quarta-feira, 31 de março de 2010

A consciência e a liberdade - veritatis splendor

Veritatis splendor
Capítulo 2
Item II – a Consciência e a verdadeira
O santuário do homem

A relação entre a liberdade do homem e a lei de Deus tem sua sede no
“coração”, ou seja, na consciência moral humana, que o está
sempre interpelando ao amor do bem e fuga do mal.
Assim, essa relação tem estreita conexão com a interpretação que se
atribui à realidade da consciência moral. As tendências modernas, que
opõem lei e liberdade, idolatram esta última e convidam a uma
“interpretação criativa” da consciência moral, afastando-se do
ensinamento da Igreja.
Alguns teólogos modernos defendem que já não se poderia descrever a
consciência como uma simples aplicadora de normas gerais a casos
individuais. As normas gerais não dariam conta da diversidade e
especificidade das situações que se relacionam com o ato concreto. As
normas gerais contribuiriam, seriam uma espécie de perspectiva geral,
não um critério objetivo vinculante à consciência. O fenômeno da
consciência seria complexo, mesclado com toda a esfera psicológica e
afetiva do sujeito, induzindo o homem não tanto a uma observância
meticulosa de normas universais, mas sobretudo a uma assunção criativa e
responsável das tarefas pessoais que Deus lhe confiou.
Nesta linha, eles chamam os atos da consciência de “decisões”, não
de “juízos”, criticando as intervenções do Magistério como
prejudiciais à autonomia que viria da maturidade moral.
Chega-se a estabelecer um dualismo entre o Magistério, visto como
doutrinal e abstrato, e a consideração existencial concreta, que
estabeleceria, esta sim legitimamente, “exceções à regra geral” por
“critérios pastorais” que podem ser até mesmo contrários ao
Magistério, pois caberia à consciência moral e apenas a ela, no caso
concreto, decidir sobre o bem e o mal de um comportamento específico.
O que está em questão, portanto, é a própria identidade da consciência
moral, posta no meio de um conflito entre a liberdade, a lei e a
verdade.

O Juízo da Consciência
De acordo com romanos, 2, 15, a consciência, de certo modo, põe o homem
perante a lei, tornando-se ela mesma “testemunha” da lei para o
homem. Esse testemunho é velado para quem está de fora – só o sujeito
conhece a própria resposta à voz da consciência.
A consciência seria, assim, o arauto de Deus, porque não ordena por si
própria, mas dá testemunho da retidão ou maldade do homem perante Deus
no próprio íntimo da pessoa, ou nas raízes de sua alma, chamando-o à
obediência. Não o encerra numa solidão intransponível e impenetrável,
mas abre-o à chamada, à voz de Deus. É o espaço santo no qual Deus fala
ao homem.
Para São paulo (Rom 2, 15), o modo pelo qual a consciência cumpre tal
função é pelo pensamento, o que revela o caráter próprio da consciência,
que é o de ser um juízo moral de absolvição ou condenação sobre o homem
e seus atos, segundo sejam tais atos humanos conformes ou não à lei
divina inscrita no coração, conforme será revelado no Juízo Final (Rom
2, 16).
Este juízo é um juízo prático, que dita o que se deve fazer ou evitar,
aplicando a uma situação concreta a convicção racional de que se deve
amar o bem e evitar o mal. Este primeiro princípio da razão prática é o
próprio fundamento da lei natural, reflexo da sabedoria criadora de deus
em cada coração. Sendo tal juízo a aplicação da lei ao caso concreto,
torna-se para o homem um ditame interior, discernimento na concretude da
ação. A obrigação moral é, portanto, à luz da lei natural, a afirmação
última da conformidade entre um ato voluntário e a lei objetiva.
O juízo da consciência tem caráter imperativo e condena o agente que
pratica o ato contra ou sem a certeza da sua bondade. É a norma próxima
da moralidade pessoal. Sua autoridade deriva da verdade que a
consciência é chamada a escutar e exprimir.
Essa verdade é indicada pela lei divina, proveniente do Bem supremo a
que a pessoa humana se sente atraída. A consciência não é, portanto,
fonte autônoma e exclusiva para a decisão sobre o be e o mal, mas tem
em si um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que
fundamenta e condiciona suas decisões.
A consciência permanece como testemunha da verdade universal do bem e
da eventual malícia de uma escolha particular. Neste caso, é também
penhor de misericórdia e esperança – a existência do bem supremo
lembra o perdão a pedir, o bem a praticar e a virtude a cultivar.
O juízo prático da consciência revela o vínculo entre liberdade e
verdade. A consciência formula, portanto, atos de “juízo”, e não de
“decisão” arbitrária. E a maturidade e a responsabilidade medem-se
não por uma suposta “libertação” da consciência com relação á
verdade objetiva em favor de uma certa “autonomia”, mas pela procura
insistente da verdade como guia do agir.
Procurar a verdade e o bem. O juízo da consciência está sujeito a erro
eventual, tanto por ignorância invencível – situação em que mantém a
sua dignidade – quanto se há o descuido na busca da verdade e do bem,
e a consciência vai sendo progressivamente cegada pelo pecado. É a
consciência errônea.
Para ter boa consciência, é preciso procurar a verdade e julgar segundo
ela. Trata-se de aceitar e julgar segundo os critérios de verdade, em
pura consciência. Não se conformar com a mentalidade do mundo, mas
“transformá-lo pela renovação da mente em Deus (Rom 12,2), com a
força do Espírito Santo.
A consciência não é infalível. Todavia, quando erra por ignorância
invencível, da qual não pode sair sozinha, não perde sua dignidade, pois
não deixa de falar em nome daquela verdade do bem que o sujeito é
chamado a buscar sinceramente.
É da verdade que vem a dignidade da consciência. Na consciência reta,
vem da verdade objetiva. Na invencivelmente errônea, trata-se daquilo
que o homem, errando, considera como objetivo, mas é apenas
subjetivamente verdadeiro.
O mal cometido, neste caso, não é imputável ao agente, mas não deixa de
ser um mal, uma desordem face à verdade do bem. Tampouco colabora para o
aperfeiçoamento do homem no sentido do bem. Não devemos nos sentir
facilmente justificados em nome de uma consciência errônea, porque
existem faltas que não conseguimos ver, mas permanecem culpáveis, quando
nos recusamos a andar pela luz.
A consciência culpavelmente errônea tem sua dignidade comprometida,
cega que está pelo hábito do pecado. “Se o olho é mau, o corpo andará
em trevas (MT 6, 22). Se a luz que há em ti são trevas, quão grandes
serão tais trevas! Esse é o apelo de Jesus à formação da consciência,
pela contínua conversão ao bem. É preciso uma verdadeira conaturalidade
entre o homem e o verdadeiro bem, que se desenvolve e se fundamenta no
desenvolvimento das virtudes, em especial da prudência e das virtudes
cardeais e teologais – fé, esperança e caridade. 'Quem pratica a
verdade aproxima-se da luz (Jo 3, 21).
Para formar bem a consciência, a Igreja e o seu Magistério são grande
ajuda. Mestra da verdade, ela ensina a verdade que é Cristo e declara e
confirma também os princípios de ordem moral que dimanam da natureza
humana.
Se a liberdade da consciência se dá na verdade, a Igreja não fere a
liberdade ao ensinar à consciência cristã as verdades que já deveria
possuir, desenvolvendo-as a partir do ato originário da fé. A Igreja
serve à consciência, ancorando-a contra os “ventos de doutrina” ao
sabor da maldade do homem.

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