Veritatis splendor
Capítulo 2
Item II – a Consciência e a verdadeira
O santuário do homem
A relação entre a liberdade do homem e a lei de Deus tem sua sede no
“coração”, ou seja, na consciência moral humana, que o está
sempre interpelando ao amor do bem e fuga do mal.
Assim, essa relação tem estreita conexão com a interpretação que se
atribui à realidade da consciência moral. As tendências modernas, que
opõem lei e liberdade, idolatram esta última e convidam a uma
“interpretação criativa” da consciência moral, afastando-se do
ensinamento da Igreja.
Alguns teólogos modernos defendem que já não se poderia descrever a
consciência como uma simples aplicadora de normas gerais a casos
individuais. As normas gerais não dariam conta da diversidade e
especificidade das situações que se relacionam com o ato concreto. As
normas gerais contribuiriam, seriam uma espécie de perspectiva geral,
não um critério objetivo vinculante à consciência. O fenômeno da
consciência seria complexo, mesclado com toda a esfera psicológica e
afetiva do sujeito, induzindo o homem não tanto a uma observância
meticulosa de normas universais, mas sobretudo a uma assunção criativa e
responsável das tarefas pessoais que Deus lhe confiou.
Nesta linha, eles chamam os atos da consciência de “decisões”, não
de “juízos”, criticando as intervenções do Magistério como
prejudiciais à autonomia que viria da maturidade moral.
Chega-se a estabelecer um dualismo entre o Magistério, visto como
doutrinal e abstrato, e a consideração existencial concreta, que
estabeleceria, esta sim legitimamente, “exceções à regra geral” por
“critérios pastorais” que podem ser até mesmo contrários ao
Magistério, pois caberia à consciência moral e apenas a ela, no caso
concreto, decidir sobre o bem e o mal de um comportamento específico.
O que está em questão, portanto, é a própria identidade da consciência
moral, posta no meio de um conflito entre a liberdade, a lei e a
verdade.
O Juízo da Consciência
De acordo com romanos, 2, 15, a consciência, de certo modo, põe o homem
perante a lei, tornando-se ela mesma “testemunha” da lei para o
homem. Esse testemunho é velado para quem está de fora – só o sujeito
conhece a própria resposta à voz da consciência.
A consciência seria, assim, o arauto de Deus, porque não ordena por si
própria, mas dá testemunho da retidão ou maldade do homem perante Deus
no próprio íntimo da pessoa, ou nas raízes de sua alma, chamando-o à
obediência. Não o encerra numa solidão intransponível e impenetrável,
mas abre-o à chamada, à voz de Deus. É o espaço santo no qual Deus fala
ao homem.
Para São paulo (Rom 2, 15), o modo pelo qual a consciência cumpre tal
função é pelo pensamento, o que revela o caráter próprio da consciência,
que é o de ser um juízo moral de absolvição ou condenação sobre o homem
e seus atos, segundo sejam tais atos humanos conformes ou não à lei
divina inscrita no coração, conforme será revelado no Juízo Final (Rom
2, 16).
Este juízo é um juízo prático, que dita o que se deve fazer ou evitar,
aplicando a uma situação concreta a convicção racional de que se deve
amar o bem e evitar o mal. Este primeiro princípio da razão prática é o
próprio fundamento da lei natural, reflexo da sabedoria criadora de deus
em cada coração. Sendo tal juízo a aplicação da lei ao caso concreto,
torna-se para o homem um ditame interior, discernimento na concretude da
ação. A obrigação moral é, portanto, à luz da lei natural, a afirmação
última da conformidade entre um ato voluntário e a lei objetiva.
O juízo da consciência tem caráter imperativo e condena o agente que
pratica o ato contra ou sem a certeza da sua bondade. É a norma próxima
da moralidade pessoal. Sua autoridade deriva da verdade que a
consciência é chamada a escutar e exprimir.
Essa verdade é indicada pela lei divina, proveniente do Bem supremo a
que a pessoa humana se sente atraída. A consciência não é, portanto,
fonte autônoma e exclusiva para a decisão sobre o be e o mal, mas tem
em si um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que
fundamenta e condiciona suas decisões.
A consciência permanece como testemunha da verdade universal do bem e
da eventual malícia de uma escolha particular. Neste caso, é também
penhor de misericórdia e esperança – a existência do bem supremo
lembra o perdão a pedir, o bem a praticar e a virtude a cultivar.
O juízo prático da consciência revela o vínculo entre liberdade e
verdade. A consciência formula, portanto, atos de “juízo”, e não de
“decisão” arbitrária. E a maturidade e a responsabilidade medem-se
não por uma suposta “libertação” da consciência com relação á
verdade objetiva em favor de uma certa “autonomia”, mas pela procura
insistente da verdade como guia do agir.
Procurar a verdade e o bem. O juízo da consciência está sujeito a erro
eventual, tanto por ignorância invencível – situação em que mantém a
sua dignidade – quanto se há o descuido na busca da verdade e do bem,
e a consciência vai sendo progressivamente cegada pelo pecado. É a
consciência errônea.
Para ter boa consciência, é preciso procurar a verdade e julgar segundo
ela. Trata-se de aceitar e julgar segundo os critérios de verdade, em
pura consciência. Não se conformar com a mentalidade do mundo, mas
“transformá-lo pela renovação da mente em Deus (Rom 12,2), com a
força do Espírito Santo.
A consciência não é infalível. Todavia, quando erra por ignorância
invencível, da qual não pode sair sozinha, não perde sua dignidade, pois
não deixa de falar em nome daquela verdade do bem que o sujeito é
chamado a buscar sinceramente.
É da verdade que vem a dignidade da consciência. Na consciência reta,
vem da verdade objetiva. Na invencivelmente errônea, trata-se daquilo
que o homem, errando, considera como objetivo, mas é apenas
subjetivamente verdadeiro.
O mal cometido, neste caso, não é imputável ao agente, mas não deixa de
ser um mal, uma desordem face à verdade do bem. Tampouco colabora para o
aperfeiçoamento do homem no sentido do bem. Não devemos nos sentir
facilmente justificados em nome de uma consciência errônea, porque
existem faltas que não conseguimos ver, mas permanecem culpáveis, quando
nos recusamos a andar pela luz.
A consciência culpavelmente errônea tem sua dignidade comprometida,
cega que está pelo hábito do pecado. “Se o olho é mau, o corpo andará
em trevas (MT 6, 22). Se a luz que há em ti são trevas, quão grandes
serão tais trevas! Esse é o apelo de Jesus à formação da consciência,
pela contínua conversão ao bem. É preciso uma verdadeira conaturalidade
entre o homem e o verdadeiro bem, que se desenvolve e se fundamenta no
desenvolvimento das virtudes, em especial da prudência e das virtudes
cardeais e teologais – fé, esperança e caridade. 'Quem pratica a
verdade aproxima-se da luz (Jo 3, 21).
Para formar bem a consciência, a Igreja e o seu Magistério são grande
ajuda. Mestra da verdade, ela ensina a verdade que é Cristo e declara e
confirma também os princípios de ordem moral que dimanam da natureza
humana.
Se a liberdade da consciência se dá na verdade, a Igreja não fere a
liberdade ao ensinar à consciência cristã as verdades que já deveria
possuir, desenvolvendo-as a partir do ato originário da fé. A Igreja
serve à consciência, ancorando-a contra os “ventos de doutrina” ao
sabor da maldade do homem.
Leituras, opiniões e ideias de um católico. Contatos no email paulovjacobina@gmail.com
quarta-feira, 31 de março de 2010
terça-feira, 30 de março de 2010
Pio XII e a lenda negra
Antes de ontem foi domingo de ramos. Num domingo assim, em 1937, mais precisamente em 21 de março de 1937, foi lida a encíclica Mit Brennender Sorge (Com Enorme Preocupação), em todas as igrejas católicas da Alemanha. Escrita em alemão, e não no tradicional latim com que o Papa escreve suas encíclicas, foi a primeira condenação pública ao nazismo feita por um Estado, de forma oficial, bem como a primeira posição pública contra o nazismo tomada por uma religião organizada. Lida no interior da Alemanha, foi a maior manifestação pública em território alemão contra o regime que depois seria o que foi. Não há dubiedade nem hesitação nesse documento, escrito por Pio XI com a colaboração do então Cardeal Eugênio Pacelli, mais tarde Pio XII.
Não deve ter sido com pequena dor no coração que o Papa exortou os católicos de que o martírio era preferível à traição a Deus:
“Con presiones ocultas y manifiestas, con intimidaciones, con perspectivas de ventajas económicas, profesionales, cívicas o de otro género, la adhesión de los católicos a su fe —y singularmente la de algunas clases de funcionarios católicos— se halla sometida a una violencia tan ilegal como inhumana. Nos, con paterna emoción, sentimos y sufrimos profundamente con los que han pagado a tan caro precio su adhesión a Cristo y a la Iglesia; pero se ha llegado ya a tal punto, que está en juego el último fin y el más alto, la salvación, o la condenación; y en este caso, como único camino de salvación para el creyente, queda la senda de un generoso heroísmo. Cuando el tentador o el opresor se le acerque con las traidoras insinuaciones de que salga de la Iglesia, entonces no habrá más remedio que oponerle, aun a precio de los más graves sacrificios terrenos, la palabra del Salvador:
Apártate de mí, Satanás, porque está escrito: al Señor tu Dios adorarás y a El sólo darás culto (Mt 4,10; Lc 4,8). A la Iglesia, por el contrario, deberá dirigirle estas palabras: ¡Oh tú, que eres mi madre desde los días de mi infancia primera, mi fortaleza en la vida, mi abogada en la muerte, que la lengua se me pegue al paladar si yo, cediendo a terrenas lisonjas o amenazas, llegase a traicionar las promesas de mi bautismo! Finalmente, aquellos que se hicieron la ilusión de poder conciliar con el abandono exterior de la Iglesia la fidelidad interior a ella, adviertan la severa palabra del Señor: El que me negare delante de los hombres, será negado ante los ángeles de Dios (Lc 12,9).”
Após a leitura e publicação da encíclica, as perseguições anti-católicas tiveram lugar. Em maio de 1937, 1.100 padres e religiosos são lançados nas prisões do Reich. 304 sacerdotes católicos são deportados para Dachau em 1938. As organizações católicas são dissolvidas e as escolas confessionais interditadas.
Até a queda do regime nazista, cerca de onze mil sacerdotes católicos (quase metade do clero alemão dessa época) "foram atingidos por medidas punitivas, política ou religiosamente motivadas, pelo regime nazista", terminando muitas vezes nos campos de concentração.
Espalhou-se, bem mais tarde, uma lenda negra contra Pio XII, de que ele havia sido o Papa de Hitler. Grande parte desse ataque ao Vaticano pela sua suposta atuação na Segunda Guerra Mundial origina-se de uma peça de teatro ficcional, chamada O Vigário, escrita pelo alemão Rolf Hochhuth. Mais tarde houve a publicação do livro “O Papa de Hitler”, de John Cornwell. É um livro que engana desde a capa: como insinuação da proximidade entre Pio XII e Hitler, a capa retrata Eugênio Paccelli (que ainda não era Pio XII) visitando a Alemanha em 1929, quatro anos antes de Hitler chegar ao poder:
“A capa do livro de John Cornwell mostra o arcebispo Pacelli saindo de um edifício do governo alemão, escoltado por dois soldados. Essa visita oficial do então Núncio Apostólico na Alemanha, teve lugar em 1929, quatro anos antes que Hitler chegasse ao poder (em 30 de janeiro de 1933). Como Pacelli saiu da Alemanha em 1929 e nunca mais voltou, é enganoso e tendencioso o uso dessa fotografia” (Texto do jesuíta Peter Gumpel, historiador convidado pelo Vaticano para coordenar o processo de beatificação do Papa Pio XII, in “Pio XII, Hitler e os judeus”, publicado em PODER – Revista Brasileira de Questões Estratégicas, Ano I, nº 05, pg. 58, Brasília, Maio/Junho 2000).
O próprio John Cornwell, em entrevista ao The Economist em 2004, reconheceria que não dispunha de material para chegar às conclusões que chegou em seu livro: "As he admits, Hitler's Pope (1999), his biography of Pope Pius XII, lacked balance. “I would now argue,” he says, “in the light of the debates and evidence following Hitler's Pope, that Pius XII had so little scope of action that it is impossible to judge the motives for his silence during the war, while Rome was under the heel of Mussolini and later occupied by the Germans.”"
Como se isto tudo não fosse suficiente, ressalte-se que um rabino prefaciou elogiosamente um livro sobre Pio XII, conforme notícia publicada na ZENIT:
"O rabino Erich A. Silver, do Templo Beth David, em Cheshire, responsável pela melhoria das relações entre o Judaísmo e a Igreja Católica, explica as causas da sua mudança de opinião.
“Eu achava que ele poderia ter feito mais”, escreveu Silver no prólogo do livro. “Eu queria saber se realmente havia um colaborador, um antissemita passivo, enquanto milhões eram assassinados, alguns à vista do Vaticano.”
“Então – relata o rabino – em setembro de 2008, vim a Roma, convidado por Gary Krupp, para participar de um simpósio organizado por Pave The Way Foundation, no qual se estudaria o papel de Pio XII durante o Holocausto.”
Naquela ocasião, o rabino Silver conheceu Sor Marchione e outras 50 pessoas, entre rabinos, sacerdotes, estudiosos e jornalistas que haviam estudado e investigado a fundo sobre o tema.
Para Silver, aquele simpósio foi um choque, e assim escreve: “As provas que eu vi me convenceram de que sua única motivação (de Pio XII) foi salvar todos os judeus que ele pudesse”.
A imagem negativa de Pio XII, segundo Silver, começou com a publicação da peça “O Vigário”, com a difusão de mentiras e com o hábito de não investigar os fatos históricos.
Assim, muitas pessoas foram convertidas em “instrumento dos que detestavam Pio XII porque sempre foi anticomunista”, explica.
“Vale destacar que, depois do fim da guerra e até sua morte, os judeus o elogiaram continuamente, reconhecendo-o como salvador”, acrescenta.
E o rabino afirma: “Eu espero que a canonização de Pio XII possa acontecer sem problemas, para que não somente os católicos, mas o mundo inteiro possa conhecer o bem realizado por esse homem de Deus”.
Na parte final de sua introdução ao livro, Silver recorda que no 50º aniversário da morte de Pio XII, no sermão de Yom Kippur, “eu falei da necessidade de corrigir os erros do passado”.
“Depois de tudo, Eugenio Pacelli é um amigo especial de Deus, um santo; cabe a nós reconhecer este fato”, recorda.
Lembremo-nos, por fim, da conversão do Rabino-chefe da sinagoga de Roma durante a guerra, Israel Zolli, que pediu o batismo à Igreja Católica após a guerra, tendo adotado o nome cristão de “Eugênio”, em homenagem ao Papa Pio XII, Eugênio Paccelli. A história da conversão desse rabino certamente não ocorreria se Pio XII tivesse sido pró-Hitler e antissemita como inventam os propagadores da lenda negra. A história da relação de Israel Zolli com Pio XII na segunda guerra ocorreu assim (fonte: http://www.quadrante.com.br/Pages/servicos02.aspd=75&categoria=Historia&tubcategoria=Espiritualidade)21
“Enquanto os EUA, o Reino Unido e outros países negavam a entrada de refugiados judeus durante a Guerra, o Vaticano emitia dezenas de milhares de documentos falsos para permitir que judeus se passassem por cristãos, escapando assim dos nazistas. E ainda há mais. A ajuda financeira de Pio XII aos judeus foi bem substancial. Lichten, Lapide e outros cronistas judeus da época mencionam milhões de dólares, e vale lembrar que o dólar valia bem mais do que hoje.
Em fins de 1943, Mussolini, que nunca foi muito amigo dos papas, foi deposto pelos italianos, mas Hitler, temendo que a Itália negociasse a paz com os aliados separadamente, invadiu o país, assumiu o controle e recolocou Mussolini no poder como um testa-de-ferro. Foi neste momento em que os judeus de Roma – os que o Papa tinha condições de ajudar mais diretamente – começaram a ser ameaçados, que Pio XII mostrou realmente toda a sua valentia.
Lichten registra que, a 27 de setembro de 1943, um dos comandantes nazistas exigiu que a comunidade judaica de Roma lhe entregasse cem libras de ouro (cerca de 45 kg) dentro de trinta e seis horas; caso contrário, trezentos judeus seriam feitos prisioneiros. Após conseguir levantar apenas setenta libras, o Conselho da Comunidade Judaica voltou-se para o Vaticano.
“Nas suas memórias, o então Rabino-chefe de Roma, Israel Zolli, escreve que foi enviado ao Vaticano, onde, conforme se combinou previamente, seria recebido como um «engenheiro» chamado para verificar um problema de construção, a fim de que a Gestapo não o barrasse. Foi atendido pelo Tesoureiro e pelo Secretário de Estado, que lhe disseram que o Santo Padre pessoalmente dera ordens para cobrir a diferença com vasos de ouro tirados do Tesouro”
Depois da guerra, Zolli tornou-se católico e, para homenagear o Papa pelos seus feitos em favor dos judeus e pelo papel que teve na sua conversão, escolheu o nome de Eugenio como nome de batismo (lembremos que Pio XII se chamava Eugenio Pacelli antes da eleição). Zolli enfatizou que a sua conversão se deveu a motivos teológicos, o que seguramente era verdade, mas o fato de o Papa ter trabalhado tanto em beneficio dos judeus sem dúvida o levou a procurar conhecer mais a fundo as verdades do cristianismo.
“Quando Zolli se fez católico em 1945 e adotou o nome de batismo de Pio XII, Eugenio, muitos judeus romanos acreditaram que a sua conversão era um ato de agradecimento pelo auxilio aos judeus refugiados durante os tempos de guerra e, não obstante as seguidas negações, muitos ainda são dessa opinião. Assim, o rabino Barry Dov Schwartz escreveu no periódico Conservative Judaisme, no verão de 1964: «Muitos judeus converteram-se depois da guerra, como um ato de gratidão, àquela instituição que salvou suas vidas»”
A lenda negra parece, portanto, completamente falsa.
Não deve ter sido com pequena dor no coração que o Papa exortou os católicos de que o martírio era preferível à traição a Deus:
“Con presiones ocultas y manifiestas, con intimidaciones, con perspectivas de ventajas económicas, profesionales, cívicas o de otro género, la adhesión de los católicos a su fe —y singularmente la de algunas clases de funcionarios católicos— se halla sometida a una violencia tan ilegal como inhumana. Nos, con paterna emoción, sentimos y sufrimos profundamente con los que han pagado a tan caro precio su adhesión a Cristo y a la Iglesia; pero se ha llegado ya a tal punto, que está en juego el último fin y el más alto, la salvación, o la condenación; y en este caso, como único camino de salvación para el creyente, queda la senda de un generoso heroísmo. Cuando el tentador o el opresor se le acerque con las traidoras insinuaciones de que salga de la Iglesia, entonces no habrá más remedio que oponerle, aun a precio de los más graves sacrificios terrenos, la palabra del Salvador:
Apártate de mí, Satanás, porque está escrito: al Señor tu Dios adorarás y a El sólo darás culto (Mt 4,10; Lc 4,8). A la Iglesia, por el contrario, deberá dirigirle estas palabras: ¡Oh tú, que eres mi madre desde los días de mi infancia primera, mi fortaleza en la vida, mi abogada en la muerte, que la lengua se me pegue al paladar si yo, cediendo a terrenas lisonjas o amenazas, llegase a traicionar las promesas de mi bautismo! Finalmente, aquellos que se hicieron la ilusión de poder conciliar con el abandono exterior de la Iglesia la fidelidad interior a ella, adviertan la severa palabra del Señor: El que me negare delante de los hombres, será negado ante los ángeles de Dios (Lc 12,9).”
Após a leitura e publicação da encíclica, as perseguições anti-católicas tiveram lugar. Em maio de 1937, 1.100 padres e religiosos são lançados nas prisões do Reich. 304 sacerdotes católicos são deportados para Dachau em 1938. As organizações católicas são dissolvidas e as escolas confessionais interditadas.
Até a queda do regime nazista, cerca de onze mil sacerdotes católicos (quase metade do clero alemão dessa época) "foram atingidos por medidas punitivas, política ou religiosamente motivadas, pelo regime nazista", terminando muitas vezes nos campos de concentração.
Espalhou-se, bem mais tarde, uma lenda negra contra Pio XII, de que ele havia sido o Papa de Hitler. Grande parte desse ataque ao Vaticano pela sua suposta atuação na Segunda Guerra Mundial origina-se de uma peça de teatro ficcional, chamada O Vigário, escrita pelo alemão Rolf Hochhuth. Mais tarde houve a publicação do livro “O Papa de Hitler”, de John Cornwell. É um livro que engana desde a capa: como insinuação da proximidade entre Pio XII e Hitler, a capa retrata Eugênio Paccelli (que ainda não era Pio XII) visitando a Alemanha em 1929, quatro anos antes de Hitler chegar ao poder:
“A capa do livro de John Cornwell mostra o arcebispo Pacelli saindo de um edifício do governo alemão, escoltado por dois soldados. Essa visita oficial do então Núncio Apostólico na Alemanha, teve lugar em 1929, quatro anos antes que Hitler chegasse ao poder (em 30 de janeiro de 1933). Como Pacelli saiu da Alemanha em 1929 e nunca mais voltou, é enganoso e tendencioso o uso dessa fotografia” (Texto do jesuíta Peter Gumpel, historiador convidado pelo Vaticano para coordenar o processo de beatificação do Papa Pio XII, in “Pio XII, Hitler e os judeus”, publicado em PODER – Revista Brasileira de Questões Estratégicas, Ano I, nº 05, pg. 58, Brasília, Maio/Junho 2000).
O próprio John Cornwell, em entrevista ao The Economist em 2004, reconheceria que não dispunha de material para chegar às conclusões que chegou em seu livro: "As he admits, Hitler's Pope (1999), his biography of Pope Pius XII, lacked balance. “I would now argue,” he says, “in the light of the debates and evidence following Hitler's Pope, that Pius XII had so little scope of action that it is impossible to judge the motives for his silence during the war, while Rome was under the heel of Mussolini and later occupied by the Germans.”"
Como se isto tudo não fosse suficiente, ressalte-se que um rabino prefaciou elogiosamente um livro sobre Pio XII, conforme notícia publicada na ZENIT:
"O rabino Erich A. Silver, do Templo Beth David, em Cheshire, responsável pela melhoria das relações entre o Judaísmo e a Igreja Católica, explica as causas da sua mudança de opinião.
“Eu achava que ele poderia ter feito mais”, escreveu Silver no prólogo do livro. “Eu queria saber se realmente havia um colaborador, um antissemita passivo, enquanto milhões eram assassinados, alguns à vista do Vaticano.”
“Então – relata o rabino – em setembro de 2008, vim a Roma, convidado por Gary Krupp, para participar de um simpósio organizado por Pave The Way Foundation, no qual se estudaria o papel de Pio XII durante o Holocausto.”
Naquela ocasião, o rabino Silver conheceu Sor Marchione e outras 50 pessoas, entre rabinos, sacerdotes, estudiosos e jornalistas que haviam estudado e investigado a fundo sobre o tema.
Para Silver, aquele simpósio foi um choque, e assim escreve: “As provas que eu vi me convenceram de que sua única motivação (de Pio XII) foi salvar todos os judeus que ele pudesse”.
A imagem negativa de Pio XII, segundo Silver, começou com a publicação da peça “O Vigário”, com a difusão de mentiras e com o hábito de não investigar os fatos históricos.
Assim, muitas pessoas foram convertidas em “instrumento dos que detestavam Pio XII porque sempre foi anticomunista”, explica.
“Vale destacar que, depois do fim da guerra e até sua morte, os judeus o elogiaram continuamente, reconhecendo-o como salvador”, acrescenta.
E o rabino afirma: “Eu espero que a canonização de Pio XII possa acontecer sem problemas, para que não somente os católicos, mas o mundo inteiro possa conhecer o bem realizado por esse homem de Deus”.
Na parte final de sua introdução ao livro, Silver recorda que no 50º aniversário da morte de Pio XII, no sermão de Yom Kippur, “eu falei da necessidade de corrigir os erros do passado”.
“Depois de tudo, Eugenio Pacelli é um amigo especial de Deus, um santo; cabe a nós reconhecer este fato”, recorda.
Lembremo-nos, por fim, da conversão do Rabino-chefe da sinagoga de Roma durante a guerra, Israel Zolli, que pediu o batismo à Igreja Católica após a guerra, tendo adotado o nome cristão de “Eugênio”, em homenagem ao Papa Pio XII, Eugênio Paccelli. A história da conversão desse rabino certamente não ocorreria se Pio XII tivesse sido pró-Hitler e antissemita como inventam os propagadores da lenda negra. A história da relação de Israel Zolli com Pio XII na segunda guerra ocorreu assim (fonte: http://www.quadrante.com.br/Pages/servicos02.aspd=75&categoria=Historia&tubcategoria=Espiritualidade)21
“Enquanto os EUA, o Reino Unido e outros países negavam a entrada de refugiados judeus durante a Guerra, o Vaticano emitia dezenas de milhares de documentos falsos para permitir que judeus se passassem por cristãos, escapando assim dos nazistas. E ainda há mais. A ajuda financeira de Pio XII aos judeus foi bem substancial. Lichten, Lapide e outros cronistas judeus da época mencionam milhões de dólares, e vale lembrar que o dólar valia bem mais do que hoje.
Em fins de 1943, Mussolini, que nunca foi muito amigo dos papas, foi deposto pelos italianos, mas Hitler, temendo que a Itália negociasse a paz com os aliados separadamente, invadiu o país, assumiu o controle e recolocou Mussolini no poder como um testa-de-ferro. Foi neste momento em que os judeus de Roma – os que o Papa tinha condições de ajudar mais diretamente – começaram a ser ameaçados, que Pio XII mostrou realmente toda a sua valentia.
Lichten registra que, a 27 de setembro de 1943, um dos comandantes nazistas exigiu que a comunidade judaica de Roma lhe entregasse cem libras de ouro (cerca de 45 kg) dentro de trinta e seis horas; caso contrário, trezentos judeus seriam feitos prisioneiros. Após conseguir levantar apenas setenta libras, o Conselho da Comunidade Judaica voltou-se para o Vaticano.
“Nas suas memórias, o então Rabino-chefe de Roma, Israel Zolli, escreve que foi enviado ao Vaticano, onde, conforme se combinou previamente, seria recebido como um «engenheiro» chamado para verificar um problema de construção, a fim de que a Gestapo não o barrasse. Foi atendido pelo Tesoureiro e pelo Secretário de Estado, que lhe disseram que o Santo Padre pessoalmente dera ordens para cobrir a diferença com vasos de ouro tirados do Tesouro”
Depois da guerra, Zolli tornou-se católico e, para homenagear o Papa pelos seus feitos em favor dos judeus e pelo papel que teve na sua conversão, escolheu o nome de Eugenio como nome de batismo (lembremos que Pio XII se chamava Eugenio Pacelli antes da eleição). Zolli enfatizou que a sua conversão se deveu a motivos teológicos, o que seguramente era verdade, mas o fato de o Papa ter trabalhado tanto em beneficio dos judeus sem dúvida o levou a procurar conhecer mais a fundo as verdades do cristianismo.
“Quando Zolli se fez católico em 1945 e adotou o nome de batismo de Pio XII, Eugenio, muitos judeus romanos acreditaram que a sua conversão era um ato de agradecimento pelo auxilio aos judeus refugiados durante os tempos de guerra e, não obstante as seguidas negações, muitos ainda são dessa opinião. Assim, o rabino Barry Dov Schwartz escreveu no periódico Conservative Judaisme, no verão de 1964: «Muitos judeus converteram-se depois da guerra, como um ato de gratidão, àquela instituição que salvou suas vidas»”
A lenda negra parece, portanto, completamente falsa.
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segunda-feira, 29 de março de 2010
Maria, a imaculada
Acredito que Maria deve ser, pessoalmente, uma mulher muito linda. A mais linda de todas as mulheres que já existiram sobre a terra. Deus, que tem a eternidade e não faz nada mal feito, não iria escolher senão a melhor para ser sua mãe. Aquela que conteve o que nem os céus dos céus conseguem conter (2Cron 6,18), aquela que foi chamada por Isabel, repleta do Espírito Santo do Senhor, de “bendita entre todas as mulheres”, (Lucas 1, 42) superlativo que, curiosamente, ainda a diminui, porque nossa linguagem humana é insuficiente para descrever adequadamente os maiores mistérios de Deus. Aliás, a própria Isabel, pelo Espírito Santo, explica a razão de tão grande admiração: “bendito é o fruto do teu ventre” (mesmo versículo). Ora, como a lua cheia resplandece a luz do sol, tornando quase como dia a noite que devia ser escura, Maria reflete a luz perfeita de Jesus. Se a mesma palavra é usada, sob a inspiração do Espírito Santo, na mesma passagem bíblica, para descrever Maria (criatura bendita) e o Menino-Deus Jesus (Deus fonte de toda bênção), somente se pode concluir que toda a bênção de Deus resplandece de forma perfeita em Maria. A mesma palavra qualifica os dois, criador no ventre, criatura grávida. A mesma espada lhes traspassa a alma (Lucas 2,35). Não há mácula na luz de Deus. Não pode haver mácula em quem tão perfeitamente o resplandece.
Maria, mãe de Deus e nossa, tu és a jóia preciosa da criação. “Sessenta são as rainhas, oitenta, as concubinas, e as virgens, sem número. Mas uma só é a minha pomba, a minha imaculada.” (Cântico 6,8).
Nós, os filhos de Deus, aqueles que são da descendência da Mulher no embate contra o dragão (Apocalipse 12, 17), temos a liberdade de ver Maria aqui, no Cântico dos Cânticos. E o fazemos porque sabemos reconhecer as pistas deixadas pelo próprio Deus na Bíblia. Assim, lemos sobre Maria em Isaías 7,14:
“Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel.
Ele comerá manteiga e mel quando souber desprezar o mal e escolher o bem”.
Não se pode deixar de notar que a própria Bíblia, em Mateus 1, 22-23, deixa bem claro quem é essa virgem, de quem Isaías está falando, que conceberá e dará à luz um filho. E deixa bem claro quem é essa criança que será alimentado de manteiga e mel. E o nome da Virgem era Maria (Lucas 1, 27), e ela alimentaria Jesus com manteiga e mel. É o que nos diz Isaías, no trecho acima citado.
E não poderia ser diferente. Ela alimentaria Jesus assim, porque “os teus lábios, noiva minha, destilam mel. Mel e leite se acham debaixo da tua língua, e a flagrância dos teus vestidos é como a do Líbano.” Assim o Espírito Santo cantou louvores a Maria no Cântico dos Cânticos, no capítulo 4, versículos 11 e seguintes. Ele diz: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”! Fonte lacrada, perpetuamente virgem, porque o pórtico onde passou a Glória do Senhor ficará fechado, não se abrirá e ninguém entrará por ele, porque por ele entrou Iahveh, o Deus de Israel (Ezequiel 44, 2). Mas a virgindade perpétua é discussão para depois. Por ora, vejamos a beleza sem jaça da Mãe de Deus, chamada de imaculada. Já a vislumbramos acima. Mas não basta.
Dessa “fonte selada”, virgem, da qual emana leite e mel para alimentar o Emanuel, diz o Espírito Santo que é pomba imaculada e única. “pomba minha, imaculada minha”, diz o Senhor (Cânticos, 4,2)
Não é de surpreender, portanto, que o Anjo do Senhor, quando a avistou, tivesse dirigido a ela uma saudação tão convicta e maravilhosa:
“Chaire, Kecharitomene”!
Desculpem-me por usar as palavras gregas do evangelho, como escritas no original. É que são tantos os nomes maravilhosos que o grego bíblico atribui a Maria, como “Kecharitomene” e “Theotokos” (Mãe de Deus) que eu não me canso de repeti-los. É que é difícil encontrar, nas traduções, uma palavra, em outros idiomas, que possa expressar perfeitamente o termo bíblico original.Na tradução de João Ferreira de Almeida, que os irmãos separados gostam de levar sob as axilas, consta:
“Alegra-te, muito favorecida”. (Lc 1,28).
Na tradução da edição ecumênica da Bíblia de Jerusalém, consta: “Alegra-te, cheia de graça!”
A tradução da Vulgata (feita por Jerônimo no séc. IV, diretamente de originais gregos) traz a seguinte expressão:
“Ave, gratia plena!”
Essa, penso, é uma tradução mais fiel à palavra do Anjo, que consta no original grego. Maria não é apenas “muito favorecida”, nem apenas “cheia de graça”. Ela é “plena de graça”, repleta, completa de graça, pombinha imaculada, o Senhor está com ela. É o que diz o Anjo, e ele deve saber o que diz. Cito o grande poeta Valmir Alencar:
“Se um dia o Anjo declarou
Que tu eras cheia de Deus
Agora, penso, quem sou eu
Para não te dizer também
Tu és bendita, ó Mãe,
Agraciada...”
Mas voltemos por um instante à tradução de João Ferreira de Almeida, tão usada pelos irmãos separados. Ao traduzir a mensagem do Anjo, de forma insuficiente, como “alegra-te, muito favorecida”, ele coloca, talvez inadvertidamente, essa saudação na linha da profecia de Oséias, 2,1. Ali, segundo o mesmo João Ferreira de Almeida, diz o Senhor:
“Chamai a vosso irmão Meu-Povo e a vossa irmã, Favor”
Interessante estudar um pouco mais essa passagem de Oséias. Ele conta que a filha de Israel prostituída é chamada pelo senhor de “Lo Ruhama” (“Desfavorecida”, segundo a tradução de João Ferreira de Almeida). O povo de Israel, vivendo na infidelidade, é chamado de “Não-Meu-Povo (Lo-Ammi) por Deus, que espera pacientemente, na sua fidelidade incondicional, que Israel volte a ser fiel. Adorando outros deuses, desprezando a lei de Iaveh, as filhas de Israel são “desfavorecidas” (Lo-Ruhamah) por Deus.
Mas na sua infinita paciência o Senhor Iahveh espera o momento em que “tornarão os filhos de Israel e buscarão ao Senhor, seu Deus e a Davi, seu rei; e, nos últimos dias, tremendo, se aproximarão do Senhor e de Sua bondade (Oséias 3,5, versão de João Ferreira da Silva).
Quando isso acontecer, diz o profeta Oséias, a filha “Desfavorecida” de Israel será chamada de “Favorecida” (Ruhama), conforme Oséias 2,1.
Agora, o tradutor João Ferreira põe na boca do Anjo exatamente esse nome: “Ruhamah”, a favorecida de Deus, a Filha amada do verdadeiro Israel fiel. Cumpre a profecia de Oséias e reconhece assim aquela em quem o senhor “amparou a Israel, seu servo” (Lucas 1, 54).
É assim que o Senhor Deus, como pai previdente que é, salva Maria em previsão dos méritos infinitos de Cristo, em Seus planos fora do tempo e do espaço. Para fazê-la “Ruhamah”, para fazê-la “Kecharitomene”, para fazê-la “bendita”, refletindo sem mácula a luz do Bendito por excelência que ela carrega no ventre. E é assim que o espírito Santo pode chamá-la de “pomba imaculada”, como o faz no Cântico de Salomão, séculos antes que ela nascesse. A Maria o Senhor pôde dizer, com Jeremias:
“Antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei”.(Jeremias 1, 5).
Deus nada faz ao acaso. Tendo tirado do homem Adão a graça no paraíso, por força do pecado original (Gênesis 3,22), deixou essa misteriosa profecia à serpente maligna, o velho dragão:
“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gen., 3,15).
Há alguma dúvida ainda sobre quem é a mulher mencionada no Gênesis, no trecho transcrito? É claro que é Maria. Foi a descendência de Maria, ou seja, Jesus, quem feriu a cabeça da serpente. E é ao calcanhar dos filhos de Maria que a serpente quer ferir (Ap. 12,17).
para não restar dúvidas de que Maria é a mulher do Gênesis e do Apocalipse (melhor seria dizer do Gênesis “ao” Apocalipse) é que Jesus, nas vezes em que dirige a palavra direta e exclusivamente a Maria, chama-a simplesmente de Mulher. Vejamos:
“Mulher, que tenho eu contigo?” (João 2,4)
“Mulher, eis aí o teu filho” (João 19,26).
Esse ódio entre a serpente antiga e a mulher, que percorre a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse, é respondido, por Deus, com a antecipação da salvação de Maria, tornando-a KECHARITOMENE, plena de graça, antes mesmo que Jesus nascesse dela. Tornando-a livre do pecado original, como já anunciara desde o Gênesis aos nossos pais mais antigos, ele indica a oposição radical e o ódio entre a serpente, que introduz o pecado no mundo, e a Mulher, Maria, que no mundo introduz a salvação e que não pode ter parte com o pecado.
É essa mulher, a quem a velha serpente tem ódio desde o princípio, que na plenitude dos tempos faz nascer a salvação. É dela que Paulo nos fala em Gálatas 4,4-6:
“Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial.”
Se Jesus tem Pai e tem mãe e se veio nos resgatar para nos tornar filhos adotivos, adotados somos, e adotados que somos, somos adotados pelo Pai e pela Mãe de Jesus, que nos resgatou. Com Paulo podemos saudar:
“Saudai Maria, que muito fez por vós” (Rom. 16,6).
podemos, portanto, afirmar que nunca, em nenhuma parte das escrituras, alguém é tratado pelo espírito Santo ou por um Anjo do Senhor como “plena de graça”. Somente a outras duas criaturas Deus expressamente refere como “tendo achado graça perante os seus olhos”, mas não de forma plena, como Maria. Trata-se de Moisés e Noé. Quanto a Moisés, que roga a Deus que lhe mostre a Sua glória, o senhor expressamente afirma: “Encontraste graça aos meus olhos e conheço-te pelo nome.” (Ex. 33, 17). Por isso, o Senhor permite a Moisés que, quando passar a Glória do senhor, ele lhe contemple as costas. (Ex. 33, 22-23). Assim, a Escritura pôde dizer de Moisés: “Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor houvesse tratado face a face.” (Dt 34,10). Ora, com Maria, plena de graça, o Senhor não apenas tratou face a face, como nela entrou, morou nela, formou-se em corpo e alma e partilhou de sua carne. Nunca mais, podemos dizer, levantar-se-á criatura como Maria.
A outra personagem bíblica que encontrou graça aos olhos do Senhor foi Noé, conforme está escrito em Gênesis 6,8. Ele “andava com Deus”, e por causa disso, na sua arca, ele salvou a criação e foi o pai da nova humanidade. Ora, a Arca que era Maria transportou o próprio Deus, que redimiu a humanidade. Por acaso, sendo ela plena de graça, é menor que Noé? Óbvio que não. Ela é a Arca da Nova Aliança, o Arco-íris da nova criação redimida, a toda pura, a imaculada conceição.
Na presença do Senhor “jamais entrará algo de imundo, e nem os que praticam abominação e mentira” (Ap. 21, 27). É certo que São Paulo diz que, pela falta de um só, todos os homens são pecadores (Romanos 5, 19). Mas notemos que a falta que ele diz ter sido “de um só” foi na verdade uma falta de um casal: Adão e Eva, ambos concebidos sem pecado original, ambos caídos no pecado por opção existencial. Daí por diante, todos os homens foram pecadores até terem sido redimidos pela graça de Cristo: este também concebido sem pecado original. Se São Paulo mesmo afirma que, onde abundou o pecado, superabundou a Graça de Cristo, que não estava sujeito ao pecado, nada mais natural que concluir que a graça (CHARITOS, em grego bíblico) que era plena em Maria já antes da concepção de Cristo. Superabundar quer dizer transbordar, não estar contida somente em si, mas derramar para os outros. O Anjo nos declara que essa graça (CHARITOS) já era plena em Maria (KECHARITOMENE) antes mesmo da concepção (Lucas 1,35). Já superabundava a graça de Jesus em Maria, conforme essa passagem bíblica, em previsão da concepção do Senhor de maneira livre do pecado. E se Paulo nos diz que por um homem entrou o pecado, na carta aos romanos, capítulo 5, ele diz menos do que deveria: foi por um casal que o pecado entrou: Adão e Eva, ambos concebidos sem pecado. Agora a graça superabunda no Cristo, transbordando para a que é cheia de graça, Maria, como nos revela o Anjo, e essa graça tira o pecado do mundo, transformando-nos de pecadores em justos. Assim, se todos são pecadores, sabemos pela Bíblia que Maria já era cheia da graça de Cristo antes mesmo da anunciação do Anjo! Pombinha imaculada, Tabernáculo puro, seio imaculado onde o Todo Santo habitará e formar-se-á, Salve a Imaculada Conceição!
Maria, mãe de Deus e nossa, tu és a jóia preciosa da criação. “Sessenta são as rainhas, oitenta, as concubinas, e as virgens, sem número. Mas uma só é a minha pomba, a minha imaculada.” (Cântico 6,8).
Nós, os filhos de Deus, aqueles que são da descendência da Mulher no embate contra o dragão (Apocalipse 12, 17), temos a liberdade de ver Maria aqui, no Cântico dos Cânticos. E o fazemos porque sabemos reconhecer as pistas deixadas pelo próprio Deus na Bíblia. Assim, lemos sobre Maria em Isaías 7,14:
“Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel.
Ele comerá manteiga e mel quando souber desprezar o mal e escolher o bem”.
Não se pode deixar de notar que a própria Bíblia, em Mateus 1, 22-23, deixa bem claro quem é essa virgem, de quem Isaías está falando, que conceberá e dará à luz um filho. E deixa bem claro quem é essa criança que será alimentado de manteiga e mel. E o nome da Virgem era Maria (Lucas 1, 27), e ela alimentaria Jesus com manteiga e mel. É o que nos diz Isaías, no trecho acima citado.
E não poderia ser diferente. Ela alimentaria Jesus assim, porque “os teus lábios, noiva minha, destilam mel. Mel e leite se acham debaixo da tua língua, e a flagrância dos teus vestidos é como a do Líbano.” Assim o Espírito Santo cantou louvores a Maria no Cântico dos Cânticos, no capítulo 4, versículos 11 e seguintes. Ele diz: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”! Fonte lacrada, perpetuamente virgem, porque o pórtico onde passou a Glória do Senhor ficará fechado, não se abrirá e ninguém entrará por ele, porque por ele entrou Iahveh, o Deus de Israel (Ezequiel 44, 2). Mas a virgindade perpétua é discussão para depois. Por ora, vejamos a beleza sem jaça da Mãe de Deus, chamada de imaculada. Já a vislumbramos acima. Mas não basta.
Dessa “fonte selada”, virgem, da qual emana leite e mel para alimentar o Emanuel, diz o Espírito Santo que é pomba imaculada e única. “pomba minha, imaculada minha”, diz o Senhor (Cânticos, 4,2)
Não é de surpreender, portanto, que o Anjo do Senhor, quando a avistou, tivesse dirigido a ela uma saudação tão convicta e maravilhosa:
“Chaire, Kecharitomene”!
Desculpem-me por usar as palavras gregas do evangelho, como escritas no original. É que são tantos os nomes maravilhosos que o grego bíblico atribui a Maria, como “Kecharitomene” e “Theotokos” (Mãe de Deus) que eu não me canso de repeti-los. É que é difícil encontrar, nas traduções, uma palavra, em outros idiomas, que possa expressar perfeitamente o termo bíblico original.Na tradução de João Ferreira de Almeida, que os irmãos separados gostam de levar sob as axilas, consta:
“Alegra-te, muito favorecida”. (Lc 1,28).
Na tradução da edição ecumênica da Bíblia de Jerusalém, consta: “Alegra-te, cheia de graça!”
A tradução da Vulgata (feita por Jerônimo no séc. IV, diretamente de originais gregos) traz a seguinte expressão:
“Ave, gratia plena!”
Essa, penso, é uma tradução mais fiel à palavra do Anjo, que consta no original grego. Maria não é apenas “muito favorecida”, nem apenas “cheia de graça”. Ela é “plena de graça”, repleta, completa de graça, pombinha imaculada, o Senhor está com ela. É o que diz o Anjo, e ele deve saber o que diz. Cito o grande poeta Valmir Alencar:
“Se um dia o Anjo declarou
Que tu eras cheia de Deus
Agora, penso, quem sou eu
Para não te dizer também
Tu és bendita, ó Mãe,
Agraciada...”
Mas voltemos por um instante à tradução de João Ferreira de Almeida, tão usada pelos irmãos separados. Ao traduzir a mensagem do Anjo, de forma insuficiente, como “alegra-te, muito favorecida”, ele coloca, talvez inadvertidamente, essa saudação na linha da profecia de Oséias, 2,1. Ali, segundo o mesmo João Ferreira de Almeida, diz o Senhor:
“Chamai a vosso irmão Meu-Povo e a vossa irmã, Favor”
Interessante estudar um pouco mais essa passagem de Oséias. Ele conta que a filha de Israel prostituída é chamada pelo senhor de “Lo Ruhama” (“Desfavorecida”, segundo a tradução de João Ferreira de Almeida). O povo de Israel, vivendo na infidelidade, é chamado de “Não-Meu-Povo (Lo-Ammi) por Deus, que espera pacientemente, na sua fidelidade incondicional, que Israel volte a ser fiel. Adorando outros deuses, desprezando a lei de Iaveh, as filhas de Israel são “desfavorecidas” (Lo-Ruhamah) por Deus.
Mas na sua infinita paciência o Senhor Iahveh espera o momento em que “tornarão os filhos de Israel e buscarão ao Senhor, seu Deus e a Davi, seu rei; e, nos últimos dias, tremendo, se aproximarão do Senhor e de Sua bondade (Oséias 3,5, versão de João Ferreira da Silva).
Quando isso acontecer, diz o profeta Oséias, a filha “Desfavorecida” de Israel será chamada de “Favorecida” (Ruhama), conforme Oséias 2,1.
Agora, o tradutor João Ferreira põe na boca do Anjo exatamente esse nome: “Ruhamah”, a favorecida de Deus, a Filha amada do verdadeiro Israel fiel. Cumpre a profecia de Oséias e reconhece assim aquela em quem o senhor “amparou a Israel, seu servo” (Lucas 1, 54).
É assim que o Senhor Deus, como pai previdente que é, salva Maria em previsão dos méritos infinitos de Cristo, em Seus planos fora do tempo e do espaço. Para fazê-la “Ruhamah”, para fazê-la “Kecharitomene”, para fazê-la “bendita”, refletindo sem mácula a luz do Bendito por excelência que ela carrega no ventre. E é assim que o espírito Santo pode chamá-la de “pomba imaculada”, como o faz no Cântico de Salomão, séculos antes que ela nascesse. A Maria o Senhor pôde dizer, com Jeremias:
“Antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei”.(Jeremias 1, 5).
Deus nada faz ao acaso. Tendo tirado do homem Adão a graça no paraíso, por força do pecado original (Gênesis 3,22), deixou essa misteriosa profecia à serpente maligna, o velho dragão:
“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gen., 3,15).
Há alguma dúvida ainda sobre quem é a mulher mencionada no Gênesis, no trecho transcrito? É claro que é Maria. Foi a descendência de Maria, ou seja, Jesus, quem feriu a cabeça da serpente. E é ao calcanhar dos filhos de Maria que a serpente quer ferir (Ap. 12,17).
para não restar dúvidas de que Maria é a mulher do Gênesis e do Apocalipse (melhor seria dizer do Gênesis “ao” Apocalipse) é que Jesus, nas vezes em que dirige a palavra direta e exclusivamente a Maria, chama-a simplesmente de Mulher. Vejamos:
“Mulher, que tenho eu contigo?” (João 2,4)
“Mulher, eis aí o teu filho” (João 19,26).
Esse ódio entre a serpente antiga e a mulher, que percorre a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse, é respondido, por Deus, com a antecipação da salvação de Maria, tornando-a KECHARITOMENE, plena de graça, antes mesmo que Jesus nascesse dela. Tornando-a livre do pecado original, como já anunciara desde o Gênesis aos nossos pais mais antigos, ele indica a oposição radical e o ódio entre a serpente, que introduz o pecado no mundo, e a Mulher, Maria, que no mundo introduz a salvação e que não pode ter parte com o pecado.
É essa mulher, a quem a velha serpente tem ódio desde o princípio, que na plenitude dos tempos faz nascer a salvação. É dela que Paulo nos fala em Gálatas 4,4-6:
“Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial.”
Se Jesus tem Pai e tem mãe e se veio nos resgatar para nos tornar filhos adotivos, adotados somos, e adotados que somos, somos adotados pelo Pai e pela Mãe de Jesus, que nos resgatou. Com Paulo podemos saudar:
“Saudai Maria, que muito fez por vós” (Rom. 16,6).
podemos, portanto, afirmar que nunca, em nenhuma parte das escrituras, alguém é tratado pelo espírito Santo ou por um Anjo do Senhor como “plena de graça”. Somente a outras duas criaturas Deus expressamente refere como “tendo achado graça perante os seus olhos”, mas não de forma plena, como Maria. Trata-se de Moisés e Noé. Quanto a Moisés, que roga a Deus que lhe mostre a Sua glória, o senhor expressamente afirma: “Encontraste graça aos meus olhos e conheço-te pelo nome.” (Ex. 33, 17). Por isso, o Senhor permite a Moisés que, quando passar a Glória do senhor, ele lhe contemple as costas. (Ex. 33, 22-23). Assim, a Escritura pôde dizer de Moisés: “Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor houvesse tratado face a face.” (Dt 34,10). Ora, com Maria, plena de graça, o Senhor não apenas tratou face a face, como nela entrou, morou nela, formou-se em corpo e alma e partilhou de sua carne. Nunca mais, podemos dizer, levantar-se-á criatura como Maria.
A outra personagem bíblica que encontrou graça aos olhos do Senhor foi Noé, conforme está escrito em Gênesis 6,8. Ele “andava com Deus”, e por causa disso, na sua arca, ele salvou a criação e foi o pai da nova humanidade. Ora, a Arca que era Maria transportou o próprio Deus, que redimiu a humanidade. Por acaso, sendo ela plena de graça, é menor que Noé? Óbvio que não. Ela é a Arca da Nova Aliança, o Arco-íris da nova criação redimida, a toda pura, a imaculada conceição.
Na presença do Senhor “jamais entrará algo de imundo, e nem os que praticam abominação e mentira” (Ap. 21, 27). É certo que São Paulo diz que, pela falta de um só, todos os homens são pecadores (Romanos 5, 19). Mas notemos que a falta que ele diz ter sido “de um só” foi na verdade uma falta de um casal: Adão e Eva, ambos concebidos sem pecado original, ambos caídos no pecado por opção existencial. Daí por diante, todos os homens foram pecadores até terem sido redimidos pela graça de Cristo: este também concebido sem pecado original. Se São Paulo mesmo afirma que, onde abundou o pecado, superabundou a Graça de Cristo, que não estava sujeito ao pecado, nada mais natural que concluir que a graça (CHARITOS, em grego bíblico) que era plena em Maria já antes da concepção de Cristo. Superabundar quer dizer transbordar, não estar contida somente em si, mas derramar para os outros. O Anjo nos declara que essa graça (CHARITOS) já era plena em Maria (KECHARITOMENE) antes mesmo da concepção (Lucas 1,35). Já superabundava a graça de Jesus em Maria, conforme essa passagem bíblica, em previsão da concepção do Senhor de maneira livre do pecado. E se Paulo nos diz que por um homem entrou o pecado, na carta aos romanos, capítulo 5, ele diz menos do que deveria: foi por um casal que o pecado entrou: Adão e Eva, ambos concebidos sem pecado. Agora a graça superabunda no Cristo, transbordando para a que é cheia de graça, Maria, como nos revela o Anjo, e essa graça tira o pecado do mundo, transformando-nos de pecadores em justos. Assim, se todos são pecadores, sabemos pela Bíblia que Maria já era cheia da graça de Cristo antes mesmo da anunciação do Anjo! Pombinha imaculada, Tabernáculo puro, seio imaculado onde o Todo Santo habitará e formar-se-á, Salve a Imaculada Conceição!
domingo, 28 de março de 2010
Direito e teologia - ser jurista cristão
Às vezes me impressiona a ingenuidade teológica dos nossos colegas juristas. Isso é uma doença recente no direito: até bem recentemente, talvez cem ou cento e cinquenta anos atrás, nenhum jurista deixava de estar consciente e fundamentado quanto aos pressupostos teológicos do seu discurso, ainda que esses pressupostos não fossem explícitos nos seus escritos propriamente jurídicos.
E não pode ser diferente. “O preço por se evitar a reflexão teológica é, para a ciência do direito, altíssimo: consiste numa espécie de rendição à razão calculista na formalização e, portanto, na deformação sistemática dos conceitos jurídicos fundamentais. O direito se reduz de experiência a sistema: a responsabilidade se reduz a imputação; a autoridade, a poder; a administração da justiça, a execução de um procedimento; o matrimônio, a contrato; a pessoa, a mero objeto de direito. E, efeito gravíssimo dentre todos, a justiça é apagada do horizonte de interesses do jurista e, na melhor das hipóteses, relegada à categoria de conceito de exclusiva relevância ética e política”. Isso nos ensina F. D'Agostino, no seu “Teologia del Diritto alla Prova del Fondamentalismo”.
De fato, para conhecer profundamente o lastro do pensamento jurídico de alguém, é necessário conhecer, antes de mais nada, sua teologia. E sua antropologia, eu acrescentaria. Por exemplo, se eu fundamento o meu pensamento na ideia de que os homens viviam em guerra contínua contra si mesmo, e este era o seu “estado natural”, do qual renunciaram ao mínimo possível para poderem viver em sociedade sem matarem-se uns aos outros, a consequência lógica natural é que tudo que eu puder fazer de bom para mim mesmo, mas que lese aos outros, sem que esteja expressamente vedado pelo direito, corresponde à natureza humana, e, portanto, é legítimo. O direito passa a ser, assim, não apenas um mínimo normativo, mas também o mínimo ético e o mínimo moral. Por outro lado, se creio, como o faziam os antigos gregos, que o homem é essencialmente um animal político, a lei passa a ser apenas a expressão de uma inclinação natural humana a viver junto, e, portanto, concretização mínima de uma ética que permite a realização feliz de uma tendência inata.
Se creio que o “povo”, representado pela maioria, é o único fundamento legítimo para qualquer decisão, a minha teologia é a de crer numa divindade “popular”, num deus diluído na multidão, ao qual se deve obedecer. Assim, vejo na “maioria”, ainda que circunstancial, a única forma de doar valores. Se, no entanto, creio que há, na natureza humana, algo que transcende ao próprio homem, defenderei que há valores que não podem estar sujeitos a consensos circunstanciais.
Se creio que liberdade é o direito de escolher indiferentemente entre o bem e o mal, vejo na lei um limite à liberdade. Mas se creio que liberdade é o poder de buscar eficientemente a própria realização pessoal, sem estorvos, a lei pode ser um caminho de sabedoria.
Precisamos questionar expressamente qual a nossa própria teologia, qual a nossa própria antropologia, qual a teologia e a antropologia oculta no jurista que nos influencia. Mesmo os ateus têm uma teologia implícita: a de que não há deuses além de si mesmo, e uma antropologia velada, a de que somos simples frutos do acaso. A partir daí, o direito vira pura arbitrariedade.
Pessoalmente, respeito a democracia, como “o pior regime político, excetuados todos os outros,”, nas palavras sábias de Churchill. Mas não posso ver na democracia a manifestação de uma “divindade diluída”, capaz de ver apenas quando tomada em multidão. Se, para quem não é cristão, é difícil entender a Santíssima Trindade, ou seja, como é que um Deus ao mesmo tempo é três pessoas, para mim é mais difícil entender o democratismo, quer dizer, como é que um deus ao mesmo tempo é uma multidão indefinida.
Quanto aos direitos humanos, desamarrados da ideia da transcendência dos valores humanos, dilui-se completamente, e transforma-se em discurso hipnótico, como, recentemente, numa reunião governamental, foi identificado com “gays, lésbicas, transexuais, minorias, ayuasqueiros, alternativos” e outras categorias assim. Identificar grupos de pressão com comportamentos desviantes como únicos capazes de dar significação à noção de direitos humanos é uma das mágicas hipnóticas da atualidade.
Concordo, portanto, com D'Agostino, quando ele afirma que “somente o ensinamento cristão está capacitado para dar aos direitos humanos um autêntico fundamento, muito mais estável que aquele oferecido por qualquer outra perspectiva, ao negar decididamente que eles possam nascer a partir de um mero fundamento voluntarista, como consequência de hipotéticos e problemáticos contratos sociais.”
Temos, no cristianismo, o conceito de aliança, que envolve um povo, por um lado, e o infinito amor de Deus, do outro. Temos a autonomia e a substancialidade das coisas criadas, observada, é claro, a sua verdade. Temos o ensinamento de Paulo, que rompeu a equivalência entre obediência à lei estatal e salvação da alma. O que é que qualquer outra antropologia, ou qualquer outra teologia, pode nos oferecer de mais sólido? É hora de assumirmo-nos como juristas cristãos.
E não pode ser diferente. “O preço por se evitar a reflexão teológica é, para a ciência do direito, altíssimo: consiste numa espécie de rendição à razão calculista na formalização e, portanto, na deformação sistemática dos conceitos jurídicos fundamentais. O direito se reduz de experiência a sistema: a responsabilidade se reduz a imputação; a autoridade, a poder; a administração da justiça, a execução de um procedimento; o matrimônio, a contrato; a pessoa, a mero objeto de direito. E, efeito gravíssimo dentre todos, a justiça é apagada do horizonte de interesses do jurista e, na melhor das hipóteses, relegada à categoria de conceito de exclusiva relevância ética e política”. Isso nos ensina F. D'Agostino, no seu “Teologia del Diritto alla Prova del Fondamentalismo”.
De fato, para conhecer profundamente o lastro do pensamento jurídico de alguém, é necessário conhecer, antes de mais nada, sua teologia. E sua antropologia, eu acrescentaria. Por exemplo, se eu fundamento o meu pensamento na ideia de que os homens viviam em guerra contínua contra si mesmo, e este era o seu “estado natural”, do qual renunciaram ao mínimo possível para poderem viver em sociedade sem matarem-se uns aos outros, a consequência lógica natural é que tudo que eu puder fazer de bom para mim mesmo, mas que lese aos outros, sem que esteja expressamente vedado pelo direito, corresponde à natureza humana, e, portanto, é legítimo. O direito passa a ser, assim, não apenas um mínimo normativo, mas também o mínimo ético e o mínimo moral. Por outro lado, se creio, como o faziam os antigos gregos, que o homem é essencialmente um animal político, a lei passa a ser apenas a expressão de uma inclinação natural humana a viver junto, e, portanto, concretização mínima de uma ética que permite a realização feliz de uma tendência inata.
Se creio que o “povo”, representado pela maioria, é o único fundamento legítimo para qualquer decisão, a minha teologia é a de crer numa divindade “popular”, num deus diluído na multidão, ao qual se deve obedecer. Assim, vejo na “maioria”, ainda que circunstancial, a única forma de doar valores. Se, no entanto, creio que há, na natureza humana, algo que transcende ao próprio homem, defenderei que há valores que não podem estar sujeitos a consensos circunstanciais.
Se creio que liberdade é o direito de escolher indiferentemente entre o bem e o mal, vejo na lei um limite à liberdade. Mas se creio que liberdade é o poder de buscar eficientemente a própria realização pessoal, sem estorvos, a lei pode ser um caminho de sabedoria.
Precisamos questionar expressamente qual a nossa própria teologia, qual a nossa própria antropologia, qual a teologia e a antropologia oculta no jurista que nos influencia. Mesmo os ateus têm uma teologia implícita: a de que não há deuses além de si mesmo, e uma antropologia velada, a de que somos simples frutos do acaso. A partir daí, o direito vira pura arbitrariedade.
Pessoalmente, respeito a democracia, como “o pior regime político, excetuados todos os outros,”, nas palavras sábias de Churchill. Mas não posso ver na democracia a manifestação de uma “divindade diluída”, capaz de ver apenas quando tomada em multidão. Se, para quem não é cristão, é difícil entender a Santíssima Trindade, ou seja, como é que um Deus ao mesmo tempo é três pessoas, para mim é mais difícil entender o democratismo, quer dizer, como é que um deus ao mesmo tempo é uma multidão indefinida.
Quanto aos direitos humanos, desamarrados da ideia da transcendência dos valores humanos, dilui-se completamente, e transforma-se em discurso hipnótico, como, recentemente, numa reunião governamental, foi identificado com “gays, lésbicas, transexuais, minorias, ayuasqueiros, alternativos” e outras categorias assim. Identificar grupos de pressão com comportamentos desviantes como únicos capazes de dar significação à noção de direitos humanos é uma das mágicas hipnóticas da atualidade.
Concordo, portanto, com D'Agostino, quando ele afirma que “somente o ensinamento cristão está capacitado para dar aos direitos humanos um autêntico fundamento, muito mais estável que aquele oferecido por qualquer outra perspectiva, ao negar decididamente que eles possam nascer a partir de um mero fundamento voluntarista, como consequência de hipotéticos e problemáticos contratos sociais.”
Temos, no cristianismo, o conceito de aliança, que envolve um povo, por um lado, e o infinito amor de Deus, do outro. Temos a autonomia e a substancialidade das coisas criadas, observada, é claro, a sua verdade. Temos o ensinamento de Paulo, que rompeu a equivalência entre obediência à lei estatal e salvação da alma. O que é que qualquer outra antropologia, ou qualquer outra teologia, pode nos oferecer de mais sólido? É hora de assumirmo-nos como juristas cristãos.
sábado, 27 de março de 2010
Ainda o ateísmo de Richard Dawkins
A pessoa lê Dawkins e vira um ateu. Fica encantado com a forma hipnótica com que ele usa a linguagem científica para convencer que o ateísmo é racional e inteligente,mas o teísmo é supersticioso e atrasado.
Engraçado, a pessoa fica se sentindo intelectual e superior por ter sido convencido por Dawkins que o ateísmo é uma forma mais elevada de existência. Insinuando que a ciência está restes a descobrir todos os mistérios da mente, Dawkins insinua que, no homem, nada há que ultrapasse o próprio homem. Chega a propor que quem, tem crenças religiosas deveria até ser proibido de criar os próprios filhos. Bom, há precedentes: os sistemas totalitários, como o nazismo e o comunismo soviético, pensavam o mesmo.
Temos a obrigação de desconfiar de todo fervor relativo à religião, que não se declara religioso. Não há fervor, contra o a favor de Deus, que não seja, em si mesmo, religioso.
Vou propor um paradoxo:
Se a nossa mente fosse tão simples a ponto de poder ser totalmente compreendida, certamente não seria complexa o suficiente para ter a capacidade de autocompreensão.
O troco eu deixo para quem leu Richard Dawkins e está se achando, simultaneamente, intelectual e ateu.
Para ser intelectual, tem que ler e compreender Kant. Mas ninguém lê Kant e sai ateu.
Para ser ateu, tem que ler e compreender Nietsche. Mas ninguém lê Nietsche sem virar e permanecer antiintelectualista.
O sujeito, impressionado com o cientificismo de Dawkins, que “traduz” com um verniz de sofisticação realidades que ele se surpreende em conseguir compreender – e fica se sentindo mais inteligente que os outros por fazê-lo - tem a exata sensação de ter superado a crença ingênua e delirante dos que ainda creem em Deus, pobres irracionais, e ter se elevado à visão racional onde a ciência já revelou tudo, já descobriu tudo de um modo que lhe é exposto naquela linguagem repleta de simplificações absurdas e jargão técnico em doses homeopáticas. Ao terminar o livro, o leitor já olha com desprezo o pai e a mãe que ainda se apegam a crenças religiosas “supersticiosas e ultrapassadas”, enquanto ele já sabe que os genes, os memes e o acaso explicam tudo, e o resto é engano para simplórios. Hipnose perfeita. Mas ninguém lhe explicou que ele está substituindo uma relação multimilenar dos homens com Deus por uma mistificação constituída de pequenos e falsos deuses, o acaso, os genes e os “memes”. É que esses deuses não lhe soam como deuses, mas como conceitos científicos, e a hipnose não lhe permite questionar o valor epistemológico de tais conceitos, que não são nem podem ser científicos. Está fisgado, transformado num ateu fechado e intransigente.
Darwinismo de botequim é só empáfia intelectual travestida de cientificismo. Não é levada a sério nem nos meios científicos decentes. Na verdade, é apenas uma religião materialista, que tende a divinizar os genes como seres suprahumanos. Como dizia Jean Guitton, O homem é ao mesmo tempo um animal religioso e um animal materialista. Ele é naturalmente religioso e naturalmente materialista. Igualmente, tem ele a tendência a fabricar materialismos religiosos e religiões materialistas.
Quero transcrever um trecho de um “diálogo” entre Jean Guitton e Pascal, sobre a questão religiosa, que acho bastante interessante. É assim:
"-O ateu é um teísta que deixou de crer em Deus e pensa que não
mais acredita no Absoluto. Se ele refletisse, compreenderia que, ao deixar de crer
em Deus, ele se pôs automaticamente a crer em uma das formas do Absoluto não
Pessoal. Nesse sentido, ele não é ateu em sentido amplo, porque ele não é ateu de
Deus no sentido amplo, ou seja, ateu do Absoluto. Ele é apenas ateu em sentido
estrito, ou seja, ateu de Deus no sentido estrito.
— Mas ele continua ateu.
— Sim, mas não mais do que aquilo que isso seja. Eu também sou ateu, e você
também é ateu, Pascal. Você é ateu do Deus dos estóicos, do Deus de Giordano
Bruno e do Deus de Pomponazzi, como eu mesmo sou ateu do Deus de Spinoza,
do Deus de Hegel, do Deus de Taine e de Renan.
— Temos que nos resignar. Somos sempre ateus de algum Deus.
— E também o incréu de alguém. Mas somos sempre demasiadamente crédulos;
daí, não nos damos conta. Aquilo que mais falta a nossos cristãos, Pascal, é ser
ateus. De minha parte, sou ateu do Deus de Nietzsche, do Deus de Marx, do Deus
de Freud. Um ateu jubilante, um ateu ímpio.
— O Vir-a-ser, a História, o Inconsciente — esses são também Absolutos.
— E até mesmo o Nada é também Absoluto. Tal qual você me vê, Pascal, sou
arqui-ateu do Nada. E Bergson era como eu.
— Guitton, você distingue o Absoluto-que-é-Deus e o Absoluto-que-não-seria-
Deus. É seu primeiro passo. Qual será o segundo?
— Este, Pascal: afirmo que todo mundo admite o Absoluto.
— Isso é uma coisa certa?
— Isso se demonstra por uma indução perfeita. Tome sucessivamente as escolas
de pensadores que alguém pudesse julgar ateias e você verá que elas admitem
o Absoluto. Os materialistas concebem a matéria como um Absoluto incriado e
imperecível, ou como um Vir-a-ser eterno, ou como uma Morte imortal, ou ainda
como uma Vida universal, ou uma Natureza infinita, mas sempre como um princípio
primeiro, radical e irredutível a nada mais que isto: o Absoluto. Quanto aos
idealistas, ele reduzem a matéria a apenas um correlato do espírito, e, para eles, o
Espírito, ou o Eu, ou a Razão é que é como o Absoluto.
— E para concluir, Guitton, o que você diz dos céticos?
— Eles oscilam entre várias idéias do Absoluto. Isso demonstra muito bem que
eles não duvidam do Absoluto como tal.
— Existem outras espécies de candidatos ao ateísmo?
- Não, Pascal. Trata-se de escolher entre o Absoluto não-Deus e o
Absoluto Deus. Ora, quando eu observo o mundo, parece-me encontrar aí características
de contingência: por exemplo, as grandes constantes físicas universais. Por
que estes números aqui e não outros? Acho mais plausível que um tal mundo seja
efeito de uma escolha, e não o resultado de um desdobramento necessário.
— Alguém diria que é o acaso.
— Todas essas “decisões” contribuem para tornar possível a existência da vida
e da vida pessoal. Bastaria uma variação mínima, por exemplo, da constante de
gravitação, e a vida não existiria. Por que é assim? Parece-me racional pensar simplesmente que a matéria é regida em função da vida futura.
— Alguém dirá ainda que essa regulamentação da matéria é o fruto do acaso,
como a vida.
— Pessoalmente, não creio nisso de modo algum. O conceito de acaso envolve
a ideia de uma não-coordenação de diversas causas. Ora, o mundo vivo manifesta,
sem nenhuma dúvida possível, uma coordenação entre as evoluções e os fatos
que a admissão do acaso obrigaria a crer independentes. Observe, por exemplo,
os instintos dos animais, sobretudo daqueles que são os mais mecânicos, como os
insetos. Considere o exemplo do Esfex, dado por Bergson, em L’Evolution créatrice
[A evolução criadora], que dá três picadas paralisantes exatamente nos três centros
nervosos do grilo em que ele vai deitar seus ovos e que ele jamais vira antes. Isso
quer dizer que, de uma maneira ou de outra, a anatomia da espécie parasitada
taria codificada com uma grande precisão nos genes do inseto parasita. Como você
pode deixar de perceber a coordenação aí?
— Alguém dirá, Guitton, que é sempre e ainda o acaso.
— Mas toda a natureza é assim. Os instintos dos pássaros migratórios, a estrutura
do córtex, do código genético... Tudo isso é espantoso. Você ganha uma vez na
loteria, e alguém diz: foi por acaso. Você ganha duas ou três vezes, e alguém diz
que você é um sortudo. Se você ganha todos os domingos, ninguém mais acredita:
você está trapaceando e acabará na prisão.
— Como você explica que haja pessoas que continuam a acreditar nisso?
— Eu mesmo não sei de nada. Pergunte-lhes, portanto.
— É a você que estou perguntando, Guitton.
— Eu lhe diria que elas são como os velhos Gauleses. Têm medo de que o céu
lhes caia sobre a cabeça.
— Você quer dizer: que Deus entre em suas vidas.
É um belo diálogo, a íntegra pode ser encontrada na internet. Permito-me transcrever um pequeno texto onde Jean Guitton discorre sobre aqueles que negam a existência do absoluto, e declaram-se niilistas - e, portanto, ateis, sem perceber que renunciam, com isso, à próp´ria possibilidade da razão:
"Ou eles estão revoltados contra o Absoluto, e, portanto,
admitem-no como real, sem no entanto querer amá-lo ou obedecer-lhe (primeiro
caso); ou eles imaginam que sua recusa poderia impedir o Absoluto de ser e,
nesse caso, pensam que sua vontade é um Absoluto que seria Vontade, com letra
maiúscula. Portanto, eles admitem ainda como real um Absoluto: a Vontade (segundo
caso); ou ainda (terceiro caso), eles pretendem que simplesmente não haja
Absoluto, mas, então, seja este um desejo ineficaz e voltamos ao primeiro caso,
seja algo mais que isso e voltamos ao segundo caso."
Engraçado, a pessoa fica se sentindo intelectual e superior por ter sido convencido por Dawkins que o ateísmo é uma forma mais elevada de existência. Insinuando que a ciência está restes a descobrir todos os mistérios da mente, Dawkins insinua que, no homem, nada há que ultrapasse o próprio homem. Chega a propor que quem, tem crenças religiosas deveria até ser proibido de criar os próprios filhos. Bom, há precedentes: os sistemas totalitários, como o nazismo e o comunismo soviético, pensavam o mesmo.
Temos a obrigação de desconfiar de todo fervor relativo à religião, que não se declara religioso. Não há fervor, contra o a favor de Deus, que não seja, em si mesmo, religioso.
Vou propor um paradoxo:
Se a nossa mente fosse tão simples a ponto de poder ser totalmente compreendida, certamente não seria complexa o suficiente para ter a capacidade de autocompreensão.
O troco eu deixo para quem leu Richard Dawkins e está se achando, simultaneamente, intelectual e ateu.
Para ser intelectual, tem que ler e compreender Kant. Mas ninguém lê Kant e sai ateu.
Para ser ateu, tem que ler e compreender Nietsche. Mas ninguém lê Nietsche sem virar e permanecer antiintelectualista.
O sujeito, impressionado com o cientificismo de Dawkins, que “traduz” com um verniz de sofisticação realidades que ele se surpreende em conseguir compreender – e fica se sentindo mais inteligente que os outros por fazê-lo - tem a exata sensação de ter superado a crença ingênua e delirante dos que ainda creem em Deus, pobres irracionais, e ter se elevado à visão racional onde a ciência já revelou tudo, já descobriu tudo de um modo que lhe é exposto naquela linguagem repleta de simplificações absurdas e jargão técnico em doses homeopáticas. Ao terminar o livro, o leitor já olha com desprezo o pai e a mãe que ainda se apegam a crenças religiosas “supersticiosas e ultrapassadas”, enquanto ele já sabe que os genes, os memes e o acaso explicam tudo, e o resto é engano para simplórios. Hipnose perfeita. Mas ninguém lhe explicou que ele está substituindo uma relação multimilenar dos homens com Deus por uma mistificação constituída de pequenos e falsos deuses, o acaso, os genes e os “memes”. É que esses deuses não lhe soam como deuses, mas como conceitos científicos, e a hipnose não lhe permite questionar o valor epistemológico de tais conceitos, que não são nem podem ser científicos. Está fisgado, transformado num ateu fechado e intransigente.
Darwinismo de botequim é só empáfia intelectual travestida de cientificismo. Não é levada a sério nem nos meios científicos decentes. Na verdade, é apenas uma religião materialista, que tende a divinizar os genes como seres suprahumanos. Como dizia Jean Guitton, O homem é ao mesmo tempo um animal religioso e um animal materialista. Ele é naturalmente religioso e naturalmente materialista. Igualmente, tem ele a tendência a fabricar materialismos religiosos e religiões materialistas.
Quero transcrever um trecho de um “diálogo” entre Jean Guitton e Pascal, sobre a questão religiosa, que acho bastante interessante. É assim:
"-O ateu é um teísta que deixou de crer em Deus e pensa que não
mais acredita no Absoluto. Se ele refletisse, compreenderia que, ao deixar de crer
em Deus, ele se pôs automaticamente a crer em uma das formas do Absoluto não
Pessoal. Nesse sentido, ele não é ateu em sentido amplo, porque ele não é ateu de
Deus no sentido amplo, ou seja, ateu do Absoluto. Ele é apenas ateu em sentido
estrito, ou seja, ateu de Deus no sentido estrito.
— Mas ele continua ateu.
— Sim, mas não mais do que aquilo que isso seja. Eu também sou ateu, e você
também é ateu, Pascal. Você é ateu do Deus dos estóicos, do Deus de Giordano
Bruno e do Deus de Pomponazzi, como eu mesmo sou ateu do Deus de Spinoza,
do Deus de Hegel, do Deus de Taine e de Renan.
— Temos que nos resignar. Somos sempre ateus de algum Deus.
— E também o incréu de alguém. Mas somos sempre demasiadamente crédulos;
daí, não nos damos conta. Aquilo que mais falta a nossos cristãos, Pascal, é ser
ateus. De minha parte, sou ateu do Deus de Nietzsche, do Deus de Marx, do Deus
de Freud. Um ateu jubilante, um ateu ímpio.
— O Vir-a-ser, a História, o Inconsciente — esses são também Absolutos.
— E até mesmo o Nada é também Absoluto. Tal qual você me vê, Pascal, sou
arqui-ateu do Nada. E Bergson era como eu.
— Guitton, você distingue o Absoluto-que-é-Deus e o Absoluto-que-não-seria-
Deus. É seu primeiro passo. Qual será o segundo?
— Este, Pascal: afirmo que todo mundo admite o Absoluto.
— Isso é uma coisa certa?
— Isso se demonstra por uma indução perfeita. Tome sucessivamente as escolas
de pensadores que alguém pudesse julgar ateias e você verá que elas admitem
o Absoluto. Os materialistas concebem a matéria como um Absoluto incriado e
imperecível, ou como um Vir-a-ser eterno, ou como uma Morte imortal, ou ainda
como uma Vida universal, ou uma Natureza infinita, mas sempre como um princípio
primeiro, radical e irredutível a nada mais que isto: o Absoluto. Quanto aos
idealistas, ele reduzem a matéria a apenas um correlato do espírito, e, para eles, o
Espírito, ou o Eu, ou a Razão é que é como o Absoluto.
— E para concluir, Guitton, o que você diz dos céticos?
— Eles oscilam entre várias idéias do Absoluto. Isso demonstra muito bem que
eles não duvidam do Absoluto como tal.
— Existem outras espécies de candidatos ao ateísmo?
- Não, Pascal. Trata-se de escolher entre o Absoluto não-Deus e o
Absoluto Deus. Ora, quando eu observo o mundo, parece-me encontrar aí características
de contingência: por exemplo, as grandes constantes físicas universais. Por
que estes números aqui e não outros? Acho mais plausível que um tal mundo seja
efeito de uma escolha, e não o resultado de um desdobramento necessário.
— Alguém diria que é o acaso.
— Todas essas “decisões” contribuem para tornar possível a existência da vida
e da vida pessoal. Bastaria uma variação mínima, por exemplo, da constante de
gravitação, e a vida não existiria. Por que é assim? Parece-me racional pensar simplesmente que a matéria é regida em função da vida futura.
— Alguém dirá ainda que essa regulamentação da matéria é o fruto do acaso,
como a vida.
— Pessoalmente, não creio nisso de modo algum. O conceito de acaso envolve
a ideia de uma não-coordenação de diversas causas. Ora, o mundo vivo manifesta,
sem nenhuma dúvida possível, uma coordenação entre as evoluções e os fatos
que a admissão do acaso obrigaria a crer independentes. Observe, por exemplo,
os instintos dos animais, sobretudo daqueles que são os mais mecânicos, como os
insetos. Considere o exemplo do Esfex, dado por Bergson, em L’Evolution créatrice
[A evolução criadora], que dá três picadas paralisantes exatamente nos três centros
nervosos do grilo em que ele vai deitar seus ovos e que ele jamais vira antes. Isso
quer dizer que, de uma maneira ou de outra, a anatomia da espécie parasitada
taria codificada com uma grande precisão nos genes do inseto parasita. Como você
pode deixar de perceber a coordenação aí?
— Alguém dirá, Guitton, que é sempre e ainda o acaso.
— Mas toda a natureza é assim. Os instintos dos pássaros migratórios, a estrutura
do córtex, do código genético... Tudo isso é espantoso. Você ganha uma vez na
loteria, e alguém diz: foi por acaso. Você ganha duas ou três vezes, e alguém diz
que você é um sortudo. Se você ganha todos os domingos, ninguém mais acredita:
você está trapaceando e acabará na prisão.
— Como você explica que haja pessoas que continuam a acreditar nisso?
— Eu mesmo não sei de nada. Pergunte-lhes, portanto.
— É a você que estou perguntando, Guitton.
— Eu lhe diria que elas são como os velhos Gauleses. Têm medo de que o céu
lhes caia sobre a cabeça.
— Você quer dizer: que Deus entre em suas vidas.
É um belo diálogo, a íntegra pode ser encontrada na internet. Permito-me transcrever um pequeno texto onde Jean Guitton discorre sobre aqueles que negam a existência do absoluto, e declaram-se niilistas - e, portanto, ateis, sem perceber que renunciam, com isso, à próp´ria possibilidade da razão:
"Ou eles estão revoltados contra o Absoluto, e, portanto,
admitem-no como real, sem no entanto querer amá-lo ou obedecer-lhe (primeiro
caso); ou eles imaginam que sua recusa poderia impedir o Absoluto de ser e,
nesse caso, pensam que sua vontade é um Absoluto que seria Vontade, com letra
maiúscula. Portanto, eles admitem ainda como real um Absoluto: a Vontade (segundo
caso); ou ainda (terceiro caso), eles pretendem que simplesmente não haja
Absoluto, mas, então, seja este um desejo ineficaz e voltamos ao primeiro caso,
seja algo mais que isso e voltamos ao segundo caso."
sexta-feira, 26 de março de 2010
Lendo um livro de "teologia contemporânea"
Eu olhava o cume da bela serra e chorava. O luar refletia na pedra, formando uma linha branca, como uma onda congelada, e o resto da serra era de um azul profundo. Do meu lugar, eu via a serra inteira, de baixo para cima, e a pequena e antiga igreja que um dia reinou soberana naquele lugar. Ela queimava. Os últimos fiéis saíam em correria, mas à distância eu não ouvia as suas vozes. Somente podia contemplar a cena e chorar. As chamas elevavam-se amareladas, contrastando com o azulado do luar refletido no esbranquiçado das rochas. Os animais que acompanharam aquela que agora se revelava como a última procissão até aquela igrejinha fugiam assustados, alguns com os ornamentos também em chamas. E assim aquela que era a última igrejinha se consumiu até as fundações, ao longo da noite, enquanto, à distância, eu chorava.
Acordei, era apenas um sonho ruim de uma noite inquieta. Mas acordei pensando em quantos lugares foram cristãos um dia e já não o são. Da pentarquia das igrejas apostólicas – Jerusalém, Antioquia, Roma, Constantinopla e Alexandria, apenas Roma permanece como uma força num país que ainda é majoritariamente cristão. As outras são apenas pálidos reflexos da glória que um dia tiveram. É bem fácil que um lugar deixe de ser cristão: tantos lugares deixaram! É certo que a Igreja não perecerá, pois há a promessa de Jesus, registrada no Evangelho de Mateus (Mt 16,18). Mas certamente a promessa não envolve a perda de populações inteiras para outras religiões ou para o mero paganismo. Ocorreu nesses lugares que citei: ocorreu na terra de Santo Agostinho, de Santo Antão, ocorreu na terra de Jesus. Há quem espere que ocorra aqui mesmo, em nossa terra.
O meu sonho ocorreu depois que adormeci lendo um livro da Vozes, um livro de um autor conhecido sobre a teologia do pecado. Não consigo entender este fascínio de certa intelectualidade brasileira, notadamente a franciscana, por Marx. Logo no começo do livro, o autor insiste sobre uma certa concepção “socioestrutural” do pecado, alega que se Marx vivesse hoje escreveria um marxismo diferente e tenta explicar a responsabilidade de Deus sobre o mal que há no mundo. Isso tudo me induziu ao sonho que descrevi acima, a pequena igreja queimando sobre o cume de uma serra, sob a luz do luar, e consumindo os últimos cristãos de um lugar de cristianismo antigo.
Quanto à participação de Deus na origem do mal, lembrei-me de um velho professor que um dia me ensinou que o cristão deveria renunciar completamente ao mal, porque optara completamente por Deus. Mas se Deus é a origem e fonte do mal, como quer esse autor (citando Teillard de Chardin e outros teólogos de igual monta), então renunciar ao mal seria, de certa forma, renunciar a um aspecto divino, e já não faz sentido. Trata-se, para ele, de corrigir a sociedade, de “reler o cristianismo a partir do pobre, do oprimido, do velho abandonado, do miserável”, já que “a pobreza é o caminho apontado por Jesus para a bem-aventurança”.
Também isso me soa profundamente contraditório. Se a pobreza é o caminho da bem-aventurança, então ela não deve ser denunciada como resultado da opressão, mas buscada como fonte de felicidade. Deveríamos distinguir entre pobreza, esta evangélica, e miséria, esta a ser denunciada e combatida como fruto do pecado. O pecado, por outro lado, se tem uma inegável dimensão social – facilmente constatável por quem visita uma favela ou um presídio – é uma realidade estritamente pessoal em sua origem, senão não é redimível, nem gera responsabilidade. Mas quem sou eu para discutir com um intelectual do porte do autor desse livro? Sou só um cristão que chora em sonho sua capelinha incendiada.
A contradição, temo dizer, me parece patente. Se o pecado é essencialmente “socioestrutural”, e os pecadores são basicamente os ricos, teríamos que concluir, à luz do evangelho que nos diz que Jesus veio “não para os justos, mas para os pecadores”, que Jesus veio para os ricos. Mas, repito, essas contradições que eu enxergo decorrem, talvez, da simplicidade da minha fé, em contraste com aquilo que o autor do livro diz da sua própria fé, classificado-a de “esclarecida”. Quer dizer, se ele é esclarecido e pensa daquele jeito, eu, que não concordo com ele nem ostento os muitos títulos eclesiais que ele ostenta, devo ser um obscurantista, um desinformado. Releio a passagem de Mt 11, 25: “Eu te louvo, Pai santo, porque ocultaste estas coisas dos sábios e poderosos e as revelastes aos pequeninos”. Senhor, faz de mim um pequenino, para que eu possa compreender as coisas que revelas, (mesmo que doam-me o coração, como as que li neste livro), se realmente veem de ti.
Acordei, era apenas um sonho ruim de uma noite inquieta. Mas acordei pensando em quantos lugares foram cristãos um dia e já não o são. Da pentarquia das igrejas apostólicas – Jerusalém, Antioquia, Roma, Constantinopla e Alexandria, apenas Roma permanece como uma força num país que ainda é majoritariamente cristão. As outras são apenas pálidos reflexos da glória que um dia tiveram. É bem fácil que um lugar deixe de ser cristão: tantos lugares deixaram! É certo que a Igreja não perecerá, pois há a promessa de Jesus, registrada no Evangelho de Mateus (Mt 16,18). Mas certamente a promessa não envolve a perda de populações inteiras para outras religiões ou para o mero paganismo. Ocorreu nesses lugares que citei: ocorreu na terra de Santo Agostinho, de Santo Antão, ocorreu na terra de Jesus. Há quem espere que ocorra aqui mesmo, em nossa terra.
O meu sonho ocorreu depois que adormeci lendo um livro da Vozes, um livro de um autor conhecido sobre a teologia do pecado. Não consigo entender este fascínio de certa intelectualidade brasileira, notadamente a franciscana, por Marx. Logo no começo do livro, o autor insiste sobre uma certa concepção “socioestrutural” do pecado, alega que se Marx vivesse hoje escreveria um marxismo diferente e tenta explicar a responsabilidade de Deus sobre o mal que há no mundo. Isso tudo me induziu ao sonho que descrevi acima, a pequena igreja queimando sobre o cume de uma serra, sob a luz do luar, e consumindo os últimos cristãos de um lugar de cristianismo antigo.
Quanto à participação de Deus na origem do mal, lembrei-me de um velho professor que um dia me ensinou que o cristão deveria renunciar completamente ao mal, porque optara completamente por Deus. Mas se Deus é a origem e fonte do mal, como quer esse autor (citando Teillard de Chardin e outros teólogos de igual monta), então renunciar ao mal seria, de certa forma, renunciar a um aspecto divino, e já não faz sentido. Trata-se, para ele, de corrigir a sociedade, de “reler o cristianismo a partir do pobre, do oprimido, do velho abandonado, do miserável”, já que “a pobreza é o caminho apontado por Jesus para a bem-aventurança”.
Também isso me soa profundamente contraditório. Se a pobreza é o caminho da bem-aventurança, então ela não deve ser denunciada como resultado da opressão, mas buscada como fonte de felicidade. Deveríamos distinguir entre pobreza, esta evangélica, e miséria, esta a ser denunciada e combatida como fruto do pecado. O pecado, por outro lado, se tem uma inegável dimensão social – facilmente constatável por quem visita uma favela ou um presídio – é uma realidade estritamente pessoal em sua origem, senão não é redimível, nem gera responsabilidade. Mas quem sou eu para discutir com um intelectual do porte do autor desse livro? Sou só um cristão que chora em sonho sua capelinha incendiada.
A contradição, temo dizer, me parece patente. Se o pecado é essencialmente “socioestrutural”, e os pecadores são basicamente os ricos, teríamos que concluir, à luz do evangelho que nos diz que Jesus veio “não para os justos, mas para os pecadores”, que Jesus veio para os ricos. Mas, repito, essas contradições que eu enxergo decorrem, talvez, da simplicidade da minha fé, em contraste com aquilo que o autor do livro diz da sua própria fé, classificado-a de “esclarecida”. Quer dizer, se ele é esclarecido e pensa daquele jeito, eu, que não concordo com ele nem ostento os muitos títulos eclesiais que ele ostenta, devo ser um obscurantista, um desinformado. Releio a passagem de Mt 11, 25: “Eu te louvo, Pai santo, porque ocultaste estas coisas dos sábios e poderosos e as revelastes aos pequeninos”. Senhor, faz de mim um pequenino, para que eu possa compreender as coisas que revelas, (mesmo que doam-me o coração, como as que li neste livro), se realmente veem de ti.
quinta-feira, 25 de março de 2010
veritatis splendor - a liberdade e a lei
Vamos prosseguir com o resumo da Veritatis Splendor, Capítulo II, Item I, que trata da relação entre a liberdade e a lei. É um tema bastante interessante, pela sua abordagem, para nós, juristas, e para as pessoas e boa vontade em geral.
O Gênesis mostra a advertência divina de evitar o fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Com isso, Deus se reserva o poder de decidir sobre o bem e o mal. A liberdade do homem é ampla, mas não ilimitada. Detém-se no ponto em que aceita a bondade de Deus e sua proposta de amor consubstanciada no mandamentos.
Não há conflito, mas complementariedade entre a lei de Deus e a liberdade humana. As correntes modernas, que veem a liberdade humana como poder de criar valores, estabeleceram artificialmente este conflito, colocando a liberdade acima da verdade. Influíram também na teologia católica, que foi chamada a uma profunda revisão do papel da razão e da fé na individuação das normas relativas ao plano da relação imanente entre o sujeito, o outro e as coisas.
Há aspectos positivos nesse desenvolvimento, na linha da melhor tradição católica. Favorecer o diálogo com a cultura moderna, realçar o caráter racional e comunicável das normas morais pertencentes à lei moral natural e o caráter interior (dependente do reconhecimento racional e da adesão da consciência) das exigências éticas da lei natural.
Houve, porém, um rompimento entre razão humana e sabedoria divina, que, no estado atual, decaído, torna necessária a revelação até mesmo para o reconhecimento claro da lei natural e suas verdades. Há quem chegue a defender, sem se dar contra desse rompimento, que, na ordenação da vida deste mundo, o homem daria a si próprio a lei, da qual Deus não seria autor, apenas participaria por ter dado ao homem mandato legislativo original e total. Essa posição nega as escrituras, que declaram Deus como autor da moral natural, da qual o homem participa com sua razão.
A distinção entre ordem ética temporal e ordem salvífica, feita por alguns, é contrária à doutrina católica. Também a negativa de que haja um conteúdo moral específico, determinado, universal e perene na Revelação. Reconhece apenas “exortações”, que caberia ao homem preencher em cada situação histórica. Assim, o “bem humano” é posto fora da Igreja e do seu magistério, por serem considerados como irrelevantes para a salvação. São teses incompatíveis com a doutrina católica.
É necessário reintegrar as noções fundamentais da liberdade humana e da lei moral, com suas relações profundas e interiores, respeitando a racionalidade humana e o patrimônio cristão, sem desprezar as novas reflexões, naquilo que forem válidas.
O homem está entregue à sua própria decisão (Eclo 15,14).
A busca e a adesão ao Criador foi deixada à decisão humana, que tem poder sobre si mesmo. Esse é o aspecto da realeza e excelência do espírito humano.
Governar o mundo é tarefa que dá ao homem grande autonomia, a autonomia das realidades terrenas, cujas leis e valores próprios o homem vai gradualmente descobrindo, utilizando e organizando.
O cuidado do homem por si mesmo envolve edificar-se na perfeição, desenvolvendo e consolidando livremente sua semelhança divina. Mas há, no entanto, um falso conceito de autonomia das coisas terrenas e do autogoverno humano, que é a ideia de usar as coisas e guiar-se sem ordenar-se e ordená-las ao Criador. Isto tem, em última instância, um caráter ateu.
A justa autonomia do homem não exclui seu fundamento na lei eterna, que é a própria sabedoria divina, da qual o homem participa pela luz da inteligência infundida em nós por Deus, não para que o homem seja criador de normas morais, mas para que seja fonte e causa dos próprios atos deliberados. Negar a participação da razão prática humana na sabedoria divina, ou dar-lhe liberdade criadora das normas morais, seria a morte da verdadeira liberdade. Comer a fruta “do bem e do mal”.
A liberdade verdadeira, a verdadeira autonomia, é a compenetração entre a liberdade humana e a lei de Deus. Não há, aí, heteronomia, porque não se nega a utodeterminação do homem, nem se lhe impõem normas estranhas ao seu bem.
Há, isso sim, uma “teonomia participada”, participação da razão e da vontade humanas na sabedoria divina. A “ciência” do bem e do mal é original e propriamente de Deus, mas, participando dela pela luz da razão e pela Revelação, a liberdade se submete à verdade da criação. A liberdade da pessoa humana é imagem de Deus, mas Deus é três vezes santo, e transcende, é sempre maior!
A verdadeira liberdade consiste em proceder conforme a consciência para a livre adesão ao seu fim, o bem supremo, sem impulsos cegos ou coação externa, pela livre escolha do fim e procura honesta dos meios.
Buscando Deus, que “só é bom”, o homem deve “fazer o bem e evitar o mal”, mas para distingui-los usa a razão natural, reflexo, no homem, do esplendor de Deus. A luz da razão natural, pela qual distinguimos, nada mais é do que um vestígio da luz divina em n[os,. A lei chama-se natural porque se refere à razão, que é própria da natureza humana.
O homem participa da lei divina, conhecendo a verdade imutável do desígnio de sabedoria e amor com os quais Deus ordena, dirige e governa o universo e a comunidade humana.
A lei eterna de Deus, para Agostinho, é a “razão ou a vontade de Deus, que manda observar a ordem natural e proíbe alterá-la. Para Tomás, é a “razão da divina sabedoria, que conduz tudo ao devido fim.”. É a providência, Deus que ama, cuida e conduz fundamentalmente toda a criação. Quanto ao homem, não é guiado “de fora”, por leis da natureza física, mas “de dentro”, pela razão que indica a justa direção do livre agir. O cuidado do homem por si, pelo mundo e pelo outro é participação na providência. A lei natural, neste contexto, é expressão humana, racional, da lei eterna de Ddeus, pela inclinação natural para o ato e fim devidos.
A igreja sempre sublinhou a “essencial subordinação da lei humana e da razão à sabedoria de Deus e à sua lei.”. A lei natural está, assim, inscrita no coração de todos os homens, na forma da razão humana que nos ordena a fazer o bem e intima a não pecar. A inscrição tem força de lei por derivar da razão mais alta, a divina. A lei natural é, portanto, a própria lei eterna, inscrita nos seres racionais que os inclina para o ato e o fim que lhes convém. E a lei eterna é a lei do Criador.
O discernimento do bem e do mal ocorre, assim, pela razão iluminada pela revelação. O dom da lei a Israel é sial de eleição, de aliança e garantia da bênção divina. O povo que a recebeu é chamado a reconhecer e louvar esse dom.
Esse dom é acolhido e guardado com amor pela Igreja, é a Revelação. Cabe à Igreja respeitá-lo e interpretá-lo autenticamente. Também recebemos, como dom, a nova lei, que se cumpre em jesus cristo e é uma lei interior, de perfeição e liberdade, inscrita nos corações e acompanhada pela Graça. É lei em dois sentidos: 1) é o próprio Espírito Santo que, habitando na alma, ilumina a inteligência para as coisas a serem cumpridas e inclina a agir com retidão, como também 2) pode designar o efeito próprio do Espírito Santo, ou seja, a fé que atua pela caridade. Esta ensina interiormente sobre as coisas que devemos fazer e nos inclina a agir.
As distinções clássicas entre lei antiga e lei nova, entre lei positiva e lei natural, são apenas didáticas e dizem respeito tão-somente à própria lei, não ao seu autor, que é o mesmo Deus, e o destinatário, que é o homem. São diversas maneiras pelo qual o mesmo Deus, por seu desígnio amoroso e eterno, predestina os homens a serem conformes a Cristo (Rom 8, 29). Não há, portanto, oposição nessas classificações, mas facetas de um único caminho para a liberdade.
O que a lei ordena está inscrito em todos os corações (Rom 2, 15).
O debate sobre o suposto conflito entre natureza e liberdade sempre acompanhou a história da reflexão moral, mas subiu de tom no Renascimento e na Reforma, como se pode deduzir dos ensinamentos do Concílio de Trento. Hoje, esse conflito tornou-se mais agudo, com a tendência de ver uma relação dialética entre os dois termos como uma característica estrutural da história humana, superando-se a visão da época imediatamente anterior – a tendência a buscar submeter a natureza ao homem.
Hoje, há a tendência de reduzir tudo a dados sensíveis e empíricos, tratados como se fossem os únicos fatores realmente decisivos para a realidade humana. Assim,os comportamentos morais, hoje, tendem a ser tratados como se fossem observáveis ou explicáveis por meros mecanismos psicossociais. Alguns estudiosos da ética tendem a reduzir seus estudos a isto.
Outros se mantêm sensíveis ao prestígio da liberdade, mas sempre mantendo a sua tensão com a natureza, visando seu progressivo domínio. Surgem, então, duas correntes, para as quais:
1)A natureza é simples material ao dispor do agir e do poder humano, a ser transformada e superada pela liberdade, pois é seu limite e negação.
2)a promoção ilimitada do poder e liberdade humanos constituiria o lastro dos valores sociais, econômicos, culturais e morais. A natureza, para estes, seria apenas aquilo que se coloca fora da liberdade. Por exemplo, o corpo humano seria um simples “dado” a ser “construído”, para só então transformar-se em obra e produto da liberdade. A natureza humana seria um mero material biológico ou social disponível. Ara estes, no limite, nem sequer existiria uma “natureza”, mas o homem seria, por si mesmo, o seu próprio projeto de existência. O homem seria, portanto, a sua própria liberdade.
Outros denunciam a igreja de manter posições “fisicistas” ou “naturalistas” no campo moral. Alegam que a moral cristã teria, mediante uma análise superficial, atribuído a alguns comportamentos humanos contingentes uma base permanente e imutável para fundamentar normas morais que se apresentam como válidas universalmente. As acusações envolvem, por exemplo, a ética sexual, na qual se diz que a Igreja tomou por perene o que é cultural, como a condenação às relações homossexuais e á contracepção artificial. Dizem que a racionalidade do homem traz como consequência o dever de decidir livremente o sentido dos seus próprios comportamentos. Deus esperaria do homem racional, nesse quadro, uma construção autônoma da própria vida. Para estes, os mecanismos de comportamento típicos do homem proveriam apenas inclinações, mas não poderiam determinar a avaliação moral dos atos humanos, tão complexos do ponto de vista das situações concretas em que se inserem.
Urge recuperar, portanto, a reta relação entre liberdade e natureza, notadamente quanto ao que respeita ao corpo humano.
A absolutização da liberdade coloca o corpo humano como um dado bruto, materialmente necessário, mas extrínseco à pessoa. Seus dinamismos seriam apenas “bens físicos”, chamados até mesmo de “pré-morais” por alguns. Para estes, aludir ao corpo para buscar indicações racionais sobre a moral seria “biologismo” ou “fisicismo”, erros que denunciam como nefastos à moral e que veem como praticados pela Igreja na elaboração da sua própria moral. Não enxergam, no entanto, a divisão que estão introduzindo na estrutura da pessoa humana.
Essas reflexões contradizem, como é óbvio, o ensinamento da Igreja, que vê a verdade do homem como unitária por essência, e a alma racional, “per se et essencialiter”, como forma do corpo e princípio de unidade da pessoa. Não só o corpo participa, juntamente com a alma, da glória da ressurreição, como as faculdades corpóreas e sensíveis integram essencialmente o ser humano. Somente na unidade corpo-alma somos sujeitos dos nossos atos morais. A pessoa descobre no seu corpo a expressão e a promessa do dom de si. Na dignidade integral da pessoa humana há uma estrutura espiritual e corpórea determinada, não redutível a uma liberdade autoprojetada, mas vinculada à dignidade essencial da pessoa vista como fim, nunca como meio. Isso também implica o respeito a alguns bens fundamentais, sem os quais se cai no relativismo e na arbitrariedade.
Não se pode separar o ato moral das dimensões corpóreas do seu exercício. Este é um erro antigo, incompatível com os ensinamentos da igreja. Comportamentos como os arrolados por São Paulo (imorais, idólatras, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos e salteadores, 1 Cor 6, 9-10) também foram relacionados pelo Concílio de Trento como pecados mortais, e são inseparáveis da dimensão estritamente humana da liberdade. Na pessoa, o corpo e a alma são inseparáveis: salvam-se ou perdem-se juntos.
A lei natural refere-se, portanto, à pessoa na unidade de corpo e alma, de inclinações espirituais e biológicas. A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades, os direitos e deveres que se fundamentam sobre a natureza corporal e espiritual da pessoa humana. Não se trata de uma tendência normativa biologicista, mas ordem racional posta pelo Criador e discernível pelo homem. Assim, por exemplo, o dever de respeitar a vida humana vem da dignidade própria da pessoa, e não simplesmente da inclinação natural para conservar a própria vida física. Se é ilícito matar, pode não ser ilícito oferecer a própria vida por amor ao próximo ou em testemunho da verdade. Somente na referência à totalidade unificada as inclinações naturais adquirem dimensão moral.
A Igreja rejeita as manipulações da corporeidade que alteram o seu significado humano, e guia o homem ao amor de Deus pela verdade. A lei natural assim entendida não deixa espaço para a oposição natureza x liberdade.
Este suposto conflito entre natureza e liberdade repercute sobre alguns aspectos específicos da lei natural, sobretudo a universalidade e a imutabilidade. Somente na verdade que se imprime no coração do homem pela luz da razão é que se pode reconhecer a lei natural. E aí mesmo, na verdade, está a universalidade. Inscrita na natureza racional da pessoa, impõe-se a todo ser dotado de razão e presente na história. Para aperfeiçoar-se em sua ordem específica, a pessoa deve fazer o bem e evitar o mal, vigiando pela conservação da vida, pelo desenvolvimento das riquezas do mundo sensível, pela promoção da vida social, na busca do bom, do belo e do verdadeiro.
A cisão entre liberdade e natureza humana obscurece a percepção da universalidade da lei moral por parte da razão. Mas a lei natural é universal na expressão da dignidade e põe a base dos direitos e deveres fundamentais, abraçando a individualidade de cada ser humano. Cada ato humano deve atestar a universalidade do verdadeiro bem. O bem comum é edificado pela submissão à lei universal, e destruído pela sua ignorância ou menosprezo.
Os homens de todas as épocas e lugares foram criados para a mesma vocação e destino divinos. Assim, é justo e sempre bom servir a Deus, prestar-lhe culto, honrar os próprios pais. Os preceitos positivos obrigam universalmente e são imutáveis.
Os preceitos negativos também são universalmente válidos, vedam algumas ações semper et pro semper, sem exceções. A escolha de tais comportamentos nunca é compatível com a bondade da vontade da pessoa que age, sua vocação à vida divina e à comunhão com o próximo. É proibido a todos e para sempre ofender tais preceitos.
Isso não significa que os preceitos negativos sejam mais importantes que os positivos. Os positivos não têm limite superior, mas têm limite inferior. De qualquer modo, implementá-los crescentemente depende de uma série de circunstâncias imprevisíveis. Mas os mandamentos negativos não podem, em nenhuma circunstância, ser resposta adequada. Por isso, se em determinada situação o homem pode ser impedido de fazer uma ação boa, jamais pode consentir, mesmo sob pena de morte, com o mal.
O homem moderno questiona se é possível considerar como válidas universalmente certas normas estabelecidas no passado, quando se ignorava o progresso da humanidade. O certo é que, se o homem existe na cultura, ele não se esgota nela. O progresso das culturas demonstra que algo no homem transcende a cultura. Trata-se da natureza humana, medida e libertação do homem na cultura. Somente os elementos estruturais, inclusive corpóreos, permanentes do homem tornariam compreensível a referência de Jesus a “princípios” (como no caso da vedação ao divórcio) ali onde a cultura local tinha deformado o sentido original de algumas normas morais. Sob transformações, há permanência no Cristo. Necessário, no entanto, encontrar a formulação mais adequada do seu núcleo, do seu conteúdo perene, de modo a tornar tais verdades evidentes em todos os tempos e contextos.
O Gênesis mostra a advertência divina de evitar o fruto da árvore da ciência do bem e do mal. Com isso, Deus se reserva o poder de decidir sobre o bem e o mal. A liberdade do homem é ampla, mas não ilimitada. Detém-se no ponto em que aceita a bondade de Deus e sua proposta de amor consubstanciada no mandamentos.
Não há conflito, mas complementariedade entre a lei de Deus e a liberdade humana. As correntes modernas, que veem a liberdade humana como poder de criar valores, estabeleceram artificialmente este conflito, colocando a liberdade acima da verdade. Influíram também na teologia católica, que foi chamada a uma profunda revisão do papel da razão e da fé na individuação das normas relativas ao plano da relação imanente entre o sujeito, o outro e as coisas.
Há aspectos positivos nesse desenvolvimento, na linha da melhor tradição católica. Favorecer o diálogo com a cultura moderna, realçar o caráter racional e comunicável das normas morais pertencentes à lei moral natural e o caráter interior (dependente do reconhecimento racional e da adesão da consciência) das exigências éticas da lei natural.
Houve, porém, um rompimento entre razão humana e sabedoria divina, que, no estado atual, decaído, torna necessária a revelação até mesmo para o reconhecimento claro da lei natural e suas verdades. Há quem chegue a defender, sem se dar contra desse rompimento, que, na ordenação da vida deste mundo, o homem daria a si próprio a lei, da qual Deus não seria autor, apenas participaria por ter dado ao homem mandato legislativo original e total. Essa posição nega as escrituras, que declaram Deus como autor da moral natural, da qual o homem participa com sua razão.
A distinção entre ordem ética temporal e ordem salvífica, feita por alguns, é contrária à doutrina católica. Também a negativa de que haja um conteúdo moral específico, determinado, universal e perene na Revelação. Reconhece apenas “exortações”, que caberia ao homem preencher em cada situação histórica. Assim, o “bem humano” é posto fora da Igreja e do seu magistério, por serem considerados como irrelevantes para a salvação. São teses incompatíveis com a doutrina católica.
É necessário reintegrar as noções fundamentais da liberdade humana e da lei moral, com suas relações profundas e interiores, respeitando a racionalidade humana e o patrimônio cristão, sem desprezar as novas reflexões, naquilo que forem válidas.
O homem está entregue à sua própria decisão (Eclo 15,14).
A busca e a adesão ao Criador foi deixada à decisão humana, que tem poder sobre si mesmo. Esse é o aspecto da realeza e excelência do espírito humano.
Governar o mundo é tarefa que dá ao homem grande autonomia, a autonomia das realidades terrenas, cujas leis e valores próprios o homem vai gradualmente descobrindo, utilizando e organizando.
O cuidado do homem por si mesmo envolve edificar-se na perfeição, desenvolvendo e consolidando livremente sua semelhança divina. Mas há, no entanto, um falso conceito de autonomia das coisas terrenas e do autogoverno humano, que é a ideia de usar as coisas e guiar-se sem ordenar-se e ordená-las ao Criador. Isto tem, em última instância, um caráter ateu.
A justa autonomia do homem não exclui seu fundamento na lei eterna, que é a própria sabedoria divina, da qual o homem participa pela luz da inteligência infundida em nós por Deus, não para que o homem seja criador de normas morais, mas para que seja fonte e causa dos próprios atos deliberados. Negar a participação da razão prática humana na sabedoria divina, ou dar-lhe liberdade criadora das normas morais, seria a morte da verdadeira liberdade. Comer a fruta “do bem e do mal”.
A liberdade verdadeira, a verdadeira autonomia, é a compenetração entre a liberdade humana e a lei de Deus. Não há, aí, heteronomia, porque não se nega a utodeterminação do homem, nem se lhe impõem normas estranhas ao seu bem.
Há, isso sim, uma “teonomia participada”, participação da razão e da vontade humanas na sabedoria divina. A “ciência” do bem e do mal é original e propriamente de Deus, mas, participando dela pela luz da razão e pela Revelação, a liberdade se submete à verdade da criação. A liberdade da pessoa humana é imagem de Deus, mas Deus é três vezes santo, e transcende, é sempre maior!
A verdadeira liberdade consiste em proceder conforme a consciência para a livre adesão ao seu fim, o bem supremo, sem impulsos cegos ou coação externa, pela livre escolha do fim e procura honesta dos meios.
Buscando Deus, que “só é bom”, o homem deve “fazer o bem e evitar o mal”, mas para distingui-los usa a razão natural, reflexo, no homem, do esplendor de Deus. A luz da razão natural, pela qual distinguimos, nada mais é do que um vestígio da luz divina em n[os,. A lei chama-se natural porque se refere à razão, que é própria da natureza humana.
O homem participa da lei divina, conhecendo a verdade imutável do desígnio de sabedoria e amor com os quais Deus ordena, dirige e governa o universo e a comunidade humana.
A lei eterna de Deus, para Agostinho, é a “razão ou a vontade de Deus, que manda observar a ordem natural e proíbe alterá-la. Para Tomás, é a “razão da divina sabedoria, que conduz tudo ao devido fim.”. É a providência, Deus que ama, cuida e conduz fundamentalmente toda a criação. Quanto ao homem, não é guiado “de fora”, por leis da natureza física, mas “de dentro”, pela razão que indica a justa direção do livre agir. O cuidado do homem por si, pelo mundo e pelo outro é participação na providência. A lei natural, neste contexto, é expressão humana, racional, da lei eterna de Ddeus, pela inclinação natural para o ato e fim devidos.
A igreja sempre sublinhou a “essencial subordinação da lei humana e da razão à sabedoria de Deus e à sua lei.”. A lei natural está, assim, inscrita no coração de todos os homens, na forma da razão humana que nos ordena a fazer o bem e intima a não pecar. A inscrição tem força de lei por derivar da razão mais alta, a divina. A lei natural é, portanto, a própria lei eterna, inscrita nos seres racionais que os inclina para o ato e o fim que lhes convém. E a lei eterna é a lei do Criador.
O discernimento do bem e do mal ocorre, assim, pela razão iluminada pela revelação. O dom da lei a Israel é sial de eleição, de aliança e garantia da bênção divina. O povo que a recebeu é chamado a reconhecer e louvar esse dom.
Esse dom é acolhido e guardado com amor pela Igreja, é a Revelação. Cabe à Igreja respeitá-lo e interpretá-lo autenticamente. Também recebemos, como dom, a nova lei, que se cumpre em jesus cristo e é uma lei interior, de perfeição e liberdade, inscrita nos corações e acompanhada pela Graça. É lei em dois sentidos: 1) é o próprio Espírito Santo que, habitando na alma, ilumina a inteligência para as coisas a serem cumpridas e inclina a agir com retidão, como também 2) pode designar o efeito próprio do Espírito Santo, ou seja, a fé que atua pela caridade. Esta ensina interiormente sobre as coisas que devemos fazer e nos inclina a agir.
As distinções clássicas entre lei antiga e lei nova, entre lei positiva e lei natural, são apenas didáticas e dizem respeito tão-somente à própria lei, não ao seu autor, que é o mesmo Deus, e o destinatário, que é o homem. São diversas maneiras pelo qual o mesmo Deus, por seu desígnio amoroso e eterno, predestina os homens a serem conformes a Cristo (Rom 8, 29). Não há, portanto, oposição nessas classificações, mas facetas de um único caminho para a liberdade.
O que a lei ordena está inscrito em todos os corações (Rom 2, 15).
O debate sobre o suposto conflito entre natureza e liberdade sempre acompanhou a história da reflexão moral, mas subiu de tom no Renascimento e na Reforma, como se pode deduzir dos ensinamentos do Concílio de Trento. Hoje, esse conflito tornou-se mais agudo, com a tendência de ver uma relação dialética entre os dois termos como uma característica estrutural da história humana, superando-se a visão da época imediatamente anterior – a tendência a buscar submeter a natureza ao homem.
Hoje, há a tendência de reduzir tudo a dados sensíveis e empíricos, tratados como se fossem os únicos fatores realmente decisivos para a realidade humana. Assim,os comportamentos morais, hoje, tendem a ser tratados como se fossem observáveis ou explicáveis por meros mecanismos psicossociais. Alguns estudiosos da ética tendem a reduzir seus estudos a isto.
Outros se mantêm sensíveis ao prestígio da liberdade, mas sempre mantendo a sua tensão com a natureza, visando seu progressivo domínio. Surgem, então, duas correntes, para as quais:
1)A natureza é simples material ao dispor do agir e do poder humano, a ser transformada e superada pela liberdade, pois é seu limite e negação.
2)a promoção ilimitada do poder e liberdade humanos constituiria o lastro dos valores sociais, econômicos, culturais e morais. A natureza, para estes, seria apenas aquilo que se coloca fora da liberdade. Por exemplo, o corpo humano seria um simples “dado” a ser “construído”, para só então transformar-se em obra e produto da liberdade. A natureza humana seria um mero material biológico ou social disponível. Ara estes, no limite, nem sequer existiria uma “natureza”, mas o homem seria, por si mesmo, o seu próprio projeto de existência. O homem seria, portanto, a sua própria liberdade.
Outros denunciam a igreja de manter posições “fisicistas” ou “naturalistas” no campo moral. Alegam que a moral cristã teria, mediante uma análise superficial, atribuído a alguns comportamentos humanos contingentes uma base permanente e imutável para fundamentar normas morais que se apresentam como válidas universalmente. As acusações envolvem, por exemplo, a ética sexual, na qual se diz que a Igreja tomou por perene o que é cultural, como a condenação às relações homossexuais e á contracepção artificial. Dizem que a racionalidade do homem traz como consequência o dever de decidir livremente o sentido dos seus próprios comportamentos. Deus esperaria do homem racional, nesse quadro, uma construção autônoma da própria vida. Para estes, os mecanismos de comportamento típicos do homem proveriam apenas inclinações, mas não poderiam determinar a avaliação moral dos atos humanos, tão complexos do ponto de vista das situações concretas em que se inserem.
Urge recuperar, portanto, a reta relação entre liberdade e natureza, notadamente quanto ao que respeita ao corpo humano.
A absolutização da liberdade coloca o corpo humano como um dado bruto, materialmente necessário, mas extrínseco à pessoa. Seus dinamismos seriam apenas “bens físicos”, chamados até mesmo de “pré-morais” por alguns. Para estes, aludir ao corpo para buscar indicações racionais sobre a moral seria “biologismo” ou “fisicismo”, erros que denunciam como nefastos à moral e que veem como praticados pela Igreja na elaboração da sua própria moral. Não enxergam, no entanto, a divisão que estão introduzindo na estrutura da pessoa humana.
Essas reflexões contradizem, como é óbvio, o ensinamento da Igreja, que vê a verdade do homem como unitária por essência, e a alma racional, “per se et essencialiter”, como forma do corpo e princípio de unidade da pessoa. Não só o corpo participa, juntamente com a alma, da glória da ressurreição, como as faculdades corpóreas e sensíveis integram essencialmente o ser humano. Somente na unidade corpo-alma somos sujeitos dos nossos atos morais. A pessoa descobre no seu corpo a expressão e a promessa do dom de si. Na dignidade integral da pessoa humana há uma estrutura espiritual e corpórea determinada, não redutível a uma liberdade autoprojetada, mas vinculada à dignidade essencial da pessoa vista como fim, nunca como meio. Isso também implica o respeito a alguns bens fundamentais, sem os quais se cai no relativismo e na arbitrariedade.
Não se pode separar o ato moral das dimensões corpóreas do seu exercício. Este é um erro antigo, incompatível com os ensinamentos da igreja. Comportamentos como os arrolados por São Paulo (imorais, idólatras, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos e salteadores, 1 Cor 6, 9-10) também foram relacionados pelo Concílio de Trento como pecados mortais, e são inseparáveis da dimensão estritamente humana da liberdade. Na pessoa, o corpo e a alma são inseparáveis: salvam-se ou perdem-se juntos.
A lei natural refere-se, portanto, à pessoa na unidade de corpo e alma, de inclinações espirituais e biológicas. A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades, os direitos e deveres que se fundamentam sobre a natureza corporal e espiritual da pessoa humana. Não se trata de uma tendência normativa biologicista, mas ordem racional posta pelo Criador e discernível pelo homem. Assim, por exemplo, o dever de respeitar a vida humana vem da dignidade própria da pessoa, e não simplesmente da inclinação natural para conservar a própria vida física. Se é ilícito matar, pode não ser ilícito oferecer a própria vida por amor ao próximo ou em testemunho da verdade. Somente na referência à totalidade unificada as inclinações naturais adquirem dimensão moral.
A Igreja rejeita as manipulações da corporeidade que alteram o seu significado humano, e guia o homem ao amor de Deus pela verdade. A lei natural assim entendida não deixa espaço para a oposição natureza x liberdade.
Este suposto conflito entre natureza e liberdade repercute sobre alguns aspectos específicos da lei natural, sobretudo a universalidade e a imutabilidade. Somente na verdade que se imprime no coração do homem pela luz da razão é que se pode reconhecer a lei natural. E aí mesmo, na verdade, está a universalidade. Inscrita na natureza racional da pessoa, impõe-se a todo ser dotado de razão e presente na história. Para aperfeiçoar-se em sua ordem específica, a pessoa deve fazer o bem e evitar o mal, vigiando pela conservação da vida, pelo desenvolvimento das riquezas do mundo sensível, pela promoção da vida social, na busca do bom, do belo e do verdadeiro.
A cisão entre liberdade e natureza humana obscurece a percepção da universalidade da lei moral por parte da razão. Mas a lei natural é universal na expressão da dignidade e põe a base dos direitos e deveres fundamentais, abraçando a individualidade de cada ser humano. Cada ato humano deve atestar a universalidade do verdadeiro bem. O bem comum é edificado pela submissão à lei universal, e destruído pela sua ignorância ou menosprezo.
Os homens de todas as épocas e lugares foram criados para a mesma vocação e destino divinos. Assim, é justo e sempre bom servir a Deus, prestar-lhe culto, honrar os próprios pais. Os preceitos positivos obrigam universalmente e são imutáveis.
Os preceitos negativos também são universalmente válidos, vedam algumas ações semper et pro semper, sem exceções. A escolha de tais comportamentos nunca é compatível com a bondade da vontade da pessoa que age, sua vocação à vida divina e à comunhão com o próximo. É proibido a todos e para sempre ofender tais preceitos.
Isso não significa que os preceitos negativos sejam mais importantes que os positivos. Os positivos não têm limite superior, mas têm limite inferior. De qualquer modo, implementá-los crescentemente depende de uma série de circunstâncias imprevisíveis. Mas os mandamentos negativos não podem, em nenhuma circunstância, ser resposta adequada. Por isso, se em determinada situação o homem pode ser impedido de fazer uma ação boa, jamais pode consentir, mesmo sob pena de morte, com o mal.
O homem moderno questiona se é possível considerar como válidas universalmente certas normas estabelecidas no passado, quando se ignorava o progresso da humanidade. O certo é que, se o homem existe na cultura, ele não se esgota nela. O progresso das culturas demonstra que algo no homem transcende a cultura. Trata-se da natureza humana, medida e libertação do homem na cultura. Somente os elementos estruturais, inclusive corpóreos, permanentes do homem tornariam compreensível a referência de Jesus a “princípios” (como no caso da vedação ao divórcio) ali onde a cultura local tinha deformado o sentido original de algumas normas morais. Sob transformações, há permanência no Cristo. Necessário, no entanto, encontrar a formulação mais adequada do seu núcleo, do seu conteúdo perene, de modo a tornar tais verdades evidentes em todos os tempos e contextos.
quarta-feira, 24 de março de 2010
Maria e a Arca da Aliança
Quem nunca ouviu falar da Arca da Aliança? Só quem nunca leu a Bíblia...
Mas vamos lembrar-nos juntos. Moisés, com o povo de Deus no deserto, recebeu as tábuas da Lei. Mais tarde as depositou numa arca , quer dizer, numa grande caixa que o próprio Deus mandou que ele fizesse, dando-lhe instruções muito precisas para isso (a descrição da Arca está no livro do Êxodo, capítulo 37). Vejamos como Moisés procedeu com as tábuas da Lei:
Êxodo 40,20: “Tomou o testemunho e colocou-o na Arca, meteu os varais na Arca e colocou nela a tampa.”
Logo após, veio a nuvem da Glória do Senhor e cobriu o tabernáculo onde a Arca fora depositada:
Êxodo 40,34: “Então a nuvem cobriu a Tenda da Congregação, e a Glória do Senhor encheu o Tabernáculo”.
Uma descrição mais precisa ainda dessa nuvem está em Números 9, 15 a 22.
Eis que a Arca era santa, porque continha a Lei de Deus, entregue pessoalmente a Moisés e por ele depositada ali. E a Glória do Senhor, em forma de nuvem, cobriu o tabernáculo, onde a Arca estava depositada, inclusive mais tarde, quando Salomão fez o magnífico Templo do Senhor. Ver 2Crônicas 5, 13.
Tão santa era a Arca que santificava os levitas que a carregavam, como está em 1Crônicas 15,12. Ali está dito: “Santificai-vos, vós e vossos irmãos, e fazei subir a Arca de Iaveh, Deus de Israel, para o lugar que lhe preparei.”
Aliás, sobre a arca e seu transporte, e a santidade com que o Espírito Santo a envolvia, é necessário ler com muito cuidado o trecho narrado em 2 Samuel 6. Davi, o ungido de Deus, está transportando a Arca do Senhor, com Uza e Aio, dois servidores seus, conduzindo o carro e trinta mil soldados da elite do exército de Israel os seguindo. Davi e toda a casa de Israel dançavam diante de Iahveh durante esse transporte. Mas ocorreu um incidente: os bois fizeram o carro balançar, e para evitar que a Arca tombasse, Uza estendeu a mão para Ela e a sustentou. “Então a ira de Iahveh se acendeu contra Uza” e ele morreu ali mesmo.
Nesse momento, Davi, o ungido, Rei de Israel escolhido por Deus, teve medo de Deus e disse: “Como virá a Arca do Senhor para ficar em minha casa?” (2Sam 6,9). Assim, Davi resolveu levar a Arca para a casa de Obed-Edom, de Get, a quem o Senhor abençoou com toda a família. “E a Arca do Senhor ficou três meses na casa de Obed-Edom, a quem o Senhor abençoou com toda a sua Família” (2Sam 6,11).
Depois desses três meses, a Arca é levada para Jerusalém, e mais uma vez Davi e o Povo de Deus dançam e tocam com toda a alegria para o Senhor, à frente da Arca (2Sam 6,15).
A Arca era objeto de veneração na antiga Aliança; ela continha a Lei. Ninguém poderia jamais acusar os Israelitas, muito menos Davi, de cuja descendência viria o próprio Jesus, de idolatria à Arca, apesar disso. Seu respeito, sua veneração a esse objeto tão lindamente ornado de belas imagens sacras (um querubim de cada lado do propiciatório, Ex. 37, 8) era cumprimento dos desígnios do próprio Senhor Deus, como vimos. A ele o Povo de Deus da antiga Aliança prestava a veneração devida, sob preço de morte, como vimos. Ornado de imagens de ouro, como determinado por Deus, ninguém nunca ousou acusar, por isso, os israelitas de idólatras ou de cultores de imagens. Veneravam esse objeto sagrado, porque Deus determinara sua feitura, e porque nele estavam depositadas as Tábuas da Lei, entregues a Moisés pelo próprio Senhor. Isso – a presença da Lei – tornava santo e digno de veneração esse objeto inanimado.
Os israelitas sabiam, portanto, a diferença entre o culto de adoração – devido apenas a Deus, e a veneração da Arca e de suas santas imagens, respeito que era devido por ordem de Deus e punido com a morte dos transgressores, mesmo involuntários, como Uza em 2Sam 6, 7. A presença das imagens na Arca foi ordem expressa de Deus, como vimos no trecho bíblico citado. Ora, o mesmo Senhor havia dado aos hebreus a ordem de “não fazer imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima nos céus, ou embaixo na terra” (Ex. 20, 4). Ninguém nunca acusou os hebreus de romperem esse mandamento por terem esculpido as imagens dos querubins, como ordenado pelo Senhor (Ex. 37), e colocado na tampa da Arca. Eles sabiam muito bem a diferença entre fazer imagens para idolatria, infringindo esse mandamento, e fazer as imagens que o senhor ordenava fazer, para sua veneração. A proibição sempre foi a de “não fazer deuses de prata, ao lado de mim, nem fazer deuses de ouro, para vós” (Ex. 20,23). Quer dizer, não fazer imagens de falsos deuses, para colocar ao lado do senhor ou em seu lugar, como fizeram com o bezerro de ouro (Ex. 32). Mas essa proibição nunca incluiu as imagens que o próprio Senhor determinava ao povo fazer, como os querubins da Arca e que recebiam culto de veneração.
Seguindo um pouco mais por esse assunto da veneração das imagens santas, diversa da adoração de ídolos, note-se que Deus determina a Moisés fazer uma serpente de bronze (Num. 21, 4-9), a quem, elevada, os hebreus mordidos pelas cobras deviam venerar para não morrer. Essa serpente era venerada porque “quem se voltava para ela era salvo, não em virtude do que via, mas graças a Ti [Iahveh], o Salvador de todos” (Sabedoria 16, 7, livro que infelizmente as bíblias ditas “evangélicas” nem sempre trazem. É uma tristeza que as bíblias “evangélicas” não tenham Sabedoria). Ou seja, a serpente de bronze não tinha nenhum valor em si mesmo, mas apenas devia lembrar aos hebreus sobre a santidade de Deus. Ocorre que os hebreus, mais tarde, esqueceram-se disso e passaram a prestar à serpente culto de adoração, oferecendo-lhe incenso. Por isso o Rei Ezequias a destruiu, reduzindo-a a pedaços (2Reis 18, 4). Quando o objeto feito por ordem de Deus é desvirtuado, e deixa de ser venerado para ser adorado, deve ser destruído. Isso não significa que o objeto em si fosse ruim, porque o Senhor não é contraditório. Não mandaria fazer um objeto ruim em si mesmo. Significa, isto sim, que há uma diferença entre respeitar um objeto sagrado que faz lembrar o senhor (veneração) e idolatrar imagens, o que não pode nem deve ser tolerado.
Voltando ao nosso assunto, é impossível não notar o paralelo forte entre essa descrição da Arca e de seus rumos e o mistério do Senhor em Maria. Vejamos o momento em que Maria, avisada pelo Anjo do Senhor de que sua parenta Isabel estava grávida, vai visitá-la (Lucas 1, 39 e seguintes). Surpreendida, Isabel, repleta do Espírito Santo, exclama:
“Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”
Nota-se aqui, claramente, o paralelo entre essa fala de Isabel e a fala de Davi quando recebe em sua casa a visita da Arca:
“Como entrará a Arca do Senhor na minha casa?” (2Sam 6,9, já citado acima).
O paralelismo é impressionante. Davi dança em frente à Arca (2Sam 6,5, e 2Sam 6,14 , já citados acima) como João Batista salta de alegria no ventre de Isabel apenas ao som da voz de Maria (Lucas 1, 44). Como se não bastasse, a Arca passa três meses na casa de Obed-Edom (2Sam 6,11), abençoando-o e à família dele, do mesmo modo que Maria permaneceu com Isabel “três meses, depois voltou para casa” (Lucas 1,56), abençoando com o espírito Santo a Isabel e à criança que esta carregava ainda no ventre. Serão coincidências? Não creio. Não acho que a palavra de Deus faça brincadeiras conosco. E tudo isso está lá na bíblia, para quem quiser conferir.
Não se pode deixar de notar, portanto, o paralelo impressionante entre Maria, na nova Aliança, e a Arca, na antiga. Lembremo-nos do Evangelho de João, que nos ensina que “a Lei nos foi dada por Moisés, mas o amor e a fidelidade vieram através de Jesus Cristo”. (João 1, 17). Ora, se a nuvem da Glória do Senhor encheu o Templo porque a Lei de Moisés estava na Arca, como deixar de notar que a nuvem da sombra do Altíssimo veio sobre Maria porque o Verbo, o Amor de Jesus, estava nela? É só ler em Lucas, 1, 35.
Note-se que mesmo os levitas que carregavam a Arca da Antiga Aliança santificavam-se por carregá-la, como já foi transcrito acima (1Cron 15,15), imagine como foi santificada por Deus aquela que carregou o próprio Amor!
Vale lembrar, aqui, as palavras de Salomão: “É possível Deus habitar com os homens na terra? Se os céus e os céus dos céus não o podem conter, muito menos esse templo que construí!” (2Crôn 6,18).
Honra a ti, Maria, viva no céu, testemunha entre as testemunhas que nos cercam como nuvens, intercessora como Moisés e Elias no monte da Transfiguração, tu, mãe de Deus, em quem Deus veio habitar, e que conteve em si Aquele que, segundo o grande Salomão, nem os céus nem os céus dos céus podiam conter! Sendo os céus e os céus dos céus o que há de maior na criação de Deus, tu és, portanto, maior do que os céus e os céus dos céus, és, segundo o sábio Salomão, a maior de todas as criaturas, maior até do que os céus dos céus, porque contivestes em ti aquele que nem os céus dos céus podem conter.
Maria é a nossa Arca, a Arca verdadeira, aquela que a antiga arca prenunciava. A Arca antiga continha as tábuas da Lei de Deus. A nossa nova Arca, Maria, contém o próprio Deus, Aquele a quem nem os céus dos céus podem conter.
Mas os que conhecem um pouco de história sagrada sabem que a arca antiga está perdida há muitos anos, milênios até. A última notícia encontra-se no livro histórico dos Macabeus, (mais precisamente em 2Macabeus 2, 4-8). Lamentavelmente os irmãos separados não têm esse livro na sua bíblia, desobedecendo ao conselho de Lutero que os exortava a consultá-los ao menos por seu valor histórico e espiritual (sendo que sabemos, nós que estamos na Santa Igreja de Jesus, que se trata de um livro deuterocanônico plenamente inspirado). Se o tivessem, leriam o seguinte a respeito da velha Arca:
“O profeta, avisado por oráculo, mandou que a tenda e a Arca o acompanhassem, quando ele foi à montanha sobre a qual Moisés subiu para contemplar a herança de Deus. Ao chegar, Jeremias encontrou uma espécie de gruta, onde colocou a Tenda, a Arca e o Altar do Incenso. Em seguida, tapou a entrada. Mais tarde, alguns dos que tinham acompanhado Jeremias foram até aí para indicar o caminho, mas não conseguiram encontrar a gruta. Quando soube, Jeremias os repreendeu dizendo: “ O lugar ficará desconhecido, até que Deus se mostre misericordioso e reúna novamente toda a comunidade do povo. Então o senhor mostrará esses objetos. A Glória do Senhor e a nuvem também vão aparecer, como apareceram no tempo de Moisés, e quando Salomão pediu que Deus santificasse gloriosamente o lugar.” (2Mac 2, 4-9).
A julgar por essa profecia, há um pressuposto e dois sinais para que a Arca volte a ser mostrada por Deus, que a ocultou por tanto tempo. O pressuposto é que “Deus se mostre misericordioso e reúna novamente toda a comunidade do povo”. Quem é a comunidade de Deus reunida? Para nós, cristãos, é a Igreja, “coluna e sustentáculo da verdade” (1 Tim 3, 14). O pressuposto existe.
Basta então procurar na Bíblia os dois sinais exigidos, e encontraremos, num trabalho de detetive, a Arca. Onde estão a Glória do senhor e a nuvem?
A Glória de Deus é Jesus Ressuscitado, isso é óbvio. E a nuvem? Ora, a sombra do Altíssimo cobriu Maria (Lucas 1,35), para que ela concebesse a Jesus. Essa mesma nuvem o ocultou,quando ele foi elevado à plenitude de Sua glória, no céu (Atos, 1, 11).
É inevitável, portanto, que quando todos os elementos de uma profecia se reúnem, ela se cumpra. E de fato a arca nos reaparece, na figura de Maria. Dessa vez não mais um objeto inanimado, mas a própria Mãe de Deus e nossa. Ei-la:
“Abriu-se o véu do Templo de Deus, que está no céu, e apareceu no templo a Arca da Aliança. Houve relâmpagos, vozes, trovões, terremotos e uma grande tempestade de pedras.” (Apocalipse 11,19).
Pois bem, nesse exato momento em que a Arca reaparece no Templo celeste de Deus, “surge um grande sinal no céu, uma mulher revestida de sol” (Apocalipse 12, 1). Essa mulher, grávida, dá à luz o Filho, um varão que “regerá todas as nações com cetro de ferro”. Mas esse filho “foi arrebatado para junto de Deus e de Seu trono (Apocalipse 12, 5).
A arca reaparece, na figura de uma mulher que dá á luz um filho homem que regerá todas as nações com cetro de ferro e foi arrebatado para junto de Deus e seu trono. Quantas mulheres, na Bíblia, ajustam-se a essa descrição? Só uma. Só Maria. A nova e eterna Arca. No mais, é um véu sobre os olhos dos que não podem ver a Revelação na sua plenitude, os que estão cegos quanto a Maria. O mesmo texto do Apocalipse diz que o Dragão combaterá contra os descendentes da Mulher, os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o testemunho de Jesus. Pessoalmente, prefiro estar entre os descendentes da Mulher (Ap 12,17), entre os veneradores da nova Arca, os que venceram pelo sangue do Cordeiro (Ap 12, 11). Quem não quiser reconhecer a Mulher, que fique ao lado do dragão.
Está na Bíblia. Está na fé da Igreja.
Mas vamos lembrar-nos juntos. Moisés, com o povo de Deus no deserto, recebeu as tábuas da Lei. Mais tarde as depositou numa arca , quer dizer, numa grande caixa que o próprio Deus mandou que ele fizesse, dando-lhe instruções muito precisas para isso (a descrição da Arca está no livro do Êxodo, capítulo 37). Vejamos como Moisés procedeu com as tábuas da Lei:
Êxodo 40,20: “Tomou o testemunho e colocou-o na Arca, meteu os varais na Arca e colocou nela a tampa.”
Logo após, veio a nuvem da Glória do Senhor e cobriu o tabernáculo onde a Arca fora depositada:
Êxodo 40,34: “Então a nuvem cobriu a Tenda da Congregação, e a Glória do Senhor encheu o Tabernáculo”.
Uma descrição mais precisa ainda dessa nuvem está em Números 9, 15 a 22.
Eis que a Arca era santa, porque continha a Lei de Deus, entregue pessoalmente a Moisés e por ele depositada ali. E a Glória do Senhor, em forma de nuvem, cobriu o tabernáculo, onde a Arca estava depositada, inclusive mais tarde, quando Salomão fez o magnífico Templo do Senhor. Ver 2Crônicas 5, 13.
Tão santa era a Arca que santificava os levitas que a carregavam, como está em 1Crônicas 15,12. Ali está dito: “Santificai-vos, vós e vossos irmãos, e fazei subir a Arca de Iaveh, Deus de Israel, para o lugar que lhe preparei.”
Aliás, sobre a arca e seu transporte, e a santidade com que o Espírito Santo a envolvia, é necessário ler com muito cuidado o trecho narrado em 2 Samuel 6. Davi, o ungido de Deus, está transportando a Arca do Senhor, com Uza e Aio, dois servidores seus, conduzindo o carro e trinta mil soldados da elite do exército de Israel os seguindo. Davi e toda a casa de Israel dançavam diante de Iahveh durante esse transporte. Mas ocorreu um incidente: os bois fizeram o carro balançar, e para evitar que a Arca tombasse, Uza estendeu a mão para Ela e a sustentou. “Então a ira de Iahveh se acendeu contra Uza” e ele morreu ali mesmo.
Nesse momento, Davi, o ungido, Rei de Israel escolhido por Deus, teve medo de Deus e disse: “Como virá a Arca do Senhor para ficar em minha casa?” (2Sam 6,9). Assim, Davi resolveu levar a Arca para a casa de Obed-Edom, de Get, a quem o Senhor abençoou com toda a família. “E a Arca do Senhor ficou três meses na casa de Obed-Edom, a quem o Senhor abençoou com toda a sua Família” (2Sam 6,11).
Depois desses três meses, a Arca é levada para Jerusalém, e mais uma vez Davi e o Povo de Deus dançam e tocam com toda a alegria para o Senhor, à frente da Arca (2Sam 6,15).
A Arca era objeto de veneração na antiga Aliança; ela continha a Lei. Ninguém poderia jamais acusar os Israelitas, muito menos Davi, de cuja descendência viria o próprio Jesus, de idolatria à Arca, apesar disso. Seu respeito, sua veneração a esse objeto tão lindamente ornado de belas imagens sacras (um querubim de cada lado do propiciatório, Ex. 37, 8) era cumprimento dos desígnios do próprio Senhor Deus, como vimos. A ele o Povo de Deus da antiga Aliança prestava a veneração devida, sob preço de morte, como vimos. Ornado de imagens de ouro, como determinado por Deus, ninguém nunca ousou acusar, por isso, os israelitas de idólatras ou de cultores de imagens. Veneravam esse objeto sagrado, porque Deus determinara sua feitura, e porque nele estavam depositadas as Tábuas da Lei, entregues a Moisés pelo próprio Senhor. Isso – a presença da Lei – tornava santo e digno de veneração esse objeto inanimado.
Os israelitas sabiam, portanto, a diferença entre o culto de adoração – devido apenas a Deus, e a veneração da Arca e de suas santas imagens, respeito que era devido por ordem de Deus e punido com a morte dos transgressores, mesmo involuntários, como Uza em 2Sam 6, 7. A presença das imagens na Arca foi ordem expressa de Deus, como vimos no trecho bíblico citado. Ora, o mesmo Senhor havia dado aos hebreus a ordem de “não fazer imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima nos céus, ou embaixo na terra” (Ex. 20, 4). Ninguém nunca acusou os hebreus de romperem esse mandamento por terem esculpido as imagens dos querubins, como ordenado pelo Senhor (Ex. 37), e colocado na tampa da Arca. Eles sabiam muito bem a diferença entre fazer imagens para idolatria, infringindo esse mandamento, e fazer as imagens que o senhor ordenava fazer, para sua veneração. A proibição sempre foi a de “não fazer deuses de prata, ao lado de mim, nem fazer deuses de ouro, para vós” (Ex. 20,23). Quer dizer, não fazer imagens de falsos deuses, para colocar ao lado do senhor ou em seu lugar, como fizeram com o bezerro de ouro (Ex. 32). Mas essa proibição nunca incluiu as imagens que o próprio Senhor determinava ao povo fazer, como os querubins da Arca e que recebiam culto de veneração.
Seguindo um pouco mais por esse assunto da veneração das imagens santas, diversa da adoração de ídolos, note-se que Deus determina a Moisés fazer uma serpente de bronze (Num. 21, 4-9), a quem, elevada, os hebreus mordidos pelas cobras deviam venerar para não morrer. Essa serpente era venerada porque “quem se voltava para ela era salvo, não em virtude do que via, mas graças a Ti [Iahveh], o Salvador de todos” (Sabedoria 16, 7, livro que infelizmente as bíblias ditas “evangélicas” nem sempre trazem. É uma tristeza que as bíblias “evangélicas” não tenham Sabedoria). Ou seja, a serpente de bronze não tinha nenhum valor em si mesmo, mas apenas devia lembrar aos hebreus sobre a santidade de Deus. Ocorre que os hebreus, mais tarde, esqueceram-se disso e passaram a prestar à serpente culto de adoração, oferecendo-lhe incenso. Por isso o Rei Ezequias a destruiu, reduzindo-a a pedaços (2Reis 18, 4). Quando o objeto feito por ordem de Deus é desvirtuado, e deixa de ser venerado para ser adorado, deve ser destruído. Isso não significa que o objeto em si fosse ruim, porque o Senhor não é contraditório. Não mandaria fazer um objeto ruim em si mesmo. Significa, isto sim, que há uma diferença entre respeitar um objeto sagrado que faz lembrar o senhor (veneração) e idolatrar imagens, o que não pode nem deve ser tolerado.
Voltando ao nosso assunto, é impossível não notar o paralelo forte entre essa descrição da Arca e de seus rumos e o mistério do Senhor em Maria. Vejamos o momento em que Maria, avisada pelo Anjo do Senhor de que sua parenta Isabel estava grávida, vai visitá-la (Lucas 1, 39 e seguintes). Surpreendida, Isabel, repleta do Espírito Santo, exclama:
“Donde me vem que a mãe do meu Senhor me visite?”
Nota-se aqui, claramente, o paralelo entre essa fala de Isabel e a fala de Davi quando recebe em sua casa a visita da Arca:
“Como entrará a Arca do Senhor na minha casa?” (2Sam 6,9, já citado acima).
O paralelismo é impressionante. Davi dança em frente à Arca (2Sam 6,5, e 2Sam 6,14 , já citados acima) como João Batista salta de alegria no ventre de Isabel apenas ao som da voz de Maria (Lucas 1, 44). Como se não bastasse, a Arca passa três meses na casa de Obed-Edom (2Sam 6,11), abençoando-o e à família dele, do mesmo modo que Maria permaneceu com Isabel “três meses, depois voltou para casa” (Lucas 1,56), abençoando com o espírito Santo a Isabel e à criança que esta carregava ainda no ventre. Serão coincidências? Não creio. Não acho que a palavra de Deus faça brincadeiras conosco. E tudo isso está lá na bíblia, para quem quiser conferir.
Não se pode deixar de notar, portanto, o paralelo impressionante entre Maria, na nova Aliança, e a Arca, na antiga. Lembremo-nos do Evangelho de João, que nos ensina que “a Lei nos foi dada por Moisés, mas o amor e a fidelidade vieram através de Jesus Cristo”. (João 1, 17). Ora, se a nuvem da Glória do Senhor encheu o Templo porque a Lei de Moisés estava na Arca, como deixar de notar que a nuvem da sombra do Altíssimo veio sobre Maria porque o Verbo, o Amor de Jesus, estava nela? É só ler em Lucas, 1, 35.
Note-se que mesmo os levitas que carregavam a Arca da Antiga Aliança santificavam-se por carregá-la, como já foi transcrito acima (1Cron 15,15), imagine como foi santificada por Deus aquela que carregou o próprio Amor!
Vale lembrar, aqui, as palavras de Salomão: “É possível Deus habitar com os homens na terra? Se os céus e os céus dos céus não o podem conter, muito menos esse templo que construí!” (2Crôn 6,18).
Honra a ti, Maria, viva no céu, testemunha entre as testemunhas que nos cercam como nuvens, intercessora como Moisés e Elias no monte da Transfiguração, tu, mãe de Deus, em quem Deus veio habitar, e que conteve em si Aquele que, segundo o grande Salomão, nem os céus nem os céus dos céus podiam conter! Sendo os céus e os céus dos céus o que há de maior na criação de Deus, tu és, portanto, maior do que os céus e os céus dos céus, és, segundo o sábio Salomão, a maior de todas as criaturas, maior até do que os céus dos céus, porque contivestes em ti aquele que nem os céus dos céus podem conter.
Maria é a nossa Arca, a Arca verdadeira, aquela que a antiga arca prenunciava. A Arca antiga continha as tábuas da Lei de Deus. A nossa nova Arca, Maria, contém o próprio Deus, Aquele a quem nem os céus dos céus podem conter.
Mas os que conhecem um pouco de história sagrada sabem que a arca antiga está perdida há muitos anos, milênios até. A última notícia encontra-se no livro histórico dos Macabeus, (mais precisamente em 2Macabeus 2, 4-8). Lamentavelmente os irmãos separados não têm esse livro na sua bíblia, desobedecendo ao conselho de Lutero que os exortava a consultá-los ao menos por seu valor histórico e espiritual (sendo que sabemos, nós que estamos na Santa Igreja de Jesus, que se trata de um livro deuterocanônico plenamente inspirado). Se o tivessem, leriam o seguinte a respeito da velha Arca:
“O profeta, avisado por oráculo, mandou que a tenda e a Arca o acompanhassem, quando ele foi à montanha sobre a qual Moisés subiu para contemplar a herança de Deus. Ao chegar, Jeremias encontrou uma espécie de gruta, onde colocou a Tenda, a Arca e o Altar do Incenso. Em seguida, tapou a entrada. Mais tarde, alguns dos que tinham acompanhado Jeremias foram até aí para indicar o caminho, mas não conseguiram encontrar a gruta. Quando soube, Jeremias os repreendeu dizendo: “ O lugar ficará desconhecido, até que Deus se mostre misericordioso e reúna novamente toda a comunidade do povo. Então o senhor mostrará esses objetos. A Glória do Senhor e a nuvem também vão aparecer, como apareceram no tempo de Moisés, e quando Salomão pediu que Deus santificasse gloriosamente o lugar.” (2Mac 2, 4-9).
A julgar por essa profecia, há um pressuposto e dois sinais para que a Arca volte a ser mostrada por Deus, que a ocultou por tanto tempo. O pressuposto é que “Deus se mostre misericordioso e reúna novamente toda a comunidade do povo”. Quem é a comunidade de Deus reunida? Para nós, cristãos, é a Igreja, “coluna e sustentáculo da verdade” (1 Tim 3, 14). O pressuposto existe.
Basta então procurar na Bíblia os dois sinais exigidos, e encontraremos, num trabalho de detetive, a Arca. Onde estão a Glória do senhor e a nuvem?
A Glória de Deus é Jesus Ressuscitado, isso é óbvio. E a nuvem? Ora, a sombra do Altíssimo cobriu Maria (Lucas 1,35), para que ela concebesse a Jesus. Essa mesma nuvem o ocultou,quando ele foi elevado à plenitude de Sua glória, no céu (Atos, 1, 11).
É inevitável, portanto, que quando todos os elementos de uma profecia se reúnem, ela se cumpra. E de fato a arca nos reaparece, na figura de Maria. Dessa vez não mais um objeto inanimado, mas a própria Mãe de Deus e nossa. Ei-la:
“Abriu-se o véu do Templo de Deus, que está no céu, e apareceu no templo a Arca da Aliança. Houve relâmpagos, vozes, trovões, terremotos e uma grande tempestade de pedras.” (Apocalipse 11,19).
Pois bem, nesse exato momento em que a Arca reaparece no Templo celeste de Deus, “surge um grande sinal no céu, uma mulher revestida de sol” (Apocalipse 12, 1). Essa mulher, grávida, dá à luz o Filho, um varão que “regerá todas as nações com cetro de ferro”. Mas esse filho “foi arrebatado para junto de Deus e de Seu trono (Apocalipse 12, 5).
A arca reaparece, na figura de uma mulher que dá á luz um filho homem que regerá todas as nações com cetro de ferro e foi arrebatado para junto de Deus e seu trono. Quantas mulheres, na Bíblia, ajustam-se a essa descrição? Só uma. Só Maria. A nova e eterna Arca. No mais, é um véu sobre os olhos dos que não podem ver a Revelação na sua plenitude, os que estão cegos quanto a Maria. O mesmo texto do Apocalipse diz que o Dragão combaterá contra os descendentes da Mulher, os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o testemunho de Jesus. Pessoalmente, prefiro estar entre os descendentes da Mulher (Ap 12,17), entre os veneradores da nova Arca, os que venceram pelo sangue do Cordeiro (Ap 12, 11). Quem não quiser reconhecer a Mulher, que fique ao lado do dragão.
Está na Bíblia. Está na fé da Igreja.
terça-feira, 23 de março de 2010
Ainda a teologia da libertação marxista
Escrevi o presente texto para expressar a minha posição de cristão católico sobre fatos públicos ocorridos com filhos da Igreja. Não expressa o julgamento da fé (ou da falta de fé) de ninguém, apenas defendo o que acredito. Tampouco quero ofender a ninguém, peço perdão de antemão se inadvertidamente o faço.
A Igreja é “una, santa, católica e apostólica". Assim reza o credo niceno-constantinopolitano. Não há pluralidade na fé da Igreja em si. Embora a pluralidade de opiniões sobre assuntos outros, chamados opináveis, como política, economia ou ciência, seja não somente admitida como desejada.
Quanto a essa pluralidade de opiniões dentro da Igreja, "levando-se em consideração a liberdade de consciência frente à verdade, qualquer um é livre para pensar o que for capaz de pensar e de dizer a partir dessa responsabilidade. Mas não é livre para afirmar que o que ele diz representa a teologia católica". É o que ensina Ratzinger (Bento XVI), em "Natureza e Missão da Teologia" (2008).
Todos os teólogos, leigos, padres ou bispos, que cometeram o erro de ensinar como sendo católicas as suas próprias doutrinas de fundo marxista da teologia da libertação foram devidamente advertidos, notificados formalmente de forma pessoal pela Igreja de que não devem mais fazê-lo. Se ainda o fazem, ensinam apenas em nome próprio, e não o fazem inadvertidamente. São eles (nomes e datas das notificações):
Jacques Pohier (1979)
Hans Küng (1980)
Leonardo Boff (1985)
Edward Schillebeckx (1986)
Charles Curran (1986)
Tissa Balassuriye (1997)
Anthony de Mello (1988)
Reinhard Messner (2000)
Jacques Dupuis (2001)
Marciano Vidal (2001)
Roger Height (2004)
Jon Sobrino (2007)
Para não restar dúvidas de que essas notificações não valiam apenas para as pessoas dos notificados, mas para todos os fiéis, a Igreja publicou dois documentos gerais (Libertatis Nuntius, 1984, e Libertatis Conscientia, 1987), que deixam bem claro o quanto a Teologia da Libertação de fundo marxista não é cristã, e que quem quer que a ensine o faz em nome próprio, e nunca em nome da Igreja.
Por não saber da verdadeira posição da Igreja, muitas pessoas - eu sou um exemplo disso - afastaram-se do verdadeiro cristianismo por acreditar que a Igreja agora era uma espécie de "internacional socialista", com a teologia da libertação. Essa teologia realmente empolgou inúmeros padres e bispos católicos e os conduziu ao erro. Em alguns países, como o Brasil, chegou a encantar eventualmente um número muito grande de padres e bispos, infelizmente. Isso deu a muita gente na América Latina (que desconhecia a posição correta do Magistério) a idéia de que a teologia da libertação passou a ser doutrina “oficial” pela Igreja. Foi o meu caso. Eu era vítima de uma percepção errada, mas só me dei conta depois de muito prejuízo. Três fatos atrapalharam minha compreensão: 1) a quantidade de bispos envolvidos com a teologia da libertação de vertente marxista, o que dava a impressão de licitude e hegemonia desse pensamento com o qual eu nunca concordei, 2) o fato de que os teólogos da libertação ocuparam a direção das grandes casas publicadoras católicas latino-americanas e 3) a insistência de alguns "intelectuais" de destaque nacional de falar da TL e seu marxismo gramsciano retocado com citações cristãs como se falasse pela Igreja. Alguns documentos eclesiais brasileiros dessa época são bem característicos, parecem mais com atas de assembleia estudantil ou com conclusões de encontros de órgão de defesa de "direitos humanos"...
Reafirmo logo que não se pode ser cristão sem estar preocupado com a questão da pobreza. É o que sempre nos ensinou a Doutrina Social da Igreja, com base nos ensinamentos bíblicos de Jesus. Mas levei tempo para perceber que a significação do que é ser "pobre", na Bíblia, não se confunde com a categoria de "oprimido" ou de "proletário" do marxismo. Pobre, no sentido bíblico e cristão, é a pessoa que põe toda sua confiança em Deus e considera secundários os bens do mundo, que respeita os irmãos como a si mesmo e se solidariza com sua dor. Sua pobreza não é um simples desapossamento, mas um verdadeiro desapego. Seguir a Jesus é ser pobre, viver na pobreza e ser solidário com o irmão pobre que sofre (Mt 19, 24). Isso nos será cobrado no juízo final (Mt 26, 21 a 46).
O proletário marxista não se confunde, no entanto, com o pobre bíblico. O conceito de proletário não tem o outro como "pessoa", mas apenas como indivíduo movido pelas forças cegas da dialética econômica, seja como opressor, seja como oprimido. O marxismo põe toda a sua confiança nos bens do mundo, nos chamados "bens de produção", cujo apossamento pela classe oprimida, assim compreendida como a classe operária, abriria as portas escatológicas para o paraíso terrestre imanente do comunismo. Não dá para equiparar com o pobre bíblico. Para os marxistas, o proletário não é pessoa, aliás nenhum indivíduo é pessoa (exceto talvez a vanguarda do proletariado), somos todos meros joguetes nas mãos das forças históricas econômicas irremediavelmente dialéticas. É por isso que um marxista pode defender a irresponsabilidade penal do "proletário", sem se dar conta de que, afastando-lhe a responsabilidade penal, também afasta dele a dignidade de pessoa - que envolve liberdade e, portanto, responsabilidade.
Marx percebeu a ameaça, para o seu pensamento político, que a verdadeira doutrina social da Igreja representava. Sendo a única verdadeira maneira de libertar o homem das consequências sociais da verdadeira opressão, que é o pecado (o afastamento de Deus), o pensamento social da Igreja nunca foi marxista e provocava furores nos marxistas. Marx escreveu a Engels, em 25 de setembro de 1869:
"É necessário lutar energicamente contra os sacerdotes. Vou atuar neste sentido através da Internacional. Eles, como por exemplo o bispo Ketteler de Maguncia, os sacerdotes reunidos no congresso em Dusseldorf, etc., são simpáticos à questão trabalhista em todos os lugares em que é possível sê-lo. (...) Eles são os únicos que têm se beneficiado durante a restauração dos frutos da revolução". Os art. 63 e 119 do código penal soviético fundamentaram inúmeras condenações à morte de cristãos que se recusaram a admitir publicamente que a religião é o "ópio do povo", que era a posição oficial dos marxistas de então.
Mas Gramsci veio ensinar os marxistas que estavam fora da "cortina de ferro" a lutar mais sutilmente, a "romper hegemonias" através da atuação dos chamados "intelectuais orgânicos", que deveriam trabalhar a partir de dentro das instituições, mudando mentalidades para promover o marxismo, ao invés de partir para a luta armada. Assim, a teologia da libertação é muito gramsciana.
Muitos bispos e padres, empolgados com o sopro de doutrina, transformaram-se então em "intelectuais orgânicos", às vezes formando maiorias até em conferências episcopais nacionais e dioceses. Mas, graças ao bom Jesus, a Igreja não trabalha com maiorias nem com "vanguardas de empolgados", mas com a manutenção fiel do depósito da fé (II Tim 1, 14). Quando se apela para maiorias de fiéis, não raro se escolhe Barrabás, como ocorreu numa determinada sexta-feira em Jerusalém.
Não se pode esquecer, no entanto, que todas as grandes apostasias começaram por movimentos de bispos e padres infiéis ao Depósito da Fé. É assim desde que o cristianismo é cristianismo. Os gnósticos, os marcionitas, os montanistas, donatistas, monofisistas, monotelistas, docetistas, jansenistas, galicanistas, tradicionalistas, lefebrianos, todos eram padres e bispos que andaram - como andam hoje os teólogos da libertação - em descompasso com Pedro. A própria Reforma foi, em grande escala, uma luta intestina: Thomas Munzer era padre, Lutero era padre, os anglicanos consolidaram-se através dos padres e bispos católicos que preferiram Henrique VIII ao martírio.
Este é o mistério da Igreja: ninguém nega que muitos filhos da Igreja, mesmo os que permaneceram com a fé ortodoxa dos apóstolos, tenham sido, ao longo dos séculos, em sua conduta pessoal, infiéis àquilo em que eles próprios acreditavam. Nós, católicos, filhos da Igreja, muitas vezes fomos uns canalhas - e me incluo aí. Muitas vezes não fazemos o bem que queremos, mas o mal que não queremos. Nem por isso o mal vira bem. A Santa Igreja trouxe, pela força do Espírito Santo, o Depósito da Fé intacto até hoje, quer o que nos foi dado por escrito, quer por palavra dos Apóstolos (2Ts 2,15). Mesmo os Papas mais atrapalhados (graças a Deus foram minoria perante os Papas santos, isto é, os que viveram com fidelidade a sua graça) jamais ousaram alterar o depósito da Fé. Este é o cerne da infalibilidade (que não é impecabilidade. Papas pecam, e às vezes gravemente).
A santidade é toda de Deus. A infalibilidade é do Espírito Santo na Igreja, que se faz ouvir quando o Papa fala de cátedra em matéria de fé e moral. Em matéria de política, economia, ciência, ou quando não fala de cátedra (nos discursos, notas, entrevistas, artigos acadêmicos, etc.), o Papa não é assistido divinamente e pode errar, e de fato o faz muitas vezes. Sem problema. A infalibilidade não é um atributo pessoal do Papa - que é apenas um pecador - mas da Cátedra de Pedro, cujo ocupante serve de instrumento para que se reconheça a verdadeira Igreja de Jesus através dos tempos (Is 22, 22 e Mt 16, 18-20). A agulha da bússola não é o pólo norte. A bússola, no entanto, por mais tosca que seja, sempre aponta para lá.
Mas o cerne da teologia marxista da libertação toca matéria de fé e moral, sobre as quais há manifestação dogmática da Igreja. Não serão uns bispos e padres em apostasia, mesmo que detivessem maioria circunstancial na CNBB (o que já não ocorre), que irão alterar o depósito da fé. Não prevalecerão (Mt 28, 20).
O Magistério é do Papa e dos Bispos "em comunhão com ele", (Catecismo, § 100). Quando bispos, padres, freis ou teólogos leigos ensinam sem comunhão com o Papa, mesmo que em grande número, não fazem magistério. Existe um artigo de Ratzinger (Bento XVI) sobre os erros da teologia da libertação, chamado "eu vos explico a teologia da libertação", disponível na Internet para quem quiser ler. Destaco do texto a seguinte frase do então cardeal, hoje Papa: "A gravidade da Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente."
Vivemos nosso amor pela irmã pobreza de forma cristã. Quem nos salvou foi Jesus, não Marx nem Gramsci. Estamos atentos à legítima doutrina social da Igreja - como Francisco de Assis ou Domingos de Gusmão já faziam setecentos anos antes de Engels, Marx, Lenin e Gramsci. E o fazemos fundados na melhor filosofia, como Tomás já fazia, mais ou menos na mesma época, ou Agostinho, mil e trezentos anos antes de Hegel. Nós optamos pela pobreza, castidade e obediência de maneira cristã, como voto perpétuo, com Santo Antão ou São Bento, mil e quinhentos anos antes de uma determinada "teologia" modernosa inverter indevidamente o sentido dos votos religiosos, saindo dos limites do catolicismo.
Resta aos insatisfeitos, bispos, padres ou leigos, renunciar às ideias não-cristãs e caminhar com a Igreja de Cristo, onde está Pedro, ou sair da Igreja e fundar mais uma seita pseudo-crista para ensinar livremente o que quiser em seu próprio nome. A livre interpretação da Bíblia - que a Igreja Católica sempre condenou - está aí mesmo para possibilitar aos insatisfeitos defender como legítimo todo erro que encontrar um exegeta ousado o suficiente para citar um versículo em apoio e proclamar a inspiração direta pelo Espírito Santo da sua interpretação particular (em desobediência a 1Tim 3, 15 e 2Pd 1, 20-21). Na ausência de Magistério desaparece também o critério para julgar o valor de qualquer exegese. Seja do "bispo" evangélico empolgado que cobra pedágio para entrar no céu, com sua "teologia da prosperidade" arrancada de quatro versículos descontextualizados, seja de alguns defendendo o marxismo com base numa péssima leitura de outros quatro.
A Igreja é “una, santa, católica e apostólica". Assim reza o credo niceno-constantinopolitano. Não há pluralidade na fé da Igreja em si. Embora a pluralidade de opiniões sobre assuntos outros, chamados opináveis, como política, economia ou ciência, seja não somente admitida como desejada.
Quanto a essa pluralidade de opiniões dentro da Igreja, "levando-se em consideração a liberdade de consciência frente à verdade, qualquer um é livre para pensar o que for capaz de pensar e de dizer a partir dessa responsabilidade. Mas não é livre para afirmar que o que ele diz representa a teologia católica". É o que ensina Ratzinger (Bento XVI), em "Natureza e Missão da Teologia" (2008).
Todos os teólogos, leigos, padres ou bispos, que cometeram o erro de ensinar como sendo católicas as suas próprias doutrinas de fundo marxista da teologia da libertação foram devidamente advertidos, notificados formalmente de forma pessoal pela Igreja de que não devem mais fazê-lo. Se ainda o fazem, ensinam apenas em nome próprio, e não o fazem inadvertidamente. São eles (nomes e datas das notificações):
Jacques Pohier (1979)
Hans Küng (1980)
Leonardo Boff (1985)
Edward Schillebeckx (1986)
Charles Curran (1986)
Tissa Balassuriye (1997)
Anthony de Mello (1988)
Reinhard Messner (2000)
Jacques Dupuis (2001)
Marciano Vidal (2001)
Roger Height (2004)
Jon Sobrino (2007)
Para não restar dúvidas de que essas notificações não valiam apenas para as pessoas dos notificados, mas para todos os fiéis, a Igreja publicou dois documentos gerais (Libertatis Nuntius, 1984, e Libertatis Conscientia, 1987), que deixam bem claro o quanto a Teologia da Libertação de fundo marxista não é cristã, e que quem quer que a ensine o faz em nome próprio, e nunca em nome da Igreja.
Por não saber da verdadeira posição da Igreja, muitas pessoas - eu sou um exemplo disso - afastaram-se do verdadeiro cristianismo por acreditar que a Igreja agora era uma espécie de "internacional socialista", com a teologia da libertação. Essa teologia realmente empolgou inúmeros padres e bispos católicos e os conduziu ao erro. Em alguns países, como o Brasil, chegou a encantar eventualmente um número muito grande de padres e bispos, infelizmente. Isso deu a muita gente na América Latina (que desconhecia a posição correta do Magistério) a idéia de que a teologia da libertação passou a ser doutrina “oficial” pela Igreja. Foi o meu caso. Eu era vítima de uma percepção errada, mas só me dei conta depois de muito prejuízo. Três fatos atrapalharam minha compreensão: 1) a quantidade de bispos envolvidos com a teologia da libertação de vertente marxista, o que dava a impressão de licitude e hegemonia desse pensamento com o qual eu nunca concordei, 2) o fato de que os teólogos da libertação ocuparam a direção das grandes casas publicadoras católicas latino-americanas e 3) a insistência de alguns "intelectuais" de destaque nacional de falar da TL e seu marxismo gramsciano retocado com citações cristãs como se falasse pela Igreja. Alguns documentos eclesiais brasileiros dessa época são bem característicos, parecem mais com atas de assembleia estudantil ou com conclusões de encontros de órgão de defesa de "direitos humanos"...
Reafirmo logo que não se pode ser cristão sem estar preocupado com a questão da pobreza. É o que sempre nos ensinou a Doutrina Social da Igreja, com base nos ensinamentos bíblicos de Jesus. Mas levei tempo para perceber que a significação do que é ser "pobre", na Bíblia, não se confunde com a categoria de "oprimido" ou de "proletário" do marxismo. Pobre, no sentido bíblico e cristão, é a pessoa que põe toda sua confiança em Deus e considera secundários os bens do mundo, que respeita os irmãos como a si mesmo e se solidariza com sua dor. Sua pobreza não é um simples desapossamento, mas um verdadeiro desapego. Seguir a Jesus é ser pobre, viver na pobreza e ser solidário com o irmão pobre que sofre (Mt 19, 24). Isso nos será cobrado no juízo final (Mt 26, 21 a 46).
O proletário marxista não se confunde, no entanto, com o pobre bíblico. O conceito de proletário não tem o outro como "pessoa", mas apenas como indivíduo movido pelas forças cegas da dialética econômica, seja como opressor, seja como oprimido. O marxismo põe toda a sua confiança nos bens do mundo, nos chamados "bens de produção", cujo apossamento pela classe oprimida, assim compreendida como a classe operária, abriria as portas escatológicas para o paraíso terrestre imanente do comunismo. Não dá para equiparar com o pobre bíblico. Para os marxistas, o proletário não é pessoa, aliás nenhum indivíduo é pessoa (exceto talvez a vanguarda do proletariado), somos todos meros joguetes nas mãos das forças históricas econômicas irremediavelmente dialéticas. É por isso que um marxista pode defender a irresponsabilidade penal do "proletário", sem se dar conta de que, afastando-lhe a responsabilidade penal, também afasta dele a dignidade de pessoa - que envolve liberdade e, portanto, responsabilidade.
Marx percebeu a ameaça, para o seu pensamento político, que a verdadeira doutrina social da Igreja representava. Sendo a única verdadeira maneira de libertar o homem das consequências sociais da verdadeira opressão, que é o pecado (o afastamento de Deus), o pensamento social da Igreja nunca foi marxista e provocava furores nos marxistas. Marx escreveu a Engels, em 25 de setembro de 1869:
"É necessário lutar energicamente contra os sacerdotes. Vou atuar neste sentido através da Internacional. Eles, como por exemplo o bispo Ketteler de Maguncia, os sacerdotes reunidos no congresso em Dusseldorf, etc., são simpáticos à questão trabalhista em todos os lugares em que é possível sê-lo. (...) Eles são os únicos que têm se beneficiado durante a restauração dos frutos da revolução". Os art. 63 e 119 do código penal soviético fundamentaram inúmeras condenações à morte de cristãos que se recusaram a admitir publicamente que a religião é o "ópio do povo", que era a posição oficial dos marxistas de então.
Mas Gramsci veio ensinar os marxistas que estavam fora da "cortina de ferro" a lutar mais sutilmente, a "romper hegemonias" através da atuação dos chamados "intelectuais orgânicos", que deveriam trabalhar a partir de dentro das instituições, mudando mentalidades para promover o marxismo, ao invés de partir para a luta armada. Assim, a teologia da libertação é muito gramsciana.
Muitos bispos e padres, empolgados com o sopro de doutrina, transformaram-se então em "intelectuais orgânicos", às vezes formando maiorias até em conferências episcopais nacionais e dioceses. Mas, graças ao bom Jesus, a Igreja não trabalha com maiorias nem com "vanguardas de empolgados", mas com a manutenção fiel do depósito da fé (II Tim 1, 14). Quando se apela para maiorias de fiéis, não raro se escolhe Barrabás, como ocorreu numa determinada sexta-feira em Jerusalém.
Não se pode esquecer, no entanto, que todas as grandes apostasias começaram por movimentos de bispos e padres infiéis ao Depósito da Fé. É assim desde que o cristianismo é cristianismo. Os gnósticos, os marcionitas, os montanistas, donatistas, monofisistas, monotelistas, docetistas, jansenistas, galicanistas, tradicionalistas, lefebrianos, todos eram padres e bispos que andaram - como andam hoje os teólogos da libertação - em descompasso com Pedro. A própria Reforma foi, em grande escala, uma luta intestina: Thomas Munzer era padre, Lutero era padre, os anglicanos consolidaram-se através dos padres e bispos católicos que preferiram Henrique VIII ao martírio.
Este é o mistério da Igreja: ninguém nega que muitos filhos da Igreja, mesmo os que permaneceram com a fé ortodoxa dos apóstolos, tenham sido, ao longo dos séculos, em sua conduta pessoal, infiéis àquilo em que eles próprios acreditavam. Nós, católicos, filhos da Igreja, muitas vezes fomos uns canalhas - e me incluo aí. Muitas vezes não fazemos o bem que queremos, mas o mal que não queremos. Nem por isso o mal vira bem. A Santa Igreja trouxe, pela força do Espírito Santo, o Depósito da Fé intacto até hoje, quer o que nos foi dado por escrito, quer por palavra dos Apóstolos (2Ts 2,15). Mesmo os Papas mais atrapalhados (graças a Deus foram minoria perante os Papas santos, isto é, os que viveram com fidelidade a sua graça) jamais ousaram alterar o depósito da Fé. Este é o cerne da infalibilidade (que não é impecabilidade. Papas pecam, e às vezes gravemente).
A santidade é toda de Deus. A infalibilidade é do Espírito Santo na Igreja, que se faz ouvir quando o Papa fala de cátedra em matéria de fé e moral. Em matéria de política, economia, ciência, ou quando não fala de cátedra (nos discursos, notas, entrevistas, artigos acadêmicos, etc.), o Papa não é assistido divinamente e pode errar, e de fato o faz muitas vezes. Sem problema. A infalibilidade não é um atributo pessoal do Papa - que é apenas um pecador - mas da Cátedra de Pedro, cujo ocupante serve de instrumento para que se reconheça a verdadeira Igreja de Jesus através dos tempos (Is 22, 22 e Mt 16, 18-20). A agulha da bússola não é o pólo norte. A bússola, no entanto, por mais tosca que seja, sempre aponta para lá.
Mas o cerne da teologia marxista da libertação toca matéria de fé e moral, sobre as quais há manifestação dogmática da Igreja. Não serão uns bispos e padres em apostasia, mesmo que detivessem maioria circunstancial na CNBB (o que já não ocorre), que irão alterar o depósito da fé. Não prevalecerão (Mt 28, 20).
O Magistério é do Papa e dos Bispos "em comunhão com ele", (Catecismo, § 100). Quando bispos, padres, freis ou teólogos leigos ensinam sem comunhão com o Papa, mesmo que em grande número, não fazem magistério. Existe um artigo de Ratzinger (Bento XVI) sobre os erros da teologia da libertação, chamado "eu vos explico a teologia da libertação", disponível na Internet para quem quiser ler. Destaco do texto a seguinte frase do então cardeal, hoje Papa: "A gravidade da Teologia da Libertação não é suficientemente avaliada; não entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente."
Vivemos nosso amor pela irmã pobreza de forma cristã. Quem nos salvou foi Jesus, não Marx nem Gramsci. Estamos atentos à legítima doutrina social da Igreja - como Francisco de Assis ou Domingos de Gusmão já faziam setecentos anos antes de Engels, Marx, Lenin e Gramsci. E o fazemos fundados na melhor filosofia, como Tomás já fazia, mais ou menos na mesma época, ou Agostinho, mil e trezentos anos antes de Hegel. Nós optamos pela pobreza, castidade e obediência de maneira cristã, como voto perpétuo, com Santo Antão ou São Bento, mil e quinhentos anos antes de uma determinada "teologia" modernosa inverter indevidamente o sentido dos votos religiosos, saindo dos limites do catolicismo.
Resta aos insatisfeitos, bispos, padres ou leigos, renunciar às ideias não-cristãs e caminhar com a Igreja de Cristo, onde está Pedro, ou sair da Igreja e fundar mais uma seita pseudo-crista para ensinar livremente o que quiser em seu próprio nome. A livre interpretação da Bíblia - que a Igreja Católica sempre condenou - está aí mesmo para possibilitar aos insatisfeitos defender como legítimo todo erro que encontrar um exegeta ousado o suficiente para citar um versículo em apoio e proclamar a inspiração direta pelo Espírito Santo da sua interpretação particular (em desobediência a 1Tim 3, 15 e 2Pd 1, 20-21). Na ausência de Magistério desaparece também o critério para julgar o valor de qualquer exegese. Seja do "bispo" evangélico empolgado que cobra pedágio para entrar no céu, com sua "teologia da prosperidade" arrancada de quatro versículos descontextualizados, seja de alguns defendendo o marxismo com base numa péssima leitura de outros quatro.
segunda-feira, 22 de março de 2010
Maria, mãe de Deus
Jesus é uma pessoa, é Deus e homem, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, corpo, sangue, alma e divindade. Indiviso, porém. Somos, também, cada um de nós, uma só pessoa, corpo, sangue e alma, mas uma só pessoa. Corpo e sangue recebemos de nossos pais. Alma espiritual, criada diretamente por Deus na nossa concepção.
Nem por isso, por termos corpo e sangue gerados por nossos pais biológicos e alma criada diretamente por Deus nós dizemos que nossos pais são pais apenas do nosso corpo. Eles são, isso sim, pais de cada um de nós, da nossa indivisibilidade essencial. Deus, criador da nossa alma espiritual, é, para nós, do ponto de vista natural, o criador, mas não o pai. Meus pais são fulano e beltrana, como consta da minha certidão de nascimento. É certo que pelo batismo, torno-me filho adotivo de Deus, na graça de Jesus Cristo (Efésios 1,5). Isso não retira dos meus pais biológicos a condição integral de pais meus, na minha indivisibilidade essencial.
Se somos filhos das nossas mães e dos nossos pais, que geraram nosso corpo e não nossa alma, é exatamente porque a pessoa humana é a integralidade de corpo e alma, como a pessoa de Jesus é filha de Maria na sua indivisibilidade essencial. Está na Bíblia, e assim tem sido lido pelos cristãos desde os tempos mais remotos. Vejamos os textos bíblicos:
Lucas 1,43: Isabel, repleta do Espírito Santo, antes mesmo de saber de gravidez de Maria, dirige-se a ela com essas palavras: “De onde me vem que me venha visitar a mãe do meu Senhor?”
Mt 2, 13-14: O Anjo do Senhor manifesta-se em sonho a José e diz: “dispõe-te, toma o menino e sua mãe (...)” E José, advertido assim pelo anjo, “tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito...”
Vê-se, portanto, nos dois textos citados, que a condição de mãe de Deus, relativa a Maria, é objeto de expressa menção, atestada sobrenaturalmente nas citações acima, da primeira vez pelo próprio Espírito Santo, da segunda, pelo Anjo do Senhor. Quem poderá negar, portanto, que Maria é mãe de Deus?
Na verdade, essa negativa já ocorreu na antiguidade, contra a palavra bíblica do Espírito Santo e do Anjo do Senhor. Nestório, de sua cátedra em Constantinopla (428-431) considerava incorreto dizer que o Verbo nasceu de Maria, ou que Maria é mãe de Deus, ou que Deus morreu na cruz. Segundo ele, Maria seria apenas a mãe de Jesus, em quem Deus habitou acidentalmente, vale dizer, mãe da pessoa humana Jesus em quem Deus, independentemente, veio habitar. Ele escreveu isso numa carta a Cirilo de Alexandria.Em 22.06.431, Cirilo responde a Nestório com muita firmeza:
“Porque [Jesus] não nasceu de Maria primeiramente como um mero homem, e depois teria descido sobre ele o Verbo; mas dizemos que unido [à natureza humana] desde o seio materno, nasceu ele segundo a carne, pois fez seu o nascimento de sua própria carne (...)
Por isso não tiveram dúvidas em chamar mãe de Deus à Santa Virgem, não porque a natureza do Verbo ou sua divindade tivesse tomado da Santa Virgem a origem do seu ser, mas porque dela se formou aquele sagrado Corpo, animado de uma alma racional, do qual, unido ao Verbo segundo a hipóstase, dizemos nascido segundo a carne.”
Pode-se ver, portanto, que essa heresia (quer dizer, essa afirmação desmotivada, contra a revelação bíblica feita pelo Espírito Santo a Isabel e pelo Anjo do Senhor a Maria) é antiga, e já foi corretamente desmentida pelos verdadeiros crentes sempre que foi levantada.
Alguém poderia objetar: mas que importância tem isso, se tudo isso aconteceu há tanto tempo? Onde está, perguntariam esses que insistem em contrariar o Espírito Santo e o Anjo do Senhor na Bíblia, essa Maria agora?
Está viva, responderíamos. Plenamente viva. É o que nos diz Jesus, em Marcos 12, 26-27:
“Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés, no trecho referente à sarça, como Deus lhe falou:
Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o deus de Jacó?
Ora, Ele não é o Deus dos mortos, mas dos vivos.”
Acreditamos, portanto (porque Jesus nos revela na Bíblia) que ele é o Deus dos vivos. Ora, se ele é o Deus dos Vivos, com absoluta certeza a mãe de Deus está viva.
Ora, objetariam alguns, que importância tem para nós ela estar viva? Os que morreram na glória de Jesus já não teriam mas nada a ver conosco, estão no seio de Deus, já nada podem fazer por nós, estamos aqui isolados deles. Os que falam assim não conhecem a Bíblia. De fato, na Epístola aos Hebreus, no capítulo 11, vemos a enumeração dos fiéis que já haviam morrido no tempo de Paulo, uma verdadeira lista de amigos de Deus que repousam em Sua glória. E o que a Bíblia nos diz deles? Que eles formam uma “nuvem de testemunhas ao nosso redor” (Hebreus 12, 1). ora, testemunhas dão seu testemunho, não são cegas para o que acontecem, ou já não podem testemunhar. Mas aqueles que Jesus assegurou que estão vivos (Mc 12, 26-27) não estão apenas vivos numa glória distante e abstrata, mas formando uma “nuvem de testemunhas” ao nosso redor...
Essas testemunhas de fato importam-se conosco, dão-nos a segurança de poder correr “com perseverança para o certame que nos é proposto, com os olhos fixos naquele que é o iniciador e consumador da fé, Jesus”. (Hebreus 12, 1). São essas testemunhas que nos ajudam a não desviar Dele. E não há testemunha maior do que aquela que por primeiro recebeu a mensagem da redenção (Lc 1,31).
Jesus dá a sua comprovação bíblica de que essas testemunhas nos cercam e se importam conosco de verdade. Ao transfigurar-se no monte, Jesus conversa com Moisés e Elias (Mateus 17, 3), que lhe apareceram. Note-se, na Bíblia, que Pedro, ainda aqui neste mundo carnal, dirige-lhes tranquilamente a palavra, propondo-lhes fazer três tendas, uma para Jesus, uma para Moisés, uma para Elias. Moisés e Elias são duas dentre as testemunhas (Hebreus 12, 1) que estão plenamente vivas em Deus (Marcos 12, 26-27) e que se importam conosco a ponto de aparecer-nos a conversar tranquilamente com Jesus (Mateus 17, 3). Se essas testemunhas nos cercam e se importam conosco, estou certo de que ninguém pode importar-se mais conosco do que aquela que é mãe de Deus, que é testemunha a nos cercar para manter os nossos olhos fixos n'Ele e que conversa claramente com Ele como Moisés e Elias fizeram um dia para que víssemos.
Se somos, portanto, filhos adotivos de Deus (como diz a Bíblia e acima transcrevemos), só nos resta, como bons filhos, “honrar Pai e Mãe”, vale dizer, Deus nosso Pai e Maria, sua Mãe. Obedeceremos aos mandamentos tão claros consignados em Êxodo 20,12 (Honra teu pai e tua mãe), Levítico 19, 3 (Cada um respeitará seu pai e sua mãe) ou, no Novo Testamento, Efésios 6,2: “honra teu pai e tua mãe).
Honra devida a nosso pai e nossa mãe da terra, Honra devida ao Pai e à Mãe do céu.
Se me permitem uma palavrinha pessoal, eu acrescentaria que, pelo imenso amor que tenho a minha mãe da terra, tenho em casa várias fotos daquela que me trouxe ao mundo. Aliás, ando com sua foto na minha carteira.
Tenho visto, também, em viagens que faço, estátuas de mulheres importantes em vários países que visitei, rainhas, mães de imperadores, princesas, primeiras-damas, mulheres presidentes. Nunca vi nem ouvi ninguém criticar-me por ter fotos da minha mãe da terra, nem a eses povos e governos por ter estátuas e pôsteres dessas mulheres que foram poderosas e importantes para eles em algum tempo. Tudo isso honra muito a nossa mãe terrena, os nossos povos da terra, os nossos governantes.
Por isso tudo, pessoalmente gosto de honrar a minha mãe do céu de modo semelhante – uma foto dela, um quadro que dela me lembre, uma estátua no meu quarto. Alguns não entendem, não me importo. Cumpro o mandamento de Deus, honrando pai e mãe da maneira que posso.
Nem por isso, por termos corpo e sangue gerados por nossos pais biológicos e alma criada diretamente por Deus nós dizemos que nossos pais são pais apenas do nosso corpo. Eles são, isso sim, pais de cada um de nós, da nossa indivisibilidade essencial. Deus, criador da nossa alma espiritual, é, para nós, do ponto de vista natural, o criador, mas não o pai. Meus pais são fulano e beltrana, como consta da minha certidão de nascimento. É certo que pelo batismo, torno-me filho adotivo de Deus, na graça de Jesus Cristo (Efésios 1,5). Isso não retira dos meus pais biológicos a condição integral de pais meus, na minha indivisibilidade essencial.
Se somos filhos das nossas mães e dos nossos pais, que geraram nosso corpo e não nossa alma, é exatamente porque a pessoa humana é a integralidade de corpo e alma, como a pessoa de Jesus é filha de Maria na sua indivisibilidade essencial. Está na Bíblia, e assim tem sido lido pelos cristãos desde os tempos mais remotos. Vejamos os textos bíblicos:
Lucas 1,43: Isabel, repleta do Espírito Santo, antes mesmo de saber de gravidez de Maria, dirige-se a ela com essas palavras: “De onde me vem que me venha visitar a mãe do meu Senhor?”
Mt 2, 13-14: O Anjo do Senhor manifesta-se em sonho a José e diz: “dispõe-te, toma o menino e sua mãe (...)” E José, advertido assim pelo anjo, “tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito...”
Vê-se, portanto, nos dois textos citados, que a condição de mãe de Deus, relativa a Maria, é objeto de expressa menção, atestada sobrenaturalmente nas citações acima, da primeira vez pelo próprio Espírito Santo, da segunda, pelo Anjo do Senhor. Quem poderá negar, portanto, que Maria é mãe de Deus?
Na verdade, essa negativa já ocorreu na antiguidade, contra a palavra bíblica do Espírito Santo e do Anjo do Senhor. Nestório, de sua cátedra em Constantinopla (428-431) considerava incorreto dizer que o Verbo nasceu de Maria, ou que Maria é mãe de Deus, ou que Deus morreu na cruz. Segundo ele, Maria seria apenas a mãe de Jesus, em quem Deus habitou acidentalmente, vale dizer, mãe da pessoa humana Jesus em quem Deus, independentemente, veio habitar. Ele escreveu isso numa carta a Cirilo de Alexandria.Em 22.06.431, Cirilo responde a Nestório com muita firmeza:
“Porque [Jesus] não nasceu de Maria primeiramente como um mero homem, e depois teria descido sobre ele o Verbo; mas dizemos que unido [à natureza humana] desde o seio materno, nasceu ele segundo a carne, pois fez seu o nascimento de sua própria carne (...)
Por isso não tiveram dúvidas em chamar mãe de Deus à Santa Virgem, não porque a natureza do Verbo ou sua divindade tivesse tomado da Santa Virgem a origem do seu ser, mas porque dela se formou aquele sagrado Corpo, animado de uma alma racional, do qual, unido ao Verbo segundo a hipóstase, dizemos nascido segundo a carne.”
Pode-se ver, portanto, que essa heresia (quer dizer, essa afirmação desmotivada, contra a revelação bíblica feita pelo Espírito Santo a Isabel e pelo Anjo do Senhor a Maria) é antiga, e já foi corretamente desmentida pelos verdadeiros crentes sempre que foi levantada.
Alguém poderia objetar: mas que importância tem isso, se tudo isso aconteceu há tanto tempo? Onde está, perguntariam esses que insistem em contrariar o Espírito Santo e o Anjo do Senhor na Bíblia, essa Maria agora?
Está viva, responderíamos. Plenamente viva. É o que nos diz Jesus, em Marcos 12, 26-27:
“Quanto à ressurreição dos mortos, não lestes no livro de Moisés, no trecho referente à sarça, como Deus lhe falou:
Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o deus de Jacó?
Ora, Ele não é o Deus dos mortos, mas dos vivos.”
Acreditamos, portanto (porque Jesus nos revela na Bíblia) que ele é o Deus dos vivos. Ora, se ele é o Deus dos Vivos, com absoluta certeza a mãe de Deus está viva.
Ora, objetariam alguns, que importância tem para nós ela estar viva? Os que morreram na glória de Jesus já não teriam mas nada a ver conosco, estão no seio de Deus, já nada podem fazer por nós, estamos aqui isolados deles. Os que falam assim não conhecem a Bíblia. De fato, na Epístola aos Hebreus, no capítulo 11, vemos a enumeração dos fiéis que já haviam morrido no tempo de Paulo, uma verdadeira lista de amigos de Deus que repousam em Sua glória. E o que a Bíblia nos diz deles? Que eles formam uma “nuvem de testemunhas ao nosso redor” (Hebreus 12, 1). ora, testemunhas dão seu testemunho, não são cegas para o que acontecem, ou já não podem testemunhar. Mas aqueles que Jesus assegurou que estão vivos (Mc 12, 26-27) não estão apenas vivos numa glória distante e abstrata, mas formando uma “nuvem de testemunhas” ao nosso redor...
Essas testemunhas de fato importam-se conosco, dão-nos a segurança de poder correr “com perseverança para o certame que nos é proposto, com os olhos fixos naquele que é o iniciador e consumador da fé, Jesus”. (Hebreus 12, 1). São essas testemunhas que nos ajudam a não desviar Dele. E não há testemunha maior do que aquela que por primeiro recebeu a mensagem da redenção (Lc 1,31).
Jesus dá a sua comprovação bíblica de que essas testemunhas nos cercam e se importam conosco de verdade. Ao transfigurar-se no monte, Jesus conversa com Moisés e Elias (Mateus 17, 3), que lhe apareceram. Note-se, na Bíblia, que Pedro, ainda aqui neste mundo carnal, dirige-lhes tranquilamente a palavra, propondo-lhes fazer três tendas, uma para Jesus, uma para Moisés, uma para Elias. Moisés e Elias são duas dentre as testemunhas (Hebreus 12, 1) que estão plenamente vivas em Deus (Marcos 12, 26-27) e que se importam conosco a ponto de aparecer-nos a conversar tranquilamente com Jesus (Mateus 17, 3). Se essas testemunhas nos cercam e se importam conosco, estou certo de que ninguém pode importar-se mais conosco do que aquela que é mãe de Deus, que é testemunha a nos cercar para manter os nossos olhos fixos n'Ele e que conversa claramente com Ele como Moisés e Elias fizeram um dia para que víssemos.
Se somos, portanto, filhos adotivos de Deus (como diz a Bíblia e acima transcrevemos), só nos resta, como bons filhos, “honrar Pai e Mãe”, vale dizer, Deus nosso Pai e Maria, sua Mãe. Obedeceremos aos mandamentos tão claros consignados em Êxodo 20,12 (Honra teu pai e tua mãe), Levítico 19, 3 (Cada um respeitará seu pai e sua mãe) ou, no Novo Testamento, Efésios 6,2: “honra teu pai e tua mãe).
Honra devida a nosso pai e nossa mãe da terra, Honra devida ao Pai e à Mãe do céu.
Se me permitem uma palavrinha pessoal, eu acrescentaria que, pelo imenso amor que tenho a minha mãe da terra, tenho em casa várias fotos daquela que me trouxe ao mundo. Aliás, ando com sua foto na minha carteira.
Tenho visto, também, em viagens que faço, estátuas de mulheres importantes em vários países que visitei, rainhas, mães de imperadores, princesas, primeiras-damas, mulheres presidentes. Nunca vi nem ouvi ninguém criticar-me por ter fotos da minha mãe da terra, nem a eses povos e governos por ter estátuas e pôsteres dessas mulheres que foram poderosas e importantes para eles em algum tempo. Tudo isso honra muito a nossa mãe terrena, os nossos povos da terra, os nossos governantes.
Por isso tudo, pessoalmente gosto de honrar a minha mãe do céu de modo semelhante – uma foto dela, um quadro que dela me lembre, uma estátua no meu quarto. Alguns não entendem, não me importo. Cumpro o mandamento de Deus, honrando pai e mãe da maneira que posso.
domingo, 21 de março de 2010
Encíclica Veritais Splendor - resumo do capítulo I
No capítulo I, a encíclica estuda a passagem evangélica conhecida como do “jovem rico” (Mt 19, 16-21). A perícope é abordada como uma pista válida para a resposta de Jesus Cristo à questão moral.
O “jovem” representa cada homem que se aproxima de Jesus e lhe coloca a questão moral: “Mestre, o que farei de bom para ter a vida eterna?”. Mais do que inquirir sobre “normas a observar”, trata-se da questão sobre a plenitude da vida, impulso último, profundo, inquieto e aspiração que move a liberdade: é o apelo ao bem absoluto que nos atrai, eco da vocação de Deus, origem e fim da vida do homem e único modo de saciar seu coração.
Para possibilitar esse “encontro com Cristo” é que existe a Igreja, sendo esta sua única finalidade!
A pergunta do jovem rico é a um só tempo essencial e irresistível, que diz respeito ao bem moral a praticar e à vida eterna, intuindo que há um nexo entre ambas. No caso concreto, talvez não se trate, por parte do jovem, de um desconhecimento da lei nem deste nexo, mas o fascínio de Jesus, que fez nascer nele novas interrogações acerca do bem moral, perante o anúncio que faz Jesus sobre a proximidade do Reino.
Também o homem de hoje precisa voltar-se novamente para o Cristo e obter dele a resposta sobre o bem e o mal. Ele, mestre presente, desvenda aos fiéis as escrituras e revela a vontade do Pai. Para compreender-se integralmente, o homem deve aproximar-se de Cristo, levando suas inquietudes, incertezas, fraquezas e pecaminosidade. Somente mergulhando no mistério da encarnação e redenção o homem produzirá frutos de adoração a Deus e maravilha perante si próprio.
A nossa tarefa, portanto, é procurar o sentido da pergunta do jovem rico e deixar-nos guiar docemente pela resposta de Jesus.
“Um só é bom”, diz Jesus, em resposta à questão do bem. Jesus quer que o jovem se esclareça sobre o motivo pelo qual interroga. Indica ao interlocutor que essa questão só pode ser respondida dirigindo o coração e a mente para o único “bom”. Só Deus pode responder a questão sobre o bem, porque Ele é o Bem. Jesus mostra que a pergunta é, no fundo, religiosa. A bondade é deus, único digno de ser amado plenamente, fonte de felicidade para o homem. Jesus reconduz a ação moralmente boa ao seu fundo religioso: o reconhecimento de Deus como única bondade, plenitude da vida, termo último do agir humano e felicidade perfeita.
A Igreja, instruída por seu Mestre, crê que o homem vive para que, redimido e santificado por Cristo, cada uma das suas ações irradie o esplendor divino. Conhecer a si mesmo, neste contexto, é conhecer e purificar a imagem de Deus.
O que o homem é e deve fazer manifesta-se no momento em que Deus revela a si próprio. As “dez palavras” são a revelação que deus faz de si mesmo, como aquele que é o único bom, e que segue sendo o modelo, apesar do pecado do homem. Trata-se do restabelecimento da harmonia original.
Assim, a vida moral do homem é uma resposta devida à iniciativa gratuita de Deus em favor dos homens. Resposta de amor ao Amor. A vida moral, implicada no amor de Deus, é chamada a refletir Sua glória; trata-se de agradar a quem se ama. A maior recompensa de amar é o amor. A caridade provém de Deus de um modo tal que o próprio deus é caridade.
O primeiro mandamento já nos aponta que um só é bom, só Deus é o Senhor. É o coração da lei, do qual decorrem os preceitos particulares. E daí decorre que nem a observância rigorosa de Lei a cumpre plenamente. Mesmo cumprindo rigorosamente a Lei, o homem jamais é bom em si mesmo. O cumprimento, a satisfação da lei é um dom, oferta de participação na bondade divina presente em Jesus: vem e segue-me!
A primeira resposta de Jesus é : “Se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos”. Ao criar o homem, e ordená-lo com amor e sabedoria ao bem como fim, Deus responde à questão do bem: Ele próprio é o Bem. Inscreveu a “lei natural” no coração do homem, na forma da luz da inteligência em nós infundida.
Também nos deu o decálogo no Sinai, fundando o Povo da Aliança. O dom do Decálogo é promessa e sinal da nova aliança,. Quando a lei for nova e definitivamente inscrita no coração do homem, substituindo a lei do pecado que se tinha instalado ali. Haverá um coração novo, um “espírito novo”, o Espírito de Deus (cf. Ezequiel).
Há, portanto, uma relação estreita entre a salvação e a obediência aos mandamentos, sublinhada, nesta passagem, por Jesus. Ele entrega, como um novo Moisés, os mandamentos. Mas a terra prometida agora é o Reino dos Céus. Confira-se o Sermão da Montanha.
A realidade mesma do Reino refere-se à expressão “vida eterna” , ou seja, participação na vida de deus após a morte, luz da verdade e fonte de sentido, ainda em vida: quem abandonar os próprios interesses mundanos para seguir Jesus receberá muito mais e terá por herança a vida eterna (Mt 19, 29).
O Jovem insiste, e quer saber quais mandamentos seguir. Jesus lhe aponta os mandamentos que dizem respeito ao próximo. Não se trata de esgotar os mandamentos, mas de chamar a atenção para a centralidade dos mandamentos, fundamentados na noção de que foram dados por aquele que é “o Senhor teu Deus”.
Os mandamentos citados por Jesus nesta passagem são majoritariamente aqueles da chamada “segunda tábua”, fundamentadas no amor ao próximo. Exprimem a dignidade singular da pessoa humana, única criatura querida por Deus por si mesma. Protegem o bem da pessoa, pela proteção dos seus bens materiais e espirituais: a vida, a família, a propriedade, a veracidade e a boa fama.
Os mandamentos são retomados como condição básica para o amor ao próximo e sua confirmação. São a primeira etapa necessária no caminho para a liberdade: não ter faltas é o início da liberdade, dizia Santo Agostinho, mas ainda não a liberdade perfeita.
Não se trata de separar o amor de Deus e o amor ao próximo. Ao doutor da lei que o interpela, Jesus alerta que os mandamentos resumem-se a dois: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. A parábola do bom samaritano é contada exatamente em resposta ao questionamento do Doutor da Lei, sobre quem é o próximo.
Os dois mandamentos estão indivisivelmente unidos entre si, como Jesus demonstra por palavras e atos. São sinais indistintos do amor ao Pai. Sem o amor ao próximo, o amor a Deus não é autêntico. Sem o amor a deus, o amor ao próximo é mera filantropia.
No Sermão da Montanha, Jesus a um só tempo ratifica a lei e apresenta-se como a sua chave. Ele é o elo vivo entre o antigo e o novo Testamento. Jesus é o fim, não como carência, mas como plenitude. O que no antigo era figura, torna-se verdade, realiza-se no novo por Jesus.
Jesus leva a lei à plenitude, interiorizando e radicalizando os mandamentos. A atitude do cristão deve nascer de um coração que ama, que está disposto a viver as exigências mais radicais. Os mandamentos não são limite mínimo a não ultrapassar, mas estrada aberta para o amor. Por exemplo, a ordem “não matarás” traz o apelo a um amor solícito que resgata e dignifica o outro. O mandamento contra o adultério vira um convite ao olhar puro.
Jesus é o cumprimento vivo da lei, torna-se ele mesmo a lei viva e pessoal, e seu seguimento dá, mediante o dom do Espírito, a graça de partilhar na vida e amar e testemunhar nas opções e nas obras!
“Tenho cumprido tudo isto. Que me falta ainda?” é o questionamento do jovem a Jesus. Não é fácil afirmar isto, quando se pensa no verdadeiro alcance das exigências da lei. Mesmo que eventualmente pudesse fazê-lo, o jovem rico sabe que ainda está longe da meta.
Valendo-se da “nostalgia de plenitude” que supera as interpretações legalistas, Jesus convida-o á perfeição, “se queres ser perfeito, vende o que tem, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me.”
No contexto evangélico, a fala de Jesus remete à bem-aventurança da pobreza. As bem-aventuranças dizem respeito, mais do que a condutas, a “atitudes” e “disposições de fundo” e por isso não coincidem perfeitamente com os mandamentos. Mas não há oposição ou separação entre eles. Ambos referem-se ao bem e à vida eterna. O Sermão da Montanha começa com as bem-aventuranças, mas refere-se aos mandamentos, orientando-os à perfeição em Jesus. As bem-aventuranças são promessas com indicações normativas indiretas para a vida moral. São um auto-retrato do Cristo, convite ao seu seguimento e á comunhão de vida com ele.
Terá o jovem compreendido a profundidade das exigências dos mandamentos? O certo é que o compromisso com os mandamentos é o terreno fértil onde a graça germinará e amadurecerá o desejo de perfeição. Sobre tal fundamento (o cumprimento dos mandamentos) o convite ao livre seguimento pede uma resposta amparada pela graça. Neste contexto, a perfeição é a maturidade no dom de si, como resposta livre ao chamado de Cristo. O cumprimento aos mandamentos é, nesse contexto, o pressuposto para a vida eterna.
O abandono te tudo é a proposta de perfeição que Jesus faz ao jovem. Trata-se da dinâmica da liberdade em direção à maturidade. Da relação entre liberdade e lei divina. Não a liberdade como “pretexto para servir a carne” de que trata São paulo, mas como cumprimento dos preceitos por amor.
O cumprimento dos preceitos é a primeira e imperfeita liberdade. Sente-se a influência da “outra lei” mencionada por São Paulo, a lei da carne, nos membros, em contraste com a lei da razão. O ser humano é assim, na sua peregrinação terrestre: liberdade parcial, parcial escravidão.
A liberdade só será completa na eternidade. Conservamos em parte a fraqueza, em parte alcançamos já a liberdade. Os pecados foram destruídos no batismo, mas não a fraqueza, senão já não haveria pecado entre os cristãos. É esta fraqueza que nos mantém escravos.
Para quem vive “segundo a carne”, a lei de Deus é peso, negação ou restrição. Para quem vive “segundo o Espírito”, é caminho para a prática do amor, livre e consciente. Não se detém nas exigências mínimas da lei, mas vive-a em plenitude. É caminho incerto e frágil na terra, só possível pela graça que nos faz filhos de Deus.
O chamado à perfeição não é uma vocação restrita a um círculo estreito de pessoas, mas dirige-se a todos, como radicalização do mandamento de amor ao próximo. O “vem e segue-me” é a forma concreta do mandamento do amor de Deus. É uma única e indivisa caridade que tende à perfeição, cuja medida é só Deus, o perfeito e misericordioso.
O caminho e o conteúdo dessa perfeição é o seguimento de Jesus, depois de ter renunciado aos próprios bens e a si mesmo. A profundidade de tal convite só será compreendida depois da essurreição de Jesus e da vinda do espírito.
Jesus sempre toma a iniciativa, chamando para o seu seguimento. Chama aqueles em quem confia, os que envia, os apóstolos, mas todo aquele que crê recebe o chamado, pois o seguimento de Jesus é o fundamento essencial e original da moral cristã. Antes, o povo no deserto seguia Deus. Agora, os cristãos seguem Jesus, atraídos pelo Pai.
Mais do que obedecer mandamentos ou seguir ensinamentos, ser cristão é aderir à pessoa do cristo, tornar-se discípulo de Deus. Imitar o Filho para imitar o Pai. Seguir no caminho do amor, doar-se plenamente ao irmão por amor a Deus. Amar o outro como Jesus amou, eis a medida, expressada no lava-pés. As ações e palavras, e principalmente a Paixão, morte e ressurreição, são revelação viva de seu amor pelo pai e pelos homens.
O “como” de “como vos amei” é a medida do amor que os discípulos de Jesus se devem. Amar como Jesus, até o fim, dando a vida por seus amigos.
A proposta de Jesus ao jovem rico é a de amar totalmente, “até o fim”, renegar-se, tomar sua cruz e segui-lo (Mt 16, 24). Não como uma imitação exterior, mas um “conformar-se” profundamente a ele, pela graça. Tornar-se membro do seu corpo, que é a Igreja, pelo batismo, que nos conforma, nos reveste de Cristo. O batizado torna-se Cristo. Morto para o pecado, recebe a vida nova. A participação na eucaristia é o ápice dessa configuração.
“A Deus tudo é possível”. O jovem rico, e com ele muitas pessoas, assustam-se com o nível de exigência do seguimento de Jesus. Tais exigências superam a condição humana. “Quem poderá se salvar?”, perguntam os discípulos. O que aos homens é impossível, a Deus é possível, diz Jesus.
Ao examinar a lei mosaica, Jesus rejeita o direito ao divórcio com base num “princípio” mais original e autêntico que a lei de Moisés. Esta chamada principiológica assusta os discípulos. Ao homem, não é possível imitar por suas próprias forças o amor de Jesus. Somente por dom, o dom do Espírito, essa caminhada é possível. Santo Agostinho diz que é o amor que faz cumprir os mandamentos, e não o cumprimento dos mandamentos que faz surgir o amor.
A lei do Espírito de vida de Jesus Cristo nos livra da lei do pecado e da morte. A relação entre a lei e a graça cumpre-se em Jesus. A lei tem papel pedagógico. Mostra a fraqueza e a deficiência do pecador, para que ele invoque e acolha a graça. Só em Cristo Jesus somos justificados. “A lei foi dada para que se invoque a graça; a graça, para que se observe a lei”. O amor e a vida segundo o evangelho não podem ser pensados em termos de preceitos, porque o que pedem supera as forças do homeme. Somente são possíveis como frutos de um dom de Deus, que cura e restaura o homem na graça. O mandamento do amor e da perfeição somente é uma possibilidade aberta ao homem pela raça, pelo amor de Deus como dom. A consciência de ter recebido tal dom gera e sustenta a resposta responsável de um amor total a Deus e entre os irmãos, como insistentemente lembra o apóstolo João na primeira carta: amar a Deus, que não se vê, no irmão que se vê. Só quem ama conhece a Deus, que é amor. A conexão indivisível entre a graça de Deus e a liberdade expressa-se de modo muito claro na frase de Santo Agostinho: “dá-me o que me mandas e manda o que quiseres”.
O dom reforça a exigência moral do amor. Só se pode permanecer no amor quando se guardam os mandamentos. Os Padres, em especial Santo Agostinho, dizem que a “nova lei é a lei da graça do Espírito Santo dada pela fé em Cristo”. Os preceitos externos da lei dispõem o coração para a graça e a prolongam. A nova lei diz o que fazer e dá também a força para tanto. A nova lei não veio do monte como tábua de pedra, mas com o Espírito Santo nos corações, tornados pela sua graça uma lei viva, um livro com vida.
“Eu estarei sempre convosco, até o fim do mundo” (Mt 28,20), é a promessa de Jesus. O diálogo com Jesus se atualiza cada homem faz a ele a mesma indagação do jovem rico, e só ele pode dar a resposta plena. A contemporaneidade do Cristo ao homem de cada época somente se realiza no seu Corpo místico, que é a Igreja. O Espírito Santo foi prometido por ele para “lembrar” e fazer compreender os mandamentos, sendo “princípio fontal de uma nova vida no mundo”.
As prescrições morais reveladas por Deus no AT e cumpridas por Cristo no NT devem ser fielmente conservadas e permanentemente atualizadas na cultura e na história. Isso cabe aos apóstolos e sucessores, com a especial assistência do Espírito Santo.
Os apóstolos, em sua catequese moral, legaram-nos um ensinamento ético com normas precisas de comportamento. Desde o início vigiaram sobre a retidão de conduta dos cristãos, sobre a pureza da fé e sobre a transmissão dos dons divinos pelos sacramentos. Os primeiros cristãos diferenciavam-se pela fé e pela liturgia, mas também pela conduta moral. Havia uma comunhão entre fé e vida.
A Igreja luta contra a dilaceração da harmonia entre fé e vida, recusando rupturas propostas pelos que desconhecem ou alteram as obrigações a que leva a fé evangélica.
Promover e guardar a fé e a vida moral na unidade da Igreja é tarefa dos apóstolos, confiada por Jesus. A Tradição viva, sob a assistência do Espírito Santo, acolhe e transmite as Escrituras, confessa pelos Padres e Doutores a verdade do Verbo encarnado, pratica os preceitos e a caridade nos santos e santas, mártires ou não, celebra a esperança na liturgia; a voz do evangelho ressoa na Tradição como expressão fiel da sabedoria e vontade divinas.
A interpretação autêntica desenvolve-se sob a assistência do Espírito Santo, garantindo que os ensinamentos de Jesus sejam santamente conservados, fielmente expostos e corretamente aplicados nos tempos e circunstâncias. Compreender, à luz da fé, as novas circunstâncias históricas e culturais. Mas a Igreja não pode deixar de confirmar a validade da Revelação perene.
A Igreja é a única encarregada de interpretação autêntica, como coluna e sustentáculo da verdade, inclusive quanto ao agir moral. A ela compete anunciar os princípios morais relacionados à ordem social ou a qualquer realidade humana, na medida em que o exijam a salvação das almas e a dignidade da pessoa humana. Ajudar o homem a discernir os caminhos da verdade.
O “jovem” representa cada homem que se aproxima de Jesus e lhe coloca a questão moral: “Mestre, o que farei de bom para ter a vida eterna?”. Mais do que inquirir sobre “normas a observar”, trata-se da questão sobre a plenitude da vida, impulso último, profundo, inquieto e aspiração que move a liberdade: é o apelo ao bem absoluto que nos atrai, eco da vocação de Deus, origem e fim da vida do homem e único modo de saciar seu coração.
Para possibilitar esse “encontro com Cristo” é que existe a Igreja, sendo esta sua única finalidade!
A pergunta do jovem rico é a um só tempo essencial e irresistível, que diz respeito ao bem moral a praticar e à vida eterna, intuindo que há um nexo entre ambas. No caso concreto, talvez não se trate, por parte do jovem, de um desconhecimento da lei nem deste nexo, mas o fascínio de Jesus, que fez nascer nele novas interrogações acerca do bem moral, perante o anúncio que faz Jesus sobre a proximidade do Reino.
Também o homem de hoje precisa voltar-se novamente para o Cristo e obter dele a resposta sobre o bem e o mal. Ele, mestre presente, desvenda aos fiéis as escrituras e revela a vontade do Pai. Para compreender-se integralmente, o homem deve aproximar-se de Cristo, levando suas inquietudes, incertezas, fraquezas e pecaminosidade. Somente mergulhando no mistério da encarnação e redenção o homem produzirá frutos de adoração a Deus e maravilha perante si próprio.
A nossa tarefa, portanto, é procurar o sentido da pergunta do jovem rico e deixar-nos guiar docemente pela resposta de Jesus.
“Um só é bom”, diz Jesus, em resposta à questão do bem. Jesus quer que o jovem se esclareça sobre o motivo pelo qual interroga. Indica ao interlocutor que essa questão só pode ser respondida dirigindo o coração e a mente para o único “bom”. Só Deus pode responder a questão sobre o bem, porque Ele é o Bem. Jesus mostra que a pergunta é, no fundo, religiosa. A bondade é deus, único digno de ser amado plenamente, fonte de felicidade para o homem. Jesus reconduz a ação moralmente boa ao seu fundo religioso: o reconhecimento de Deus como única bondade, plenitude da vida, termo último do agir humano e felicidade perfeita.
A Igreja, instruída por seu Mestre, crê que o homem vive para que, redimido e santificado por Cristo, cada uma das suas ações irradie o esplendor divino. Conhecer a si mesmo, neste contexto, é conhecer e purificar a imagem de Deus.
O que o homem é e deve fazer manifesta-se no momento em que Deus revela a si próprio. As “dez palavras” são a revelação que deus faz de si mesmo, como aquele que é o único bom, e que segue sendo o modelo, apesar do pecado do homem. Trata-se do restabelecimento da harmonia original.
Assim, a vida moral do homem é uma resposta devida à iniciativa gratuita de Deus em favor dos homens. Resposta de amor ao Amor. A vida moral, implicada no amor de Deus, é chamada a refletir Sua glória; trata-se de agradar a quem se ama. A maior recompensa de amar é o amor. A caridade provém de Deus de um modo tal que o próprio deus é caridade.
O primeiro mandamento já nos aponta que um só é bom, só Deus é o Senhor. É o coração da lei, do qual decorrem os preceitos particulares. E daí decorre que nem a observância rigorosa de Lei a cumpre plenamente. Mesmo cumprindo rigorosamente a Lei, o homem jamais é bom em si mesmo. O cumprimento, a satisfação da lei é um dom, oferta de participação na bondade divina presente em Jesus: vem e segue-me!
A primeira resposta de Jesus é : “Se queres entrar para a Vida, guarda os mandamentos”. Ao criar o homem, e ordená-lo com amor e sabedoria ao bem como fim, Deus responde à questão do bem: Ele próprio é o Bem. Inscreveu a “lei natural” no coração do homem, na forma da luz da inteligência em nós infundida.
Também nos deu o decálogo no Sinai, fundando o Povo da Aliança. O dom do Decálogo é promessa e sinal da nova aliança,. Quando a lei for nova e definitivamente inscrita no coração do homem, substituindo a lei do pecado que se tinha instalado ali. Haverá um coração novo, um “espírito novo”, o Espírito de Deus (cf. Ezequiel).
Há, portanto, uma relação estreita entre a salvação e a obediência aos mandamentos, sublinhada, nesta passagem, por Jesus. Ele entrega, como um novo Moisés, os mandamentos. Mas a terra prometida agora é o Reino dos Céus. Confira-se o Sermão da Montanha.
A realidade mesma do Reino refere-se à expressão “vida eterna” , ou seja, participação na vida de deus após a morte, luz da verdade e fonte de sentido, ainda em vida: quem abandonar os próprios interesses mundanos para seguir Jesus receberá muito mais e terá por herança a vida eterna (Mt 19, 29).
O Jovem insiste, e quer saber quais mandamentos seguir. Jesus lhe aponta os mandamentos que dizem respeito ao próximo. Não se trata de esgotar os mandamentos, mas de chamar a atenção para a centralidade dos mandamentos, fundamentados na noção de que foram dados por aquele que é “o Senhor teu Deus”.
Os mandamentos citados por Jesus nesta passagem são majoritariamente aqueles da chamada “segunda tábua”, fundamentadas no amor ao próximo. Exprimem a dignidade singular da pessoa humana, única criatura querida por Deus por si mesma. Protegem o bem da pessoa, pela proteção dos seus bens materiais e espirituais: a vida, a família, a propriedade, a veracidade e a boa fama.
Os mandamentos são retomados como condição básica para o amor ao próximo e sua confirmação. São a primeira etapa necessária no caminho para a liberdade: não ter faltas é o início da liberdade, dizia Santo Agostinho, mas ainda não a liberdade perfeita.
Não se trata de separar o amor de Deus e o amor ao próximo. Ao doutor da lei que o interpela, Jesus alerta que os mandamentos resumem-se a dois: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. A parábola do bom samaritano é contada exatamente em resposta ao questionamento do Doutor da Lei, sobre quem é o próximo.
Os dois mandamentos estão indivisivelmente unidos entre si, como Jesus demonstra por palavras e atos. São sinais indistintos do amor ao Pai. Sem o amor ao próximo, o amor a Deus não é autêntico. Sem o amor a deus, o amor ao próximo é mera filantropia.
No Sermão da Montanha, Jesus a um só tempo ratifica a lei e apresenta-se como a sua chave. Ele é o elo vivo entre o antigo e o novo Testamento. Jesus é o fim, não como carência, mas como plenitude. O que no antigo era figura, torna-se verdade, realiza-se no novo por Jesus.
Jesus leva a lei à plenitude, interiorizando e radicalizando os mandamentos. A atitude do cristão deve nascer de um coração que ama, que está disposto a viver as exigências mais radicais. Os mandamentos não são limite mínimo a não ultrapassar, mas estrada aberta para o amor. Por exemplo, a ordem “não matarás” traz o apelo a um amor solícito que resgata e dignifica o outro. O mandamento contra o adultério vira um convite ao olhar puro.
Jesus é o cumprimento vivo da lei, torna-se ele mesmo a lei viva e pessoal, e seu seguimento dá, mediante o dom do Espírito, a graça de partilhar na vida e amar e testemunhar nas opções e nas obras!
“Tenho cumprido tudo isto. Que me falta ainda?” é o questionamento do jovem a Jesus. Não é fácil afirmar isto, quando se pensa no verdadeiro alcance das exigências da lei. Mesmo que eventualmente pudesse fazê-lo, o jovem rico sabe que ainda está longe da meta.
Valendo-se da “nostalgia de plenitude” que supera as interpretações legalistas, Jesus convida-o á perfeição, “se queres ser perfeito, vende o que tem, dá aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me.”
No contexto evangélico, a fala de Jesus remete à bem-aventurança da pobreza. As bem-aventuranças dizem respeito, mais do que a condutas, a “atitudes” e “disposições de fundo” e por isso não coincidem perfeitamente com os mandamentos. Mas não há oposição ou separação entre eles. Ambos referem-se ao bem e à vida eterna. O Sermão da Montanha começa com as bem-aventuranças, mas refere-se aos mandamentos, orientando-os à perfeição em Jesus. As bem-aventuranças são promessas com indicações normativas indiretas para a vida moral. São um auto-retrato do Cristo, convite ao seu seguimento e á comunhão de vida com ele.
Terá o jovem compreendido a profundidade das exigências dos mandamentos? O certo é que o compromisso com os mandamentos é o terreno fértil onde a graça germinará e amadurecerá o desejo de perfeição. Sobre tal fundamento (o cumprimento dos mandamentos) o convite ao livre seguimento pede uma resposta amparada pela graça. Neste contexto, a perfeição é a maturidade no dom de si, como resposta livre ao chamado de Cristo. O cumprimento aos mandamentos é, nesse contexto, o pressuposto para a vida eterna.
O abandono te tudo é a proposta de perfeição que Jesus faz ao jovem. Trata-se da dinâmica da liberdade em direção à maturidade. Da relação entre liberdade e lei divina. Não a liberdade como “pretexto para servir a carne” de que trata São paulo, mas como cumprimento dos preceitos por amor.
O cumprimento dos preceitos é a primeira e imperfeita liberdade. Sente-se a influência da “outra lei” mencionada por São Paulo, a lei da carne, nos membros, em contraste com a lei da razão. O ser humano é assim, na sua peregrinação terrestre: liberdade parcial, parcial escravidão.
A liberdade só será completa na eternidade. Conservamos em parte a fraqueza, em parte alcançamos já a liberdade. Os pecados foram destruídos no batismo, mas não a fraqueza, senão já não haveria pecado entre os cristãos. É esta fraqueza que nos mantém escravos.
Para quem vive “segundo a carne”, a lei de Deus é peso, negação ou restrição. Para quem vive “segundo o Espírito”, é caminho para a prática do amor, livre e consciente. Não se detém nas exigências mínimas da lei, mas vive-a em plenitude. É caminho incerto e frágil na terra, só possível pela graça que nos faz filhos de Deus.
O chamado à perfeição não é uma vocação restrita a um círculo estreito de pessoas, mas dirige-se a todos, como radicalização do mandamento de amor ao próximo. O “vem e segue-me” é a forma concreta do mandamento do amor de Deus. É uma única e indivisa caridade que tende à perfeição, cuja medida é só Deus, o perfeito e misericordioso.
O caminho e o conteúdo dessa perfeição é o seguimento de Jesus, depois de ter renunciado aos próprios bens e a si mesmo. A profundidade de tal convite só será compreendida depois da essurreição de Jesus e da vinda do espírito.
Jesus sempre toma a iniciativa, chamando para o seu seguimento. Chama aqueles em quem confia, os que envia, os apóstolos, mas todo aquele que crê recebe o chamado, pois o seguimento de Jesus é o fundamento essencial e original da moral cristã. Antes, o povo no deserto seguia Deus. Agora, os cristãos seguem Jesus, atraídos pelo Pai.
Mais do que obedecer mandamentos ou seguir ensinamentos, ser cristão é aderir à pessoa do cristo, tornar-se discípulo de Deus. Imitar o Filho para imitar o Pai. Seguir no caminho do amor, doar-se plenamente ao irmão por amor a Deus. Amar o outro como Jesus amou, eis a medida, expressada no lava-pés. As ações e palavras, e principalmente a Paixão, morte e ressurreição, são revelação viva de seu amor pelo pai e pelos homens.
O “como” de “como vos amei” é a medida do amor que os discípulos de Jesus se devem. Amar como Jesus, até o fim, dando a vida por seus amigos.
A proposta de Jesus ao jovem rico é a de amar totalmente, “até o fim”, renegar-se, tomar sua cruz e segui-lo (Mt 16, 24). Não como uma imitação exterior, mas um “conformar-se” profundamente a ele, pela graça. Tornar-se membro do seu corpo, que é a Igreja, pelo batismo, que nos conforma, nos reveste de Cristo. O batizado torna-se Cristo. Morto para o pecado, recebe a vida nova. A participação na eucaristia é o ápice dessa configuração.
“A Deus tudo é possível”. O jovem rico, e com ele muitas pessoas, assustam-se com o nível de exigência do seguimento de Jesus. Tais exigências superam a condição humana. “Quem poderá se salvar?”, perguntam os discípulos. O que aos homens é impossível, a Deus é possível, diz Jesus.
Ao examinar a lei mosaica, Jesus rejeita o direito ao divórcio com base num “princípio” mais original e autêntico que a lei de Moisés. Esta chamada principiológica assusta os discípulos. Ao homem, não é possível imitar por suas próprias forças o amor de Jesus. Somente por dom, o dom do Espírito, essa caminhada é possível. Santo Agostinho diz que é o amor que faz cumprir os mandamentos, e não o cumprimento dos mandamentos que faz surgir o amor.
A lei do Espírito de vida de Jesus Cristo nos livra da lei do pecado e da morte. A relação entre a lei e a graça cumpre-se em Jesus. A lei tem papel pedagógico. Mostra a fraqueza e a deficiência do pecador, para que ele invoque e acolha a graça. Só em Cristo Jesus somos justificados. “A lei foi dada para que se invoque a graça; a graça, para que se observe a lei”. O amor e a vida segundo o evangelho não podem ser pensados em termos de preceitos, porque o que pedem supera as forças do homeme. Somente são possíveis como frutos de um dom de Deus, que cura e restaura o homem na graça. O mandamento do amor e da perfeição somente é uma possibilidade aberta ao homem pela raça, pelo amor de Deus como dom. A consciência de ter recebido tal dom gera e sustenta a resposta responsável de um amor total a Deus e entre os irmãos, como insistentemente lembra o apóstolo João na primeira carta: amar a Deus, que não se vê, no irmão que se vê. Só quem ama conhece a Deus, que é amor. A conexão indivisível entre a graça de Deus e a liberdade expressa-se de modo muito claro na frase de Santo Agostinho: “dá-me o que me mandas e manda o que quiseres”.
O dom reforça a exigência moral do amor. Só se pode permanecer no amor quando se guardam os mandamentos. Os Padres, em especial Santo Agostinho, dizem que a “nova lei é a lei da graça do Espírito Santo dada pela fé em Cristo”. Os preceitos externos da lei dispõem o coração para a graça e a prolongam. A nova lei diz o que fazer e dá também a força para tanto. A nova lei não veio do monte como tábua de pedra, mas com o Espírito Santo nos corações, tornados pela sua graça uma lei viva, um livro com vida.
“Eu estarei sempre convosco, até o fim do mundo” (Mt 28,20), é a promessa de Jesus. O diálogo com Jesus se atualiza cada homem faz a ele a mesma indagação do jovem rico, e só ele pode dar a resposta plena. A contemporaneidade do Cristo ao homem de cada época somente se realiza no seu Corpo místico, que é a Igreja. O Espírito Santo foi prometido por ele para “lembrar” e fazer compreender os mandamentos, sendo “princípio fontal de uma nova vida no mundo”.
As prescrições morais reveladas por Deus no AT e cumpridas por Cristo no NT devem ser fielmente conservadas e permanentemente atualizadas na cultura e na história. Isso cabe aos apóstolos e sucessores, com a especial assistência do Espírito Santo.
Os apóstolos, em sua catequese moral, legaram-nos um ensinamento ético com normas precisas de comportamento. Desde o início vigiaram sobre a retidão de conduta dos cristãos, sobre a pureza da fé e sobre a transmissão dos dons divinos pelos sacramentos. Os primeiros cristãos diferenciavam-se pela fé e pela liturgia, mas também pela conduta moral. Havia uma comunhão entre fé e vida.
A Igreja luta contra a dilaceração da harmonia entre fé e vida, recusando rupturas propostas pelos que desconhecem ou alteram as obrigações a que leva a fé evangélica.
Promover e guardar a fé e a vida moral na unidade da Igreja é tarefa dos apóstolos, confiada por Jesus. A Tradição viva, sob a assistência do Espírito Santo, acolhe e transmite as Escrituras, confessa pelos Padres e Doutores a verdade do Verbo encarnado, pratica os preceitos e a caridade nos santos e santas, mártires ou não, celebra a esperança na liturgia; a voz do evangelho ressoa na Tradição como expressão fiel da sabedoria e vontade divinas.
A interpretação autêntica desenvolve-se sob a assistência do Espírito Santo, garantindo que os ensinamentos de Jesus sejam santamente conservados, fielmente expostos e corretamente aplicados nos tempos e circunstâncias. Compreender, à luz da fé, as novas circunstâncias históricas e culturais. Mas a Igreja não pode deixar de confirmar a validade da Revelação perene.
A Igreja é a única encarregada de interpretação autêntica, como coluna e sustentáculo da verdade, inclusive quanto ao agir moral. A ela compete anunciar os princípios morais relacionados à ordem social ou a qualquer realidade humana, na medida em que o exijam a salvação das almas e a dignidade da pessoa humana. Ajudar o homem a discernir os caminhos da verdade.
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