Acredito que Maria deve ser, pessoalmente, uma mulher muito linda. A mais linda de todas as mulheres que já existiram sobre a terra. Deus, que tem a eternidade e não faz nada mal feito, não iria escolher senão a melhor para ser sua mãe. Aquela que conteve o que nem os céus dos céus conseguem conter (2Cron 6,18), aquela que foi chamada por Isabel, repleta do Espírito Santo do Senhor, de “bendita entre todas as mulheres”, (Lucas 1, 42) superlativo que, curiosamente, ainda a diminui, porque nossa linguagem humana é insuficiente para descrever adequadamente os maiores mistérios de Deus. Aliás, a própria Isabel, pelo Espírito Santo, explica a razão de tão grande admiração: “bendito é o fruto do teu ventre” (mesmo versículo). Ora, como a lua cheia resplandece a luz do sol, tornando quase como dia a noite que devia ser escura, Maria reflete a luz perfeita de Jesus. Se a mesma palavra é usada, sob a inspiração do Espírito Santo, na mesma passagem bíblica, para descrever Maria (criatura bendita) e o Menino-Deus Jesus (Deus fonte de toda bênção), somente se pode concluir que toda a bênção de Deus resplandece de forma perfeita em Maria. A mesma palavra qualifica os dois, criador no ventre, criatura grávida. A mesma espada lhes traspassa a alma (Lucas 2,35). Não há mácula na luz de Deus. Não pode haver mácula em quem tão perfeitamente o resplandece.
Maria, mãe de Deus e nossa, tu és a jóia preciosa da criação. “Sessenta são as rainhas, oitenta, as concubinas, e as virgens, sem número. Mas uma só é a minha pomba, a minha imaculada.” (Cântico 6,8).
Nós, os filhos de Deus, aqueles que são da descendência da Mulher no embate contra o dragão (Apocalipse 12, 17), temos a liberdade de ver Maria aqui, no Cântico dos Cânticos. E o fazemos porque sabemos reconhecer as pistas deixadas pelo próprio Deus na Bíblia. Assim, lemos sobre Maria em Isaías 7,14:
“Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel.
Ele comerá manteiga e mel quando souber desprezar o mal e escolher o bem”.
Não se pode deixar de notar que a própria Bíblia, em Mateus 1, 22-23, deixa bem claro quem é essa virgem, de quem Isaías está falando, que conceberá e dará à luz um filho. E deixa bem claro quem é essa criança que será alimentado de manteiga e mel. E o nome da Virgem era Maria (Lucas 1, 27), e ela alimentaria Jesus com manteiga e mel. É o que nos diz Isaías, no trecho acima citado.
E não poderia ser diferente. Ela alimentaria Jesus assim, porque “os teus lábios, noiva minha, destilam mel. Mel e leite se acham debaixo da tua língua, e a flagrância dos teus vestidos é como a do Líbano.” Assim o Espírito Santo cantou louvores a Maria no Cântico dos Cânticos, no capítulo 4, versículos 11 e seguintes. Ele diz: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”! Fonte lacrada, perpetuamente virgem, porque o pórtico onde passou a Glória do Senhor ficará fechado, não se abrirá e ninguém entrará por ele, porque por ele entrou Iahveh, o Deus de Israel (Ezequiel 44, 2). Mas a virgindade perpétua é discussão para depois. Por ora, vejamos a beleza sem jaça da Mãe de Deus, chamada de imaculada. Já a vislumbramos acima. Mas não basta.
Dessa “fonte selada”, virgem, da qual emana leite e mel para alimentar o Emanuel, diz o Espírito Santo que é pomba imaculada e única. “pomba minha, imaculada minha”, diz o Senhor (Cânticos, 4,2)
Não é de surpreender, portanto, que o Anjo do Senhor, quando a avistou, tivesse dirigido a ela uma saudação tão convicta e maravilhosa:
“Chaire, Kecharitomene”!
Desculpem-me por usar as palavras gregas do evangelho, como escritas no original. É que são tantos os nomes maravilhosos que o grego bíblico atribui a Maria, como “Kecharitomene” e “Theotokos” (Mãe de Deus) que eu não me canso de repeti-los. É que é difícil encontrar, nas traduções, uma palavra, em outros idiomas, que possa expressar perfeitamente o termo bíblico original.Na tradução de João Ferreira de Almeida, que os irmãos separados gostam de levar sob as axilas, consta:
“Alegra-te, muito favorecida”. (Lc 1,28).
Na tradução da edição ecumênica da Bíblia de Jerusalém, consta: “Alegra-te, cheia de graça!”
A tradução da Vulgata (feita por Jerônimo no séc. IV, diretamente de originais gregos) traz a seguinte expressão:
“Ave, gratia plena!”
Essa, penso, é uma tradução mais fiel à palavra do Anjo, que consta no original grego. Maria não é apenas “muito favorecida”, nem apenas “cheia de graça”. Ela é “plena de graça”, repleta, completa de graça, pombinha imaculada, o Senhor está com ela. É o que diz o Anjo, e ele deve saber o que diz. Cito o grande poeta Valmir Alencar:
“Se um dia o Anjo declarou
Que tu eras cheia de Deus
Agora, penso, quem sou eu
Para não te dizer também
Tu és bendita, ó Mãe,
Agraciada...”
Mas voltemos por um instante à tradução de João Ferreira de Almeida, tão usada pelos irmãos separados. Ao traduzir a mensagem do Anjo, de forma insuficiente, como “alegra-te, muito favorecida”, ele coloca, talvez inadvertidamente, essa saudação na linha da profecia de Oséias, 2,1. Ali, segundo o mesmo João Ferreira de Almeida, diz o Senhor:
“Chamai a vosso irmão Meu-Povo e a vossa irmã, Favor”
Interessante estudar um pouco mais essa passagem de Oséias. Ele conta que a filha de Israel prostituída é chamada pelo senhor de “Lo Ruhama” (“Desfavorecida”, segundo a tradução de João Ferreira de Almeida). O povo de Israel, vivendo na infidelidade, é chamado de “Não-Meu-Povo (Lo-Ammi) por Deus, que espera pacientemente, na sua fidelidade incondicional, que Israel volte a ser fiel. Adorando outros deuses, desprezando a lei de Iaveh, as filhas de Israel são “desfavorecidas” (Lo-Ruhamah) por Deus.
Mas na sua infinita paciência o Senhor Iahveh espera o momento em que “tornarão os filhos de Israel e buscarão ao Senhor, seu Deus e a Davi, seu rei; e, nos últimos dias, tremendo, se aproximarão do Senhor e de Sua bondade (Oséias 3,5, versão de João Ferreira da Silva).
Quando isso acontecer, diz o profeta Oséias, a filha “Desfavorecida” de Israel será chamada de “Favorecida” (Ruhama), conforme Oséias 2,1.
Agora, o tradutor João Ferreira põe na boca do Anjo exatamente esse nome: “Ruhamah”, a favorecida de Deus, a Filha amada do verdadeiro Israel fiel. Cumpre a profecia de Oséias e reconhece assim aquela em quem o senhor “amparou a Israel, seu servo” (Lucas 1, 54).
É assim que o Senhor Deus, como pai previdente que é, salva Maria em previsão dos méritos infinitos de Cristo, em Seus planos fora do tempo e do espaço. Para fazê-la “Ruhamah”, para fazê-la “Kecharitomene”, para fazê-la “bendita”, refletindo sem mácula a luz do Bendito por excelência que ela carrega no ventre. E é assim que o espírito Santo pode chamá-la de “pomba imaculada”, como o faz no Cântico de Salomão, séculos antes que ela nascesse. A Maria o Senhor pôde dizer, com Jeremias:
“Antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei”.(Jeremias 1, 5).
Deus nada faz ao acaso. Tendo tirado do homem Adão a graça no paraíso, por força do pecado original (Gênesis 3,22), deixou essa misteriosa profecia à serpente maligna, o velho dragão:
“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gen., 3,15).
Há alguma dúvida ainda sobre quem é a mulher mencionada no Gênesis, no trecho transcrito? É claro que é Maria. Foi a descendência de Maria, ou seja, Jesus, quem feriu a cabeça da serpente. E é ao calcanhar dos filhos de Maria que a serpente quer ferir (Ap. 12,17).
para não restar dúvidas de que Maria é a mulher do Gênesis e do Apocalipse (melhor seria dizer do Gênesis “ao” Apocalipse) é que Jesus, nas vezes em que dirige a palavra direta e exclusivamente a Maria, chama-a simplesmente de Mulher. Vejamos:
“Mulher, que tenho eu contigo?” (João 2,4)
“Mulher, eis aí o teu filho” (João 19,26).
Esse ódio entre a serpente antiga e a mulher, que percorre a Bíblia do Gênesis ao Apocalipse, é respondido, por Deus, com a antecipação da salvação de Maria, tornando-a KECHARITOMENE, plena de graça, antes mesmo que Jesus nascesse dela. Tornando-a livre do pecado original, como já anunciara desde o Gênesis aos nossos pais mais antigos, ele indica a oposição radical e o ódio entre a serpente, que introduz o pecado no mundo, e a Mulher, Maria, que no mundo introduz a salvação e que não pode ter parte com o pecado.
É essa mulher, a quem a velha serpente tem ódio desde o princípio, que na plenitude dos tempos faz nascer a salvação. É dela que Paulo nos fala em Gálatas 4,4-6:
“Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial.”
Se Jesus tem Pai e tem mãe e se veio nos resgatar para nos tornar filhos adotivos, adotados somos, e adotados que somos, somos adotados pelo Pai e pela Mãe de Jesus, que nos resgatou. Com Paulo podemos saudar:
“Saudai Maria, que muito fez por vós” (Rom. 16,6).
podemos, portanto, afirmar que nunca, em nenhuma parte das escrituras, alguém é tratado pelo espírito Santo ou por um Anjo do Senhor como “plena de graça”. Somente a outras duas criaturas Deus expressamente refere como “tendo achado graça perante os seus olhos”, mas não de forma plena, como Maria. Trata-se de Moisés e Noé. Quanto a Moisés, que roga a Deus que lhe mostre a Sua glória, o senhor expressamente afirma: “Encontraste graça aos meus olhos e conheço-te pelo nome.” (Ex. 33, 17). Por isso, o Senhor permite a Moisés que, quando passar a Glória do senhor, ele lhe contemple as costas. (Ex. 33, 22-23). Assim, a Escritura pôde dizer de Moisés: “Nunca mais se levantou em Israel profeta algum como Moisés, com quem o Senhor houvesse tratado face a face.” (Dt 34,10). Ora, com Maria, plena de graça, o Senhor não apenas tratou face a face, como nela entrou, morou nela, formou-se em corpo e alma e partilhou de sua carne. Nunca mais, podemos dizer, levantar-se-á criatura como Maria.
A outra personagem bíblica que encontrou graça aos olhos do Senhor foi Noé, conforme está escrito em Gênesis 6,8. Ele “andava com Deus”, e por causa disso, na sua arca, ele salvou a criação e foi o pai da nova humanidade. Ora, a Arca que era Maria transportou o próprio Deus, que redimiu a humanidade. Por acaso, sendo ela plena de graça, é menor que Noé? Óbvio que não. Ela é a Arca da Nova Aliança, o Arco-íris da nova criação redimida, a toda pura, a imaculada conceição.
Na presença do Senhor “jamais entrará algo de imundo, e nem os que praticam abominação e mentira” (Ap. 21, 27). É certo que São Paulo diz que, pela falta de um só, todos os homens são pecadores (Romanos 5, 19). Mas notemos que a falta que ele diz ter sido “de um só” foi na verdade uma falta de um casal: Adão e Eva, ambos concebidos sem pecado original, ambos caídos no pecado por opção existencial. Daí por diante, todos os homens foram pecadores até terem sido redimidos pela graça de Cristo: este também concebido sem pecado original. Se São Paulo mesmo afirma que, onde abundou o pecado, superabundou a Graça de Cristo, que não estava sujeito ao pecado, nada mais natural que concluir que a graça (CHARITOS, em grego bíblico) que era plena em Maria já antes da concepção de Cristo. Superabundar quer dizer transbordar, não estar contida somente em si, mas derramar para os outros. O Anjo nos declara que essa graça (CHARITOS) já era plena em Maria (KECHARITOMENE) antes mesmo da concepção (Lucas 1,35). Já superabundava a graça de Jesus em Maria, conforme essa passagem bíblica, em previsão da concepção do Senhor de maneira livre do pecado. E se Paulo nos diz que por um homem entrou o pecado, na carta aos romanos, capítulo 5, ele diz menos do que deveria: foi por um casal que o pecado entrou: Adão e Eva, ambos concebidos sem pecado. Agora a graça superabunda no Cristo, transbordando para a que é cheia de graça, Maria, como nos revela o Anjo, e essa graça tira o pecado do mundo, transformando-nos de pecadores em justos. Assim, se todos são pecadores, sabemos pela Bíblia que Maria já era cheia da graça de Cristo antes mesmo da anunciação do Anjo! Pombinha imaculada, Tabernáculo puro, seio imaculado onde o Todo Santo habitará e formar-se-á, Salve a Imaculada Conceição!
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