguns autores radicalizam essa posição, atribuindo a essa “opção fundamental” uma importância tal que a desvincula dos atos particulares, vistos como meras tentativas parciais e nunca decisivas de exprimi-la, mas incapazes de determinar a liberdade do homem.
Assim, alguns autores atribuem uma distinção entre tal opção fundamental e as escolhas de comportamentos concretos. O “bem” e o “mal” estaria, confinados, então, à dimensão transcendental própria da opção fundamental, enquanto as opções mundanas estariam apenas na categoria do “justo” e do “errado”, envolvendo as relações do homem consigo mesmo, com os outros e com as coisas, avaliadas apenas sob um aspecto de proporcionalidade.
É claro que tal escolha fundamental é de crucial importância, como demonstra a Bíblia – veja-se Gl 5,6, ou Ex 20, 2, e tantas parábolas que retratam o reino como valor mais alto a ser buscado, com o chamado de Jesus ao seguimento. Mas a própria Bíblia convida a fazer frutificar as obras e cuidar para não recair na escravidão (Gl 5,1).
Isso demonstra que a opção fundamental deve realizar-se sempre através de escolhas concretas conscientes e coerentes. Ela fica, pois, invalidada, quando o homem compromete a sua liberdade em escolhas conscientes de sentido contrário, relativas a matéria moral grave.
Não se pode cindir a moralidade em uma grande “intenção para o bem”, por um lado, e um proporcionalismo que ignora a dignidade e a vocação integral da pessoa humana, nas respectivas escolhas concretas, por outro. Cada escolha implica sempre uma referência da vontade deliberada aos bens ou males que são indicados pela lei natural como bens a fazer e males a evitar.
A prudência deve sempre sopesar situações concretas, mas jamais pode negar a existência de atos intrinsecamente maus, que não poderão jamais ser objeto de escolhas concretas. Assim, a ideia de que, devido a uma escolha fundamental pela Caridade, o homem poder-se-ia manter na graça e no caminho da salvação mesmo quando alguns dos seus comportamentos concretos são deliberada e livremente contrários aos mandamentos de Deus ou da Igreja é falsa.
A infidelidade à opção fundamental revela-se positivamente nas escolhas concretas, que, encaminhando-se no sentido do pecado mortal, tornam o homem culpável perante toda a lei (Tg 2, 8-11) e o fazem perder a graça santificante.
Com isso, abre-se o espaço para justificar e tolerar quaisquer condutas concretas, como se ninguém, salvo o que a realiza, pudesse determinar de antemão a sua moralidade. Não haveria, para tais moralistas, nenhuma conduta intrinsecamente má, ou seja, que não pudesse, diante das circunstãncias concretas de uma situação, ser objeto de eleição pelo sujeito. E mais, apenas o próprio sujeito estaria apto a discernir, a partir da sua própria posição existencial, sobre a correção da sua conduta. Uma vez que ele continue como alguém cuja "orientação fundamental" seja pelo Bem, não importa se concretamente ele sempre pratique o mal.
essa orientação moral tem tantos e tão intusiasmados defensores, que é difícil encontrar, mesmo nas casas publicadoras cristãs, quem tenha escrito, contemporaneamente, em matéria de moral, defendendo posição diversa dessa, e tenha conseguido publicar.
Por isso, precisamos recorrer aos documentos da Igreja. Como por exemplo, o trecho abaixo, item III do capítulo II da encíclica O Esplendor da Verdade" (veritatis splendor), que já comentei em outras ocasiões. Em suma, esse trecho da encíclica diz o seguinte:
O interesse contemporâneo pela liberdade tem acentuado a importância de algumas opções fundantes, formadoras, em especial as decisões sobre si mesmo perante o bem, perante Deus, que é como sulco dentro do qual as demais opções cotidianas encontram espaço e incremento.
Mas alguns autores radicalizam essa posição, atribuindo a essa “opção fundamental” uma importância tal que a desvincula dos atos particulares, vistos como meras tentativas parciais e nunca decisivas de exprimi-la, mas incapazes de determinar a liberdade do homem.
Assim, alguns autores atribuem uma distinção entre tal opção fundamental e as escolhas de comportamentos concretos. O “bem” e o “mal” estaria, confinados, então, à dimensão transcendental própria da opção fundamental, enquanto as opções mundanas estariam apenas na categoria do “justo” e do “errado”, envolvendo as relações do homem consigo mesmo, com os outros e com as coisas, avaliadas apenas sob um aspecto de proporcionalidade.
É claro que tal escolha fundamental é de crucial importância, como demonstra a Bíblia – veja-se Gl 5,6, ou Ex 20, 2, e tantas parábolas que retratam o reino como valor mais alto a ser buscado, com o chamado de Jesus ao seguimento. Mas a própria Bíblia convida a fazer frutificar as obras e cuidar para não recair na escravidão (Gl 5,1).
Isso demonstra que a opção fundamental deve realizar-se sempre através de escolhas concretas conscientes e coerentes. Ela fica, pois, invalidada, quando o homem compromete a sua liberdade em escolhas conscientes de sentido contrário, relativas a matéria moral grave.
Não se pode cindir a moralidade em uma grande “intenção para o bem”, por um lado, e um proporcionalismo que ignora a dignidade e a vocação integral da pessoa humana, nas respectivas escolhas concretas, por outro. Cada escolha implica sempre uma referência da vontade deliberada aos bens ou males que são indicados pela lei natural como bens a fazer e males a evitar.
A prudência deve sempre sopesar situações concretas, mas jamais pode negar a existência de atos intrinsecamente maus, que não poderão jamais ser objeto de escolhas concretas. Assim, a ideia de que, devido a uma escolha fundamental pela Caridade, o homem poder-se-ia manter na graça e no caminho da salvação mesmo quando alguns dos seus comportamentos concretos são deliberada e livremente contrários aos mandamentos de Deus ou da Igreja é falsa.
A infidelidade à opção fundamental revela-se positivamente nas escolhas concretas, que, encaminhando-se no sentido do pecado mortal, tornam o homem culpável perante toda a lei (Tg 2, 8-11) e o fazem perder a graça santificante.
terça-feira, 20 de abril de 2010
Martin Buber e a palavra "Deus"
Vale a pena transcrever a citação de Martin Buber:
“Deus. É essa, de todas as palavras humanas, a que arrasta consigo a carga mais pesada. Não há outra palavra que tenha sido tão conspurcada e aviltada. Justamente por isso não posso renunciar a ela. Sobre essa palavra as gerações dos homens colocaram todo o fardo de suas angústias, rolaram-na e derrubaram-na por terra; ela encontra-se no pó, esmagada pelo peso de todos eles. Com suas divisões religiosas, as gerações dos homens a dilaceraram; por ela mataram e por ela morreram; ela carrega em si os vestígios e o sangue de todas as gerações. Onde poderia eu encontrar palavra igual para designar o Altíssimo? Se tomasse o conceito filosófico mais puro e mais brilhante do mais íntimo tesouro dos filósofos, não enconraria nele senão uma pálida imagem, mas jamais a presença daquele de quem estou falando, daquele que as gerações dos homens exaltaram e humilharam com sua vida e sua morte. É a ele que me refiro, é a ele que se referem as castigadas gerações dos homens que querem conquistar os céus. É verdade que eles desenham uma carta qualquer e escrevem embaixo “Deus”; matam-se uns aos outros dizendo “em nome de Deus”. Mas, quando toda a sua loucura e engodo passam, quando se defrontam com ele no mais recôndito de sua solidão e deixam de dizer “Ele, Ele”, passando a suspirar “Tu, Tu”, quando todos gritam o Uno, e quando então acrescentam “Deus”, não é o Deus real que eles invocam, o Único vivo, o Deus dos filhos dos homens?! Não é Ele que os escuta? Ele que os ouve? Não é justamente por isso que Deus é a palavra de invocação, a palavra que se tornou nome, por todos os tempos santificada, em todas as línguas dos homens? Os que a rejeitam por se rebelarem contra a injustiça e os abusos dos que tanto buscam dominar os outros em nome de Deus precisam ser respeitados, mas nós não podemos desistir. É compreensível que muitos proponham que por algum tempo não se fale das “últimas coisas”, a fim de remir as palavras que se têm profanado! Mas não é assim que essas palavras devem ser redimidas. Não podemos lavar a palavra “Deus”, nem podemos consertá-la, mas podemos, rasgada e manchada como está, levantá-la do chão e erguê-la nas horas de grandes preocupações”. (Martin Buber, Eclipse de Deus, Ed. Verus, pág. 13).
“Deus. É essa, de todas as palavras humanas, a que arrasta consigo a carga mais pesada. Não há outra palavra que tenha sido tão conspurcada e aviltada. Justamente por isso não posso renunciar a ela. Sobre essa palavra as gerações dos homens colocaram todo o fardo de suas angústias, rolaram-na e derrubaram-na por terra; ela encontra-se no pó, esmagada pelo peso de todos eles. Com suas divisões religiosas, as gerações dos homens a dilaceraram; por ela mataram e por ela morreram; ela carrega em si os vestígios e o sangue de todas as gerações. Onde poderia eu encontrar palavra igual para designar o Altíssimo? Se tomasse o conceito filosófico mais puro e mais brilhante do mais íntimo tesouro dos filósofos, não enconraria nele senão uma pálida imagem, mas jamais a presença daquele de quem estou falando, daquele que as gerações dos homens exaltaram e humilharam com sua vida e sua morte. É a ele que me refiro, é a ele que se referem as castigadas gerações dos homens que querem conquistar os céus. É verdade que eles desenham uma carta qualquer e escrevem embaixo “Deus”; matam-se uns aos outros dizendo “em nome de Deus”. Mas, quando toda a sua loucura e engodo passam, quando se defrontam com ele no mais recôndito de sua solidão e deixam de dizer “Ele, Ele”, passando a suspirar “Tu, Tu”, quando todos gritam o Uno, e quando então acrescentam “Deus”, não é o Deus real que eles invocam, o Único vivo, o Deus dos filhos dos homens?! Não é Ele que os escuta? Ele que os ouve? Não é justamente por isso que Deus é a palavra de invocação, a palavra que se tornou nome, por todos os tempos santificada, em todas as línguas dos homens? Os que a rejeitam por se rebelarem contra a injustiça e os abusos dos que tanto buscam dominar os outros em nome de Deus precisam ser respeitados, mas nós não podemos desistir. É compreensível que muitos proponham que por algum tempo não se fale das “últimas coisas”, a fim de remir as palavras que se têm profanado! Mas não é assim que essas palavras devem ser redimidas. Não podemos lavar a palavra “Deus”, nem podemos consertá-la, mas podemos, rasgada e manchada como está, levantá-la do chão e erguê-la nas horas de grandes preocupações”. (Martin Buber, Eclipse de Deus, Ed. Verus, pág. 13).
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Ainda os erros do Queiruga, recomendado pelo Pe. Fábio de Melo
Ainda trato do Queiruga, porque considero o assunto grave.
O livro “A Revelação de Deus na Realização Humana”, do Padre Andrés Torres-Queiruga, é um livro sofisticado, cheio de doutrinas complexas e vocabulário pesado, repleto de citações eruditas e muita filosofia contemporânea, no entanto perniciosamente contrário ao magistério da Igreja.
Esse mesmo Padre Andrés Torres-Queiruga está afastado do Seminário Católico da sua própria arquidiocese (o ITC), e, ao que consta, nem sequer celebra missa, por causa dessas suas idéias infiéis ao Magistério da Igreja. Tive o cuidado de entrar em contato com aquela Arquidiocese, na qual trabalha o Pe. Queiruga, inclusive esclarecendo àquele Arcebispo quanto à publicação dos livros do Queiruga por aqui, e obtive de lá as seguintes informações:
“Muy estimado hermano:
No sé cual será el libro introducido en los seminarios de este autor. Tiene variaos , no todos con el mismo grado de heterodoxia. Aqui circular entre gentes de grupos progresistas y sin demasiada influencia en la Iglesia en General. La salida del I.T.C fue, por así decirlo por la puerta pequeña. Se "afastó" voluntariamente ante el rechazo generalizado de alumnos y profesores.
La iglesia no se ha pronunciado sobre ninguna dee sus obras, quizás pensando, que dado su escasa influencia, una condena haría más daño que bien. Solo he hablado con el Arzobispo sobre una dee sus obras "Repensar la Resurración" A mi juicio ahí se niega la resurrección física de Jesús y la veracidad de los relatos evangélicos. Como es lógico no lo aprueba. Por otra parte su vinculaciçon con la Iglesia es mínima y Está pendiente de hilo. No tiene nguna resposabiidad ni función de Iglesia, solamente se dedica a la Universidad. Por lo que tengo entendido ni celebra misa.
En otras obras parece poner en tela de juicio la gratuidad de la Redención, que considera como una exigencia de la creación. Otras veces parece considerarlo todo a partir del una mentalidad positivista
Otras veces me acuerdo haberle odo que El mundo de Dios y el nuestro están tan distante que no pueden comunicarse´¿donde queda entonces la Encarnación del Verbo? No obstante hay quienes intentan dar a estas cosas una interpretación ortodoxa...
Lo que creo más positivo es la escasa influencia que tiene aqui y el rechazo de los centros universitarios de de la Iglesia....
En la Paz del Jesús le saluda atentamente.
Oseas
Portanto, estamos publicando por aqui e recomendando publicamente aos fiéis um livro escrito por um padre espanhol cuja vinculação à Igreja está pendente de um fio” e que “nega a ressurreição física de Jesus e a veracidade dos relatos evangélicos”.
Note-se que o servidor daquela Arquidiocese que respondeu à minha correspondência disse que a Igreja não se manifestou expressamente sobre as suas obras (do Queiruga) apenas por uma questão pastoral, já que, dada a sua “escassa influência” uma condenação “faria mais mal do que bem”. Mas há uma condenação expressa da Conferência de Bispos da Espanha às ideias do Queiruga, que ele perniciosamente defende no seu livro aqui adotado.
Como se não bastasse o afastamento do Queiruga pelo seu Arcebispo e a condenação de suas ideias pela Conferência espanhola, grandes teólogos espanhóis e italianos já mostraram a inconsistência intrínseca deste pensamento. É uma teologia tributária da teologia liberal protestante do século XIX, que simplesmente nega as verdades de fé. Assim, a condenação ao Queiruga não se dá por obtusidade ou intolerância, mas por falta de qualidade da obra do Queiruga – falta de qualidade evidente para tais teólogos, como para a Conferência Espanhola, o Arcebispo de Santiago e todos os que resolvam examinar sua obra com os olhos da teologia cristã verdadeira e racional, que são os olhos da Verdadeira Fé. Cito como primeiro exemplo a colocação do teólogo espanhol Padre José María Iraburu (conterrâneo do Queiruga), que, sobre o Queiruga, escreve, na sua obra “Infidelidades em la Iglesia”, o seguinte:
A dissidência escandalosa
Para tipificar a dissidência escandalosa seria preciso analisar, numa tarefa muito penosa, algumas obras –se nos reduzirmos a autores de língua hispânica– de José María Castillo, José María Díez Alegría, Juan Antonio Estrada, Casiano Floristán, Benjamín Forcano, José Gómez-Caffarena, José María González Ruiz, José Ignacio González Faus, Antonio Hortelano, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino, Juan José Tamayo, Andrés Torres-Queiruga, Marciano Vidal, etc. Muitos deles integram a Sociedade de teólogos e teólogas «Jõao XXIII» ou colaboram ao menos em suas campanhas. Não faz muito esta associação afirmava:
«A hierarquía [católica] substituiu o Evangelho pelos dogmas...; a liberdade pela submissão; o seguimento de Jesus cristo pela aplicação rígida do Código de Direito Canônico; o perdão e a misericórdia pelo anátema». A Igreja Católica, na sua prepotência doutrinal, impõe «um único modelo de família, o matrimônio; condena outros modelos, como casais de fato, e a homossexualidade qualificada como enfermidade, desvio natural e desordem moral» (imprensa 8-IX-2003)
Estes e outros autores, sempre que estimam conveniente – quer dizer, com grande frequência–, dissentem da Igreja abertamente, procurando a seu dissentimento a maior publicidade, e inclusive alguns deles a insultam e caluniam nos meios de comunicação. Deixaremo-los de lado, sem comentários. Não sabem que com seu proceder estão pondo em perigo sua salvação eterna; e a de muitos. Se ninguém lhes avisa, nós lhes estamos avisando.
Veja-se as duras críticas dirigidas ao livro do Queiruga por ninguém menos do que o Padre Eduardo Vadillo-Romero. Primeiro, o currículo do Padre Eduardo:
“Sacerdote na diocese de Toledo. Doutor em teologia dogmática (Gregoriana 1999) e ciencias patrísticas (Augustinianum, 2003). É professor do instituto Teológico San Ildefonso (Toledo) e assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Episcopal espanhola. Preparou para a BAC a edição espanhola dos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé.”
Em seguida, o que o referido Padre Eduardo diz sobre os ensinamentos teológicos de Andrés Torres-Queiruga:
“3.2 Dois autores especialmente característicos na Espanha: Torres Queiruga y Vigil
[Acerca de algumas obras destes autores pode-se ver uma exposição crítica
em E.Vadillo, «Teología pluralista de la religión como una nueva fe», em Toletana 14 (2006) 405-421].
Antes de assinalar alguns autores nos quais, a nosso modo de ver, poder-se-iam verificar algumas das deficiências indicadas na Instrução [Instrução Teologia e Secularização na Espanha: aos quarenta anos do fechamento do Concílio Vaticano II, da Conferência Episcopal Espanhola] , é preciso recordar os pontos em que se produzem as maiores faltas nesta matéria. Em geral, poderíamos reduzir a três grandes blocos os erros que estão assinalados na Instrução Pastoral. O primeiro erro está indicado no número 9, é a redução da revelação à percepção subjetiva pela qual se “cai na conta” de Deus que habita em todos nós e que trata de manifestar-se. Uma afirmação desse tipo, segundo a instrução, não vai muito além de um mero desenvolvimento imanente da religiosidade dos povos e deixa de lado um aspecto essencial: a novidade do cristianismo. Consequentemente, não se pode pretender que todas as religiões sejam reveladas, segundo seu grau de desenvolvimento histórico, e, neste sentido, verdadeiras e salvíficas. Uma coisa muito distinta é que o espírito de Deus tenha podido intervir nos homens, culturas e religiões como preparação evangélica, mas, seguindo a indicação da Congregação para a Doutrina da Fé, isto não autoriza a considerar tais religiões “enquanto tais, como vias de salvação”. Um segundo erro que se indica no n.13 é a tendência que se dá a «selecionar» determinados conteúdos da fé, deixjando outros no esquecimento, de maneira que se perde a integridade da fé e não se atende mais ao testemunho divino, mas a razões meramente humanas.
Em terceiro lugar se previne no n.14 contra a redução da linguagem sobre Deus a algo puramente simbólico, que não nos comunicaria quem é Deus. A Instrução adverte que a fé se expressa em afirmações com uma linguagem verdadeira, mesmo que analógica a limitada. Estes três erros estão intimamente relacionados entre si, de maneira que resultam diversas faces de um ensinamento sobre a Revelação que é incompatível com a confissão de fé em Cristo, e inclusive com a própria noção de Deus própria do cristianismo, como veremos logo mais adiante. [...]
[..] Em qualquer caso não é demasiado difícil descobrir, sob a terminologia do “cair em conta” [dar-se conta] e outras afirmações da instrução alguns textos de Andrés Torres-Queiruga.
Para citar um exemplo: «[A Revelação] sai de dentro:consiste justamente em "cair na conta" [dar-se conta] da Presença que nos constitui, nos habita e trata desde sempre de manifestar-se a nós» (A.Torres Queiruga, Fim do cristianismo pre-moderno: chamados para um novo horizonte, Sal Terrae, Santander 2001, 111). «[A Revelação é] um cair em conta [dar-se conta] do que Deus está tratando de dar-nos a conhecer através da realidade» (Veja-se “Que queremos dizer quando dizemos "inferno"?, Sal Terrae, Santander 1995, 22). «Outra consequência decisiva é que agora a revelação já não fica reduzida à Bíblia» (A. Torres Queiruga, «Teologia fundamental», no Novo Dicionário de Catequética, San Pablo, Madrid 1999, 2145); «...ao tratar de mostrar que Deus se revelou, não se pode seguir subentendido que isso só aconteceu na Bíblia, pois compreendemos por fim que todas as religiões são reveladas, cada uma no grau alcançado em sua história» Ibid.].
De fato, este mesmo autor, num recente artigo «Revelação como "cair em conta" [dar-se conta]: razão teológica e magistério pastoral» [A.Torres Queiruga, «Revelación como "caer na conta": razón teológica e maxisterio pastoral», en Encrucillada, 149 (2006) 357-373] Acusou o documento dos bispos de “deformar suas afirmações, já que entende que o «cair na conta» não equivale a algo puramente subjetivo, porquanto se refere ao mistério de Deus, que é o mais real. A questão é que para Torres-Queiruga nem os enunciados doutrinais são de fatos relevantes para conhecer a Deus, pois considera reveladas religiões con afirmações contraditórias, nem cabe uma intervenção de Deus no mundo para transmitir-nos uma nova vida que supera a condição do homem, o que implica em uma doutrina, e por tanto, em alguns enunciados. Os aspectos doutrinais ficam, pois, ao arbítrio da subjetividade, e nesse sentido a Revelação resulta numa percepção subjetiva desse mistério do qual, em realidade, nada podemos dizer.
Além disso, Torres Queiruga considera que hoje é insustentável a visão tradicional da Revelação como uma comunicação de Deus que intervém categorialmente no mundo, e que elege a uns como destinatários, deixando outros na ignorância. Não podemos nos deter agora em expor com detalhe o pensamento deste autor, mas simplesmente queremos observar que uma vez mais o problema está nos pressupostos, nem sempre explicitados, de Torres Queiruga. A nosso modo de ver subjazem afirmações tanto racionalistas quanto de pensamento débil (no fundo o segundo é consequência do primeiro como já indicamos antes), assim como uma noção de Deus, que lhe impedem de aceitar o ensinamento da Igreja sobre a Revelação. Não faz falta recordar que sua influência tem sido bem ampla, e podemos citar inclusive como exemplo, uma obra bastante recente de A.Novo, “Jesus Cristo, plenitude da Revelação”, que em grande medida depende dos pressupostos de Torres Queiruga [Sobre esta obra cf. E.Vadillo, «Nota bibliográfica a A.Novo, Jesucristo plenitud de la Revelación», en Toletana 11 (2004) 369-386].
Não faltaram artigos que agudamente penetraram nos erros teológicos de Queiruga, dentre os quais podem contar-se expressamente a negação da encarnação como fato real, a equiparação de todas as religiões como “reveladas” e a adoção de pressupostos maçõnicos de “revelação como educação” (“maiêutica” cristã). Cito alguns trechos de artigo publicado na revista 30Dias, em que os erros teológicos do Queiruga ficam claramente expostos. Tratando da visão do Queiruga sobre a Ressurreição, o teólogo italiano Massimo Borghesi mostra a dependência entre o pensamento de Queiruga e o pensamento de Rudolf Bultmann, teólogo liberal protestante que nega a realidade da ressurreição. Mostrando como o Queiruga nega verdades fundamentais da fé católica, diz Massimo Borghesi:
“A ressurreição não apenas não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento empírico. E a fé na ressurreição não depende de se aceitar ou recusar a realidade histórica do sepulcro vazio.” É o que diz o trecho destacado na capa do livro de André Torres Queiruga, La ressurrezione senza miracolo [A ressurreição sem milagre]1. A obra é interessante, na medida em que é a expressão completa de uma tendência que, depois de Bultmann, se tornou hegemônica nos estudos exegéticos e teológicos: a tendência segundo a qual a ressurreição é uma pedra errante, um pedregulho perdido que a crítica tem de remover para tornar compreensível, ao homem moderno, o conteúdo da fé cristã. O Cristo ressuscitado de Piero della Francesca ou A incredulidade de Tomé de Caravaggio pertencem à arte do passado. No futuro, já não se poderá fazer uma leitura realista da ressurreição, só se admitirá a leitura “simbólica”. Numa singular reviravolta dos processos cognitivos, a fé não pressupõe o sepulcro vazio e a experiência tangível do Ressuscitado; ao contrário, é o Cristo ressuscitado que só “aparece” como tal na precompreensão da fé. Dessa forma, uma parte notável da literatura teológica – aquela que considera óbvia a oposição entre o “Cristo histórico” e o “Cristo da fé” – abandona a posição realista e se encontra, necessariamente, com o ponto de vista idealista. Assim, não é a realidade, aquilo que concretamente acontece, que gera e explica o “convencimento”; ao contrário, é a “visão do mundo”, a fé preliminar, que torna evidentes, “visíveis”, fatos que, sem ela, não subsistem. A fé, privada de qualquer razoabilidade, não é mais “juízo”, mas pré-juízo que “vê” independentemente da realidade, como lugar de uma experiência “mística”, afetiva, idealizante. A fé, graças à mediação imaginativa, idealiza o seu objeto. No caso do cristianismo, isso significa que Cristo “aparece” como ressuscitado na fé, graças à fé. Fora da fé, só existe o mistério de um túmulo vazio, de um cadáver que desapareceu. Problema este que não interessa à fé, para a qual o que importa é tão-somente o Cristo ideal, divino. A ressurreição não precisa da carne de Jesus de Nazaré, da sua pessoa individual; é suficiente a idéia, o símbolo do Homem-Deus. A fé vive da idéia, não da realidade.
Esse pressuposto, verdadeiro a priori conceitual, fica evidente no texto de Torres Queiruga. Para o filósofo de Santiago de Compostela, as aquisições “irreversíveis” da exegese e da cultura atual fazem com que não se possa mais conceber “a presença ativa de Deus como uma irrupção pontual, ou seja, física e acessível aos sentidos, na trama do mundo” (2). Uma definição perfeita da Encarnação, que o autor elimina com um simples traço de caneta. Como para Bultmann, segundo o qual “é mitológica a concepção na qual o não-mundano, o divino, aparece como mundano, humano, na qual o além aparece como aquém” (3), também para Torres Queiruga Deus não pode agir sensivelmente neste mundo. Por isso, “a análise da ressurreição de Jesus como ‘milagre’ – o mais espetacular – desapareceu definitivamente dos tratados sérios. A tal ponto, que até nos tratados mais ‘ortodoxos’ se pode ler a afirmação de que a ressurreição não só não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento ‘histórico’” (4). A “experiência” do Ressuscitado deve remover qualquer presença de tipo empírico. “Se o Ressuscitado fosse tangível ou comesse, seria necessariamente limitado pelas leis do espaço, ou seja, não seria ressuscitado. E a mesma coisa aconteceria se fosse fisicamente visível” (5). Acreditar em algo diferente disso significaria submeter-se ao “imperialismo do princípio empirista”(6), tornar impossível “a razoabilidade da fé na ressurreição”7. Para o autor, “os discípulos não viram com seus olhos o Ressuscitado nem o tocaram com suas mãos, pois isso era impossível, uma vez que ele estava fora do alcance de seus sentidos”8. O que eles “viram” “não pode conservar nenhuma relação material com um corpo espaço-temporal”(9). De resto, “nem na vida terrena o corpo pode ser considerado o suporte absolutamente indispensável da identidade”, nem “se vê o que poderia provocar a transformação (?) de seu corpo morto, ou seja, do cadáver”(10). Para o “idealista” Torres Queiruga, a “realidade” do Cristo ressuscitado não pressupõe a sua realidade sensível, corpórea. Ela se baseia na subjetividade do crente, nas “experiências psíquicas, de visualização ou imaginação de convicções íntimas. Convicções que podem ter um referente real – o místico, na sua visão, liga-se realmente a Cristo –, sem que esse referente seja a forma em que se apresenta”(11). A “visão” pressupõe a experiência interior, a peculiar condição pessoal e ambiental, a partir da qual a “mediação imaginativa”(12) – que o autor evoca, remetendo-se a Kant – entra em ação, dando forma ao objeto de sua aspiração. No caso dos discípulos, “dentro da cultura daquele tempo, aberta às manifestações extraordinárias e empíricas do sobrenatural, podia funcionar com toda naturalidade o esquema imaginativo da ressurreição como uma espécie de retorno à vida”(13). Ou seja, os discípulos acreditaram vê-lo na medida em que eram predispostos a isso por um contexto, um ambiente espiritual. Dentro desse horizonte, o elemento decisivo, o estopim, é provocado pela experiência fundamental da morte de Jesus: “O contexto vivissimamente emotivo causado pelo drama do Calvário”(14). É aqui, no drama do falecimento da pessoa querida, que amadurece “o que poderíamos chamar kantianamente o ‘esquema imaginativo’ para compreender a ressurreição como já acontecida”(15). No contexto messiânico-escatológico de Israel, a morte de Jesus provoca um vazio lancinante, uma experiência de dor que urge por uma solução. A cruz de Cristo se “transforma” na ressurreição: “A ressurreição acontece na própria cruz”(16). Cristo, o morto, volta a ser vivo na fé. Torres Queiruga segue à letra, sem citá-lo, Rudolf Bultmann: “Cruz e ressurreição, enquanto evento ‘cósmico’, formam uma unidade”17. A ressurreição não é um evento real que se segue à morte de Jesus na cruz. É, simbolicamente, a transfiguração ideal de Cristo induzida pela experiência trágica de seu fim. Numa forma paradoxal, que ocupa o centro do modelo idealista, a ausência produz a presença, o vazio dá lugar a uma plenitude, a privação se transforma em vitória. Isso requer que seja removido da cruz o aspecto de escândalo, em sentido paulino: o Filho de Deus suspenso àquilo que, para os modernos, é a forca. Esse aspecto seria, nos Evangelhos, uma construção literária, não um elemento histórico. Torres Queiruga reconhece que “um hábito inveterado, que se apóia fortemente na letra dos Evangelhos, levou a ver a cruz como um lugar de ‘escândalo’, que decretava o fim da fé dos discípulos, os quais nesse momento teriam fugido, negando ou traindo seu Mestre. Para explicar sua conversão posterior, teria de acontecer algo extraordinário e milagroso, que, com a sua evidência irrefutável, lhes restituísse a fé. Esse algo seria a ressurreição, que obtém, assim, uma autêntica ‘demonstração’ histórica. Não se pode negar que o argumento tenha a sua força; de fato, ele continua a ser o mais recorrente nos tratados atuais. Todavia, uma reflexão mais atenta permitiu ver, cada vez com maior clareza e mais ampla aceitação entre os estudiosos, a sua natureza de ‘dramatização’ literária com valor apologético”(18). Essa conclusão seria comprovada pelo fato de que “a hipótese de uma traição ou de um renegamento é profundamente incompreensível e injusta com os discípulos”(19). Estes teriam traído Jesus no momento da prova suprema, teriam sido ingratos e sem coração. O que, para o autor, é inadmissível. Por outro lado, o escândalo vale para os romanos, não para os judeus: “Os criminosos de Roma eram os heróis do povo por eles subjugado”(20).
A cruz de Cristo, na ótica completamente positiva pintada por Torres Queiruga, não é o que afasta, o lugar da solidão. Ao contrário, é o ponto coagulante da fé: “A crucifixão, com o horrível escândalo da sua injustiça, aparece como o catalisador mais determinante para compreender que o que aconteceu na cruz não podia ser a conclusão definitiva”(21). A cruz não é um ponto de fuga, mas de “virada”. Uma conclusão obrigatória, para Torres Queiruga, na medida em que, entre a morte de Jesus e a fé da Igreja nascente, não acontece nada. O idealismo, como filosofia do não acontecimento, implica um curto circuito segundo o qual a fé deve preceder o evento, não seguir-se a ele. O argumento segundo o qual os discípulos fogem, apavorados e desmoralizados, tem lá a “sua força”, como reconhece o autor, mas, mesmo assim, não pode ser admitido. O vazio deve produzir o cheio, a morte deve-se transformar em idéia do Ressuscitado, em vez de gerar escândalo, fuga, desorientação. Se assim não fosse, teríamos “apologética”, não história. Na sua efetividade, o morto é uma bandeira, o símbolo de uma vida que não podia acabar.
É interessante transcrever outro texto de Borghesi, porque a mesma citação de Bultmann que ele destaca na obra de Queiruga encontra-se no prefácio do livro de Queiruga que foi adotado pelo Professor Gustavo para o curso de Teologia:
O senhor [Queiruga] tem a firme convicção de que a transmissão e a compreensão da fé, no mundo contemporâneo, exige, na teologia, uma “mudança de paradigma”, a “necessidade de uma mudança global e estrutural”. Para isso, é necessária uma “desconstrução da visão tradicional”, uma desconstrução “das narrativas pascais”, que leve a uma “leitura não fundamentalista” dessas narrativas, ou seja, a uma leitura não literal. Ao dizer isso, o senhor assume como guia e mestre Rudolf Bultmann, o qual “demonstrou de maneira irreversível ser ‘mitológica’” a visão neotestamentária tal como é expressa na linguagem (ingenuamente) realista dos Evangelhos. Para Bultmann, “é mitológica a concepção em que o não-mundano, o divino aparece como mundano, humano, e o além como aquém”.
É mitológica, portanto, toda a Revelação cristã, na medida em que entende a ação de Deus de modo histórico-empírico; são mitológicos os milagres, sinais sensíveis do poder divino. Como afirma Bultmann, com desarmante simplicidade: “Não nos podemos servir da luz elétrica e do rádio, ou recorrer, em caso de doença, às modernas descobertas médicas e clínicas, e ao mesmo tempo crer no mundo dos espíritos e dos milagres propostos pelo Novo Testamento”. O senhor [Queiruga] não adere às mesmas conclusões radicais do teólogo de Marburg. Segue-o, porém, na idéia de fundo, segundo a qual o discurso neotestamentário, “enquanto discurso mitológico, não é crível para os homens de hoje”. Essa convicção o leva a ter certeza de que chegou a hora de uma reviravolta geral na teologia do Jesus ressuscitado.
E como seria essa nova “teologia do Jesus Ressuscitado” proposta pelo Queiruga? Certamente, contraria frontalmente a doutrina católica. Prossegue Massimo Borghesi:
“O primeiro e fundamental pressuposto de Bultmann é bem expresso por David Friedrich Strauss em sua Leben Iesu, de 1835: “O divino não pode ter acontecido assim (em primeiro lugar, de um modo imediato, e, também, de um modo ordinário) ou, por outra, o que aconteceu assim não pode ser divino”(12). Trata-se do postulado racionalista segundo o qual Deus (se existe) não pode agir ou manifestar-se sensivelmente no espaço e no tempo. Deus não pode ser causa de eventos particulares, mas apenas fonte de leis universais. Isso leva Strauss (e com ele Bultmann) a uma “filosofia do não-acontecimento”( 13), a uma teoria que é a negação sistemática da possibilidade da Encarnação.”
Como mostra o autor italiano, é exatamente esse o pensamento de Queiruga: negar a encarnação e, portanto, a Revelação plena de Deus em Jesus, para substituí-la por uma “maiêutica” histórica em que Jesus seria uma espécie de “novo Sócrates” que, gnosticamente, despertaria o Deus adormecido dentro de cada um de nós. Pura gnose, e gnose maçônica (vide as citações que Queiruga faz de de Lessing, maçom de alto grau), que Queiruga expressamente repete no capítulo cinco do seu livro “ A Revelação de Deus na realização Humana”, adotado por Padre Gustavo no nosso curso de teologia. Prossegue o italiano Massimo Borghesi, desmascarando o pensamento implícito de Queiruga de que Deus não pode manifestar-se na história::
“Isso não surpreende. Desde o Deus sive natura de Spinoza, até o “largo fosso” entre as casuais verdades históricas e as verdades universais de Lessing até a crítica da fé supersticiosa de Kant, o procedimento é o mesmo: Deus não pode se manifestar na história. O panteísmo e o deísmo, de pontos de vista diversos, se opõem tanto ao Antigo quanto ao Novo Testamento, tanto à fé hebraica quanto à fé cristã. Estranhamente, o senhor, em seu livro Ripensare la risurrezione, adere a esse ponto de vista criticando o “deísmo intervencionista [sic!]”, segundo o qual Deus opera mediante “milagres”, ou seja, intervenções específicas no espaço e no tempo. Para o senhor, essa idéia do divino, que se expressa nas orações e nas fórmulas da piedade cristã, é expressão de um “esquema imaginativo” (kantiano) de uma mentalidade ingênua, popular, que não compreende que Deus, na realidade, não opera mediante milagres, mas mediante uma creatio continua que não viola a autonomia do mundo, com suas leis naturais. A cada instante, Deus faz “tudo o que é possível: ‘poeta do mundo’, procura levá-lo à máxima realização que lhe permitem os limites e as incompatibilidades inerentes a sua finitude”.
Assim, o senhor volta (conscientemente) a Leibniz e a sua idéia do melhor dos mundos possíveis. “Deus ‘poderia’ não ter criado o mundo, mas, se o criou, ele é finito e, se é finito, nele não podem deixar de estar presentes a carência e a contradição: o mal. Do contrário, o mundo seria infinito como Deus”(17). Dessa forma, “o mal, como já vira Leibniz [...], tem sua condição de possibilidade na finitude”(18). Deus, criando o mundo enquanto finito, cria, com ele, a necessidade do mal. O mal é necessariamente congênito à finitude, ontologicamente intrínseco à natureza finita.
Não sei se o senhor se dá conta do caráter “gnóstico” dessa posição e de sua inconciliabilidade com a doutrina cristã. Seja como for, é estranho como esse “retorno a Leibniz” ignora as críticas de Voltaire, críticas que trazem à tona, com toda a evidência, os limites da teodicéia racionalista. Para ela, com o cristianismo, nada realmente novo acontece, novo, mais uma vez, em relação às causas antecedentes. A “teologia do não acontecimento” é aquela segundo a qual o cristianismo é reduzido a manifestação de um processo em ato, a desvelamento daquilo que, implicitamente, já está presente na natureza. Se não existem milagres e a ação divina é imanente à natureza, a “Revelação”, então, passa a ser o ato de conhecimento mediante o qual o homem religioso se dá conta do caráter divino do mundo. A “Revelação” passa a coincidir com uma gnose salvífica. “Definitivamente, a revelação consiste em ‘dar-se conta’ de que Deus, como origem fundadora e amor comunicativo, ‘já está dentro’, na medida em que habita a criação e nela se manifesta. A revelação permite que seja visto sobretudo no ser humano, procurando levar-nos a descobrir sua presença, vencendo nossa cegueira e quebrando nossas resistências: ‘Noli foras ire: in interiore homine habitat veritas’”(19). A Revelação se reduz, aqui, a um processo imanente, “maiêutico”, socrático. Ela não traz algo realmente novo – a idéia da sobrevivência após a morte é universal –, mas esclarece e reconfigura uma certeza implícita, é a oportunidade de passar de uma fé confusa para uma fé clara e bem definida. “Como maiêutica, a palavra reveladora é necessária para despertar e levar os olhos a se abrirem; não introduz algo estranho, mas ajuda a descobrir na própria realidade a presença salvadora que a habita e a dinamiza”(20). O cristianismo se transforma numa “maiêutica histórica”(21). Cristo é um novo Sócrates que ajuda os discípulos a encontrarem, em sua experiência interior, a certeza de uma experiência de ressurreição que não precisa de nenhuma confirmação exterior.”
Quem quiser, portanto, que julgue por si mesmo.
O livro “A Revelação de Deus na Realização Humana”, do Padre Andrés Torres-Queiruga, é um livro sofisticado, cheio de doutrinas complexas e vocabulário pesado, repleto de citações eruditas e muita filosofia contemporânea, no entanto perniciosamente contrário ao magistério da Igreja.
Esse mesmo Padre Andrés Torres-Queiruga está afastado do Seminário Católico da sua própria arquidiocese (o ITC), e, ao que consta, nem sequer celebra missa, por causa dessas suas idéias infiéis ao Magistério da Igreja. Tive o cuidado de entrar em contato com aquela Arquidiocese, na qual trabalha o Pe. Queiruga, inclusive esclarecendo àquele Arcebispo quanto à publicação dos livros do Queiruga por aqui, e obtive de lá as seguintes informações:
“Muy estimado hermano:
No sé cual será el libro introducido en los seminarios de este autor. Tiene variaos , no todos con el mismo grado de heterodoxia. Aqui circular entre gentes de grupos progresistas y sin demasiada influencia en la Iglesia en General. La salida del I.T.C fue, por así decirlo por la puerta pequeña. Se "afastó" voluntariamente ante el rechazo generalizado de alumnos y profesores.
La iglesia no se ha pronunciado sobre ninguna dee sus obras, quizás pensando, que dado su escasa influencia, una condena haría más daño que bien. Solo he hablado con el Arzobispo sobre una dee sus obras "Repensar la Resurración" A mi juicio ahí se niega la resurrección física de Jesús y la veracidad de los relatos evangélicos. Como es lógico no lo aprueba. Por otra parte su vinculaciçon con la Iglesia es mínima y Está pendiente de hilo. No tiene nguna resposabiidad ni función de Iglesia, solamente se dedica a la Universidad. Por lo que tengo entendido ni celebra misa.
En otras obras parece poner en tela de juicio la gratuidad de la Redención, que considera como una exigencia de la creación. Otras veces parece considerarlo todo a partir del una mentalidad positivista
Otras veces me acuerdo haberle odo que El mundo de Dios y el nuestro están tan distante que no pueden comunicarse´¿donde queda entonces la Encarnación del Verbo? No obstante hay quienes intentan dar a estas cosas una interpretación ortodoxa...
Lo que creo más positivo es la escasa influencia que tiene aqui y el rechazo de los centros universitarios de de la Iglesia....
En la Paz del Jesús le saluda atentamente.
Oseas
Portanto, estamos publicando por aqui e recomendando publicamente aos fiéis um livro escrito por um padre espanhol cuja vinculação à Igreja está pendente de um fio” e que “nega a ressurreição física de Jesus e a veracidade dos relatos evangélicos”.
Note-se que o servidor daquela Arquidiocese que respondeu à minha correspondência disse que a Igreja não se manifestou expressamente sobre as suas obras (do Queiruga) apenas por uma questão pastoral, já que, dada a sua “escassa influência” uma condenação “faria mais mal do que bem”. Mas há uma condenação expressa da Conferência de Bispos da Espanha às ideias do Queiruga, que ele perniciosamente defende no seu livro aqui adotado.
Como se não bastasse o afastamento do Queiruga pelo seu Arcebispo e a condenação de suas ideias pela Conferência espanhola, grandes teólogos espanhóis e italianos já mostraram a inconsistência intrínseca deste pensamento. É uma teologia tributária da teologia liberal protestante do século XIX, que simplesmente nega as verdades de fé. Assim, a condenação ao Queiruga não se dá por obtusidade ou intolerância, mas por falta de qualidade da obra do Queiruga – falta de qualidade evidente para tais teólogos, como para a Conferência Espanhola, o Arcebispo de Santiago e todos os que resolvam examinar sua obra com os olhos da teologia cristã verdadeira e racional, que são os olhos da Verdadeira Fé. Cito como primeiro exemplo a colocação do teólogo espanhol Padre José María Iraburu (conterrâneo do Queiruga), que, sobre o Queiruga, escreve, na sua obra “Infidelidades em la Iglesia”, o seguinte:
A dissidência escandalosa
Para tipificar a dissidência escandalosa seria preciso analisar, numa tarefa muito penosa, algumas obras –se nos reduzirmos a autores de língua hispânica– de José María Castillo, José María Díez Alegría, Juan Antonio Estrada, Casiano Floristán, Benjamín Forcano, José Gómez-Caffarena, José María González Ruiz, José Ignacio González Faus, Antonio Hortelano, Juan Luis Segundo, Jon Sobrino, Juan José Tamayo, Andrés Torres-Queiruga, Marciano Vidal, etc. Muitos deles integram a Sociedade de teólogos e teólogas «Jõao XXIII» ou colaboram ao menos em suas campanhas. Não faz muito esta associação afirmava:
«A hierarquía [católica] substituiu o Evangelho pelos dogmas...; a liberdade pela submissão; o seguimento de Jesus cristo pela aplicação rígida do Código de Direito Canônico; o perdão e a misericórdia pelo anátema». A Igreja Católica, na sua prepotência doutrinal, impõe «um único modelo de família, o matrimônio; condena outros modelos, como casais de fato, e a homossexualidade qualificada como enfermidade, desvio natural e desordem moral» (imprensa 8-IX-2003)
Estes e outros autores, sempre que estimam conveniente – quer dizer, com grande frequência–, dissentem da Igreja abertamente, procurando a seu dissentimento a maior publicidade, e inclusive alguns deles a insultam e caluniam nos meios de comunicação. Deixaremo-los de lado, sem comentários. Não sabem que com seu proceder estão pondo em perigo sua salvação eterna; e a de muitos. Se ninguém lhes avisa, nós lhes estamos avisando.
Veja-se as duras críticas dirigidas ao livro do Queiruga por ninguém menos do que o Padre Eduardo Vadillo-Romero. Primeiro, o currículo do Padre Eduardo:
“Sacerdote na diocese de Toledo. Doutor em teologia dogmática (Gregoriana 1999) e ciencias patrísticas (Augustinianum, 2003). É professor do instituto Teológico San Ildefonso (Toledo) e assessor da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Episcopal espanhola. Preparou para a BAC a edição espanhola dos documentos da Congregação para a Doutrina da Fé.”
Em seguida, o que o referido Padre Eduardo diz sobre os ensinamentos teológicos de Andrés Torres-Queiruga:
“3.2 Dois autores especialmente característicos na Espanha: Torres Queiruga y Vigil
[Acerca de algumas obras destes autores pode-se ver uma exposição crítica
em E.Vadillo, «Teología pluralista de la religión como una nueva fe», em Toletana 14 (2006) 405-421].
Antes de assinalar alguns autores nos quais, a nosso modo de ver, poder-se-iam verificar algumas das deficiências indicadas na Instrução [Instrução Teologia e Secularização na Espanha: aos quarenta anos do fechamento do Concílio Vaticano II, da Conferência Episcopal Espanhola] , é preciso recordar os pontos em que se produzem as maiores faltas nesta matéria. Em geral, poderíamos reduzir a três grandes blocos os erros que estão assinalados na Instrução Pastoral. O primeiro erro está indicado no número 9, é a redução da revelação à percepção subjetiva pela qual se “cai na conta” de Deus que habita em todos nós e que trata de manifestar-se. Uma afirmação desse tipo, segundo a instrução, não vai muito além de um mero desenvolvimento imanente da religiosidade dos povos e deixa de lado um aspecto essencial: a novidade do cristianismo. Consequentemente, não se pode pretender que todas as religiões sejam reveladas, segundo seu grau de desenvolvimento histórico, e, neste sentido, verdadeiras e salvíficas. Uma coisa muito distinta é que o espírito de Deus tenha podido intervir nos homens, culturas e religiões como preparação evangélica, mas, seguindo a indicação da Congregação para a Doutrina da Fé, isto não autoriza a considerar tais religiões “enquanto tais, como vias de salvação”. Um segundo erro que se indica no n.13 é a tendência que se dá a «selecionar» determinados conteúdos da fé, deixjando outros no esquecimento, de maneira que se perde a integridade da fé e não se atende mais ao testemunho divino, mas a razões meramente humanas.
Em terceiro lugar se previne no n.14 contra a redução da linguagem sobre Deus a algo puramente simbólico, que não nos comunicaria quem é Deus. A Instrução adverte que a fé se expressa em afirmações com uma linguagem verdadeira, mesmo que analógica a limitada. Estes três erros estão intimamente relacionados entre si, de maneira que resultam diversas faces de um ensinamento sobre a Revelação que é incompatível com a confissão de fé em Cristo, e inclusive com a própria noção de Deus própria do cristianismo, como veremos logo mais adiante. [...]
[..] Em qualquer caso não é demasiado difícil descobrir, sob a terminologia do “cair em conta” [dar-se conta] e outras afirmações da instrução alguns textos de Andrés Torres-Queiruga.
Para citar um exemplo: «[A Revelação] sai de dentro:consiste justamente em "cair na conta" [dar-se conta] da Presença que nos constitui, nos habita e trata desde sempre de manifestar-se a nós» (A.Torres Queiruga, Fim do cristianismo pre-moderno: chamados para um novo horizonte, Sal Terrae, Santander 2001, 111). «[A Revelação é] um cair em conta [dar-se conta] do que Deus está tratando de dar-nos a conhecer através da realidade» (Veja-se “Que queremos dizer quando dizemos "inferno"?, Sal Terrae, Santander 1995, 22). «Outra consequência decisiva é que agora a revelação já não fica reduzida à Bíblia» (A. Torres Queiruga, «Teologia fundamental», no Novo Dicionário de Catequética, San Pablo, Madrid 1999, 2145); «...ao tratar de mostrar que Deus se revelou, não se pode seguir subentendido que isso só aconteceu na Bíblia, pois compreendemos por fim que todas as religiões são reveladas, cada uma no grau alcançado em sua história» Ibid.].
De fato, este mesmo autor, num recente artigo «Revelação como "cair em conta" [dar-se conta]: razão teológica e magistério pastoral» [A.Torres Queiruga, «Revelación como "caer na conta": razón teológica e maxisterio pastoral», en Encrucillada, 149 (2006) 357-373] Acusou o documento dos bispos de “deformar suas afirmações, já que entende que o «cair na conta» não equivale a algo puramente subjetivo, porquanto se refere ao mistério de Deus, que é o mais real. A questão é que para Torres-Queiruga nem os enunciados doutrinais são de fatos relevantes para conhecer a Deus, pois considera reveladas religiões con afirmações contraditórias, nem cabe uma intervenção de Deus no mundo para transmitir-nos uma nova vida que supera a condição do homem, o que implica em uma doutrina, e por tanto, em alguns enunciados. Os aspectos doutrinais ficam, pois, ao arbítrio da subjetividade, e nesse sentido a Revelação resulta numa percepção subjetiva desse mistério do qual, em realidade, nada podemos dizer.
Além disso, Torres Queiruga considera que hoje é insustentável a visão tradicional da Revelação como uma comunicação de Deus que intervém categorialmente no mundo, e que elege a uns como destinatários, deixando outros na ignorância. Não podemos nos deter agora em expor com detalhe o pensamento deste autor, mas simplesmente queremos observar que uma vez mais o problema está nos pressupostos, nem sempre explicitados, de Torres Queiruga. A nosso modo de ver subjazem afirmações tanto racionalistas quanto de pensamento débil (no fundo o segundo é consequência do primeiro como já indicamos antes), assim como uma noção de Deus, que lhe impedem de aceitar o ensinamento da Igreja sobre a Revelação. Não faz falta recordar que sua influência tem sido bem ampla, e podemos citar inclusive como exemplo, uma obra bastante recente de A.Novo, “Jesus Cristo, plenitude da Revelação”, que em grande medida depende dos pressupostos de Torres Queiruga [Sobre esta obra cf. E.Vadillo, «Nota bibliográfica a A.Novo, Jesucristo plenitud de la Revelación», en Toletana 11 (2004) 369-386].
Não faltaram artigos que agudamente penetraram nos erros teológicos de Queiruga, dentre os quais podem contar-se expressamente a negação da encarnação como fato real, a equiparação de todas as religiões como “reveladas” e a adoção de pressupostos maçõnicos de “revelação como educação” (“maiêutica” cristã). Cito alguns trechos de artigo publicado na revista 30Dias, em que os erros teológicos do Queiruga ficam claramente expostos. Tratando da visão do Queiruga sobre a Ressurreição, o teólogo italiano Massimo Borghesi mostra a dependência entre o pensamento de Queiruga e o pensamento de Rudolf Bultmann, teólogo liberal protestante que nega a realidade da ressurreição. Mostrando como o Queiruga nega verdades fundamentais da fé católica, diz Massimo Borghesi:
“A ressurreição não apenas não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento empírico. E a fé na ressurreição não depende de se aceitar ou recusar a realidade histórica do sepulcro vazio.” É o que diz o trecho destacado na capa do livro de André Torres Queiruga, La ressurrezione senza miracolo [A ressurreição sem milagre]1. A obra é interessante, na medida em que é a expressão completa de uma tendência que, depois de Bultmann, se tornou hegemônica nos estudos exegéticos e teológicos: a tendência segundo a qual a ressurreição é uma pedra errante, um pedregulho perdido que a crítica tem de remover para tornar compreensível, ao homem moderno, o conteúdo da fé cristã. O Cristo ressuscitado de Piero della Francesca ou A incredulidade de Tomé de Caravaggio pertencem à arte do passado. No futuro, já não se poderá fazer uma leitura realista da ressurreição, só se admitirá a leitura “simbólica”. Numa singular reviravolta dos processos cognitivos, a fé não pressupõe o sepulcro vazio e a experiência tangível do Ressuscitado; ao contrário, é o Cristo ressuscitado que só “aparece” como tal na precompreensão da fé. Dessa forma, uma parte notável da literatura teológica – aquela que considera óbvia a oposição entre o “Cristo histórico” e o “Cristo da fé” – abandona a posição realista e se encontra, necessariamente, com o ponto de vista idealista. Assim, não é a realidade, aquilo que concretamente acontece, que gera e explica o “convencimento”; ao contrário, é a “visão do mundo”, a fé preliminar, que torna evidentes, “visíveis”, fatos que, sem ela, não subsistem. A fé, privada de qualquer razoabilidade, não é mais “juízo”, mas pré-juízo que “vê” independentemente da realidade, como lugar de uma experiência “mística”, afetiva, idealizante. A fé, graças à mediação imaginativa, idealiza o seu objeto. No caso do cristianismo, isso significa que Cristo “aparece” como ressuscitado na fé, graças à fé. Fora da fé, só existe o mistério de um túmulo vazio, de um cadáver que desapareceu. Problema este que não interessa à fé, para a qual o que importa é tão-somente o Cristo ideal, divino. A ressurreição não precisa da carne de Jesus de Nazaré, da sua pessoa individual; é suficiente a idéia, o símbolo do Homem-Deus. A fé vive da idéia, não da realidade.
Esse pressuposto, verdadeiro a priori conceitual, fica evidente no texto de Torres Queiruga. Para o filósofo de Santiago de Compostela, as aquisições “irreversíveis” da exegese e da cultura atual fazem com que não se possa mais conceber “a presença ativa de Deus como uma irrupção pontual, ou seja, física e acessível aos sentidos, na trama do mundo” (2). Uma definição perfeita da Encarnação, que o autor elimina com um simples traço de caneta. Como para Bultmann, segundo o qual “é mitológica a concepção na qual o não-mundano, o divino, aparece como mundano, humano, na qual o além aparece como aquém” (3), também para Torres Queiruga Deus não pode agir sensivelmente neste mundo. Por isso, “a análise da ressurreição de Jesus como ‘milagre’ – o mais espetacular – desapareceu definitivamente dos tratados sérios. A tal ponto, que até nos tratados mais ‘ortodoxos’ se pode ler a afirmação de que a ressurreição não só não é um milagre, mas não é nem mesmo um acontecimento ‘histórico’” (4). A “experiência” do Ressuscitado deve remover qualquer presença de tipo empírico. “Se o Ressuscitado fosse tangível ou comesse, seria necessariamente limitado pelas leis do espaço, ou seja, não seria ressuscitado. E a mesma coisa aconteceria se fosse fisicamente visível” (5). Acreditar em algo diferente disso significaria submeter-se ao “imperialismo do princípio empirista”(6), tornar impossível “a razoabilidade da fé na ressurreição”7. Para o autor, “os discípulos não viram com seus olhos o Ressuscitado nem o tocaram com suas mãos, pois isso era impossível, uma vez que ele estava fora do alcance de seus sentidos”8. O que eles “viram” “não pode conservar nenhuma relação material com um corpo espaço-temporal”(9). De resto, “nem na vida terrena o corpo pode ser considerado o suporte absolutamente indispensável da identidade”, nem “se vê o que poderia provocar a transformação (?) de seu corpo morto, ou seja, do cadáver”(10). Para o “idealista” Torres Queiruga, a “realidade” do Cristo ressuscitado não pressupõe a sua realidade sensível, corpórea. Ela se baseia na subjetividade do crente, nas “experiências psíquicas, de visualização ou imaginação de convicções íntimas. Convicções que podem ter um referente real – o místico, na sua visão, liga-se realmente a Cristo –, sem que esse referente seja a forma em que se apresenta”(11). A “visão” pressupõe a experiência interior, a peculiar condição pessoal e ambiental, a partir da qual a “mediação imaginativa”(12) – que o autor evoca, remetendo-se a Kant – entra em ação, dando forma ao objeto de sua aspiração. No caso dos discípulos, “dentro da cultura daquele tempo, aberta às manifestações extraordinárias e empíricas do sobrenatural, podia funcionar com toda naturalidade o esquema imaginativo da ressurreição como uma espécie de retorno à vida”(13). Ou seja, os discípulos acreditaram vê-lo na medida em que eram predispostos a isso por um contexto, um ambiente espiritual. Dentro desse horizonte, o elemento decisivo, o estopim, é provocado pela experiência fundamental da morte de Jesus: “O contexto vivissimamente emotivo causado pelo drama do Calvário”(14). É aqui, no drama do falecimento da pessoa querida, que amadurece “o que poderíamos chamar kantianamente o ‘esquema imaginativo’ para compreender a ressurreição como já acontecida”(15). No contexto messiânico-escatológico de Israel, a morte de Jesus provoca um vazio lancinante, uma experiência de dor que urge por uma solução. A cruz de Cristo se “transforma” na ressurreição: “A ressurreição acontece na própria cruz”(16). Cristo, o morto, volta a ser vivo na fé. Torres Queiruga segue à letra, sem citá-lo, Rudolf Bultmann: “Cruz e ressurreição, enquanto evento ‘cósmico’, formam uma unidade”17. A ressurreição não é um evento real que se segue à morte de Jesus na cruz. É, simbolicamente, a transfiguração ideal de Cristo induzida pela experiência trágica de seu fim. Numa forma paradoxal, que ocupa o centro do modelo idealista, a ausência produz a presença, o vazio dá lugar a uma plenitude, a privação se transforma em vitória. Isso requer que seja removido da cruz o aspecto de escândalo, em sentido paulino: o Filho de Deus suspenso àquilo que, para os modernos, é a forca. Esse aspecto seria, nos Evangelhos, uma construção literária, não um elemento histórico. Torres Queiruga reconhece que “um hábito inveterado, que se apóia fortemente na letra dos Evangelhos, levou a ver a cruz como um lugar de ‘escândalo’, que decretava o fim da fé dos discípulos, os quais nesse momento teriam fugido, negando ou traindo seu Mestre. Para explicar sua conversão posterior, teria de acontecer algo extraordinário e milagroso, que, com a sua evidência irrefutável, lhes restituísse a fé. Esse algo seria a ressurreição, que obtém, assim, uma autêntica ‘demonstração’ histórica. Não se pode negar que o argumento tenha a sua força; de fato, ele continua a ser o mais recorrente nos tratados atuais. Todavia, uma reflexão mais atenta permitiu ver, cada vez com maior clareza e mais ampla aceitação entre os estudiosos, a sua natureza de ‘dramatização’ literária com valor apologético”(18). Essa conclusão seria comprovada pelo fato de que “a hipótese de uma traição ou de um renegamento é profundamente incompreensível e injusta com os discípulos”(19). Estes teriam traído Jesus no momento da prova suprema, teriam sido ingratos e sem coração. O que, para o autor, é inadmissível. Por outro lado, o escândalo vale para os romanos, não para os judeus: “Os criminosos de Roma eram os heróis do povo por eles subjugado”(20).
A cruz de Cristo, na ótica completamente positiva pintada por Torres Queiruga, não é o que afasta, o lugar da solidão. Ao contrário, é o ponto coagulante da fé: “A crucifixão, com o horrível escândalo da sua injustiça, aparece como o catalisador mais determinante para compreender que o que aconteceu na cruz não podia ser a conclusão definitiva”(21). A cruz não é um ponto de fuga, mas de “virada”. Uma conclusão obrigatória, para Torres Queiruga, na medida em que, entre a morte de Jesus e a fé da Igreja nascente, não acontece nada. O idealismo, como filosofia do não acontecimento, implica um curto circuito segundo o qual a fé deve preceder o evento, não seguir-se a ele. O argumento segundo o qual os discípulos fogem, apavorados e desmoralizados, tem lá a “sua força”, como reconhece o autor, mas, mesmo assim, não pode ser admitido. O vazio deve produzir o cheio, a morte deve-se transformar em idéia do Ressuscitado, em vez de gerar escândalo, fuga, desorientação. Se assim não fosse, teríamos “apologética”, não história. Na sua efetividade, o morto é uma bandeira, o símbolo de uma vida que não podia acabar.
É interessante transcrever outro texto de Borghesi, porque a mesma citação de Bultmann que ele destaca na obra de Queiruga encontra-se no prefácio do livro de Queiruga que foi adotado pelo Professor Gustavo para o curso de Teologia:
O senhor [Queiruga] tem a firme convicção de que a transmissão e a compreensão da fé, no mundo contemporâneo, exige, na teologia, uma “mudança de paradigma”, a “necessidade de uma mudança global e estrutural”. Para isso, é necessária uma “desconstrução da visão tradicional”, uma desconstrução “das narrativas pascais”, que leve a uma “leitura não fundamentalista” dessas narrativas, ou seja, a uma leitura não literal. Ao dizer isso, o senhor assume como guia e mestre Rudolf Bultmann, o qual “demonstrou de maneira irreversível ser ‘mitológica’” a visão neotestamentária tal como é expressa na linguagem (ingenuamente) realista dos Evangelhos. Para Bultmann, “é mitológica a concepção em que o não-mundano, o divino aparece como mundano, humano, e o além como aquém”.
É mitológica, portanto, toda a Revelação cristã, na medida em que entende a ação de Deus de modo histórico-empírico; são mitológicos os milagres, sinais sensíveis do poder divino. Como afirma Bultmann, com desarmante simplicidade: “Não nos podemos servir da luz elétrica e do rádio, ou recorrer, em caso de doença, às modernas descobertas médicas e clínicas, e ao mesmo tempo crer no mundo dos espíritos e dos milagres propostos pelo Novo Testamento”. O senhor [Queiruga] não adere às mesmas conclusões radicais do teólogo de Marburg. Segue-o, porém, na idéia de fundo, segundo a qual o discurso neotestamentário, “enquanto discurso mitológico, não é crível para os homens de hoje”. Essa convicção o leva a ter certeza de que chegou a hora de uma reviravolta geral na teologia do Jesus ressuscitado.
E como seria essa nova “teologia do Jesus Ressuscitado” proposta pelo Queiruga? Certamente, contraria frontalmente a doutrina católica. Prossegue Massimo Borghesi:
“O primeiro e fundamental pressuposto de Bultmann é bem expresso por David Friedrich Strauss em sua Leben Iesu, de 1835: “O divino não pode ter acontecido assim (em primeiro lugar, de um modo imediato, e, também, de um modo ordinário) ou, por outra, o que aconteceu assim não pode ser divino”(12). Trata-se do postulado racionalista segundo o qual Deus (se existe) não pode agir ou manifestar-se sensivelmente no espaço e no tempo. Deus não pode ser causa de eventos particulares, mas apenas fonte de leis universais. Isso leva Strauss (e com ele Bultmann) a uma “filosofia do não-acontecimento”( 13), a uma teoria que é a negação sistemática da possibilidade da Encarnação.”
Como mostra o autor italiano, é exatamente esse o pensamento de Queiruga: negar a encarnação e, portanto, a Revelação plena de Deus em Jesus, para substituí-la por uma “maiêutica” histórica em que Jesus seria uma espécie de “novo Sócrates” que, gnosticamente, despertaria o Deus adormecido dentro de cada um de nós. Pura gnose, e gnose maçônica (vide as citações que Queiruga faz de de Lessing, maçom de alto grau), que Queiruga expressamente repete no capítulo cinco do seu livro “ A Revelação de Deus na realização Humana”, adotado por Padre Gustavo no nosso curso de teologia. Prossegue o italiano Massimo Borghesi, desmascarando o pensamento implícito de Queiruga de que Deus não pode manifestar-se na história::
“Isso não surpreende. Desde o Deus sive natura de Spinoza, até o “largo fosso” entre as casuais verdades históricas e as verdades universais de Lessing até a crítica da fé supersticiosa de Kant, o procedimento é o mesmo: Deus não pode se manifestar na história. O panteísmo e o deísmo, de pontos de vista diversos, se opõem tanto ao Antigo quanto ao Novo Testamento, tanto à fé hebraica quanto à fé cristã. Estranhamente, o senhor, em seu livro Ripensare la risurrezione, adere a esse ponto de vista criticando o “deísmo intervencionista [sic!]”, segundo o qual Deus opera mediante “milagres”, ou seja, intervenções específicas no espaço e no tempo. Para o senhor, essa idéia do divino, que se expressa nas orações e nas fórmulas da piedade cristã, é expressão de um “esquema imaginativo” (kantiano) de uma mentalidade ingênua, popular, que não compreende que Deus, na realidade, não opera mediante milagres, mas mediante uma creatio continua que não viola a autonomia do mundo, com suas leis naturais. A cada instante, Deus faz “tudo o que é possível: ‘poeta do mundo’, procura levá-lo à máxima realização que lhe permitem os limites e as incompatibilidades inerentes a sua finitude”.
Assim, o senhor volta (conscientemente) a Leibniz e a sua idéia do melhor dos mundos possíveis. “Deus ‘poderia’ não ter criado o mundo, mas, se o criou, ele é finito e, se é finito, nele não podem deixar de estar presentes a carência e a contradição: o mal. Do contrário, o mundo seria infinito como Deus”(17). Dessa forma, “o mal, como já vira Leibniz [...], tem sua condição de possibilidade na finitude”(18). Deus, criando o mundo enquanto finito, cria, com ele, a necessidade do mal. O mal é necessariamente congênito à finitude, ontologicamente intrínseco à natureza finita.
Não sei se o senhor se dá conta do caráter “gnóstico” dessa posição e de sua inconciliabilidade com a doutrina cristã. Seja como for, é estranho como esse “retorno a Leibniz” ignora as críticas de Voltaire, críticas que trazem à tona, com toda a evidência, os limites da teodicéia racionalista. Para ela, com o cristianismo, nada realmente novo acontece, novo, mais uma vez, em relação às causas antecedentes. A “teologia do não acontecimento” é aquela segundo a qual o cristianismo é reduzido a manifestação de um processo em ato, a desvelamento daquilo que, implicitamente, já está presente na natureza. Se não existem milagres e a ação divina é imanente à natureza, a “Revelação”, então, passa a ser o ato de conhecimento mediante o qual o homem religioso se dá conta do caráter divino do mundo. A “Revelação” passa a coincidir com uma gnose salvífica. “Definitivamente, a revelação consiste em ‘dar-se conta’ de que Deus, como origem fundadora e amor comunicativo, ‘já está dentro’, na medida em que habita a criação e nela se manifesta. A revelação permite que seja visto sobretudo no ser humano, procurando levar-nos a descobrir sua presença, vencendo nossa cegueira e quebrando nossas resistências: ‘Noli foras ire: in interiore homine habitat veritas’”(19). A Revelação se reduz, aqui, a um processo imanente, “maiêutico”, socrático. Ela não traz algo realmente novo – a idéia da sobrevivência após a morte é universal –, mas esclarece e reconfigura uma certeza implícita, é a oportunidade de passar de uma fé confusa para uma fé clara e bem definida. “Como maiêutica, a palavra reveladora é necessária para despertar e levar os olhos a se abrirem; não introduz algo estranho, mas ajuda a descobrir na própria realidade a presença salvadora que a habita e a dinamiza”(20). O cristianismo se transforma numa “maiêutica histórica”(21). Cristo é um novo Sócrates que ajuda os discípulos a encontrarem, em sua experiência interior, a certeza de uma experiência de ressurreição que não precisa de nenhuma confirmação exterior.”
Quem quiser, portanto, que julgue por si mesmo.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Mais sobre Queiruga e Pe. Fábio de Melo
Lamentável, quero repetir, que o Padre Fábio de Melo tenha indicado publicamente o autor “católico” Queiruga para os seus espectadores. Tratei ontem um pouco a respeito disso. Mas há mais. Queiruga cita o maçom Lessing a partir da página 127 do livro “a Revelação de Deus na Realização humana”, de sua autoria. Fica claro que Queiruga adota dois pressupostos maçônicos em seu pensamento: a “educação do gênero humano”, ou a equiparação entre “revelação” e “educação”, bem a igualdade e a fraternidade irremediável entre todos os homens, que impediria Deus de fazer “acepção” de pessoas e escolher apenas um povo para revelar-se positivamente, negando a diferença essencial entre a revelação judaico-cristã e a dos outros povos, reduzindo essa diferença a uma questão de grau.
Quanto à equiparação entre “revelação” e “educação do gênero humano”, bem própria do jargão maçom, Queiruga assume como seu o pensamento do maçom Lessing, dizendo na página 127:
“Lessing obtém assim uma primeira intuição e um esclarecimento nítido: 'o que é a educação para o indivíduo, isso é a revelação para o gênero humano”.
Poder-se-ia arguir, em defesa de Queiruga, que a Igreja é “Mater et Magistra”, e que portanto a ideia de educação da humanidade não é estranha ao cristianismo. Essa defesa, porém, torna-se impossível quando o próprio Queiruga afirma que seu conceito gnóstico de revelação como maiêutica está na linha do “livre exame das escrituras” defendido pelo que ele chama de “grandes reformadores”, na página 119 de seu livro – conceito que é compatibilíssimo com a doutrina maçônica, mas não com o ensinamento cristão. Queiruga diz; na página 119: “Sem pretender, em absoluto, forçar as coisas, pode-se afirmar que esta estrutura maiêutica lateja no fundo do que os grandes reformadores buscavam ao insistir no caráter atual da inspiração da Escritura no coração do crente, graças à ação do Espírito. Calvino, sobretudo, insistiu vigorosamente neste aspecto; 'É necessário, portanto, que o mesmo Espírito Santo que falou pela boca dos profetas entre em nossos corações e os toque no mais profundo com sua ação vivificadora, para persuadi-los de que os profetas expuseram fielmente quanto fora enviado do alto'. Por isso a Sagrada Escritura é o 'instrumento de que se serve o Senhor para dispensar a seus fiéis a iluminação de seu Espírito'”. O livre exame, na forma descrita nesse trecho de Queiruga, torna a Igreja desnecessária, quer como Mãe, quer como Mestra. Portanto, um católico, que tem na Igreja sua Mãe e Mestra, não pode ser maçom. Mas um protestante, que acredita, com Calvino, ter a posse direta do Espírito Santo a lhe “educar” individualmente, a pertença maçônica não é incompatível. É por isso que tantos protestantes foram grandes maçons, como Hegel (que também fundamenta o pensamento de Queiruga em vários pontos), mas a Igreja sempre considerou ilícita a participação de um católico na Maçonaria (Código de Direito Canônico, cânon 1374 e documento”Declaração sobre a Maçonaria” da Congregação para a Doutrina da Fé, 1983). Isso não tem refreado alguns católicos, até mesmo alguns sacerdotes.
A respeito da igualdade essencial entre a revelação bíblica e a revelação a todos os povos, sendo a especificidade bíblica atribuível apenas ao seu “grau” (o que levaria, no extremo, a negar a diferença essencial entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ordenado, reduzindo-o também a uma diferença acidental de grau, proporcional àquela existente entre a religião judaico-crista e as outras), também é perfeitamente coerente com os princípios maçons, como expostos por Dom Boaventura Kloppenburg no seu livro Igreja e Maçonaria (5ª Edição, Petrópolis, Vozes, 2000, páginas 240/241), mas incompatível com a doutrina católica. Dom Kloppenburg denuncia que é princípio da Maçonaria que “o meio ambiente em que vive e respira o indivíduo humano deve manter-se rigorosamente neutro, sem hostilizar nem favorecer religião alguma determinada, nem mesmo a religião cristã”. Também é princípio da Maçonaria que “todas as religiões são boas e iguais perante Deus (obra citada, pág. 241). Dom Boaventura, brilhante cérebro católico, esclarece logo em seguida que “ a Igreja Católica aceita e defende os elementos verdadeiros da religião natural e abraça com amor e gratidão a religião Cristã, sabendo ser impossível permanecer indiferente perante Cristo: 'quem não for por mim, será contra mim' (Lc 11,23)”. Muito diferente da interpretação maliciosa que o Queiruga dá do trecho da Lumen Gentium que transcreve na página 150 do seu livro. Quem sabe é a forma maçônica de argumentar, que ele teria aprendido com seu mestre Gotthold Epraim Lessing, citado na página 127 do livro.
No entanto, coerente com os princípios maçônicos de Lessing, Queiruga proíbe Deus de “escolher um povo”, de ter seu “Povo Escolhido”, quando diz claramente na página 150 do seu livro que “o esquema vulgar-tradicional – claro em seu esquematismo conceptual, mas horrível em seu simplismo salvífico – de um Deus que se revela a um só povo, permanecendo totalmente ausente de todos os demais que nada experimentam da sua presença nem da sua força salvadora passou totalmente.” Chega a citar de forma completamente enviezada a Lumen Gentium 16, de modo contrário à interpretação autêntica dada pelo documento Dominus Jesus (CDF, 2000), como se no reconhecimento da “preparação evangélica” pela Igreja houvesse o reconhecimento da doutrina maçônica da igualdade essencial das religiões.
E o faz com uma estratégia que ele usa maliciosamente em todo o livro: exagera negativamente uma doutrina verdadeira, de modo a torná-la ridícula, e depois a nega, como superada. No caso, ele diz que “passou definitivamente” o “esquema vulgar-conceptual” de um “Deus que se revela a um só povo”, e que permaneceria “totalmente ausente de todos os demais, que nada experimentariam de sua presença nem de sua força salvadora”. Ora, como pode ter “passado” uma doutrina que nunca existiu, senão na distorção do Queiruga? Ninguém nunca defendeu, em teologia católica ou no Magistério da Igreja, que Deus permanecia “totalmente ausente” de todos os demais povos, nem que esses “nada experimentavam de sua presença nem de sua força salvadora”. A doutrina dos “logoi spermatikoi” é clara à Igreja Católica como elaboração Magisterial desde São Justino Mártir, fundamentada, aliás, na palavra bíblica de São Paulo, na Epístola aos Romanos, 1, 20-21. Queiruga não diz de onde tirou essa ideia de que alguém defendia a total ausência de Deus da vida dos outros povos, mas usa a insinuação de que o Magistério em algum momento do passado defendera isto, e o faz com muita sutileza. E o faz para fundamentar a sua tese de que toda religião é igual, contrapondo a ela (como o que seria a única alternativa) uma doutrina absurda que ele mesmo inventa e ardilosamente deixa no ar como se já tivesse sido defendida pela Igreja, para insinuar que quem não aceitar a posição que defende só tem por alternativa aderir a uma “concepção vulgar-tradicional” que “passou totalmente”. Ele quer, portanto, que acreditemos que nossa opção restringe-se a abraçar a posição da Maçonaria (que não está na Lumen Gentium, senão em sua citação descontextualizada) ou a cair num “esquema vulgar tradicional” que “já passou”. Note-se, portanto, como é pernicioso o modo “Queiruga” de argumentar, principalmente quando entregue a jovens seminaristas ou a admiradores pouco preparados do Pe. Fábio.
Quanto à equiparação entre “revelação” e “educação do gênero humano”, bem própria do jargão maçom, Queiruga assume como seu o pensamento do maçom Lessing, dizendo na página 127:
“Lessing obtém assim uma primeira intuição e um esclarecimento nítido: 'o que é a educação para o indivíduo, isso é a revelação para o gênero humano”.
Poder-se-ia arguir, em defesa de Queiruga, que a Igreja é “Mater et Magistra”, e que portanto a ideia de educação da humanidade não é estranha ao cristianismo. Essa defesa, porém, torna-se impossível quando o próprio Queiruga afirma que seu conceito gnóstico de revelação como maiêutica está na linha do “livre exame das escrituras” defendido pelo que ele chama de “grandes reformadores”, na página 119 de seu livro – conceito que é compatibilíssimo com a doutrina maçônica, mas não com o ensinamento cristão. Queiruga diz; na página 119: “Sem pretender, em absoluto, forçar as coisas, pode-se afirmar que esta estrutura maiêutica lateja no fundo do que os grandes reformadores buscavam ao insistir no caráter atual da inspiração da Escritura no coração do crente, graças à ação do Espírito. Calvino, sobretudo, insistiu vigorosamente neste aspecto; 'É necessário, portanto, que o mesmo Espírito Santo que falou pela boca dos profetas entre em nossos corações e os toque no mais profundo com sua ação vivificadora, para persuadi-los de que os profetas expuseram fielmente quanto fora enviado do alto'. Por isso a Sagrada Escritura é o 'instrumento de que se serve o Senhor para dispensar a seus fiéis a iluminação de seu Espírito'”. O livre exame, na forma descrita nesse trecho de Queiruga, torna a Igreja desnecessária, quer como Mãe, quer como Mestra. Portanto, um católico, que tem na Igreja sua Mãe e Mestra, não pode ser maçom. Mas um protestante, que acredita, com Calvino, ter a posse direta do Espírito Santo a lhe “educar” individualmente, a pertença maçônica não é incompatível. É por isso que tantos protestantes foram grandes maçons, como Hegel (que também fundamenta o pensamento de Queiruga em vários pontos), mas a Igreja sempre considerou ilícita a participação de um católico na Maçonaria (Código de Direito Canônico, cânon 1374 e documento”Declaração sobre a Maçonaria” da Congregação para a Doutrina da Fé, 1983). Isso não tem refreado alguns católicos, até mesmo alguns sacerdotes.
A respeito da igualdade essencial entre a revelação bíblica e a revelação a todos os povos, sendo a especificidade bíblica atribuível apenas ao seu “grau” (o que levaria, no extremo, a negar a diferença essencial entre o sacerdócio comum e o sacerdócio ordenado, reduzindo-o também a uma diferença acidental de grau, proporcional àquela existente entre a religião judaico-crista e as outras), também é perfeitamente coerente com os princípios maçons, como expostos por Dom Boaventura Kloppenburg no seu livro Igreja e Maçonaria (5ª Edição, Petrópolis, Vozes, 2000, páginas 240/241), mas incompatível com a doutrina católica. Dom Kloppenburg denuncia que é princípio da Maçonaria que “o meio ambiente em que vive e respira o indivíduo humano deve manter-se rigorosamente neutro, sem hostilizar nem favorecer religião alguma determinada, nem mesmo a religião cristã”. Também é princípio da Maçonaria que “todas as religiões são boas e iguais perante Deus (obra citada, pág. 241). Dom Boaventura, brilhante cérebro católico, esclarece logo em seguida que “ a Igreja Católica aceita e defende os elementos verdadeiros da religião natural e abraça com amor e gratidão a religião Cristã, sabendo ser impossível permanecer indiferente perante Cristo: 'quem não for por mim, será contra mim' (Lc 11,23)”. Muito diferente da interpretação maliciosa que o Queiruga dá do trecho da Lumen Gentium que transcreve na página 150 do seu livro. Quem sabe é a forma maçônica de argumentar, que ele teria aprendido com seu mestre Gotthold Epraim Lessing, citado na página 127 do livro.
No entanto, coerente com os princípios maçônicos de Lessing, Queiruga proíbe Deus de “escolher um povo”, de ter seu “Povo Escolhido”, quando diz claramente na página 150 do seu livro que “o esquema vulgar-tradicional – claro em seu esquematismo conceptual, mas horrível em seu simplismo salvífico – de um Deus que se revela a um só povo, permanecendo totalmente ausente de todos os demais que nada experimentam da sua presença nem da sua força salvadora passou totalmente.” Chega a citar de forma completamente enviezada a Lumen Gentium 16, de modo contrário à interpretação autêntica dada pelo documento Dominus Jesus (CDF, 2000), como se no reconhecimento da “preparação evangélica” pela Igreja houvesse o reconhecimento da doutrina maçônica da igualdade essencial das religiões.
E o faz com uma estratégia que ele usa maliciosamente em todo o livro: exagera negativamente uma doutrina verdadeira, de modo a torná-la ridícula, e depois a nega, como superada. No caso, ele diz que “passou definitivamente” o “esquema vulgar-conceptual” de um “Deus que se revela a um só povo”, e que permaneceria “totalmente ausente de todos os demais, que nada experimentariam de sua presença nem de sua força salvadora”. Ora, como pode ter “passado” uma doutrina que nunca existiu, senão na distorção do Queiruga? Ninguém nunca defendeu, em teologia católica ou no Magistério da Igreja, que Deus permanecia “totalmente ausente” de todos os demais povos, nem que esses “nada experimentavam de sua presença nem de sua força salvadora”. A doutrina dos “logoi spermatikoi” é clara à Igreja Católica como elaboração Magisterial desde São Justino Mártir, fundamentada, aliás, na palavra bíblica de São Paulo, na Epístola aos Romanos, 1, 20-21. Queiruga não diz de onde tirou essa ideia de que alguém defendia a total ausência de Deus da vida dos outros povos, mas usa a insinuação de que o Magistério em algum momento do passado defendera isto, e o faz com muita sutileza. E o faz para fundamentar a sua tese de que toda religião é igual, contrapondo a ela (como o que seria a única alternativa) uma doutrina absurda que ele mesmo inventa e ardilosamente deixa no ar como se já tivesse sido defendida pela Igreja, para insinuar que quem não aceitar a posição que defende só tem por alternativa aderir a uma “concepção vulgar-tradicional” que “passou totalmente”. Ele quer, portanto, que acreditemos que nossa opção restringe-se a abraçar a posição da Maçonaria (que não está na Lumen Gentium, senão em sua citação descontextualizada) ou a cair num “esquema vulgar tradicional” que “já passou”. Note-se, portanto, como é pernicioso o modo “Queiruga” de argumentar, principalmente quando entregue a jovens seminaristas ou a admiradores pouco preparados do Pe. Fábio.
quarta-feira, 14 de abril de 2010
Andrés Torres Queiruga, bem pouco católico.
Quero fazer alguns comentários sobre o livro “a revelação de Deus na Realização Humana”, de
Andrés Torres Queiruga, publicado entre nós pela Editora Paulus, que seria, segundo alguns “professores” de teologia autoproclamados “católicos”, e responsáveis pela formação de novos padres em nossos seminários, a nossa base de doutrina teológica católica para introduzir-nos no conhecimento mais profundo da fé, um “telescópio” para “enxergar mais longe”.
Lembrei-me do nome do autor, Torres Queiruga, como membro de uma “associación de teologos Juan XXIII”, da Espanha, que assinou um manifesto agressivo contra Ratzinger e João Paulo II, por ocasião da publicação do documento Dominus Jesus. Essa carta, também subscrita por Leonardo Boff, Hans Küng, Jon Sobrino e outros teólogos já notificados pela Congregação da Doutrina da Fé, imputa a Ratzinger e João Paulo II a acusação de “inoportunos, ofensivos e insensíveis”, para grifar apenas alguns dos “elogios” com que cobrem o antigo e o atual Papa.
Essa “associação de teólogos”, que, como veremos, não tem reconhecimento eclesial, defende, conforme notícias jornalísticas que existem em espanhol na internet, o matrimônio homossexual, o casamento dos sacerdotes, o aborto e outras questões gravemente ofensivas a nós católicos. O certo é que, em pelo menos uma dessas notícias, o próprio Queiruga, autor do livro que menciono agora, que está sendo recomendado por ninguém menos que o Padre Fábio de Melo, defende o fim do celibato eclesial como solução para “os escândalos sexuais envolvendo padres” (v. o jornal “El Mundo”, da Espanha, também disponível na Internet).
Digo isso porque, tendo questionado o próprio professor que recomendou o livro para mim, ele me assegurou que o autor é estritamente católico e que eu não deveria ter “preconceitos” contra ele, ao ler o livro. Ora, não se trata de ter preconceito, mas de conhecer com quem se está lidando.
O fato é que a própria Conferência Episcopal Espanhola (CEE) publicou um longo documento magisterial,
denominado “TEOLOGÍA Y SECULARIZACIÓN EN ESPAÑA. A LOS CUARENTA AÑOS DE LA CLAUSURA
DEL CONCILIO VATICANO II”, refutando, de um a um, todos os erros expressamente consignados no livro do Andrés Torres-Queiruga, e que ofendem gravemente a fé cristã.
A CEE adverte para esses teólogos católicos em dissenso, que procuram semear o erro a partir de dentro da Igreja, e que encontram guarida em editoras católicas, como se vê do seguinte parágrafo do documento da CEE:
“51.Es necesario recordar, además, que existe un disenso silencioso que propugna y difunde la desafección hacia la Iglesia, presentada como legítima actitud crítica respecto a la jerarquía y su Magisterio, justificando el disenso en el interior de la misma Iglesia, como si un cristiano no pudiera ser adulto sin tomar una cierta distancia de las enseñanzas magisteriales. Subyace, con frecuencia, la idea de que la Iglesia actual no obedece al Evangelio y hay que luchar “desde dentro” para llegar a una Iglesia futura que sea evangélica. En realidad, no se busca la verdadera conversión de sus miembros, su purificación constante, la penitencia y la renovación[142], sino la transformación de la misma constitución de la Iglesia, para acomodarla a las opiniones y perspectivas del mundo. Esta actitud encuentra apoyo en miembros de Centros académicos de la Iglesia, y en algunas editoriales y librerías gestionadas por Instituciones católicas. Es muy grande la desorientación que entre los fieles causa este modo de proceder.”
Apenas como referência, tomarei quatro trechos do documento da CEE (que está firmemente baseado no Magistério da Igreja) e quatro trechos do livro de Queiruga que o contradizem frontalmente. Vamos ao texto da mensagem da Conferência Episcopal Espanhola:
“9. Resulta incompatible con la fe de la Iglesia considerar la Revelación, según sostienen algunos autores, como una mera percepción subjetiva por la cual “se cae em la cuenta” del Dios que nos habita y trata de manifestársenos. Aun cuando emplean un lenguaje que parece próximo al eclesial, se alejan, sin embargo, del sentir de la Iglesia.”
Agora transcrevo Queiruga, num trecho em que ele descreve a “experiência” de Moisés exatamente como um “cair em cuenta” de Deus. Após advertir que se deve retirar desse fato [a vocação de Moisés] todos os “lugares comuns espontâneos” que “configuram nossa imaginação”, como “aparições extraordinárias, visão espetacular do divino, claras audições da palavra de Jahweh”, (pág. 49) ele passa a descrever a “experiência de Moisés” com base numa “leitura histórica normal” ou “praticamente normal” (que ele não diz de onde tirou), assim:
“ A partir de sua vivência religiosa, Moisés descobriu a presença viva de Deus na ânsia de seus compatriotas para libertar-se da opressão. A “experiência de contraste” entre a situação fatual de seu povo e o que ele sentia como vontade salvadora de Deus, que quer a libertação do homem, o fez intuir que o Senhor estava ali presente e que o apoiava. À medida que foi conseguindo que essa certeza contagiasse os demais, ajudando-os a descobrir também eles essa presença, suscitou história, promoveu o sentimento religioso e, afinal, criou o javismo.” (Pag. 51, grifo no original.)
Como se não bastasse, o Queiruga ensina, citando um outro autor de uma maneira sibilina, que “a Revelação pertence à autocompreensão de toda religião, que sempre se considera a si mesma criação divina, e não simplesmente humana”. Ele expressamente afirma, também construindo em cima de outra citação sibilina, que “nenhum teólogo sério pretenderá que as Escrituras hebraicas e cristãs, ainda que únicas como manancial da divina revelação [assim mesmo, em minúscula no original] possam se colocar à parte de todas as demais obras em que estão depositadas as crenças religiosas e a experiência espiritual” (pág. 21, dessa vez os grifos são nossos).
Parece que ele, coerente com o manifesto da Associação de Teólogos João XXII contra a Dominus Jesus
que subscreveu, acaba de colocar Ratzinger e João Paulo II no rol dos “teólogos não sérios”, porque a Dominus Jesus claramente diverge dessa posição. Aliás, a Conferência Episcopal Espanhola toda não deve ser constituída de teólogos sérios (no pensar de Queiruga), porque, a respeito dessa ideia do autor, a CEE esclarece:
(...) Es necesario reafirmar que la Revelación supone una novedad[17], porque forma parte del designio de Dios que «se ha dignado redimirnos y ha querido hacernos hijos suyos»[18]. Por ello, es erróneo entender la Revelación como el desarrollo inmanente de la religiosidad de los pueblos y considerar que todas las religiones son “reveladas”, según el grado alcanzado en su historia, y, en ese mismo sentido, verdaderas y salvíficas. La Iglesia reconoce lo que, por disposición de Dios, hay de verdadero y de santo en las religiones no cristianas[19]. Reconoce, además, que «todo lo que el Espíritu obra en los hombres y en la historia de los pueblos, así como en las culturas y religiones, tiene un papel de preparación evangélica»[20], pues su fuente última es Dios. De ahí que sea legítimo sostener que, mediante los elementos de verdad y santidad que se contienen en las otras religiones, el Espíritu Santo obra la salvación en los no cristianos; esto no significa, sin embargo, que esas religiones sean consideradas «en cuanto tales, como vías de salvación, porque además en ellas hay lagunas, insuficiencias y errores acerca de las verdades fundamentales sobre Dios, el hombre y el mundo»[21].
10. La doctrina católica sostiene que la Revelación no puede ser equiparada a las, llamadas por algunos, “revelaciones” de otras religiones. Tal equiparación no tiene em cuenta que «la verdad íntima acerca de Dios y acerca de la salvación humana se nos manifiesta por la Revelación en Cristo, que es a un tiempo mediador y plenitud de toda la Revelación»[22]. Jesucristo, el Hijo eterno del Padre hecho hombre en el seno purísimo de la Virgen María por obra y gracia del Espíritu Santo, es la Palabra definitiva de Dios a la Humanidad. En Cristo «se da la plena y completa Revelación del Misterio salvífico de Dios»[23]. Pretender que las “revelaciones” de otras religiones son equivalentes o complementarias a la Revelación de Jesucristo significa negar la verdad misma de la Encarnación y de la Salvación, pues Él es «el que por su amor sin medida se hizo lo que nosotros para hacernos perfectos con la perfección de Él»[24].
Apenas para não fatigar, cito que Queiruga acusa o Magistério da Igreja Católica de defender a heresia
monofisicista, ao afirmar, a respeito do tema da consciência de Jesus, que “a teologia clássica trabalhou com um esquema vertical e no fundo – como tantas vezes assinalou Karl Rahner – monofisicista: Jesus chegou a terra sabendo já de tudo, e sua missão [para a teologia tradicional] consistiu em ir revelando-nos isto aos poucos”.
Queiruga defende, em seguida, na página 72, que “nem sequer há razão para excluir o 'erro humano'” na
pregação de Jesus, porque “em tal erro Jesus partilharia simplesmente a nossa sorte, pois para o homem
histórico e, portanto, também para Jesus, é melhor 'errar' do que saber tudo de antemão”. Esse absurdo sobre Cristo, já defendido por nestorianos e agnoetas, cristaliza-se numa passagem claramente herética de Queiruga, em que ele nega a consubstancialidade de Jesus com o Pai e a própria unidade da Trindade, negando a divindade do Filho, pág. 73:
“A relação única e insuperável de Jesus não fica, assim, nivelada [com o Pai?], porém sua realização concreta insere-se de pleno direito no modo humano da vivência e da apropriação, na mesma linha da tradição profética [nega a divindade e transforma Jesus num profeta?]e, em geral, de todo esforço religioso por captar a manifestação de Deus.”
A respeito ainda da cristologia, destaco o trecho da página 34 em que o autor ensina que a divindade de
Jesus não é real, mas apenas imanente, um “mestre e revelador” que “constituiu-se para a experiência original [portanto apenas subjetiva e imanentemente] na figura real e palpável da revelação de Deus.” Esse mesmo Jesus já não está presente em Sua Igreja e sacramentos, porque “Ele próprio [Jesus], numa transformação cheia de conseqüências, passa de 'pregador' a 'objeto de pregação'”. Retirando o fato de que essa idéia de Jesus como simples “mestre e revelador”, somada com o acolhimento da noção de Deus como um “plano de Potência” (pág. 22) têm um cheiro maçom muito forte, a discussão a respeito da distinção entre o “opaco” Jesus histórico e o “mediado” Cristo da fé acaba com essa incrível colocação do Queiruga:
“Não existe vida de Jesus “em estado puro'. Nem fatos, nem palavras... nem “revelação”. Isso que chamamos revelação – que assinalamos presente como um fato e que tentamos interpretar em seu significado – dá-se somente na densidade do humano: no laborioso processo das tradições, na capacidade cultural do ambiente e nas possibilidades da língua, no esforço por responder as perguntas e necessidades
concretas das diversas comunidades, na reflexão teológica de figuras individuais (Paulo) ou de escolas determinadas (João?)” (pág. 70, grifos nossos).
Chegamos a um livro sobre Revelação de Deus, este do Queiruga, que nega a própria Revelação!
A esse respeito, e corrigindo com maestria o Queiruga, adverte o magistério da CEE:
“25. Sin embargo, no siempre se han mantenido de manera completa los elementos esenciales de la fe de la Iglesia sobre la Persona y el mensaje de Jesucristo. Planteamientos metodológicos equivocados han llevado a alterar la fe y el lenguaje em que esta fe se expresa. En muchas ocasiones se ha abusado del método históricocrítico sin advertir sus límites, y se ha llegado a considerar que la preexistencia de la Persona divina de Cristo era una mera deformación filosófica del dato bíblico. Cuando esto ha sucedido, no ha dejado la Iglesia de confesar la fe verdadera, reafirmando la validez del lenguaje con el que proclama que «Jesucristo posee dos naturalezas, la divina y la humana, no confundidas, sino unidas en la única Persona del Hijo de Dios». El abandono de este lenguaje de la fe cristológica ha sido causa frecuente de confusión y ocasión para caer en el error
26. «Toda la vida de Cristo es acontecimiento de revelación: lo que es visible en la vida terrena de Jesús conduce a su Misterio invisible». Las palabras, los milagros, las acciones, la vida entera de Jesucristo es revelación de su filiación divina y de su misión redentora. Los evangelistas, habiendo conocido por la fe quién es Jesús, mostraron los rasgos de su Misterio durante toda su vida terrena. La Revelación de los misterios de la vida de Cristo, acogida por la fe, nos abre al conocimiento de Dios y a la participación en
su misma vida. En la Liturgia, en cuanto «ejercicio de la función sacerdotal de Jesucristo», la Iglesia celebra lo que nuestra fe confiesa, de modo que podemos entrar en comunión verdadera con los misterios de Cristo. «Todo lo que Cristo vivió hace que podamos vivirlo en Él y Él lo viva en nosotros». Una honda cristología mostrará la continuidad entre la figura histórica de Jesucristo, la Profesión de fe eclesial, y la comunión litúrgica y sacramental em los Misterios de Cristo.
27. Constatamos con dolor que en algunos escritos de cristología no se haya mostrado esa continuidad, dando pie a presentaciones incompletas, cuando no deformadas, del Misterio de Cristo. En algunas cristologías se perciben los siguientes vacíos: 1) una incorrecta metodología teológica, por cuanto se pretende leer la Sagrada Escritura al margen de la Tradición eclesial y con criterios únicamente histórico-críticos, sin explicitar sus presupuestos ni advertir de sus límites; 2) sospecha de que la humanidad de Jesucristo se ve amenazada si se afirma su divinidad; 3) ruptura entre el “Jesús histórico” y el “Cristo de la fe”, como si este último fuera el resultado de distintas experiencias de la figura de Jesús desde los Apóstoles hasta nuestros días; 4) negación del carácter real, histórico y trascendente de la Resurrección de Cristo, reduciéndola a la mera experiencia subjetiva de los apóstoles; 5) oscurecimiento de nociones fundamentales de la Profesión de fe en el Misterio de Cristo: entre otras, su preexistencia, filiación divina, conciencia de Sí, de su Muerte y misión redentora, Resurrección, Ascensión y Glorificación.
28. En la raíz de estas presentaciones se encuentra con frecuencia una ruptura entre la historicidad de Jesús y la Profesión de fe de la Iglesia: se consideran escasos los datos históricos de los evangelistas sobre Jesucristo. Los Evangelios son estudiados exclusivamente como testimonios de fe en Jesús, que no dirían nada o muy poco sobre Jesús mismo, y que necesitan por tanto ser reinterpretados; además, en esta interpretación se prescinde y margina la Tradición de la Iglesia. Este modo de proceder lleva a consecuencias difícilmente compatibles con la fe, como son: 1) vaciar de contenido ontológico la filiación divina de Jesús; 2) negar que en los Evangelios se afirme la preexistencia del Hijo; y, 3) considerar que Jesús no vivió su pasión y su muerte como entrega redentora, sino como fracaso. Estos errores son fuente de grave confusión, llevando a no pocos cristianos a concluir equivocadamente que las enseñanzas de la Iglesia sobre Jesucristo no se apoyan en la Sagrada Escritura o deben ser radicalmente reinterpretadas. “
Apenas para terminar, passo a citar trechos em que ele demonstra seu pouquíssimo afeto ao Magistério. Depois de asseverar na página 39 que os documentos em que o Concílio de Trento assevera a fé da Igreja de que Deus é o autor real das Escrituras e a Tradição representam apenas “metáforas elas mesmas já um tanto endurecidas”, ele afirma categórica e equivocadamente que que o Concílio Vaticano II “corta toda a terminologia filosófica da causa instrumental e, mesmo conservando a denominação de Deus como autor, afirma paralelamente que os escritores inspirados também são veri auctores (Dei Verbum 11). Fica assim [segundo a lógica torta do Queiruga, que está sendo divulgada como boa teologia por aí] bem salientado o caráter analógico e metafórico da expressão”. Enfim, a verdadeira autoria de Deus, para ele, é apenas uma metáfora, e “já um tanto endurecida”! E manifesta sua opinião de que os preciosos documentos do Vaticano II são um “inapreciável ponto de chegada para aspirações muito urgentes e legítimas” (pág. 44). Quais seriam essas aspirações, ele não deixa claro. Mas, além de levar à negação da Revelação, da divindade de Jesus, da transcendência do Cristianismo e da verdadeira autoria divina sobre as Escrituras e a Tradição, as aspirações parecem envolver, como vimos, o fim do celibato clerical, da autoridade magisterial e, quem sabe, junto com sua “Asociación Juan XXIII” [que uso vão do nome belo desse santo Papa], o casamento homossexual, a ordenação feminina, o aborto e outras cositas más.
Denunciando essa falsa teologia “católica”, que desrespeita o magistério, o documento espanhol
assevera:
“17. Tenemos en el Magisterio de la Iglesia la garantía para explicar correctamente la Revelación de Dios. Como la Alianza instaurada por Dios em Cristo tiene un carácter definitivo, es necesario que esté protegida de desviaciones y fallos que puedan corromperla; para garantizar esta permanencia en la verdad, Cristo dotó a la Iglesia, especialmente a los pastores, con el carisma de la infalibilidad, que se ejerce de diversas maneras. Suscitar dudas y desconfianzas acerca del Magisterio de la Iglesia; anteponer la autoridad de ciertos autores a la del Magisterio; o contemplar las indicaciones y los documentos magisteriales simplemente como un “límite” que detiene el progreso de la teología, y que se debe “respetar” por motivos externos a la misma teología, es algo opuesto a la dinámica de la fe cristiana.”
Este autor, que atualmente está afastado do sacerdócio e proibido de ensinar em seminários na sua própria diocese, está sendo, atualmente, estudado pela Conferencia Episcopal espanhola, para possível restrição à sua obra como um todo. Péssima recomendação do Pe. Fábio.
Andrés Torres Queiruga, publicado entre nós pela Editora Paulus, que seria, segundo alguns “professores” de teologia autoproclamados “católicos”, e responsáveis pela formação de novos padres em nossos seminários, a nossa base de doutrina teológica católica para introduzir-nos no conhecimento mais profundo da fé, um “telescópio” para “enxergar mais longe”.
Lembrei-me do nome do autor, Torres Queiruga, como membro de uma “associación de teologos Juan XXIII”, da Espanha, que assinou um manifesto agressivo contra Ratzinger e João Paulo II, por ocasião da publicação do documento Dominus Jesus. Essa carta, também subscrita por Leonardo Boff, Hans Küng, Jon Sobrino e outros teólogos já notificados pela Congregação da Doutrina da Fé, imputa a Ratzinger e João Paulo II a acusação de “inoportunos, ofensivos e insensíveis”, para grifar apenas alguns dos “elogios” com que cobrem o antigo e o atual Papa.
Essa “associação de teólogos”, que, como veremos, não tem reconhecimento eclesial, defende, conforme notícias jornalísticas que existem em espanhol na internet, o matrimônio homossexual, o casamento dos sacerdotes, o aborto e outras questões gravemente ofensivas a nós católicos. O certo é que, em pelo menos uma dessas notícias, o próprio Queiruga, autor do livro que menciono agora, que está sendo recomendado por ninguém menos que o Padre Fábio de Melo, defende o fim do celibato eclesial como solução para “os escândalos sexuais envolvendo padres” (v. o jornal “El Mundo”, da Espanha, também disponível na Internet).
Digo isso porque, tendo questionado o próprio professor que recomendou o livro para mim, ele me assegurou que o autor é estritamente católico e que eu não deveria ter “preconceitos” contra ele, ao ler o livro. Ora, não se trata de ter preconceito, mas de conhecer com quem se está lidando.
O fato é que a própria Conferência Episcopal Espanhola (CEE) publicou um longo documento magisterial,
denominado “TEOLOGÍA Y SECULARIZACIÓN EN ESPAÑA. A LOS CUARENTA AÑOS DE LA CLAUSURA
DEL CONCILIO VATICANO II”, refutando, de um a um, todos os erros expressamente consignados no livro do Andrés Torres-Queiruga, e que ofendem gravemente a fé cristã.
A CEE adverte para esses teólogos católicos em dissenso, que procuram semear o erro a partir de dentro da Igreja, e que encontram guarida em editoras católicas, como se vê do seguinte parágrafo do documento da CEE:
“51.Es necesario recordar, además, que existe un disenso silencioso que propugna y difunde la desafección hacia la Iglesia, presentada como legítima actitud crítica respecto a la jerarquía y su Magisterio, justificando el disenso en el interior de la misma Iglesia, como si un cristiano no pudiera ser adulto sin tomar una cierta distancia de las enseñanzas magisteriales. Subyace, con frecuencia, la idea de que la Iglesia actual no obedece al Evangelio y hay que luchar “desde dentro” para llegar a una Iglesia futura que sea evangélica. En realidad, no se busca la verdadera conversión de sus miembros, su purificación constante, la penitencia y la renovación[142], sino la transformación de la misma constitución de la Iglesia, para acomodarla a las opiniones y perspectivas del mundo. Esta actitud encuentra apoyo en miembros de Centros académicos de la Iglesia, y en algunas editoriales y librerías gestionadas por Instituciones católicas. Es muy grande la desorientación que entre los fieles causa este modo de proceder.”
Apenas como referência, tomarei quatro trechos do documento da CEE (que está firmemente baseado no Magistério da Igreja) e quatro trechos do livro de Queiruga que o contradizem frontalmente. Vamos ao texto da mensagem da Conferência Episcopal Espanhola:
“9. Resulta incompatible con la fe de la Iglesia considerar la Revelación, según sostienen algunos autores, como una mera percepción subjetiva por la cual “se cae em la cuenta” del Dios que nos habita y trata de manifestársenos. Aun cuando emplean un lenguaje que parece próximo al eclesial, se alejan, sin embargo, del sentir de la Iglesia.”
Agora transcrevo Queiruga, num trecho em que ele descreve a “experiência” de Moisés exatamente como um “cair em cuenta” de Deus. Após advertir que se deve retirar desse fato [a vocação de Moisés] todos os “lugares comuns espontâneos” que “configuram nossa imaginação”, como “aparições extraordinárias, visão espetacular do divino, claras audições da palavra de Jahweh”, (pág. 49) ele passa a descrever a “experiência de Moisés” com base numa “leitura histórica normal” ou “praticamente normal” (que ele não diz de onde tirou), assim:
“ A partir de sua vivência religiosa, Moisés descobriu a presença viva de Deus na ânsia de seus compatriotas para libertar-se da opressão. A “experiência de contraste” entre a situação fatual de seu povo e o que ele sentia como vontade salvadora de Deus, que quer a libertação do homem, o fez intuir que o Senhor estava ali presente e que o apoiava. À medida que foi conseguindo que essa certeza contagiasse os demais, ajudando-os a descobrir também eles essa presença, suscitou história, promoveu o sentimento religioso e, afinal, criou o javismo.” (Pag. 51, grifo no original.)
Como se não bastasse, o Queiruga ensina, citando um outro autor de uma maneira sibilina, que “a Revelação pertence à autocompreensão de toda religião, que sempre se considera a si mesma criação divina, e não simplesmente humana”. Ele expressamente afirma, também construindo em cima de outra citação sibilina, que “nenhum teólogo sério pretenderá que as Escrituras hebraicas e cristãs, ainda que únicas como manancial da divina revelação [assim mesmo, em minúscula no original] possam se colocar à parte de todas as demais obras em que estão depositadas as crenças religiosas e a experiência espiritual” (pág. 21, dessa vez os grifos são nossos).
Parece que ele, coerente com o manifesto da Associação de Teólogos João XXII contra a Dominus Jesus
que subscreveu, acaba de colocar Ratzinger e João Paulo II no rol dos “teólogos não sérios”, porque a Dominus Jesus claramente diverge dessa posição. Aliás, a Conferência Episcopal Espanhola toda não deve ser constituída de teólogos sérios (no pensar de Queiruga), porque, a respeito dessa ideia do autor, a CEE esclarece:
(...) Es necesario reafirmar que la Revelación supone una novedad[17], porque forma parte del designio de Dios que «se ha dignado redimirnos y ha querido hacernos hijos suyos»[18]. Por ello, es erróneo entender la Revelación como el desarrollo inmanente de la religiosidad de los pueblos y considerar que todas las religiones son “reveladas”, según el grado alcanzado en su historia, y, en ese mismo sentido, verdaderas y salvíficas. La Iglesia reconoce lo que, por disposición de Dios, hay de verdadero y de santo en las religiones no cristianas[19]. Reconoce, además, que «todo lo que el Espíritu obra en los hombres y en la historia de los pueblos, así como en las culturas y religiones, tiene un papel de preparación evangélica»[20], pues su fuente última es Dios. De ahí que sea legítimo sostener que, mediante los elementos de verdad y santidad que se contienen en las otras religiones, el Espíritu Santo obra la salvación en los no cristianos; esto no significa, sin embargo, que esas religiones sean consideradas «en cuanto tales, como vías de salvación, porque además en ellas hay lagunas, insuficiencias y errores acerca de las verdades fundamentales sobre Dios, el hombre y el mundo»[21].
10. La doctrina católica sostiene que la Revelación no puede ser equiparada a las, llamadas por algunos, “revelaciones” de otras religiones. Tal equiparación no tiene em cuenta que «la verdad íntima acerca de Dios y acerca de la salvación humana se nos manifiesta por la Revelación en Cristo, que es a un tiempo mediador y plenitud de toda la Revelación»[22]. Jesucristo, el Hijo eterno del Padre hecho hombre en el seno purísimo de la Virgen María por obra y gracia del Espíritu Santo, es la Palabra definitiva de Dios a la Humanidad. En Cristo «se da la plena y completa Revelación del Misterio salvífico de Dios»[23]. Pretender que las “revelaciones” de otras religiones son equivalentes o complementarias a la Revelación de Jesucristo significa negar la verdad misma de la Encarnación y de la Salvación, pues Él es «el que por su amor sin medida se hizo lo que nosotros para hacernos perfectos con la perfección de Él»[24].
Apenas para não fatigar, cito que Queiruga acusa o Magistério da Igreja Católica de defender a heresia
monofisicista, ao afirmar, a respeito do tema da consciência de Jesus, que “a teologia clássica trabalhou com um esquema vertical e no fundo – como tantas vezes assinalou Karl Rahner – monofisicista: Jesus chegou a terra sabendo já de tudo, e sua missão [para a teologia tradicional] consistiu em ir revelando-nos isto aos poucos”.
Queiruga defende, em seguida, na página 72, que “nem sequer há razão para excluir o 'erro humano'” na
pregação de Jesus, porque “em tal erro Jesus partilharia simplesmente a nossa sorte, pois para o homem
histórico e, portanto, também para Jesus, é melhor 'errar' do que saber tudo de antemão”. Esse absurdo sobre Cristo, já defendido por nestorianos e agnoetas, cristaliza-se numa passagem claramente herética de Queiruga, em que ele nega a consubstancialidade de Jesus com o Pai e a própria unidade da Trindade, negando a divindade do Filho, pág. 73:
“A relação única e insuperável de Jesus não fica, assim, nivelada [com o Pai?], porém sua realização concreta insere-se de pleno direito no modo humano da vivência e da apropriação, na mesma linha da tradição profética [nega a divindade e transforma Jesus num profeta?]e, em geral, de todo esforço religioso por captar a manifestação de Deus.”
A respeito ainda da cristologia, destaco o trecho da página 34 em que o autor ensina que a divindade de
Jesus não é real, mas apenas imanente, um “mestre e revelador” que “constituiu-se para a experiência original [portanto apenas subjetiva e imanentemente] na figura real e palpável da revelação de Deus.” Esse mesmo Jesus já não está presente em Sua Igreja e sacramentos, porque “Ele próprio [Jesus], numa transformação cheia de conseqüências, passa de 'pregador' a 'objeto de pregação'”. Retirando o fato de que essa idéia de Jesus como simples “mestre e revelador”, somada com o acolhimento da noção de Deus como um “plano de Potência” (pág. 22) têm um cheiro maçom muito forte, a discussão a respeito da distinção entre o “opaco” Jesus histórico e o “mediado” Cristo da fé acaba com essa incrível colocação do Queiruga:
“Não existe vida de Jesus “em estado puro'. Nem fatos, nem palavras... nem “revelação”. Isso que chamamos revelação – que assinalamos presente como um fato e que tentamos interpretar em seu significado – dá-se somente na densidade do humano: no laborioso processo das tradições, na capacidade cultural do ambiente e nas possibilidades da língua, no esforço por responder as perguntas e necessidades
concretas das diversas comunidades, na reflexão teológica de figuras individuais (Paulo) ou de escolas determinadas (João?)” (pág. 70, grifos nossos).
Chegamos a um livro sobre Revelação de Deus, este do Queiruga, que nega a própria Revelação!
A esse respeito, e corrigindo com maestria o Queiruga, adverte o magistério da CEE:
“25. Sin embargo, no siempre se han mantenido de manera completa los elementos esenciales de la fe de la Iglesia sobre la Persona y el mensaje de Jesucristo. Planteamientos metodológicos equivocados han llevado a alterar la fe y el lenguaje em que esta fe se expresa. En muchas ocasiones se ha abusado del método históricocrítico sin advertir sus límites, y se ha llegado a considerar que la preexistencia de la Persona divina de Cristo era una mera deformación filosófica del dato bíblico. Cuando esto ha sucedido, no ha dejado la Iglesia de confesar la fe verdadera, reafirmando la validez del lenguaje con el que proclama que «Jesucristo posee dos naturalezas, la divina y la humana, no confundidas, sino unidas en la única Persona del Hijo de Dios». El abandono de este lenguaje de la fe cristológica ha sido causa frecuente de confusión y ocasión para caer en el error
26. «Toda la vida de Cristo es acontecimiento de revelación: lo que es visible en la vida terrena de Jesús conduce a su Misterio invisible». Las palabras, los milagros, las acciones, la vida entera de Jesucristo es revelación de su filiación divina y de su misión redentora. Los evangelistas, habiendo conocido por la fe quién es Jesús, mostraron los rasgos de su Misterio durante toda su vida terrena. La Revelación de los misterios de la vida de Cristo, acogida por la fe, nos abre al conocimiento de Dios y a la participación en
su misma vida. En la Liturgia, en cuanto «ejercicio de la función sacerdotal de Jesucristo», la Iglesia celebra lo que nuestra fe confiesa, de modo que podemos entrar en comunión verdadera con los misterios de Cristo. «Todo lo que Cristo vivió hace que podamos vivirlo en Él y Él lo viva en nosotros». Una honda cristología mostrará la continuidad entre la figura histórica de Jesucristo, la Profesión de fe eclesial, y la comunión litúrgica y sacramental em los Misterios de Cristo.
27. Constatamos con dolor que en algunos escritos de cristología no se haya mostrado esa continuidad, dando pie a presentaciones incompletas, cuando no deformadas, del Misterio de Cristo. En algunas cristologías se perciben los siguientes vacíos: 1) una incorrecta metodología teológica, por cuanto se pretende leer la Sagrada Escritura al margen de la Tradición eclesial y con criterios únicamente histórico-críticos, sin explicitar sus presupuestos ni advertir de sus límites; 2) sospecha de que la humanidad de Jesucristo se ve amenazada si se afirma su divinidad; 3) ruptura entre el “Jesús histórico” y el “Cristo de la fe”, como si este último fuera el resultado de distintas experiencias de la figura de Jesús desde los Apóstoles hasta nuestros días; 4) negación del carácter real, histórico y trascendente de la Resurrección de Cristo, reduciéndola a la mera experiencia subjetiva de los apóstoles; 5) oscurecimiento de nociones fundamentales de la Profesión de fe en el Misterio de Cristo: entre otras, su preexistencia, filiación divina, conciencia de Sí, de su Muerte y misión redentora, Resurrección, Ascensión y Glorificación.
28. En la raíz de estas presentaciones se encuentra con frecuencia una ruptura entre la historicidad de Jesús y la Profesión de fe de la Iglesia: se consideran escasos los datos históricos de los evangelistas sobre Jesucristo. Los Evangelios son estudiados exclusivamente como testimonios de fe en Jesús, que no dirían nada o muy poco sobre Jesús mismo, y que necesitan por tanto ser reinterpretados; además, en esta interpretación se prescinde y margina la Tradición de la Iglesia. Este modo de proceder lleva a consecuencias difícilmente compatibles con la fe, como son: 1) vaciar de contenido ontológico la filiación divina de Jesús; 2) negar que en los Evangelios se afirme la preexistencia del Hijo; y, 3) considerar que Jesús no vivió su pasión y su muerte como entrega redentora, sino como fracaso. Estos errores son fuente de grave confusión, llevando a no pocos cristianos a concluir equivocadamente que las enseñanzas de la Iglesia sobre Jesucristo no se apoyan en la Sagrada Escritura o deben ser radicalmente reinterpretadas. “
Apenas para terminar, passo a citar trechos em que ele demonstra seu pouquíssimo afeto ao Magistério. Depois de asseverar na página 39 que os documentos em que o Concílio de Trento assevera a fé da Igreja de que Deus é o autor real das Escrituras e a Tradição representam apenas “metáforas elas mesmas já um tanto endurecidas”, ele afirma categórica e equivocadamente que que o Concílio Vaticano II “corta toda a terminologia filosófica da causa instrumental e, mesmo conservando a denominação de Deus como autor, afirma paralelamente que os escritores inspirados também são veri auctores (Dei Verbum 11). Fica assim [segundo a lógica torta do Queiruga, que está sendo divulgada como boa teologia por aí] bem salientado o caráter analógico e metafórico da expressão”. Enfim, a verdadeira autoria de Deus, para ele, é apenas uma metáfora, e “já um tanto endurecida”! E manifesta sua opinião de que os preciosos documentos do Vaticano II são um “inapreciável ponto de chegada para aspirações muito urgentes e legítimas” (pág. 44). Quais seriam essas aspirações, ele não deixa claro. Mas, além de levar à negação da Revelação, da divindade de Jesus, da transcendência do Cristianismo e da verdadeira autoria divina sobre as Escrituras e a Tradição, as aspirações parecem envolver, como vimos, o fim do celibato clerical, da autoridade magisterial e, quem sabe, junto com sua “Asociación Juan XXIII” [que uso vão do nome belo desse santo Papa], o casamento homossexual, a ordenação feminina, o aborto e outras cositas más.
Denunciando essa falsa teologia “católica”, que desrespeita o magistério, o documento espanhol
assevera:
“17. Tenemos en el Magisterio de la Iglesia la garantía para explicar correctamente la Revelación de Dios. Como la Alianza instaurada por Dios em Cristo tiene un carácter definitivo, es necesario que esté protegida de desviaciones y fallos que puedan corromperla; para garantizar esta permanencia en la verdad, Cristo dotó a la Iglesia, especialmente a los pastores, con el carisma de la infalibilidad, que se ejerce de diversas maneras. Suscitar dudas y desconfianzas acerca del Magisterio de la Iglesia; anteponer la autoridad de ciertos autores a la del Magisterio; o contemplar las indicaciones y los documentos magisteriales simplemente como un “límite” que detiene el progreso de la teología, y que se debe “respetar” por motivos externos a la misma teología, es algo opuesto a la dinámica de la fe cristiana.”
Este autor, que atualmente está afastado do sacerdócio e proibido de ensinar em seminários na sua própria diocese, está sendo, atualmente, estudado pela Conferencia Episcopal espanhola, para possível restrição à sua obra como um todo. Péssima recomendação do Pe. Fábio.
domingo, 11 de abril de 2010
Parábola do semeador: depoimento do "terreno pedregoso".
Ainda o texto que preparei para usar na catequese, sobre a parábola do semeador. São quatro jovens falando das suas próprias experiências com Jesus, para que os crismandos possam comparar com os "terrenos" de que Jesus fala em Mt 13. Publiquei o primeiro antes de ontem. Vai agora o segundo, aquele que trata do solo raso e pedregoso, daquele que ouvew a palavra, se empolga mas não tem raízes em si mesmo e deixa a palavra secar. É assim:
Eu fiz catequese, eu gostava, fiz muitos amigos, a missa foi legal, foi bem linda, a roupa era chique, eu tava morrendo de vontade de receber a comunhão, tava curioso. Comecei a ir na missa, mas nem sempre dava para ir, às vezes meu pai queria assistir o jogo do Flamengo no domingo, às vezes eu mesmo estava com preguiça.
Depois um colega meu, bem bonitinho, me chamou para fazer um encontro de jovens e eu achei o máximo! Tão bonito, tanta gente falando de Jesus, de amor, de ajudar os outros, de viver melhor, de conhecer a Bíblia, da importância da missa, de não jogar lixo na rua, não desperdiçar água nem luz, eu fiquei morto de vontade de ir à missa ali mesmo, de ler a Bíblia toda, de participar do grupo de jovens, de ir num orfanato brincar com as crianças, de ajudar os outros, de obedecer mais meu pai e minha mãe. Criei uma comunidade no Orkut com o pessoal que fez o encontro, eu tava sempre lá animando o povo, fui a umas reuniões, gente rezava, cantava, cantava na missa, era bem legal. Mas depois de umas semanas, quando o pessoal marcava reunião nunca dava certo para mim, sei lá, dava uma moleza, a mesma moleza que me dava para ir à missa no domingo, eu nunca tinha feito o dever, sempre ficava em casa dizendo que ia fazer o dever, mas passava um filme legal na tv e eu acabava nem fazendo o dever nem nada. Depis comecei a achar que umas coisas não tinham nada a ver, eu sempre gostei é de um banho demorado, esse papo do meio ambiente é bom para proteger baleia, mas é meio chato quando meu pai fica mandando eu economizar água e apagar a luz quando eu saio do quarto.
Depois a empregada chata vinha me acordar domingo de manhã para ir à missa. Que mulherzinha insuportável! Foi me dando uma raiva, eu briguei com ela, mamãe botou ela pra fora, bem feito, ô coisinha que não sabia o seu lugar. Eu de vez em quando entro lá na comunidade do Orkut, mas a galera espalhou por aí, agora só tem fake por lá zoando com ao gente porque a gente empolgou com essa história de Jesus e missa, tá meio por fora mesmo. Agora tô em outra, fazendo ioga e com uma galera bem cabeça, lá na academia mesmo, meditação e uns livros psicografados, muito mais legal do que esse papo de Jesus e missa, tô em sintonia com o universo, tô lendo uns livros bem cabeça aí, quando tô de cabela quente rezo uns mantras, faço minhas orações sozinha mesmo, Deus tá em todo lugar, ele me ouve também, pô para a Igreja não pode nada, tudo é pecado, mas os padres e esse povo que vive na Igreja são os mais descarados!
Eu fiz catequese, eu gostava, fiz muitos amigos, a missa foi legal, foi bem linda, a roupa era chique, eu tava morrendo de vontade de receber a comunhão, tava curioso. Comecei a ir na missa, mas nem sempre dava para ir, às vezes meu pai queria assistir o jogo do Flamengo no domingo, às vezes eu mesmo estava com preguiça.
Depois um colega meu, bem bonitinho, me chamou para fazer um encontro de jovens e eu achei o máximo! Tão bonito, tanta gente falando de Jesus, de amor, de ajudar os outros, de viver melhor, de conhecer a Bíblia, da importância da missa, de não jogar lixo na rua, não desperdiçar água nem luz, eu fiquei morto de vontade de ir à missa ali mesmo, de ler a Bíblia toda, de participar do grupo de jovens, de ir num orfanato brincar com as crianças, de ajudar os outros, de obedecer mais meu pai e minha mãe. Criei uma comunidade no Orkut com o pessoal que fez o encontro, eu tava sempre lá animando o povo, fui a umas reuniões, gente rezava, cantava, cantava na missa, era bem legal. Mas depois de umas semanas, quando o pessoal marcava reunião nunca dava certo para mim, sei lá, dava uma moleza, a mesma moleza que me dava para ir à missa no domingo, eu nunca tinha feito o dever, sempre ficava em casa dizendo que ia fazer o dever, mas passava um filme legal na tv e eu acabava nem fazendo o dever nem nada. Depis comecei a achar que umas coisas não tinham nada a ver, eu sempre gostei é de um banho demorado, esse papo do meio ambiente é bom para proteger baleia, mas é meio chato quando meu pai fica mandando eu economizar água e apagar a luz quando eu saio do quarto.
Depois a empregada chata vinha me acordar domingo de manhã para ir à missa. Que mulherzinha insuportável! Foi me dando uma raiva, eu briguei com ela, mamãe botou ela pra fora, bem feito, ô coisinha que não sabia o seu lugar. Eu de vez em quando entro lá na comunidade do Orkut, mas a galera espalhou por aí, agora só tem fake por lá zoando com ao gente porque a gente empolgou com essa história de Jesus e missa, tá meio por fora mesmo. Agora tô em outra, fazendo ioga e com uma galera bem cabeça, lá na academia mesmo, meditação e uns livros psicografados, muito mais legal do que esse papo de Jesus e missa, tô em sintonia com o universo, tô lendo uns livros bem cabeça aí, quando tô de cabela quente rezo uns mantras, faço minhas orações sozinha mesmo, Deus tá em todo lugar, ele me ouve também, pô para a Igreja não pode nada, tudo é pecado, mas os padres e esse povo que vive na Igreja são os mais descarados!
sábado, 10 de abril de 2010
Einstein e Pio XII - dissolvendo a "lenda negra".
O martírio a que está sendo submetido Bento XVI tem precedentes na Igreja. Os papas são chamados ao martírio, alguns, inclusive, depois de mortos veem o seu nome arrastado na lama. É o caso de Pio XII, que alguns levianamente inventaram ser o "papa de Hitler".
Em todo caso, é muito interessante ler a declaração que Einstein, judeu, físico, prêmio Nobel, deu à Time Magazine de 1940, pág. 40:
"Sempre amei a liberdade. Quando acontece a revolução na Alemanha [ele estava se referindo à ascensão de Hitler ao poder] olhei para as universidades, pensando que deveriam ter defendido a liberdade, sabendo muito bem que se tinham gloriado da sua devoção à liberdade; mas não, as universidades foram imediatamente obrigadas a calar-se. Depois olhei para os randes editores dos jornais que, no passado, em editoriais inflamados tinham proclamado o seu amor à liberdade. mas também eles, como as universidades, foram silenciados no espaço de poucas semanas. Só a Igreja se opôs plenamente à campanha de Hitler que pretendia suprimir a verdade. Eu nunca tinha tido um interesse particular pela Igreja, mas agora sinto por ela grande amor e admiração, porque somente a Igreja teve a coragem e a perseverança de defender a verdade intelectual e a liberdade moral. Por isso, sou obrigado a confessar que o que antes tinha desprezado agora elogio sem qualquer reserva".
Em todo caso, é muito interessante ler a declaração que Einstein, judeu, físico, prêmio Nobel, deu à Time Magazine de 1940, pág. 40:
"Sempre amei a liberdade. Quando acontece a revolução na Alemanha [ele estava se referindo à ascensão de Hitler ao poder] olhei para as universidades, pensando que deveriam ter defendido a liberdade, sabendo muito bem que se tinham gloriado da sua devoção à liberdade; mas não, as universidades foram imediatamente obrigadas a calar-se. Depois olhei para os randes editores dos jornais que, no passado, em editoriais inflamados tinham proclamado o seu amor à liberdade. mas também eles, como as universidades, foram silenciados no espaço de poucas semanas. Só a Igreja se opôs plenamente à campanha de Hitler que pretendia suprimir a verdade. Eu nunca tinha tido um interesse particular pela Igreja, mas agora sinto por ela grande amor e admiração, porque somente a Igreja teve a coragem e a perseverança de defender a verdade intelectual e a liberdade moral. Por isso, sou obrigado a confessar que o que antes tinha desprezado agora elogio sem qualquer reserva".
sexta-feira, 9 de abril de 2010
A Parábola do semeador
Preparei um texto para usar na catequese, sobre a parábola do semeador. São quatro jovens falando das suas próprias experiências com Jesus, para que os crismandos possam comparar com os "terrenos" de que Jesus fala em Mt 13. Vai o primeiro, que se relaciona com aquela semente que caiu à beira do caminho e foi devorada pelo maligno:
Eu levo a minha avó na missa todo domingo. Na verdade eu tô a fim é de ficar com o carro dela. Eu já fiquei com vontade de entrar, até olhei e vi umas meninas bonitinhas, mas todo mundo tava de calça dentro da Igreja e eu tava de bermuda, resolvi não entrar.
Outro dia eu cheguei e a missa não tinha acabado. Fiquei olhando e achei interessante. O padre tava falando alguma coisa sobre paz, perdão, fraternidade, aquele papo bonito. Mas isso é conversa fiada, o que vale no mundo mesmo é ser esperto e ter grana, os bobos ficam lá rezando e não resolvem nada. Além do mais eu estava com uma ressaca braba, morrendo de dor de cabeça, nem entendi direito aquela conversa. Não fiz catequese não, minha família achou que quando eu crescesse eu escolheria a religião que eu achasse melhor. Não acho nenhuma melhor, acho tudo igual. Não que eu não acredite em Deus, eu até fiz uma promessa uma vez para passar na recuperação, nem me lembro o que é que eu prometi, mas eu estudei e passei. Esse papo de Jesus, de amor, de fraternidade é muito chato. Tudo quanto é doido tá aí falando em Jesus, cheio de igreja de crente berrando por aí, querem é tirar o dinheiro da gente. E tem aquele papo de reencarnação, né? São muitos os caminhos pra Deus, eu escolhi esse barato da reencarnação porque é mais legal, na próxima encarnação eu rezo, nesta eu quero é me dar bem. Sei lá, se tudo é religião, é legal, é bom, então nada faz diferença e eu vou é viver minha vida!
Eu levo a minha avó na missa todo domingo. Na verdade eu tô a fim é de ficar com o carro dela. Eu já fiquei com vontade de entrar, até olhei e vi umas meninas bonitinhas, mas todo mundo tava de calça dentro da Igreja e eu tava de bermuda, resolvi não entrar.
Outro dia eu cheguei e a missa não tinha acabado. Fiquei olhando e achei interessante. O padre tava falando alguma coisa sobre paz, perdão, fraternidade, aquele papo bonito. Mas isso é conversa fiada, o que vale no mundo mesmo é ser esperto e ter grana, os bobos ficam lá rezando e não resolvem nada. Além do mais eu estava com uma ressaca braba, morrendo de dor de cabeça, nem entendi direito aquela conversa. Não fiz catequese não, minha família achou que quando eu crescesse eu escolheria a religião que eu achasse melhor. Não acho nenhuma melhor, acho tudo igual. Não que eu não acredite em Deus, eu até fiz uma promessa uma vez para passar na recuperação, nem me lembro o que é que eu prometi, mas eu estudei e passei. Esse papo de Jesus, de amor, de fraternidade é muito chato. Tudo quanto é doido tá aí falando em Jesus, cheio de igreja de crente berrando por aí, querem é tirar o dinheiro da gente. E tem aquele papo de reencarnação, né? São muitos os caminhos pra Deus, eu escolhi esse barato da reencarnação porque é mais legal, na próxima encarnação eu rezo, nesta eu quero é me dar bem. Sei lá, se tudo é religião, é legal, é bom, então nada faz diferença e eu vou é viver minha vida!
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parabola semeador terreno semente beira caminho
terça-feira, 6 de abril de 2010
o Capítulo III
O capítulo III do livro que nunca escrevi. Parei porque achei que não estava ficando lá muito original, os últimos parágrafos da fala do frei, depois que eu escrevi, me soaram muito Jean Guitton. Eu sempre paro um texto quando descubro que outra pessoa já escreveu antes, e bem melhor do que eu, sobre o assunto. Isso está ocorrendo aqui, também.
Cap. III
Eu não consigo acordar antes do frei, ele sempre levanta mais cedo para rezar suas laudes. Mas mesmo assim, acordei bem cedo. Fiquei pensando no que Fernanda me dissera no dia anterior, sobre a minha busca freudiana por uma mãe morta. Sei lá, talvez ela tenha razão. Eu bem queria que ela tivesse, porque seria mais fácil se tudo que eu estivesse procurando fosse a minha mãe morta.
Na verdade, eu cresci com a tia Terezinha. Maravilhosa, um trator. Melhor dizer um tanque de guerra. Quem tem a tia Terezinha não tem tempo para ter frescuras psicológicas. Ainda me lembro daquele dia, aos oito anos de idade, em que ela me fez voltar andando para casa porque eu não quis rezar o terço no caminho da chácara. Caminhei nove quilômetro soltando fumaça de raiva. Não foi a primeira vez que eu voltei do meio do caminho andando, por desobedecer a Tia.
O dia amanheceu nebuloso em Jerusalém, o trânsito já estava ruim antes das sete da manhã. Aqui na parte antiga é um sufoco. Desci para o restaurante do hotel, para o café da manhã. O frei já estava lá, rezado, escovado e banhado, luzindo como o éden no primeiro dia da criação.
Bom dia, irmão.
Bom dia, Probo, a paz de Cristo. - Ele puxou a cadeira para me receber. Ficamos um pouco em silêncio, aproveitando o café da manhã, com o qual eu ainda não me costumara. Peixe, coalhada seca, salada verde, pão árabe, tanta coisa diferente.
Às vezes eu não entendo, Probo. Não sei direito porque você insistiu tanto para que eu viesse, mesmo com uma despesa tão alta como a que você está arcando. Você parece não ter muita paciência com as coisas que eu falo.
Não ligue para a minha rabugice, Irmão, pode falar. Estar ao seu lado é uma aula de cultura. - falei, tentando ser delicado. Também não sei ao certo por que o convidei, mas não vou dizer isso a ele. Prossegui, para desanuviar – A Fernanda disse ontem, no telefone, que essa busca pela arca é uma metáfora para a minha busca por mim mesmo.
Hum, - grunhiu o Frei. - A arca não é uma metáfora, é uma caixa de madeira revestida de ouro, na qual está depositada a lei de Deus, as tábuas recebidas por Moisés no Sinai. Para fazer uma busca metafórica de si mesmo a gente não precisa sair do quarto. Pode viver como viveu Kant, na mais rígida rotina pessoal, sem nunca sair da sua aldeia nem fazer nada diferente. Acho que você não está buscando algo que está em você mesmo, senão não teria viajado tão longe. Seria uma imbecilidade, não é mesmo?
Mas será que no fundo ela não tem alguma razão?
Probo, a gente hoje se acostumou a pensar que nós somos Deus, que Deus somos nós, por isso toda busca nos parece uma busca interior. Mas você não é Deus, querido, lamento dizer. É por isso que a sua busca está te levando tão longe, porque você está buscando algo que sabe que não tem.
Mas eu não estou buscando a arca, não sou uma espécie de Indiana Jones subdesenvolvido, talvez eu esteja buscando conhecer a minha mãe um pouco mais, compensar a convivência que não tive com ela na infância...
O que te leva para fora de si mesmo de qualquer modo. Não há como conhecer melhor a sua mãe sem fazer um movimento para o exterior. E esse é um movimento profundamente cristão.
Como assim, Frei? - agora ele me surpreendera de verdade.
Está disposto a falar um pouco de filosofia? Dom Serra ainda vai demorar um pouquinho para chegar.
Coloquei um pouco daquela pasta de grão de bico no pão árabe e consenti.
Se lembra o quanto nós comentávamos sobre a cristandade medieval, com sua filosofia realista e profundamente teísta? Para os medievais o fundamento da realidade estava fora deles mesmos, estava totalmente em Deus, que era o Ser por excelência. E esse Ser por excelência manifestara-se concretamente a eles em Jesus. No caso dos antigos judeus, a coisa era ainda mais material: Deus deixava manifestações palpáveis, como pedras gravadas numa caixa de madeira e ouro. Ninguém precisa buscar a si mesmo quando tem Deus tão perto. No entanto, e paradoxalmente, é muito mais fácil encontrar-se: sou um servo daquele que deixou seus rastros na caixa, era o que pensavam os judeus. Ou sou um filho daquele que encarnou, como pensavam os cristãos. Claro que os questionamentos profundos florescem nesses contextos. Pense, por exemplo, no Livro de Jó, ou nas Confissões de Santo Agostinho. Mas há pouco espaço, em culturas assim, para angústias existenciais profundamente desestabilizadoras como o ceticismo radical moderno ou a psicanálise mitológica freudiana. Mas o distanciamento temporal, a complexidade da vida européia, a Reforma e o iluminismo levaram o homem para muito longe de Deus, porque o levaram pra muito longe da realidade exterior.
Como assim? - Não era fácil seguir o raciocínio do Frei.
O que você acha mais fácil, acreditar que Deus existe ou acreditar que eu existo?
Claro que é acreditar que você existe.
Pois é, assim parece, uma vez que você está me vendo e me ouvindo. Mas podíamos ambos ser apenas personagens de um livro, e não saberíamos disso.
Ih, Frei, desculpe, mas agora você viajou na maionese. Já bebeu assim de manhã cedo?
O Frei deu um sorriso largo.
Meu querido, mesmo os ateus mais empedernidos acreditam em alguma força absoluta que condiciona a realidade tal como eles a conhecem. Portanto, acreditam em alguma divindade. Pode ser a força da matéria transformada pelo trabalho humano, como os marxistas, ou a força da história, como os hegelianos, ou a força do tesão, como os freudianos. Mas há sempre uma força primeva condicionando todo o resto. Nisso todo mundo acredita. O difícil não é acreditar nisso, é acreditar que esta mesa aqui existe fora da minha cabeça...
Cap. III
Eu não consigo acordar antes do frei, ele sempre levanta mais cedo para rezar suas laudes. Mas mesmo assim, acordei bem cedo. Fiquei pensando no que Fernanda me dissera no dia anterior, sobre a minha busca freudiana por uma mãe morta. Sei lá, talvez ela tenha razão. Eu bem queria que ela tivesse, porque seria mais fácil se tudo que eu estivesse procurando fosse a minha mãe morta.
Na verdade, eu cresci com a tia Terezinha. Maravilhosa, um trator. Melhor dizer um tanque de guerra. Quem tem a tia Terezinha não tem tempo para ter frescuras psicológicas. Ainda me lembro daquele dia, aos oito anos de idade, em que ela me fez voltar andando para casa porque eu não quis rezar o terço no caminho da chácara. Caminhei nove quilômetro soltando fumaça de raiva. Não foi a primeira vez que eu voltei do meio do caminho andando, por desobedecer a Tia.
O dia amanheceu nebuloso em Jerusalém, o trânsito já estava ruim antes das sete da manhã. Aqui na parte antiga é um sufoco. Desci para o restaurante do hotel, para o café da manhã. O frei já estava lá, rezado, escovado e banhado, luzindo como o éden no primeiro dia da criação.
Bom dia, irmão.
Bom dia, Probo, a paz de Cristo. - Ele puxou a cadeira para me receber. Ficamos um pouco em silêncio, aproveitando o café da manhã, com o qual eu ainda não me costumara. Peixe, coalhada seca, salada verde, pão árabe, tanta coisa diferente.
Às vezes eu não entendo, Probo. Não sei direito porque você insistiu tanto para que eu viesse, mesmo com uma despesa tão alta como a que você está arcando. Você parece não ter muita paciência com as coisas que eu falo.
Não ligue para a minha rabugice, Irmão, pode falar. Estar ao seu lado é uma aula de cultura. - falei, tentando ser delicado. Também não sei ao certo por que o convidei, mas não vou dizer isso a ele. Prossegui, para desanuviar – A Fernanda disse ontem, no telefone, que essa busca pela arca é uma metáfora para a minha busca por mim mesmo.
Hum, - grunhiu o Frei. - A arca não é uma metáfora, é uma caixa de madeira revestida de ouro, na qual está depositada a lei de Deus, as tábuas recebidas por Moisés no Sinai. Para fazer uma busca metafórica de si mesmo a gente não precisa sair do quarto. Pode viver como viveu Kant, na mais rígida rotina pessoal, sem nunca sair da sua aldeia nem fazer nada diferente. Acho que você não está buscando algo que está em você mesmo, senão não teria viajado tão longe. Seria uma imbecilidade, não é mesmo?
Mas será que no fundo ela não tem alguma razão?
Probo, a gente hoje se acostumou a pensar que nós somos Deus, que Deus somos nós, por isso toda busca nos parece uma busca interior. Mas você não é Deus, querido, lamento dizer. É por isso que a sua busca está te levando tão longe, porque você está buscando algo que sabe que não tem.
Mas eu não estou buscando a arca, não sou uma espécie de Indiana Jones subdesenvolvido, talvez eu esteja buscando conhecer a minha mãe um pouco mais, compensar a convivência que não tive com ela na infância...
O que te leva para fora de si mesmo de qualquer modo. Não há como conhecer melhor a sua mãe sem fazer um movimento para o exterior. E esse é um movimento profundamente cristão.
Como assim, Frei? - agora ele me surpreendera de verdade.
Está disposto a falar um pouco de filosofia? Dom Serra ainda vai demorar um pouquinho para chegar.
Coloquei um pouco daquela pasta de grão de bico no pão árabe e consenti.
Se lembra o quanto nós comentávamos sobre a cristandade medieval, com sua filosofia realista e profundamente teísta? Para os medievais o fundamento da realidade estava fora deles mesmos, estava totalmente em Deus, que era o Ser por excelência. E esse Ser por excelência manifestara-se concretamente a eles em Jesus. No caso dos antigos judeus, a coisa era ainda mais material: Deus deixava manifestações palpáveis, como pedras gravadas numa caixa de madeira e ouro. Ninguém precisa buscar a si mesmo quando tem Deus tão perto. No entanto, e paradoxalmente, é muito mais fácil encontrar-se: sou um servo daquele que deixou seus rastros na caixa, era o que pensavam os judeus. Ou sou um filho daquele que encarnou, como pensavam os cristãos. Claro que os questionamentos profundos florescem nesses contextos. Pense, por exemplo, no Livro de Jó, ou nas Confissões de Santo Agostinho. Mas há pouco espaço, em culturas assim, para angústias existenciais profundamente desestabilizadoras como o ceticismo radical moderno ou a psicanálise mitológica freudiana. Mas o distanciamento temporal, a complexidade da vida européia, a Reforma e o iluminismo levaram o homem para muito longe de Deus, porque o levaram pra muito longe da realidade exterior.
Como assim? - Não era fácil seguir o raciocínio do Frei.
O que você acha mais fácil, acreditar que Deus existe ou acreditar que eu existo?
Claro que é acreditar que você existe.
Pois é, assim parece, uma vez que você está me vendo e me ouvindo. Mas podíamos ambos ser apenas personagens de um livro, e não saberíamos disso.
Ih, Frei, desculpe, mas agora você viajou na maionese. Já bebeu assim de manhã cedo?
O Frei deu um sorriso largo.
Meu querido, mesmo os ateus mais empedernidos acreditam em alguma força absoluta que condiciona a realidade tal como eles a conhecem. Portanto, acreditam em alguma divindade. Pode ser a força da matéria transformada pelo trabalho humano, como os marxistas, ou a força da história, como os hegelianos, ou a força do tesão, como os freudianos. Mas há sempre uma força primeva condicionando todo o resto. Nisso todo mundo acredita. O difícil não é acreditar nisso, é acreditar que esta mesa aqui existe fora da minha cabeça...
segunda-feira, 5 de abril de 2010
O capítulo II
Mais um capítulo do livro que não escrevi...
Voltamos para o hotel, no meio de Jerusalém. Realmente, Jerusalém é uma cidade linda, como diz o salmo: “Jerusalém, cidade bem edificada, num conjunto harmonioso”. A van circulava por ruas estreitas, cheias de casas de pedras. Realmente não parecia uma cidade que fora destruída e reconstruída 18 vezes, como o Frei me dissera. Ele parecia distante. Aproveitei para contemplar a cidade, seu frenesi. Na verdade, essa viagem tinha começado por iniciativa minha, não do Frei. Eu estava pagando sua passagem e estadia. Mas eu o havia chamado. Na verdade, eu não lhe contara, mas estava realizando uma angústia de muito tempo: estava procurando minha mãe.
Quer dizer, eu sabia muito bem que minha mãe tinha morrido há mais de trinta e cinco anos, e que a minha querida tia Marlene (a quem eu dedicava amor filial) me criara desde então como verdadeiro filho. Mas das poucas coisas que a minha mãe me deixara, a que mais me intrigava era o seu diário. Ela tinha uma fixação com a Arca de Davi, e colecionava referências históricas e bíblicas a esse objeto, que para mim era apenas mítico. Tudo isso, é claro, muito antes que se ouvisse falar em “Indiana Jones” e outras besteiras do gênero. A minha velha mãe, de quem tenho apenas vagas lembranças, nunca saiu da nossa cidade, nem fazia, acredito, o gênero aventureiro. Sua busca não passava de anotações numa velha agenda, basicamente anotações de passagens bíblicas ou de referências bibliográficas.
A noite começava a cair sobre Jerusalém. O aspecto da Cúpula da Rocha era magnífico, seu dourado reluzente sob os pôr do sol. O Frei me havia dito que aquilo era ouro mesmo: que, em Jerusalém, tudo o que parecia ouro era, de fato, ouro. A van se dirigia ao Hotel Notre Dame de Jerusalém, onde estávamos hospedados. Esse hotel, de propriedade católica, erguia-se majestoso na parte antiga da cidade, bem próximo aos antigos muros. Quando nos aproximamos do hotel, o Frei ainda estava retirado nos seus pensamentos, com o livro de orações nas mãos. Agora, depois de conviver com ele mais um pouco, eu já estava mais acostumado com seus hábitos inflexíveis: sempre que acordava, ao meio dia e às seis ele interrompia o que estava fazendo para, puxando seu velho breviário, rezar a liturgia das horas. Também estava me habituando a ir à missa todos os dias com ele, embora esses velhos rituais significassem pouco para mim. Eu queria somente saber um pouco mais sobre a arca, porque queria sabem um pouco mais sobre a minha mãe. Como eu disse, as minhas lembranças não passavam de velhas recordações muito vagas. Na verdade, eu lembrava muito mais claramente da sensação de conforto e proteção que ela me proporcionava na infância do que propriamente de sua imagem. E essas sensações fugidias, essa percepção tranquila de estar protegido, era tudo que me restara da minha mãe, morta tão jovem. Isso e aquela velha agenda com anotações sobre a arca. E foi por isso que eu resolvi vir a Jerusalém, queria saber mais sobre a arca e, conseqüentemente, sobre a minha mãe. Queria que ela significasse mais para mim do que umas fotos velhas e umas sensações meio vagas. E a coisa mais pessoal que ela me deixara fora o seu caderninho.
Quando chegamos no hotel, o Frei fechou seu livro de orações. Descemos da van e ele apontou a imagem de Maria que dominava a fachada do majestoso hotel.
Veja que coisa linda!
É só uma velha estátua, Frei. Nem é muito bem feita.
Não, é uma oração em pedra. Repare na humildade de Maria, veja como ela, de cabeça baixa, eleva o menino Jesus acima de si própria. E veja como o menino abençoa a cidade que o rejeitou.
O menino se ergue, orgulhoso – comentei, só para ter o que dizer.
Orgulhoso? Como assim? Um Deus criança? Um Deus frágil e pobre, criança humilde de cidade pequena, nascida numa caverna? Onde já se viu coisa assim? Não, não há nenhum orgulho, aí. Só a verdadeira majestade dos humildes. Nascido numa caverna, morto numa cruz, ressuscitado num túmulo emprestado. Abençoando a cidade que o rejeitou.
Resolvi ficar calado, por não ter mais o que dizer. Mas o Frei tinha razão. A estátua de fato transparecia o que ele estava dizendo, toda a simplicidade de Maria, cabisbaixa, elevando seu Deus menino para abençoar a cidade inteira. Entramos no belo saguão do hotel.
Frei, você disse umas coisas sobre a porta Oriental que não me saíram da cabeça.
Vamos subir, tomar um banho e descemos para a missa das seis e meia. Depois da missa, durante o jantar, conversaremos.
Assisti a missa com a cabeça meio distante, esperando a hora do jantar. Mil perguntas passavam pela minha cabeça.
No belo restaurante do hotel, o frei pediu uma sopa, enquanto eu comia uma massa muito gostosa.
Não consigo me acostumar com isso de restaurantes e jantares, Probo. Tantos irmão de rua passando fome...
Meu querido Frei, pense que nem todos os carentes estão na rua. Não tenho como agradecer a sua companhia.
O Frei benzeu-se e rezou brevemente antes da refeição, deixando-me meio sem jeito. Não sabia se eu devia me persignar também, ou se aquilo pareceria falso, mera imitação por vergonha.
Vamos conversar agora, querido. - disse o Frei, enquanto tomava sua sopa. - A Fernanda ligou?
Ligou, Irmão. Ainda está bem azeda. Acho que meu casamento só não acabou desta vez porque o senhor aceitou vir a Jerusalém comigo.
Ela ainda está resmungando por causa da sua viagem?
Está, ela falou alguma coisa sobre uma busca freudiana pela mãe, algo como complexo de édipo mal resolvido, disse que não sabe se vai ter paciência para esperar.
Ela está se sentindo diminuída, Probo, porque você não a trouxe conosco. Eu também não devia ter vindo, acho que me meti no meio de uma crise conjugal.
Não, frei, eu te agradeço demais ter aceitado vir. Eu viria de qualquer jeito, a Fernanda não viria de jeito nenhum. Ela não tem idéia do que é ter perdido a mãe na infância, ainda tem a mãe dela até hoje. Ela está carente e magoada com a minha viagem. Mas eu tinha que vir agora, enquanto tinha tempo e dinheiro, não podia perder esta licença do trabalho. Além disso, tenho de fato contas a acertar com o meu passado, preciso encontrar traços mais nítidos da minha mãe.
E você – disse o Frei, olhando-me nos olhos – tem tratado ela bem no telefone?
Não tanto como deveria – falei, com toda sinceridade, tentando fugir do olhar agudo do Irmão. - Mas não é isto que está me angustiando agora.
E que é que te está angustiando?
Especificamente aquilo que o senhor falou mais cedo, Frei, sobre a necessidade de passar pelo pórtico do Oriente para ser reconhecido como Rei e Messias. Jesus não passou por ali, passou? Como ele poderia ser reconhecido como tal?
Bom, é uma longa história. Mas parece que temos tempo, agora, para longas histórias. Tudo começa com a visão descrita em Ezequiel 44, 1 a 2. Ali, está descrito que este pórtico, que era o pórtico exterior oriental do antigo Templo, deveria ficar fechado. Que não se abriria e que ninguém deveria passar por ele, porque por ele teria entrado o Senhor Deus de Israel. Ali se sentaria o príncipe para comer pão. Por isso, sempre se esperou que o Messias entrasse por aí.
Mas ele não entrou, não é? Jesus nunca passou por este portal.
Não, pelo menos fisicamente. Bom, na verdade, o portal já foi construído e destruído, depois da profecia. O interessante é que um sultão otomano lacrou a porta na idade média, para evitar que o messias judaico entrasse por aí. Além disso, na crença de que o rei judeu não poderia passar por um cemitério sem tornar-se impuro, construíram um cemitério muçulmano em frente à porta, para atrasar ainda mais o messias, quando ele viesse comandar os judeus contra os muçulmanos, dando tempo aos muçulmanos para organizar o seu exército. Mas tudo isso ocorreu muito depois de Cristo, e por isso nos interessa pouco. Voltemos a Cristo.
É verdade, - disse eu, ainda encantado com as histórias do Frei. - voltemos a Cristo. Como ele poderia ser reconhecido como o verdadeiro Messias se ele não cumpriu a profecia de Ezequiel?
Na verdade ele cumpriu. O portão dourado, a porta oriental, para nós, não é uma construção. É uma pessoa.
Ih,- eu disse, meio impaciente. - Lá vem você com suas histórias de monge velho!
Querido, foi você quem perguntou. Quer saber ou não? - disse o Frei, com alguma impaciência.
Desculpe, não quis ser grosseiro. É claro que quero saber.
Vou te dar uma pista, está no Cântico dos Cânticos.
Nem vou tentar. Fala logo...
No ao capítulo 4 do Cântico dos Cânticos, temos a seguinte passagem maravilhosamente bela: “És jardim fechado, Minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”. Quer dizer, Maria é a porta. Assim, se o jardim está fechado, se a fonte está lacrada, se na porta oriental, em que passou a Glória do Senhor, ninguém mais passará, é necessário reconhecer que Maria tem que ter permanecido virgem mesmo após o parto, para que as profecias se cumprissem. Assim, ela seria a porta fechada por onde passou a Glória de Deus. Este é, na verdade, o sentido pleno daquela passagem de Ezequiel.
Mas isso não ocorreu, não é? Mesmo admitindo que Maria tenha concebido virgem, ela não ficou virgem após o parto, ficou? A Bíblia não disse que ela teve outros filhos?
Bom, se você acredita nisso, então terá que admitir comigo que Jesus não era o messias, uma vez que a porta por onde ele passou não ficou fechada. Para que Jesus seja o messias, ele tem que cumprir todas as profecias, esta inclusive. Mas declarar que Maria não é sempre virgem é dizer que a porta oriental, onde passou o Messias, não permaneceu fechada. Então ela não era a porta oriental e, por conseguinte, Jesus não era o Messias.
É muita sutileza, não sei se eu entendo, acho que o vinho me pegou. Vou dormir, Frei, não quer ir também?
Vou já, acho que vou até a capela rezar as completas na frente do sacrário.
Qual o roteiro para amanhã?
Dom Serra vem nos pegar para irmos procurar Obed-Edom.
Quem? - perguntei, meio confuso.
Obed-Edom, o levita a quem Davi confiou a Arca, lembra? Não é possível que você não tenha feito as leituras bíblicas que eu indiquei.
Confesso que não fiz, pelo menos com a atenção que deveria. Mas quem é esse Dom Serra?
É aquele bispo pesquisador que eu te falei, arqueólogo e filólogo, especialista em arqueologia bíblica.
Brasileiro?
Sim, brasileiríssimo, um grande mestre internacional em idioma indo-europeu. Além de uma figura simpaticíssima. Pode ir dormir. Se tiver tempo, leia o primeiro livro de crônicas, capítulo 13, além do mesmo texto em 2 Samuel 6.
Dever de casa?
E atrasado. Deus o abençoe. Boa noite.
Voltamos para o hotel, no meio de Jerusalém. Realmente, Jerusalém é uma cidade linda, como diz o salmo: “Jerusalém, cidade bem edificada, num conjunto harmonioso”. A van circulava por ruas estreitas, cheias de casas de pedras. Realmente não parecia uma cidade que fora destruída e reconstruída 18 vezes, como o Frei me dissera. Ele parecia distante. Aproveitei para contemplar a cidade, seu frenesi. Na verdade, essa viagem tinha começado por iniciativa minha, não do Frei. Eu estava pagando sua passagem e estadia. Mas eu o havia chamado. Na verdade, eu não lhe contara, mas estava realizando uma angústia de muito tempo: estava procurando minha mãe.
Quer dizer, eu sabia muito bem que minha mãe tinha morrido há mais de trinta e cinco anos, e que a minha querida tia Marlene (a quem eu dedicava amor filial) me criara desde então como verdadeiro filho. Mas das poucas coisas que a minha mãe me deixara, a que mais me intrigava era o seu diário. Ela tinha uma fixação com a Arca de Davi, e colecionava referências históricas e bíblicas a esse objeto, que para mim era apenas mítico. Tudo isso, é claro, muito antes que se ouvisse falar em “Indiana Jones” e outras besteiras do gênero. A minha velha mãe, de quem tenho apenas vagas lembranças, nunca saiu da nossa cidade, nem fazia, acredito, o gênero aventureiro. Sua busca não passava de anotações numa velha agenda, basicamente anotações de passagens bíblicas ou de referências bibliográficas.
A noite começava a cair sobre Jerusalém. O aspecto da Cúpula da Rocha era magnífico, seu dourado reluzente sob os pôr do sol. O Frei me havia dito que aquilo era ouro mesmo: que, em Jerusalém, tudo o que parecia ouro era, de fato, ouro. A van se dirigia ao Hotel Notre Dame de Jerusalém, onde estávamos hospedados. Esse hotel, de propriedade católica, erguia-se majestoso na parte antiga da cidade, bem próximo aos antigos muros. Quando nos aproximamos do hotel, o Frei ainda estava retirado nos seus pensamentos, com o livro de orações nas mãos. Agora, depois de conviver com ele mais um pouco, eu já estava mais acostumado com seus hábitos inflexíveis: sempre que acordava, ao meio dia e às seis ele interrompia o que estava fazendo para, puxando seu velho breviário, rezar a liturgia das horas. Também estava me habituando a ir à missa todos os dias com ele, embora esses velhos rituais significassem pouco para mim. Eu queria somente saber um pouco mais sobre a arca, porque queria sabem um pouco mais sobre a minha mãe. Como eu disse, as minhas lembranças não passavam de velhas recordações muito vagas. Na verdade, eu lembrava muito mais claramente da sensação de conforto e proteção que ela me proporcionava na infância do que propriamente de sua imagem. E essas sensações fugidias, essa percepção tranquila de estar protegido, era tudo que me restara da minha mãe, morta tão jovem. Isso e aquela velha agenda com anotações sobre a arca. E foi por isso que eu resolvi vir a Jerusalém, queria saber mais sobre a arca e, conseqüentemente, sobre a minha mãe. Queria que ela significasse mais para mim do que umas fotos velhas e umas sensações meio vagas. E a coisa mais pessoal que ela me deixara fora o seu caderninho.
Quando chegamos no hotel, o Frei fechou seu livro de orações. Descemos da van e ele apontou a imagem de Maria que dominava a fachada do majestoso hotel.
Veja que coisa linda!
É só uma velha estátua, Frei. Nem é muito bem feita.
Não, é uma oração em pedra. Repare na humildade de Maria, veja como ela, de cabeça baixa, eleva o menino Jesus acima de si própria. E veja como o menino abençoa a cidade que o rejeitou.
O menino se ergue, orgulhoso – comentei, só para ter o que dizer.
Orgulhoso? Como assim? Um Deus criança? Um Deus frágil e pobre, criança humilde de cidade pequena, nascida numa caverna? Onde já se viu coisa assim? Não, não há nenhum orgulho, aí. Só a verdadeira majestade dos humildes. Nascido numa caverna, morto numa cruz, ressuscitado num túmulo emprestado. Abençoando a cidade que o rejeitou.
Resolvi ficar calado, por não ter mais o que dizer. Mas o Frei tinha razão. A estátua de fato transparecia o que ele estava dizendo, toda a simplicidade de Maria, cabisbaixa, elevando seu Deus menino para abençoar a cidade inteira. Entramos no belo saguão do hotel.
Frei, você disse umas coisas sobre a porta Oriental que não me saíram da cabeça.
Vamos subir, tomar um banho e descemos para a missa das seis e meia. Depois da missa, durante o jantar, conversaremos.
Assisti a missa com a cabeça meio distante, esperando a hora do jantar. Mil perguntas passavam pela minha cabeça.
No belo restaurante do hotel, o frei pediu uma sopa, enquanto eu comia uma massa muito gostosa.
Não consigo me acostumar com isso de restaurantes e jantares, Probo. Tantos irmão de rua passando fome...
Meu querido Frei, pense que nem todos os carentes estão na rua. Não tenho como agradecer a sua companhia.
O Frei benzeu-se e rezou brevemente antes da refeição, deixando-me meio sem jeito. Não sabia se eu devia me persignar também, ou se aquilo pareceria falso, mera imitação por vergonha.
Vamos conversar agora, querido. - disse o Frei, enquanto tomava sua sopa. - A Fernanda ligou?
Ligou, Irmão. Ainda está bem azeda. Acho que meu casamento só não acabou desta vez porque o senhor aceitou vir a Jerusalém comigo.
Ela ainda está resmungando por causa da sua viagem?
Está, ela falou alguma coisa sobre uma busca freudiana pela mãe, algo como complexo de édipo mal resolvido, disse que não sabe se vai ter paciência para esperar.
Ela está se sentindo diminuída, Probo, porque você não a trouxe conosco. Eu também não devia ter vindo, acho que me meti no meio de uma crise conjugal.
Não, frei, eu te agradeço demais ter aceitado vir. Eu viria de qualquer jeito, a Fernanda não viria de jeito nenhum. Ela não tem idéia do que é ter perdido a mãe na infância, ainda tem a mãe dela até hoje. Ela está carente e magoada com a minha viagem. Mas eu tinha que vir agora, enquanto tinha tempo e dinheiro, não podia perder esta licença do trabalho. Além disso, tenho de fato contas a acertar com o meu passado, preciso encontrar traços mais nítidos da minha mãe.
E você – disse o Frei, olhando-me nos olhos – tem tratado ela bem no telefone?
Não tanto como deveria – falei, com toda sinceridade, tentando fugir do olhar agudo do Irmão. - Mas não é isto que está me angustiando agora.
E que é que te está angustiando?
Especificamente aquilo que o senhor falou mais cedo, Frei, sobre a necessidade de passar pelo pórtico do Oriente para ser reconhecido como Rei e Messias. Jesus não passou por ali, passou? Como ele poderia ser reconhecido como tal?
Bom, é uma longa história. Mas parece que temos tempo, agora, para longas histórias. Tudo começa com a visão descrita em Ezequiel 44, 1 a 2. Ali, está descrito que este pórtico, que era o pórtico exterior oriental do antigo Templo, deveria ficar fechado. Que não se abriria e que ninguém deveria passar por ele, porque por ele teria entrado o Senhor Deus de Israel. Ali se sentaria o príncipe para comer pão. Por isso, sempre se esperou que o Messias entrasse por aí.
Mas ele não entrou, não é? Jesus nunca passou por este portal.
Não, pelo menos fisicamente. Bom, na verdade, o portal já foi construído e destruído, depois da profecia. O interessante é que um sultão otomano lacrou a porta na idade média, para evitar que o messias judaico entrasse por aí. Além disso, na crença de que o rei judeu não poderia passar por um cemitério sem tornar-se impuro, construíram um cemitério muçulmano em frente à porta, para atrasar ainda mais o messias, quando ele viesse comandar os judeus contra os muçulmanos, dando tempo aos muçulmanos para organizar o seu exército. Mas tudo isso ocorreu muito depois de Cristo, e por isso nos interessa pouco. Voltemos a Cristo.
É verdade, - disse eu, ainda encantado com as histórias do Frei. - voltemos a Cristo. Como ele poderia ser reconhecido como o verdadeiro Messias se ele não cumpriu a profecia de Ezequiel?
Na verdade ele cumpriu. O portão dourado, a porta oriental, para nós, não é uma construção. É uma pessoa.
Ih,- eu disse, meio impaciente. - Lá vem você com suas histórias de monge velho!
Querido, foi você quem perguntou. Quer saber ou não? - disse o Frei, com alguma impaciência.
Desculpe, não quis ser grosseiro. É claro que quero saber.
Vou te dar uma pista, está no Cântico dos Cânticos.
Nem vou tentar. Fala logo...
No ao capítulo 4 do Cântico dos Cânticos, temos a seguinte passagem maravilhosamente bela: “És jardim fechado, Minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”. Quer dizer, Maria é a porta. Assim, se o jardim está fechado, se a fonte está lacrada, se na porta oriental, em que passou a Glória do Senhor, ninguém mais passará, é necessário reconhecer que Maria tem que ter permanecido virgem mesmo após o parto, para que as profecias se cumprissem. Assim, ela seria a porta fechada por onde passou a Glória de Deus. Este é, na verdade, o sentido pleno daquela passagem de Ezequiel.
Mas isso não ocorreu, não é? Mesmo admitindo que Maria tenha concebido virgem, ela não ficou virgem após o parto, ficou? A Bíblia não disse que ela teve outros filhos?
Bom, se você acredita nisso, então terá que admitir comigo que Jesus não era o messias, uma vez que a porta por onde ele passou não ficou fechada. Para que Jesus seja o messias, ele tem que cumprir todas as profecias, esta inclusive. Mas declarar que Maria não é sempre virgem é dizer que a porta oriental, onde passou o Messias, não permaneceu fechada. Então ela não era a porta oriental e, por conseguinte, Jesus não era o Messias.
É muita sutileza, não sei se eu entendo, acho que o vinho me pegou. Vou dormir, Frei, não quer ir também?
Vou já, acho que vou até a capela rezar as completas na frente do sacrário.
Qual o roteiro para amanhã?
Dom Serra vem nos pegar para irmos procurar Obed-Edom.
Quem? - perguntei, meio confuso.
Obed-Edom, o levita a quem Davi confiou a Arca, lembra? Não é possível que você não tenha feito as leituras bíblicas que eu indiquei.
Confesso que não fiz, pelo menos com a atenção que deveria. Mas quem é esse Dom Serra?
É aquele bispo pesquisador que eu te falei, arqueólogo e filólogo, especialista em arqueologia bíblica.
Brasileiro?
Sim, brasileiríssimo, um grande mestre internacional em idioma indo-europeu. Além de uma figura simpaticíssima. Pode ir dormir. Se tiver tempo, leia o primeiro livro de crônicas, capítulo 13, além do mesmo texto em 2 Samuel 6.
Dever de casa?
E atrasado. Deus o abençoe. Boa noite.
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Maria virgindade perpétua porta oriental arca
domingo, 4 de abril de 2010
O primeiro capítulo do livro que nunca escrevi
Olhando ontem as minhas coisas, encontrei o primeiro capítulo de um livro que nunca escrevi, um diálogo entre Probo e o Frei Tomás em pleno Getsêmani. Transcrevo aqui para vocês:
I
Eu estava bem cansado. O calor de outubro me atingira. Sentei-me no pequeno pátio da igreja da Agonia, de onde as pessoas saíam lentamente após a missa. Aos pés das oliveiras, onde dizem que Jesus suou sangue, eu contemplei a muralha de Jerusalém.
Talvez essas oliveiras sejam contemporâneas de Jesus, disse Frei Tomás. - Você sabe que as oliveiras não morrem, elas vão rachando e rebrotando internamente, de modo que estas podem muito bem ser as mesmas que assistiram Jesus rezar.
Desculpe, frei Tomás, tudo aqui parece meio falso, não acredito muito em nada por aqui. Duvido que essas muralhas tenham sido as mesmas que Jesus contemplou, tudo aqui já foi construído e reconstruído tantas vezes!
Não é impressionante mesmo assim? Imagine-se aqui, num final de tarde, olhando para essas mulharas imensas e todo o poder que elas encerram, sabendo que em pouco tempo você, sozinho, nu, desarmado e insone, estaria prestes a enfrentar um império religioso e um político, contando apenas consigo mesmo e com a verdade.
E o que é a verdade?
Não sei se você sabe, Probo, mas essa foi pergunta que Pôncio Pilatos fez a Jesus no Pretório, enquanto o interrogava.
E Jesus não respondeu nada, ficou calado.
Fitei, desafiante, o Frei. Lá vinha ele tentando me converter, de novo.
Não estou tentando te converter – ele protestou. Essas coisas aconteceram mesmo, bem aqui.
Frei querido, aconteceram mesmo, mas, salvo engano, Jesus se ferrou direitinho no fim da história.
- De fato – disse o Frei, pacientemente – Jesus ficou calado. Ele sabia que a maioria das pessoas não reconheceria a verdade mesmo que ela fosse uma pessoa em pé na sua frente.
- E você quer dizer que era esse o caso? Para mim, Jesus perdeu uma boa oportunidade de fazer um discurso memorável, de dizer palavras imortais, de usar toda a oratória do grande mestre que se acreditava que ele era. Mas ficou calado.
- Probo, nós tivemos muitos grandes mestres que usaram belas palavras. Jesus falou pouco. Preferiu agir.
Calei-me. De fato, contemplando aquelas muralhas dava pra sentir angústia. Imaginei-me atravessando aqueles muros e desafiando todas as autoridades públicas aos berros, reivindicando a condição de rei e de messias. Acho que hoje eu seria tido por louco. Comentei com Frei Tomás. Ele parou, pensou um pouco e depois me disse:
- Você precisaria passar pela porta Oriental.
Como?
- Para poder reivindicar a condição de rei e messias. Teria que entrar em Jerusalém pela porta Oriental.
Como assim? - perguntei.
- Está reparando aqueles dois arcos ali em frente? Bem no alto, no meio da muralha.
- Aquilo é uma porta? Mas está murada, fechada de pedras!
- Aquela é a porta Dourada, ou porta Formosa, ou porta da Compaixão, ou simplesmente a porta Oriental. A que estamos vendo agora foi construída provavelmente no século VI, por cima das ruínas da original. Ezequiel profetizou sobre essa porta, dizendo que a glória de Deus chegou ao Templo por ela. Ezequiel profetiza que a porta ficará fechada e que ninguém entrará por ela, porque somente o Messias passaria por ela.
- Mas Jesus não passou por ela. Foi por isso que os judeus não o reconheceram?
Na verdade, Probo, ele passou pela Porta Oriental, mas isso implicaria numa discussão muito longa. Não estou disposto a travá-la agora. Acho que você tinha me dito que o propósito da sua vinda aqui era a arca, e não Jesus.
- É verdade. Mas eu gosto de explorar a sua cultura.
- Cultura? Eu sou um pobre frei ignorante... Mas venha, vamos contemplar um pouco a rocha na qual Jesus rezou, naquela noite.
- Frei Tomás, me explique uma coisa, porque é que se discute tanto sobre a palavra “rezar”? Por que é que os protestantes só usam a palavra “orar”?
- Meu querido, vamos deixar essas discussões religiosas de lado.
- Não, eu te peço, me explique!
- Eu não sei, acho que eles associam “rezar” com “rezadeiras”, com magia, com superstições. Acham que “orar” é uma palavra isenta dessa dubiedade, talvez estejam implicitamente nos acusando, a nós católicos, de sermos supersticiosos, sei lá. Eles acham que não devemos nos dirigir a Deus com fórmulas, com “rezas prontas”, porque acham que Jesus proibiu. Acham que quando Jesus disse, no sermão da montanha, para que não usemos “vãs repetições” nas nossas orações, ou quanto ao “palavreado excessivo”, estava nos proibindo, por exemplo, de rezar o terço, no qual as orações são repetidas em fórmulas por diversas vezes.
- E ele estava, não estava? - perguntei, confuso. - Quer dizer, ele estava proibindo essas repetições, como no terço. Por que é, então, que os católicos rezam o terço?
- Na verdade – disse o Frei Tomás, puxando-me pelo braço em direção às velhas oliveiras do Getsêmani – neste mesmo trecho do Evangelho, logo em seguida, Jesus ensina uma fórmula de oração, o “Pai Nosso”. Não me parece, portanto, que ele estivesse proibindo o uso de fórmulas, ao contrário. A verdade, como diz São Paulo, é que nós não sabemos nem rezar como devemos, por isso o Espírito intercede por nós. Assim, quando usamos uma fórmula como o “Pai Nosso”, não devemos pronunciá-la apenas com os lábios, mantendo o coração longe de Deus. Devemos procurar conformar o nosso coração àquilo que está sendo dito. Quanto a repetir a mesma oração, o próprio Jesus fez isso. No relato que o evangelista Marcos fez, sobre o que ocorreu aqui no Getsêmani, isto está muito bem relatado.
- Como assim? - perguntei, mais uma vez admirado com a cultura do Frei.
- Marcos diz, acho que no capítulo 14, lá pelos versículos trinta e tantos, que Jesus prostrou-se para rezar e os discípulos dormiram. Ele os repreendeu, por terem dormido, e voltou para rezar de novo, dizendo as mesmas palavras. E assim ainda uma terceira vez Jesus voltou, acordou os discípulos dorminhocos, foi rezar novamente e repetiu as mesmas palavras, como se estivesse rezando um terço.
- Foi aqui? Foi naquela pedra que fica no meio da Igreja da Agonia, onde estávamos?
- Segundo a tradição, foi ali mesmo. Então você pode ver que Jesus também rezava usando palavras repetidas, é natural que se faça assim, principalmente nos momentos de muita angústia, quando as palavras espontâneas parecem nos faltar aos lábios. Na cruz, ele rezou o salmo 21 - aquele que começa com "meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste", e rezou o salmo 30, dizendo "Pai, em tuas mãos entrego meu espírito". São fórmulas bíblicas de oração. E se Jesus fez assim, quem somos nós para questioná-lo?
Caminhamos mais um pouco pelo Getsêmani, contemplando o pôr-do-sol. Mas uma coisa não me saía da cabeça. Era a questão da Porta Oriental.
I
Eu estava bem cansado. O calor de outubro me atingira. Sentei-me no pequeno pátio da igreja da Agonia, de onde as pessoas saíam lentamente após a missa. Aos pés das oliveiras, onde dizem que Jesus suou sangue, eu contemplei a muralha de Jerusalém.
Talvez essas oliveiras sejam contemporâneas de Jesus, disse Frei Tomás. - Você sabe que as oliveiras não morrem, elas vão rachando e rebrotando internamente, de modo que estas podem muito bem ser as mesmas que assistiram Jesus rezar.
Desculpe, frei Tomás, tudo aqui parece meio falso, não acredito muito em nada por aqui. Duvido que essas muralhas tenham sido as mesmas que Jesus contemplou, tudo aqui já foi construído e reconstruído tantas vezes!
Não é impressionante mesmo assim? Imagine-se aqui, num final de tarde, olhando para essas mulharas imensas e todo o poder que elas encerram, sabendo que em pouco tempo você, sozinho, nu, desarmado e insone, estaria prestes a enfrentar um império religioso e um político, contando apenas consigo mesmo e com a verdade.
E o que é a verdade?
Não sei se você sabe, Probo, mas essa foi pergunta que Pôncio Pilatos fez a Jesus no Pretório, enquanto o interrogava.
E Jesus não respondeu nada, ficou calado.
Fitei, desafiante, o Frei. Lá vinha ele tentando me converter, de novo.
Não estou tentando te converter – ele protestou. Essas coisas aconteceram mesmo, bem aqui.
Frei querido, aconteceram mesmo, mas, salvo engano, Jesus se ferrou direitinho no fim da história.
- De fato – disse o Frei, pacientemente – Jesus ficou calado. Ele sabia que a maioria das pessoas não reconheceria a verdade mesmo que ela fosse uma pessoa em pé na sua frente.
- E você quer dizer que era esse o caso? Para mim, Jesus perdeu uma boa oportunidade de fazer um discurso memorável, de dizer palavras imortais, de usar toda a oratória do grande mestre que se acreditava que ele era. Mas ficou calado.
- Probo, nós tivemos muitos grandes mestres que usaram belas palavras. Jesus falou pouco. Preferiu agir.
Calei-me. De fato, contemplando aquelas muralhas dava pra sentir angústia. Imaginei-me atravessando aqueles muros e desafiando todas as autoridades públicas aos berros, reivindicando a condição de rei e de messias. Acho que hoje eu seria tido por louco. Comentei com Frei Tomás. Ele parou, pensou um pouco e depois me disse:
- Você precisaria passar pela porta Oriental.
Como?
- Para poder reivindicar a condição de rei e messias. Teria que entrar em Jerusalém pela porta Oriental.
Como assim? - perguntei.
- Está reparando aqueles dois arcos ali em frente? Bem no alto, no meio da muralha.
- Aquilo é uma porta? Mas está murada, fechada de pedras!
- Aquela é a porta Dourada, ou porta Formosa, ou porta da Compaixão, ou simplesmente a porta Oriental. A que estamos vendo agora foi construída provavelmente no século VI, por cima das ruínas da original. Ezequiel profetizou sobre essa porta, dizendo que a glória de Deus chegou ao Templo por ela. Ezequiel profetiza que a porta ficará fechada e que ninguém entrará por ela, porque somente o Messias passaria por ela.
- Mas Jesus não passou por ela. Foi por isso que os judeus não o reconheceram?
Na verdade, Probo, ele passou pela Porta Oriental, mas isso implicaria numa discussão muito longa. Não estou disposto a travá-la agora. Acho que você tinha me dito que o propósito da sua vinda aqui era a arca, e não Jesus.
- É verdade. Mas eu gosto de explorar a sua cultura.
- Cultura? Eu sou um pobre frei ignorante... Mas venha, vamos contemplar um pouco a rocha na qual Jesus rezou, naquela noite.
- Frei Tomás, me explique uma coisa, porque é que se discute tanto sobre a palavra “rezar”? Por que é que os protestantes só usam a palavra “orar”?
- Meu querido, vamos deixar essas discussões religiosas de lado.
- Não, eu te peço, me explique!
- Eu não sei, acho que eles associam “rezar” com “rezadeiras”, com magia, com superstições. Acham que “orar” é uma palavra isenta dessa dubiedade, talvez estejam implicitamente nos acusando, a nós católicos, de sermos supersticiosos, sei lá. Eles acham que não devemos nos dirigir a Deus com fórmulas, com “rezas prontas”, porque acham que Jesus proibiu. Acham que quando Jesus disse, no sermão da montanha, para que não usemos “vãs repetições” nas nossas orações, ou quanto ao “palavreado excessivo”, estava nos proibindo, por exemplo, de rezar o terço, no qual as orações são repetidas em fórmulas por diversas vezes.
- E ele estava, não estava? - perguntei, confuso. - Quer dizer, ele estava proibindo essas repetições, como no terço. Por que é, então, que os católicos rezam o terço?
- Na verdade – disse o Frei Tomás, puxando-me pelo braço em direção às velhas oliveiras do Getsêmani – neste mesmo trecho do Evangelho, logo em seguida, Jesus ensina uma fórmula de oração, o “Pai Nosso”. Não me parece, portanto, que ele estivesse proibindo o uso de fórmulas, ao contrário. A verdade, como diz São Paulo, é que nós não sabemos nem rezar como devemos, por isso o Espírito intercede por nós. Assim, quando usamos uma fórmula como o “Pai Nosso”, não devemos pronunciá-la apenas com os lábios, mantendo o coração longe de Deus. Devemos procurar conformar o nosso coração àquilo que está sendo dito. Quanto a repetir a mesma oração, o próprio Jesus fez isso. No relato que o evangelista Marcos fez, sobre o que ocorreu aqui no Getsêmani, isto está muito bem relatado.
- Como assim? - perguntei, mais uma vez admirado com a cultura do Frei.
- Marcos diz, acho que no capítulo 14, lá pelos versículos trinta e tantos, que Jesus prostrou-se para rezar e os discípulos dormiram. Ele os repreendeu, por terem dormido, e voltou para rezar de novo, dizendo as mesmas palavras. E assim ainda uma terceira vez Jesus voltou, acordou os discípulos dorminhocos, foi rezar novamente e repetiu as mesmas palavras, como se estivesse rezando um terço.
- Foi aqui? Foi naquela pedra que fica no meio da Igreja da Agonia, onde estávamos?
- Segundo a tradição, foi ali mesmo. Então você pode ver que Jesus também rezava usando palavras repetidas, é natural que se faça assim, principalmente nos momentos de muita angústia, quando as palavras espontâneas parecem nos faltar aos lábios. Na cruz, ele rezou o salmo 21 - aquele que começa com "meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste", e rezou o salmo 30, dizendo "Pai, em tuas mãos entrego meu espírito". São fórmulas bíblicas de oração. E se Jesus fez assim, quem somos nós para questioná-lo?
Caminhamos mais um pouco pelo Getsêmani, contemplando o pôr-do-sol. Mas uma coisa não me saía da cabeça. Era a questão da Porta Oriental.
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sexta-feira, 2 de abril de 2010
Educação, verdade e sentido
No post de ontem, eu mencionei que, para negar o acesso racional a Deus, Kant negou a possibilidade do próprio conhecimento verdadeiro, tal como era entendido nos sistemas filosóficos até então. O problema da aprendizagem não é um problema simples. Partindo de uma antropologia filosófica, poder-se-ia afirmar que aprender nos faz humanos. Animais podem ser adestrados, computadores podem ser programados. Somente pessoas podem aprender.
A questão, portanto, toca profundamente a nossa própria realidade existencial humana. Compartilhamos com os animais a nossa natureza sensível, e, como eles, adquirimos um conhecimento sensível a partir dos estímulos que nos são trazidos pelas coisas. No entanto, somente nós, humanos, ainda segundo a melhor filosofia aristotélico-tomista, temos a capacidade de abstrair, a partir dos dados empíricos, e chegar à aprendizagem intelectual, que distingue os seres dotados de inteligência daqueles que não o são .
Por outro lado, num modelo antropológico de origem kantiana, o conhecimento é a aplicação de “formas” cognitivas “a priori” que realizam a construção de um “objeto” ali onde a inteligência encontra uma “coisa”; ou seja, o que está fora da própria mente é incognoscível. O numenon, ou a coisa em si, seria, para Kant, inatingível para nós; todos os nossos conhecimentos são o resultado da aplicação das formas ou categorias a priori sobre uma realidade incognoscível .
Neste sentido é que os educadores modernos falam da aprendizagem como uma “construção do conhecimento”. Partem de uma noção muitas vezes idealista, kantiana da realidade, em que nada se conhece, portanto nada se ensina e tampouco nada se aprende, sendo a educação uma “construção de conhecimento” feita pelo educando a partir da orientação, a rigor estritamente metodológica, do mestre.
A filosofia aristotélico-tomista não exclui, de modo algum, a participação do sujeito na construção do conhecimento, mas não abre mão da relação entre a aprendizagem, o sujeito e a coisa conhecida, porque não pode abrir mão da verdade – compreendida como “adequação entre o conhecimento e a realidade conhecida”. Essa noção de verdade fica desvalorizada nas atuais correntes pedagógicas de fundo idealista, notadamente de inspiração kantiana. Nestas, a “verdade” é apenas a correção metodológica da “construção” do objeto pelo sujeito, já que a “coisa em si” é incognoscível. Daí sai o receio, na pedagogia moderna, de falar em “erro”. Onde já não se reconhece a verdade senão formal e subjetivamente, o erro também fica diluído.“Kant parte del principio de que el “objeto” conocido, si es universal y necessario, há sido “construido” por el sujeto, es obra suya. Pero no enteramente, pues em esse caso mas que conocer sólo pensaríamos. Para conocer hace falta, por un lado, “ricibir” unos datos, y por otro “dotarlos” de unas determinadas caracteristicas que los conviertan em objetos de conocimiento. Eso que el sujeto aporta es lo que él llama transcendental, y le da esse nombre porque no puede faltar nunca, porque está mas allá de cada objeto concreto, pos si faltara tampoco habría objeto alguno.” (Gonzales, Rafale Corazón, Kant y la Ilustración, pág. 105. Madrid, Editora Rialp, 2004).
Num trecho do seu livro "Hereges", Chesterton põe uma questão bastante interessante: o desenvolvimento de técnicas e da ciência da aprendizagem, no mundo contemporâneo, foi seguido pela ideia de que nada se pode ensinar e aprender de verdade, de que cada um deve construir seu próprio conhecimento e de que não há nem uma verdade , nem um sentido reconhecível, na educação. Ele diz:
"Cada um dos modernos ideais e frases populares é uma desculpa para se esquivar do problema do que é bom. Gostamos de falar de “liberdade”; isto é uma desculpa para se evitar discutir o que é bom. Gostamos de falar do “progresso”; isto é uma desculpa para se evitar discutir o que é bom. Gostamos de falar de “educação”; isto é uma desculpa para se evitar discutir o que é bom. O homem moderno diz: “Deixemos todos esses padrões arbitrários e abracemos a liberdade.” Isso, se logicamente compreendido, significa: “Não decidamos o que é bom, mas decidamos que é bom não decidir.” Ele diz: “Fora com nossa antiga fórmula moral; sou pelo progresso.” Isso, logicamente compreendido, significa: “Não estabeleçamos se uma coisa é boa; mas estabeleçamos se vamos ganhar mais com ela.” Ele diz: “Não é nem na religião nem na moral, meu amigo, que reside a esperança da raça, mas na educação.” Isso, claramente expresso, significa: “Não podemos decidir o que é bom, mas vamos dá-lo a nossos filhos.”
O abandono da noção de verdade, em nome de uma falsa liberdade, de uma falsa tolerância, levou-nos ao paradoxo que ele aponta: já não podemos discernir o que é o bem, o que é a verdade, mas queremos dá-los aos nossos filhos. O mero desenvolvimento de técnicas psicológicas de aprendizagem nos levará, assim, a um mundo em que saberemos, cada vez mais, como se aprende, mas não saberemos o que se deve aprender.
Hoje vemos a psicologia retomar a ideia de "sentido" como necessária à própria vida humana. “A busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, e não uma “racionalização secundária” de impulsos instintivos. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprido apenas por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará a sua própria vontade de sentido. Alguns autores sustentam que sentidos e valores não são mais do que mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações. Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus “mecanismos de defesa”. Nem tampouco estaria disposto a morrer simplesmente por amor às minhas “formações reativas”. O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores.” ( Frankl, Victor, Em Busca de Sentido. Petrópolis, Ed. Vozes, 1991. Pág.92).
Por outro lado, quando falo de verdade, não falo da simples adequação entre o conhecimento e o conhecido, como se define na psicologia do conhecimento aristotélico-tomista, mas da verdade existencial, aquela cuja busca honesta transforma a vida. “A verdade como retidão do agir e da palavra humana tem o nome de veracidade, sinceridade ou franqueza. A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro no agir e no falar, guardando-se da duplicidade, da simulação e da hipocrisia.” (CEC, § 2468).
Num mundo em que a cultura relativista é auto-implodida pelos próprios culturólogos, nada tem valor suficiente para ser entregue ao educando. Como notou Werner Jaeger, “Hoje estamos habituados a usar a palavra “cultura” não no sentido de um ideal próprio da humanidade herdeira da Grécia, mas antes numa acepção bem mais comum, que a estende a todos os povos da terra, incluídos os mais primitivos. Entendemos assim por cultura a totalidade das manifestações e formas de vida que caracterizam um povo. A palavra converteu-se num simples conceito antropológico descritivo. Já não significa um alto conceito de valor, um ideal consciente”. (Jaeger, Werner, Paideia, a Formação do Homem Grego. São Paulo, Martins Fontes, 1986, pág. 7). Este relativismo transformou a educação numa técnica, ou a serviço da transformação do homem num tecnólogo, ou a serviço de uma ideia de revolução permanente que não pode levar a nenhum lugar senão ao nada – revolucionar não é um verbo intransitivo, como parecem acreditar os pós-gramscianos.
Sem o resgate dos valores do bem, do verdadeiro e do belo, sem o resgate da verdadeira paideia cristã, estamos construindo uma educação que limita-se à construção de técnicos e tecnocratas, ou, pior ainda, de iconoclastas que encontrarão, para destruir, apenas uma sociedade já em ruínas.
A questão, portanto, toca profundamente a nossa própria realidade existencial humana. Compartilhamos com os animais a nossa natureza sensível, e, como eles, adquirimos um conhecimento sensível a partir dos estímulos que nos são trazidos pelas coisas. No entanto, somente nós, humanos, ainda segundo a melhor filosofia aristotélico-tomista, temos a capacidade de abstrair, a partir dos dados empíricos, e chegar à aprendizagem intelectual, que distingue os seres dotados de inteligência daqueles que não o são .
Por outro lado, num modelo antropológico de origem kantiana, o conhecimento é a aplicação de “formas” cognitivas “a priori” que realizam a construção de um “objeto” ali onde a inteligência encontra uma “coisa”; ou seja, o que está fora da própria mente é incognoscível. O numenon, ou a coisa em si, seria, para Kant, inatingível para nós; todos os nossos conhecimentos são o resultado da aplicação das formas ou categorias a priori sobre uma realidade incognoscível .
Neste sentido é que os educadores modernos falam da aprendizagem como uma “construção do conhecimento”. Partem de uma noção muitas vezes idealista, kantiana da realidade, em que nada se conhece, portanto nada se ensina e tampouco nada se aprende, sendo a educação uma “construção de conhecimento” feita pelo educando a partir da orientação, a rigor estritamente metodológica, do mestre.
A filosofia aristotélico-tomista não exclui, de modo algum, a participação do sujeito na construção do conhecimento, mas não abre mão da relação entre a aprendizagem, o sujeito e a coisa conhecida, porque não pode abrir mão da verdade – compreendida como “adequação entre o conhecimento e a realidade conhecida”. Essa noção de verdade fica desvalorizada nas atuais correntes pedagógicas de fundo idealista, notadamente de inspiração kantiana. Nestas, a “verdade” é apenas a correção metodológica da “construção” do objeto pelo sujeito, já que a “coisa em si” é incognoscível. Daí sai o receio, na pedagogia moderna, de falar em “erro”. Onde já não se reconhece a verdade senão formal e subjetivamente, o erro também fica diluído.“Kant parte del principio de que el “objeto” conocido, si es universal y necessario, há sido “construido” por el sujeto, es obra suya. Pero no enteramente, pues em esse caso mas que conocer sólo pensaríamos. Para conocer hace falta, por un lado, “ricibir” unos datos, y por otro “dotarlos” de unas determinadas caracteristicas que los conviertan em objetos de conocimiento. Eso que el sujeto aporta es lo que él llama transcendental, y le da esse nombre porque no puede faltar nunca, porque está mas allá de cada objeto concreto, pos si faltara tampoco habría objeto alguno.” (Gonzales, Rafale Corazón, Kant y la Ilustración, pág. 105. Madrid, Editora Rialp, 2004).
Num trecho do seu livro "Hereges", Chesterton põe uma questão bastante interessante: o desenvolvimento de técnicas e da ciência da aprendizagem, no mundo contemporâneo, foi seguido pela ideia de que nada se pode ensinar e aprender de verdade, de que cada um deve construir seu próprio conhecimento e de que não há nem uma verdade , nem um sentido reconhecível, na educação. Ele diz:
"Cada um dos modernos ideais e frases populares é uma desculpa para se esquivar do problema do que é bom. Gostamos de falar de “liberdade”; isto é uma desculpa para se evitar discutir o que é bom. Gostamos de falar do “progresso”; isto é uma desculpa para se evitar discutir o que é bom. Gostamos de falar de “educação”; isto é uma desculpa para se evitar discutir o que é bom. O homem moderno diz: “Deixemos todos esses padrões arbitrários e abracemos a liberdade.” Isso, se logicamente compreendido, significa: “Não decidamos o que é bom, mas decidamos que é bom não decidir.” Ele diz: “Fora com nossa antiga fórmula moral; sou pelo progresso.” Isso, logicamente compreendido, significa: “Não estabeleçamos se uma coisa é boa; mas estabeleçamos se vamos ganhar mais com ela.” Ele diz: “Não é nem na religião nem na moral, meu amigo, que reside a esperança da raça, mas na educação.” Isso, claramente expresso, significa: “Não podemos decidir o que é bom, mas vamos dá-lo a nossos filhos.”
O abandono da noção de verdade, em nome de uma falsa liberdade, de uma falsa tolerância, levou-nos ao paradoxo que ele aponta: já não podemos discernir o que é o bem, o que é a verdade, mas queremos dá-los aos nossos filhos. O mero desenvolvimento de técnicas psicológicas de aprendizagem nos levará, assim, a um mundo em que saberemos, cada vez mais, como se aprende, mas não saberemos o que se deve aprender.
Hoje vemos a psicologia retomar a ideia de "sentido" como necessária à própria vida humana. “A busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, e não uma “racionalização secundária” de impulsos instintivos. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprido apenas por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará a sua própria vontade de sentido. Alguns autores sustentam que sentidos e valores não são mais do que mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações. Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus “mecanismos de defesa”. Nem tampouco estaria disposto a morrer simplesmente por amor às minhas “formações reativas”. O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores.” ( Frankl, Victor, Em Busca de Sentido. Petrópolis, Ed. Vozes, 1991. Pág.92).
Por outro lado, quando falo de verdade, não falo da simples adequação entre o conhecimento e o conhecido, como se define na psicologia do conhecimento aristotélico-tomista, mas da verdade existencial, aquela cuja busca honesta transforma a vida. “A verdade como retidão do agir e da palavra humana tem o nome de veracidade, sinceridade ou franqueza. A verdade ou veracidade é a virtude que consiste em mostrar-se verdadeiro no agir e no falar, guardando-se da duplicidade, da simulação e da hipocrisia.” (CEC, § 2468).
Num mundo em que a cultura relativista é auto-implodida pelos próprios culturólogos, nada tem valor suficiente para ser entregue ao educando. Como notou Werner Jaeger, “Hoje estamos habituados a usar a palavra “cultura” não no sentido de um ideal próprio da humanidade herdeira da Grécia, mas antes numa acepção bem mais comum, que a estende a todos os povos da terra, incluídos os mais primitivos. Entendemos assim por cultura a totalidade das manifestações e formas de vida que caracterizam um povo. A palavra converteu-se num simples conceito antropológico descritivo. Já não significa um alto conceito de valor, um ideal consciente”. (Jaeger, Werner, Paideia, a Formação do Homem Grego. São Paulo, Martins Fontes, 1986, pág. 7). Este relativismo transformou a educação numa técnica, ou a serviço da transformação do homem num tecnólogo, ou a serviço de uma ideia de revolução permanente que não pode levar a nenhum lugar senão ao nada – revolucionar não é um verbo intransitivo, como parecem acreditar os pós-gramscianos.
Sem o resgate dos valores do bem, do verdadeiro e do belo, sem o resgate da verdadeira paideia cristã, estamos construindo uma educação que limita-se à construção de técnicos e tecnocratas, ou, pior ainda, de iconoclastas que encontrarão, para destruir, apenas uma sociedade já em ruínas.
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