domingo, 14 de março de 2010

Mais deveres humanos

Estou convencido de que liberdade não é a capacidade de escolher indiferentemente entre o bem e o mal, de modo que mais livre seria aquela pessoa que teria mais opções diante de si. Se fosse assim, cada vez que eu optasse, eu me tornaria menos livre, porque optar é escolher uma das alternativas dentre as outras, e, portanto, renunciar as outras. Isso implicaria a diminuição da liberdade a cada vez que houvesse o seu exercício. Vale dizer, por essa linha de pensamento, o mais livre seria aquele cidadão que nunca escolhe, porque manteria todas as oportunidades abertas diante de si. Não é à toa que vemos as pessoas ficarem cada vez mais velhas sem casar: para quem pensa assim, casar é destruir a maior parte da liberdade.
Mas, paradoxalmente, nesse pensamento de liberdade como "a maior gama possível de escolhas entre o bem e o mal, indiferentemente", se não escolher é manter-se livre, paradoxalmente é também ser absolutamente não-livre, porque, se cada escolha elimina um pouco da minha liberdade, então eu sou levado a nunca escolher, e passo a minha vida num impasse, vendo as alternativas passarem por mim indiferentemente enquanto eu me resguardo de escolher para não perder minha "liberdade". Paradoxalmente, em nome de não perder a liberdade, eu fico completamente tolhido da única liberdade que este modo de pensar me oferece, que é a liberdade de escolher.
Assim, somente há liberdade na bem-aventurança. Vale dizer, no verdadeiro eudemonismo, não aquele utilitarista, mas no eudemonismo do sermão da montanha. Quer dizer, liberdade é ter a capacidade de escolher, dentre as várias alternativas concretas que se me apresentam, aquela que é capaz de me conduzir mais perto da bem-aventurança, da verdadeira felicidade. Do bem. Eu já citei, em outro lugar o texto do Servais Pinckaers que demonstra perfeitamente que o verdadeiro dilema do homem não é a indiferença entre o bem e o mal, mas o conflito entre o bem aparente e o bem real.
E qual seria esse conflito? Eu diria que o bem aparente é o que causa simples prazer, bem-estar, e o bem real é aquele que causa bem-aventurança. O critério para distingui-los é o seguinte: o bem aparente não pode ser compartilhado sem que o bem-estar que causa diminua para o seu possuidor. Por exemplo, se tenho um objeto de luxo e empresto para um amigo, ficarei privado desse objeto durante o período em que meu amigo o estiver usando.
Mas o bem verdadeiro, aquele que causa a bem-aventurança, aumenta seu poder de gerar felicidade quanto mais é compartilhado: o saber, a amizade, a família, os amigos, a vida social, o trabalho, tudo isso.
Nesta linha, eu pensei em mais alguns "deveres humanos" que ajudassem o homem a ser mais feliz, e portanto mais livres. Remeto ao texto em qe trato dos deveres sociais, e adianto que entendo "deveres humanos" como aquelas atitudes que indicam os comportamentos positivos que devo adotar para ser mais feliz. Quer dizer, os bens verdadeiros que, quando são compartilhados, aumentam a felicidade de todos.

1. Do dever de reconhecer a alteridade.


Esse dever implicaria a obrigação de cada ser humano em reconhecer que
há outros seres humanos vivendo no mundo, aos quais ele deve ser o menor
fardo possível, e com os quais deve colaborar para reduzir as agruras.
Parece básico e óbvio, mas, como já se disse sabiamente alhures, às
vezes o óbvio é o mais difícil de descobrir.
Com a determinação de que cada ser humano contemplasse o outro como
alguém com igual dignidade, aberta estaria a porta para os demais
deveres, em seguida relacionados.

2.Do dever de exercer com afinco, zelo e prudência, toda tarefa que
he for atribuída, e de submeter-se lealmente a quem detenha autoridade legítima.

Num mundo que viveu por repetidas vezes a opressão, o exercício da
autoridade passou a ser encarado, muitas vezes, como um embaraço
permanente (um uma aporrinhação) para quem o exerce e uma opressão
permanente para quem eventualmente a ele se sujeita. Com essa premissa
fundamental – a de que toda autoridade, por princípio, é ilegítima,
independentemente da forma como adquirida ou da benignidade com que seja
exercida, tem solapado estados, famílias, escolas, associações, enfim,
toda organização social.
Por um lado, temos o legítimo exercente de poder que o exerce mal,
timidamente, ou mesmo se recusa a exercê-lo, como no caso dos pais de
família que pouco se importam com seus filhos, dos líderes comunitários
que abandonam suas comunidades, dos políticos que administram sem
envolvimento com os problemas que lhes são entregues a resolver.
Por outro lado, temos aqueles que, na posição de submissão (no melhor
sentido da palavra) a essa autoridade legítima aferram-se à
desobediência, à sabotagem, à resistência, enfim, à deliberada
intenção de tornar esse exercício impossível ou ao menos bem
difícil, deixando de colaborar com toda a lealdade para o seu
sucesso.

3.Do dever de misericórdia para com o subordinado.
Qualquer indivíduo que esteja numa situação de preponderância frente a
outro – pai, patrão, governante, enfim – tem o dever de agir com
misericórdia para com o inferior, ou seja, exercer o poder não em seu
próprio benefício, mas para o benefício do objetivo comum do
respectivo grupamento que o legitima.

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