O senso comum sempre associou as ideias de sexo, atração sexual e reprodução. Ao longo da história da humanidade, as pessoas cujos corpos são dotados de determinada conformação biológica – masculina ou feminina – ostentaram majoritariamente a atração sexual por pessoas que tivessem a outra conformação biológica. Em função dessa atração heterossexual, as pessoas relacionavam-se afetivamente e eventualmente tinham filhos. O prazer sexual estaria, então, para a reprodução, como o paladar para a alimentação: uma sensação biológica estimulante associada a uma função biológica essencial para a própria manutenção da espécie.
É também fato notório, atestado pela ciência, que muitas pessoas sentiram atração sexual eventual, preferencial ou exclusiva por outras pessoas do mesmo sexo. Isso muitas vezes gerou reações desproporcionais, pouco tolerantes, por parte de pessoas que agrediram violentamente os homossexuais, bem como, algumas vezes, também gerou atitudes cruéis e desajustadas de autoria dos que tinham tais inclinações, como reis e imperadores homossexuais que se dedicaram a escravizar e explorar mancebos para seu prazer sexual. Essas são situações que o mundo contemporâneo já não aceita: que a atração homossexual resulte em violência ou grave ameaça à pessoa humana, por parte de quem quer que seja.
A homossexualidade revestiu-se de várias formas ao longo dos séculos e das diversas culturas, mas a sua gênese psíquica continua sem explicação. Não se pode mais encará-la como um desvio patológico, embora represente uma vertente demograficamente minoritária da população.
A cultura moderna, pós-freudiana, apresenta, no entanto, uma tendência ampla no sentido de definir o centro da pessoa humana como uma função da sua sexualidade. O impulso básico do homem, que o conduz pela vida e o identifica existencialmente, seria, para Freud, o impulso sexual, entendido como pulsão vital. Assim, qualquer atividade humana que representasse, aparentemente, um controle da vontade pessoal sobre a pulsão sexual seria uma mera aparência de controle, um recalque, causador de neuroses e psicoses. A felicidade estaria no extravasar do tesão. Essa ideia foi reforçada pela pseudociência de escritores como Margaret Mead, Alfred Kinsey, Betty Friedan e Margaret Sanger. Passamos da ideia de que a heterossexualidade seria uma faceta da condição humana, relacionada à conformação corpórea, à reprodução, aos impulsos e ao seu controle, e a homossexualidade um desvio, para a ideia de que a própria realização pessoal, a felicidade, estaria em buscar o máximo de prazer sexual na conformidade da inclinação dos impulsos de prazer, satisfazendo-os na máxima medida, negando, a um só tempo, qualquer relação com a fertilidade. Usar o outro, deixar de ver o parceiro como alguém para vê-lo como algo, quer dizer, uma tendência cada vez mais acentuada a fazer do outro um mero objeto do seu prazer. Neste panorama, a dissociação entre prazer sexual e reprodução passou a ser uma meta, um objetivo essencial no caminho da plenitude da condição humana. Vale dizer, um indivíduo humano só seria plenamente realizado na medida em que pudesse satisfazer ao máximo sua própria inclinação sexual, de modo o mais inconsequente possível. Dada a natural infertilidade das relações de cunho homossexual, o ressecamento estéril das relações heterossexuais recreativas foi equiparando toda a vida sexual a uma espécie de “parque de diversões”, na medida em que dissocia ao máximo a ideia de que o prazer sexual e a reprodução estão, de algum modo, relacionados. Atacar, inclusive, a ideia de que isto (a vinculação entre sexo, companheirismo e reprodução) seria verdade, em essência, até mesmo para as relações heterossexuais.
A fertilidade é, no entanto, do ponto de vista estritamente biológico, a diferença mais profunda entre as relações sexuais heterossexuais e as homossexuais. As primeiras, as heterossexuais, são essencialmente férteis, embora acidentalmente possam apresentar esterilidade, inclusive aquela auto-provocada, como as relações heterossexuais que envolvem contracepção artificial. As segundas, é claro, são inférteis por essência, e se limitam a proporcionar a satisfação dos instintos dos envolvidos. Não se podem, portanto, equiparar: o acidente (a esterilidade eventual, provocada ou natural, de algumas relações heterossexuais) não define a substância: tanto quanto um cão de três pernas não deixa de ser um cão, uma relação heterossexual eventualmente estéril não descaracteriza a natureza fértil das relações heterossexuais, ao contrário das homossexuais, que são definidas exatamente por este aspecto.
As segundas, quer dizer, as relações sexuais homossexuais, portanto, são essencial e absolutamente estéreis. Daí, historicamente, a proteção do Estado às famílias (formadas por parceiros heterossexuais para o afeto e a fertilidade). Há um discrímen objetivo que a justifica. A proteção da família não se dá por causa do prazer sexual que um parceiro heterossexual possa sentir com um outro objetificado nas suas relações sexuais, mas pela gravidade do interesse público consistente na responsabilidade com a estabilidade da troca de afeto que gera uma base segura para a prole que certa e naturalmente decorre da relação.
É claro que as relações patrimoniais existentes entre os parceiros também importam; mas importam na exata medida em que a relação apresenta um fim externo aos próprios parceiros, vale dizer, importa proteger a família não porque constitua uma sociedade sexual ou patrimonial, mas porque é a célula básica natural na qual se dá a reprodução humana e a transmissão da cultura, e as crianças são a esperança de perpetuação de qualquer sociedade. O objetivo da família, embora os envolva, transcende os interesses de prazer sexual do casal que a forma. A estabilidade da família é o próprio fundamento da estabilidade social, diz a Constituição. O prazer sexual e as relações patrimoniais são, para a proteção familiar estatal, secundárias. Interessa não somente a reprodução biológica, mas a própria continuidade cultural e populacional da sociedade, pela estrutura unitiva e procriativa da família. Daí porque a família, formada pela união de um homem com uma mulher (é bom reforçar), sempre teve um tratamento jurídico muito mais detalhado e específico do que as sociedades patrimoniais civis ou das relações sexuais ocasionais, ainda que repetidas.
Neste contexto, a adoção de crianças pelas famílias sempre cumpriu dois papéis essenciais: 1) uma família substituta para crianças eventualmente privadas de pais por um infortúnio e 2) uma prole para um casal essencialmente fértil mas acidentalmente infértil.
Neste contexto, quanto às relações homossexuais, como já dito, são naturalmente estéreis. Assim, seu fundamento não ultrapassa o gozo corporal eventual. Não se trata de mero afeto, pois pode haver afeto, no sentido de carinho, entre duas pessoas do mesmo sexo, sem que elas jamais sintam desejo sexual um pelo outro – pelo menos na visão daqueles, como eu, que não são freudianos, e que não consideram a pulsão sexual como motivação única ou predominante no comportamento do ser humano. O que diferencia uma relação de amizade, mesmo prolongada, entre duas pessoas do mesmo sexo de uma relação estritamente homossexual seria o impulso ao intercurso sexual, assim compreendido como a estimulação unilateral ou recíproca da genitália, ou mesmo de outras partes do corpo, para obtenção de prazer erótico. Esse prazer passa a ser um fim em si mesmo, uma vez que é uma resposta biológica corporal dissociada de qualquer outra consequência ou função que não esse prazer erótico unilateral ou recíproco. E o fundamento de um casal formado em bases assim, essencialmente estéreis, essencialmente vinculados ao prazer de ordem física, desaba quando esse prazer corporal já não pode ser gerado. Vale dizer, quando o outro já não pode ser objeto do meu prazer erótico, o casal homossexual já não tem razão de ser.
Essa esterilidade essencial torna impossível a equiparação de um casal homossexual a uma família, a não ser de modo profundamente artificial e artificioso. Vale dizer, não existe maneira natural para que um casal homossexual reproduza-se em razão dos seus atos sexuais, nem qualquer outro fim em tais relações que não o prazer físico a ser obtido pelo uso do corpo do outro. Então, a eventual adoção de uma criança alheia por eles não seria a solução para um infortúnio reprodutivo acidental, mas o estabelecimento artificial de uma consequência naturalmente impossível. Cuja base é uma pretensa igualdade, que não passa de uma equiparação artificial dos desiguais.
Não se pode construir as bases de uma sociedade, vale dizer, a criação de uma prole, com toda a sua carga de transmissão cultural e afetiva, a partir de uma pretensa “unidade familiar” baseada no “tesão” entre os parceiros. Trata-se, portanto, de uma construção artificial para escorar um dado transcendente: o impulso sexual ao prazer genital fica equiparado, sob um discurso igualitário e pseudo-científico, a um lastro humanamente defensável para a formação e perpetuação social das crianças.
Ser justo é tratar desigualmente aos desiguais. Há fundamento natural para que os casais homossexuais sejam vistos de modo diferente que as famílias. Há outras maneiras de tratar as relações patrimoniais que surgirem da convivência erótica homossexual dos casais que, eventualmente convivendo de modo mais estável, gerarem patrimônio em comum. Mas não há razão racional para equipararem juridicamente convivências assim a uma família, com todo o seu complexo de relações interpessoais férteis e enriquecedoras para a coletividade.
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