quarta-feira, 3 de março de 2010

as regras formais de discussão e os valores

A vontade honesta de discutir e lealdade no debate são insuficientes para atingir os próprios valores "de fundo" envolvidos. As pessoas que discutem podem concordar com as regras do debate, podem inclusive estar abertas a ouvir o outro e até mesmo concordar em não usar a “estratégias erísticas” (no sentido que Schopenhauer dá ao termo, quer dizer, “como vencer um debate sem precisar ter razão”) na discussão. Mesmo assim, mesmo tendo atenção a tudo isso, não conseguimos “construir valores” a partir apenas das regras formais de debate. Acho que, neste particular, Habermas tem apenas parte da razão. Ainda que houvesse o “debate perfeito” entre um grupo de sujeitos espetacularmente honesto, se não houver uma “conversão” (entendida como a experiência de voltar o coração para longe das forças que nos aprisionam na indiferença ou nos fazem voltar o rosto contra o outro, contra o diverso, em uma palavra, contra o próximo), o diálogo apenas não é suficiente: o valor em si está além do processo de discussão. Há uma sabedoria que reside no coração, mas não apenas nele. Reside também num modus vivendi, numa compaixão, num desejo de paz e de esperança para todos que, acredito, é reconhecível pela razão honesta, desde que aberta à objetividade e purificada pela prudência.
Quanto a isto, foi uma boa surpresa para mim ler o documento “Em Busca de uma Ética Universal”, da Comissão Teológica Internacional. Ali, um pequeno trecho, que passo a transcrever, confirma minha opinião de que, mesmo envolvendo dois interlocutores honestos e sinceros, não se pode construir valores apenas com base num “consenso” que dificilmente chega:
“8. Em tal contexto, em que a referência a valores objetivos absolutos reconhecidos universalmente se torna problemática, alguns, desejosos de dar assim mesmo uma base racional às decisões éticas comuns, ensinam uma “ética da discussão” na linha da compreensão “dialógica” da moral. A ética da discussão consiste em utilizar, no decorrer de um debate ético, apenas as normas com as quais todos os participantes concordam, renunciando aos comportamentos “estratégicos” para impor seus próprios pontos de vista, e possam dar seu consentimento. Assim, pode-se determinar se uma regra de conduta e de ação ou um comportamento são morais, porque, deixando de lado os condicionamentos culturais e históricos, o princípio da discussão oferece uma garantia de universalidade e racionalidade. A ética da discussão interessa, sobretudo, pelo método pelo qual, graças ao debate, os princípios e as normas éticas podem ser colocados à prova e tornarem-se obrigatórios para todos os participantes. Ela é, essencialmente, um procedimento para testar o valor das normas propostas, mas não pode produzir novos conteúdos substanciais. A ética da discussão é, portanto, uma ética puramente formal, que não concerne às orientações morais de fundo. Ela corre, assim, o risco de se limitar a uma busca de compromissos. Certamente, o diálogo e o debate são sempre necessários para obter um acordo realizável sobre a aplicação concreta das normas morais em uma dada situação, mas elas não podem marginalizar a consciência moral. Um verdadeiro debate não substitui as convicções morais pessoais, apenas as enriquece”

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