Quando temos a consciência de que a pessoa é o fundamento do direito,
sabemos que só no relacionamento com o outro o ser humano é pessoa.
Sendo relacional, o conceito de pessoa exige que o outro ser humano seja
também tido como pessoa, em qualquer hipótese, fundamento do direito em
igual medida que o outro. Cada ser humano causa a pessoalidade do outro,
e tem, em contrapartida, a sua própria pessoalidade causada nessa
relação. É por isso que nenhuma norma jurídica pode colocar numa
pessoa (que é sempre o sujeito) como objeto de uma relação jurídica.
Para o personalismo, o outro é complemento. Não assim para os
individualismos e coletivismos, que transformam o outro no adversário a
ser batido.
Ser humano é ser pessoa. Ser pessoa é ser sujeito. Ser sujeito é ser
causa. Por isso, todo ser humano pode ser apenas e tão-somente um
sujeito de direito, nunca um objeto. Um objeto é sempre causado por
forças irracionais, cegas, necessárias. Nunca é causa, vale dizer,
nunca poderia adotar um comportamento deliberado porque não teria
liberdade frente às forças que o superam e o conduzem.
Por isso, numa concepção personalista o comércio sexual é sempre
odiável. Não tenho a liberdade de comerciar o corpo, nem de
intermediar o corpo de uma pessoa para saciar o desejo sexual de outra,
em troca de vantagem para mim ou para terceiro, sob pena de reduzir a
pessoa cujo corpo está sendo comercializado à qualidade do objeto de uma
relação jurídica. Nego a pessoalidade de alguém quando, valendo-me de
uma circunstância que lhe reduziu ou anulou acidentalmente a sua
liberdade, ajo para a sua objetificação, e não para a sua
“pessoalização”.
Por isso também, são odiosos e criminalizados os atos que implicam em que uma
pessoa, valendo-se da reduzida ou nula capacidade de decidir da outra,
transforme-a em objeto, comercializando seu corpo a terceiro, ou elimine
a sua vida, como no caso do indivíduo humano ainda não nascido (e
portanto acidentalmente incapaz de ser causa de atos) que é objeto de
pesquisas destrutivas ou aborto. São condutas que, ao invés de elevar o
indivíduo com limitação acidental à condição de pessoa mas suas relações
sociais rebaixam-no à condição de objeto, negando sua potencialidade de
ser sujeito de direito e, portanto, atingindo o fundamento do próprio
direito. Isso não decorre de concepções moralistas ou apenas religiosas.
É personalismo, filosofia consistente em si mesma.
É por isso, também, que os chamados “crimes sexuais” e o assassínio
de bebês não nascidos são uma questão limítrofe para a própria noção de
ordenamento jurídico – têm fundamento na ideia de que o ser humano,
qualquer que seja, é sempre pessoa perante o direito (art. 6º da
Declaração Universal dos Direitos Humanos). Sem que seja assim,
sem que todo ser humano seja pessoa, o direito tornar-se-ia arbitrário,
irracional, voluntarista, contingente e violento.
A relação entre personalismo e cristianismo, que existe, vem sendo
usada, no entanto, pelos que odeiam a pessoa humana, como argumento
retórico para desqualificar o próprio ser humano como titular de uma
dignidade imanente, com base numa circunstância, a da coincidência entre
as religiões e o humanismo neste particular. Como se o fato de uma ideia
ser abraçada por uma filosofia e por uma religião fosse motivo para
desqualificá-la. Os retóricos anti-humanistas têm aparentemente sido
mais hábeis que os personalistas, já que ser coerente com a verdade não
implica em ser hábil com a retórica. O humanismo racionalista e
personalista está perdendo a luta para o irracionalismo libertário
anarquizante. E só porque este último tem sido mais hábil com as
palavras.
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