terça-feira, 2 de março de 2010

Ser um benfeitor da paz (com Marilia Jacobina)

Ser um Benfeitor da Paz

(com Marilia Jacobina)

Quereria ser missionário, não apenas durante alguns anos, mas quereria
tê-lo sido desde a criação do mundo até à consumação dos séculos. Mas
quereria, sobretudo, ó meu Bem Amado Salvador, derramar o meu sangue por
Ti, até a última gota». (Santa Teresa do Menino Jesus. História de uma
Alma, B, 3r)


Quantos de nós, cristãos, serão chamados para as grandes missões, para
a vida de oração plena, para a dedicação diuturna à obra do Senhor!
Certamente bem poucos. A maioria de nós viverá a sua vida de cristãos no
meio do mundo, enfrentando o cansaço e o desgaste de encarar a rotina
sem desligar-se de Deus. Às vezes, rezando um terço corrido no meio do
trânsito, às vezes uma Ave-Maria às seis da tarde ou um Pai-Nosso na
hora de colocar as crianças para dormir. Às vezes arrumando um tempinho
para ir à missa algumas vezes também no meio da semana – sem fugir
àquela vaga sensação de estar “roubando tempo” do trabalho ou da
família para encontrar-se com Jesus, muitos, como eu, vivem uma relação
de amor meio atabalhoada, meio clandestina, com aquele que devia ser a
própria fonte do nosso amor, porque é a fonte do Amor – Jesus Cristo.


Não podemos fugir, também, muitas vezes, daquele vago sentimento de
culpa por não poder dedicar-se a uma obra social, ou mesmo a uma leitura
orante da Bíblia de modo diário. No primeiro caso – das obras sociais
- esse sentimento de vago desconforto consigo mesmo não deixa de estar
atrelado a um certo “pobrismo” que reinou em certas “teologias”
de moda, aquelas que substituíam Jesus pelo “proletário” e a missa
pelo ativismo social, e que, vira e mexe, ainda ecoa em algumas homilias
e documentos eclesiais. Vale dizer, um cristão leigo acorda de
madrugada, corre incansavelmente para ganhar a vida, busca educar seus
filhos de um modo cristão num mundo que já deixou de ser cristão há
algum tempo, reza, erra, se arrepende, confessa, ama, frequenta a missa,
tenta viver o cristianismo, apanha, fica triste, se alegra, mas não pode
fugir da vaga sensação de que poderia fazer mais. Ao fim do dia, já meio
esgotado, depois de rezar com as crianças, deita na cama e percebe o
quão pouco tem a oferecer a Deus, de tudo quanto fez, de tudo quanto
aconteceu consigo no dia que passou.

É certo que o Espírito Santo é uma doce consolação que nos acompanha,
mas também é certo que normalmente estamos ocupados demais, estressados
demais, aflitos demais, atrasados demais, para permitir-nos receber esse
afago de amor que está sempre à nossa disposição. É que nós raramente
estamos à disposição dele.

É quando o Espírito Santo, aproveitando aquele breve momento de
relaxamento, aquela pausa no meio do expediente, nos diz: “Ei, Eu não
sou teu! Não sou tua propriedade, nem teu monopólio! Tu és meu, e não o
contrário!” E ressoa a voz doce de Jesus: “Vinde a mim, vós que
estais cansados sob o peso do vosso fardo, e Eu vos darei descanso!”.
E eu percebi: sim, eu sou Igreja, mas não porque a Igreja é minha– e
sim porque eu sou da Igreja! Não preciso levar nos meus ombros o fardo
do mundo – Jesus já o fez por mim. Preciso apenas tomar a minha
pequena cruz, aquela da labuta do dia-a-dia, e seguir Jesus, presente no
Seu corpo místico. E fazê-lo com alegria. Caminhar com a Igreja. Não
preciso correr alucinadamente, como se precisasse, sozinho, conquistar o
mundo inteiro. “Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, mas
arruinar a sua vida? Que dará em troca da sua vida?”

Ser um Benfeitor da Paz na Comunidade Shalom me ajudou bastante a ver
as coisas assim. Não posso fazer todas as coisas que a Igreja faz –
nem devo. Mas posso participar um pouquinho, dando a minha contribuição
para que outras pessoas, meus irmãos cristãos, possam multiplicar as
sementinhas de Jesus , umas cem, outras sessenta, outras trinta por um. É
mais uma maneira de enxertar-me na grande videira que é a Igreja de
Jesus: ao lado dos meus vínculos paroquiais, tenho a graça de me sentir,
ainda que só um pouco, como fazendo parte do trabalho que a Comunidade
Shalom realiza no Brasil e, para o nosso (santo) orgulho, também em
outros lugares do mundo. Com o coração assim pacificado, e grato por ser
um filho da Igreja, sinto-me um pouquinho mais presente no trabalho que
o Espírito Santo realiza no mundo – um filho silencioso e pequenino
participando do trabalho infinito e silencioso do Pai. Aprendendo com
Jesus a ser, no meio de tanta agitação, um pouco mais manso e humilde de
coração.

Quando me abro para dar um pouco daquele muito que me vem por graça –
e que, diferentemente do óbulo da viúva, me fará muito pouca falta –
descubro a desproporção entre o que dou e o que recebo: como filho da
Igreja, estou inserido por mais uma maneira naquela que é missionária
para sempre, até a consumação dos séculos. E um pouco mais livre para
reparar nas enormes consolações que Deus prepara para nós no dia-a-dia:
o carinho amoroso do cônjuge, o sorriso espontâneo de um filho, um
cumprimento de um colega amigo, a luta admirável de quantos, como nós,
lutam para não perder o próprio centro num mundo que nos rouba de nós
mesmos. Não tenho dúvidas: só possuímos de verdade aquilo que damos com
amor. O resto é cruz, cuja aceitação é condição para o seguimento de
Jesus.

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